Por: Laércio Becker, de Curitiba-PR

José da Silva Paranhos Jr. (1845-1912), o Barão do Rio Branco, quando jovem, praticava esportes com mais assiduidade que a mocidade de sua época. Especialmente a equitação e a esgrima – manejava bem o florete, chegando a bons resultados. Considerava o duelo de espadachins algo que mantinha um bom físico porque, para o manejo da espada, é necessário um mínimo de agilidade e de vigor físico, ao contrário do esforço que exige apertar um gatilho. Apesar isso, também treinou tiro-ao-alvo, com pistola. Mas nunca chegou a duelar pela honra.

Também ensaiou praticar natação e pedestrianismo. Somente aos 45 anos abandonou a esgrima. E, depois que embarcou para os EUA, adotou uma vida mais sedentária, por conta da falta de tempo – dedicado exclusivamente ao trabalho, nunca tirou férias durante 40 anos.

O Barão nunca jogou futebol. Em compensação, se interessou pelo esporte. E bem cedo. Como é sabido, a famosa partida de Charles Miller foi em 1895. Pois em 07.04.1896, ele escreveu, de Paris, uma carta para seu amigo Silveira Martins, em que demonstra grande conhecimento sobre o jogo e não esconde seu entusiasmo. Vejamos os seguintes trechos (apud Lafayette Pereira e Lyra Filho):

“Hoje, às 3 horas, há a última partida de football entre os melhores jogadores de Paris e o Club de Coventry, que possui uma das mais célebres turmas de football da Inglaterra. A partida será muito interessante, talvez mais do que a de ontem, a que Hilário [Hilário de Gouvêa, ocultista e cunhado de Joaquim Nabuco e professor exilado da Faculdade de Medicina do Rio] assistiu com uma das filhas. Mando-lhe esta notícia, porque pareceu-me anteontem que Madame Silveira Martins desejava assistir a um match internacional, e estou convencido de que o espetáculo o interessará também. Esse gênero de sport deveria ser introduzido no seu Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Minas, onde o clima permite tais exercícios.

(...)

Meu filho Paulo, estudante de Medicina, é o arrière [zagueiro] da equipe francesa, sendo tido como o melhor do país. No mundo dos sports atléticos, aqui, chamam-no Da Sylva, estando-lhe confiada a última defesa do campo quando os ingleses forçarem – como hão de forçar – as três linhas de avantes, demais e trois-quarts.

Ontem, o Paulo atirou ao chão todos os ingleses que pôde, até cansar, mas eles são muito superiores aos franceses em disciplina e na arte de passar o balão. Aquele que era atirado ao chão pelo Paulo lançava o balão a outro inglês muito distante, e este, sem encontrar franceses, porque todos perseguiam o primeiro, fazia o ponto [gol].”

Vê-se, nessa carta, que o Barão demonstra grande interesse e conhecimento do jogo. Chega a ser um visionário, prevendo a disseminação do futebol no Brasil. Seu erro foi excetuar os estados de clima mais quente, como o Rio de Janeiro. Mas nisso não estava sozinho. Em 1914, o escritor inglês Alured Gray Bell (apud Leonardo Pereira) espantava-se com a popularidade do futebol em cidades quentes como o Rio:

“No Rio de Janeiro, o clima exacerbado faz de esportes de todos os tipos uma atividade muito severa para o corpo humano durante pelo menos cinco meses por ano. Por isso é um pouco surpreendente que, em uma pesquisa recentemente realizada por um jornal carioca junto aos seus leitores, sobre qual o preferido dos esportes, o futebol encabece a lista.”

Talvez depois o Barão tenha mudado de opinião sobre a prática do futebol no Rio, já que apoiou a vinda do selecionado argentino ao Rio de Janeiro, onde jogou três amistosos, em julho de 1908. Contribuiu com dez contos de réis para custeio das despesas do time na cidade, assistiu às partidas junto à “sociedade mais fina do nosso meio chic” e, ao fim da excursão, promoveu um “luncheon” no Palácio Itamaraty, para saudar os “distintos turistas da Argentina em visita ao Rio”.

Fato é que o Barão virou um notório simpatizante do America Football Club e amigo de seu grande ídolo, Belfort Duarte. Por isso, em 1909, o clube resolveu dar ao então Ministro das Relações Exteriores o título de Presidente de Honra. Segundo Orlando Cunha e Fernando Valle, o Barão aceitou prazerosamente a homenagem. Recebeu em audiência, no Palácio do Itamarati, a diretoria do America, que lhe trouxe o seguinte comunicado:

“Ao Exmo. Sr. Barão do Rio Branco, M.D. Ministro das Relações Exteriores e Presidente Honorário do America F.C.

Rio de Janeiro, 22 de maio de 1909.

Exmo. Sr.:

Em cumprimento de gratíssimo dever, sou feliz em levar ao conhecimento de V. Exª que, em Assembléia Geral de 7 de maio corrente, convocada para a reforma dos Estatutos do nosso Clube, ficou deliberada, por indicação da Diretoria e com o apoio unânime dos sócios, a inclusão nos mesmos de artigo especial, em virtude do qual tem o Clube a subida e inapreciável honra de considerar V. Exª seu Presidente Honorário. Certo de que V. Exª dignar-se-á em aceitar o que foi decidido com entusiasmo e orgulho nosso, prevaleço-me do ditoso ensejo para subscrever-me com verdadeira admiração.

Pela Diretoria:

a) Roberto J. Shalders, 1º Secretário.”

 

Três anos depois, o Barão faleceu (infelizmente, não chegou a ver seu clube campeão). Quem poderia ser um bom sucessor nesse cargo honorífico?

Segundo Thiago Oliveira, a rua em que está localizado o clube ganhou o nome de Campos Sales porque ele teria se declarado torcedor do America. Então, Manoel Ferraz de Campos Sales (1841-1913), ex-Presidente da República, seria um candidato fortíssimo. Vamos avaliar a hipótese?

A Rua do Hipódromo foi aberta em 1899 e tinha esse nome devido ao Hipódromo Nacional, que lá se localizava. O America só foi para essa rua em 1911, graças à fusão com o Haddock Lobo FC, instalando-se no terreno do hipódromo. Pelo Decreto nº 1.165, de 31.10.1917, a rua mudou de nome para Rua Campos Sales.

Como não tive acesso ao Decreto, só posso especular: é possível que o fato de um falecido Presidente da República ter torcido para um clube fundado há treze anos ser suficiente para dar seu nome à rua em que esse clube se instalou há apenas seis anos?

Não encontrei em sua biografia nem uma menção a interesse por futebol, muito menos pelo America. Mas isso não significa muita coisa, pois as biografias dos “homens sérios” daquela época costumavam ignorar solenemente esse tipo de informação. Basta dizer que as biografias do industrial paranaense Ivo Leão (do Matte Leão) não dizem uma palavra sobre o fato de, na juventude, ele ter sido o artilheiro do primeiro campeonato paranaense de futebol – e vice-versa: os livros de futebol não falam sobre suas atividades empresariais posteriores.

O que a biografia fala é que Campos Sales era paulista. Embora tivesse que ficar no Rio por força dos cargos que ocupou (Presidente da República de 1898 a 1902, Senador de 1909 até a morte), sempre voltava para seu estado natal, mas para Santos e Guarujá (preferia beira-mar), onde era recebido em festa e onde acabou falecendo. Isso dificulta ainda mais a hipótese do torcedor. Por que um ex-Presidente da República, que não era carioca nem morava no Rio, septuagenário, se interessaria por um esporte recém chegado ao país e torceria por um clube fundado há menos de dez anos e sem títulos? No entanto, mutatis mutandis, essas mesmas objeções se aplicariam também ao Barão do Rio Branco que, apesar de tudo isso, foi inegavelmente um simpatizante do America.

Enfim, o Barão faleceu em 1912. Aberta a vaga, bem poderia ser escolhido Campos Sales. Só que ele faleceu em 28.06.1913. Antes de o America conquistar seu primeiro título, o que aconteceu em novembro.

Só em 04.09.1913, o America escolheu seu novo Presidente de Honra: o Chanceler Lauro Müller, sucessor do Barão no Itamarati no governo Wenceslau Braz, por ter ajudado o clube a trazer a seleção chilena de futebol para amistosos. Na realidade, parece que Lauro realmente se dedicou ao futebol. P.ex., em 1916, foi graças à sua atuação que as ligas carioca e paulista, que estavam em pé-de-guerra, deixaram suas pendengas de lado para compor uma seleção de futebol para disputar o 1º Campeonato Sul-Americano, em Buenos Aires. Curiosidade: como vimos em nosso artigo “Contra o foot-ball”, foi ele quem propôs (em vão...) a Rui Barbosa que viajasse juntamente com essa seleção. Também graças à sua iniciativa, surgiu a CBD, atual CBF. Nesse mesmo ano de 1916, aliás, Lauro doou a “Taça Rio Branco”, para ser disputada pelas seleções brasileira e uruguais.

Depois, durante a 1ª Guerra Mundial, o chanceler, descendente de alemães, tentou evitar ao máximo a declaração de guerra contra a Alemanha (que só veio a ocorrer no fim da guerra, em 1917). Daí que, mesmo contra a opinião pública, o Presidente de Honra do America autorizou (ou “sugeriu”?...) um amistoso do clube contra um time de alemães radicados em São Paulo, para angariar fundos para a Cruz Vermelha alemã. Foi em 17.04.1915. O America venceu por 6x1 mas perdeu Belfort Duarte, que, seriamente contundido, acabou tendo de abandonar o futebol poucos meses depois.

A questão da Guerra desgastou muito Lauro Müller, que acabou saindo do Ministério. (Seu sucessor não dava a mesma importância ao esporte. Tanto que, em 1921, Gilberto Amado lamenta que “se Rio Branco estivesse vivo, não se alhearia desse assunto, tendo como de seu dever velar pelo nome do Brasil no exterior”.) E a infeliz partida em que Belfort se contundiu desgastou Lauro com o America. Daí que, antes mesmo de seu falecimento (que só ocorreu em 1926), em 14.09.1921, o clube finalmente concedeu o título de Presidente Honorário a um ex-Presidente da República. A honraria coube a Wenceslau Braz, que agradeceu mediante ofício com data de 26.09.1921. O título decorreu do apoio que o Presidente sempre deu ao America.

O Presidente da República seguinte a ser agraciado pelo America, mas dessa vez em pleno exercício do mandato, foi Washington Luís, em 03.10.1927. Só que com o título de sócio honorário, ou seja, sem “destituição” de Wenceslau Braz, que viveu até 1966.

Outros Presidentes de Honra do America foram Fábio Horta de Araújo (título concedido em 30.06.1968), João Havelange (31.05.1971) e Emílio Garrastazu Medici (22.11.1972).

Fábio Horta era americano de quatro costados; patrono e ex-presidente do clube, faleceu em 16.04.1970. Medici era flamenguista, mas em pleno exercício do mandato de Presidente da República. E João Havelange era tricolor, mas no exercício do mandato de Presidente da CBD. Quando perguntado pelo americano Achilles Chirol se ainda lembrava que era Presidente de Honra do America, na Revista do America nº 76, out. 1975 (apud Bulhões), Havelange disse o que provavelmente receberia o endosso de todos os demais Presidentes de Honra do America, americanos ou não:

“Essa honraria faz parte do meu currículo. Foi uma distinção particularmente grata, pois todos sabem que me formei esportivamente no Fluminense. Tenho pelo America uma admiração muito especial. Homens como Belfort Duarte, Antônio Avellar, Max Gomes de Paiva e tantos outros fazem parte da história do esporte brasileiro.”

 

Fontes:

BULHÕES, Antônio. Diário da cidade amada. Rio de Janeiro: Sextante, 2003. v. 2, p. 393.

CALDAS, Waldenyr. O pontapé inicial: memória do futebol brasileiro. São Paulo: Ibrasa, 1990. p. 39.

CUNHA, Orlando. Cronologia de uma odisséia. Rio de Janeiro: s/n, 2001. p. 2-4, 6, 8, 33, 35.

CUNHA, Orlando; CASTRO, Therezinha de. O America na história da cidade. Rio de Janeiro: ed. dos autores, 1990. p. 27.

CUNHA, Orlando; VALLE, Fernando. Campos Sales, 118: a história do América. 2ª ed. Rio de Janeiro: Didática e Científica, s/d. p. 51, 70-1, 84-5, 119.

DEBES, Célio. Campos Salles: perfil de um estadista. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978. v. 2, p. 610-1.

IORIO, Patrícia; IORIO, Vitor. Rio Cricket e Associação Atlética. Rio de Janeiro: Arte e Ensaio, 2008. p. 95-6.

LYRA FILHO, João. Introdução à sociologia dos desportos. Rio de Janeiro: Bibliex, 1973. p. 89.

MARINHO, Inezil Penna. História da educação física e dos desportos no Brasil. São Paulo: RT, 1952. v. 2, p. 119.

MAZZONI, Tomás. História do futebol no Brasil. São Paulo: Leia, 1950. p. 109.

OLIVEIRA, Lili Rose Cruz; AGUIAR, Nelson. Tijuca de rua em rua. Rio de Janeiro: Estácio de Sá, 2004. p. 121.

OLIVEIRA, Thiago Passos de. Deus e o diabo na terra do futebol: reflexões sobre a disputa totêmica no America Football Club. In: TOLEDO, Luiz Henrique de; COSTA, Carlos Eduardo (orgs.). Visão de jogo: antropologia das práticas esportivas. São Paulo: Terceiro Nome, 2009. p. 214.

PEREIRA, Lafayette Silveira Martins Rodrigues. Introdução. In: SILVEIRA MARTINS, Gaspar. Discursos parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados, 1979. p. 48.

PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Footballmania: uma história social do futebol no Rio de Janeiro, 1902-1938. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. p. 103-4, 123, 145-7.

RIO BRANCO, Raul do. Reminiscências do Barão do Rio Branco. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1942. p. 160-2.

SARMENTO, Carlos Eduardo. A regra do jogo: uma história institucional da CBF. Rio de Janeiro: FGV/CPDOC, 2006. p. 1-2.