Bala na Cara: O perigo de um poder hegemônico no sistema carcerário do Rio Grande do Sul

 

 

1 INTRODUÇÃO

Desde de a demonstração de força pela falange gaúcha na fuga espetacularizada do Presídio Central de Porto Alegre (PCPA) no ano de 1994, pode-se perceber o surgimento e fortalecimento de facções criminosas no sistema prisional no estado do Rio Grande do Sul (Rs). Esse fortalecimento deu-se a partir da inserção de um modelo empresarial na gestão, por assim dizer, das quadrilhas criminosas. O comércio de drogas ilícitas, o tráfico de armas, a lavagem de dinheiro e crimes conexos provenientes destes delitos fez com essas quadrilhas tivessem um crescimento exponencial, concomitantemente a isso as coberturas da mídia (muitas delas glamourizando o crime) que arregimentou uma horda de jovens[1] em busca de reconhecimento como pertencente á este ou aquele grupo. O presente estudo busca descrever a evolução deste poder e os perigos concernentes a uma possível hegemonia dentro do já frágil sistema carcerário gaúcho.

2 A GÊNESE CRIMINAL

O fracasso prisional e a política de encarceramento massivo institucionalizada pelos sucessivos governos como política de segurança pública no Rs tem retroalimentado a criminalidade organizada e produzido, ainda que inconscientemente o fortalecimento das chamadas facções criminosas que lutam pelo poder dentro dos presídios no Rs. Esse notório crescimento tem sido lastreado, sabidamente, por ações engendradas e comandadas de dentro dos presídios concernentes aos mais diversos tipos delituosos como o tráfico de drogas, roubos á banco, roubo e furto de veículos e sequestros entre outros.  As idéias de globalização, as novas tecnologias de informação e comunicação e o acesso á informação tem sido catalizadores nas organizações e do fortalecimento das facções mesmo dentro dos presídios. A máquina que estimula o ciclo da delinquencia tem como carro chefe o tráfico de drogas e a relação de comércio estabelecida entre o traficante e o usuário das mais diversas drogas ilícitas, visto que, assim como no mercado formal, nessa relação também funciona a lei da oferta e da procura. Sobre essa lei incide a chamada “guerra do tráfico”, a guerra por pontos de distribuição, muitas das vezes disputados palmo á palmo nos bairros das cidades do Rs. Nesse contexto de luta pelo “poder”,entre os anos de 2008 e 2009,  temos o surgimento de uma nova facção que antes mesmo de ser batizada pela imprensa, já mostra, nas empoeiradas vielas da vila Bom Jesus sua força e decisão aniquilando rivais com os chamados “tiro de esculacho”[2], tiros que além de tirar a vida dos oponentes trazem fama para o autor.

 

3 A MÍDIA E O CONTEXTO DA CRIMINALIDADE

A velocidade da informação e o conceito de all platform[3] são incontestavelmente um momento histórico de avanço para as sociedades, mas este momento também trouxe uma corrida entre os conglomerados de imprensa na tentativa de sempre informar antes, o que não necessariamente quer dizer informar melhor. Esse acesso á informação em real time tem trazido um empoderamento ás pessoas e produzido também o efeito de poder sobre as massas, traduzindo em um conhecimento sobre tudo e em qualquer lugar. Esse poder midiático funciona como uma liturgia que leva a pessoa que recebeu, ou leu determinada notícia a repassá-la para várias outras pessoas e aquele assunto se tornar uma verdade incondicional, cuja fonte e veracidade não foram atestadas. Logo, aparecer na primeira página de um jornal, em um site na internet e passar a ser o comentário geral na região onde mora passou do imaginário dos jovens para a possibilidade de ser reconhecido e prestigiado, ainda que pelo cometimento de um crime. A força usada pela mídia para massificar a marca de um produto, tornando-o conhecido e desejado pelo público ávido por novidades foi e está sendo usado para estimular a sensação e o desejo de pertencimento á um grupo, a glamourização e banalização do crime e da vida criminosa. Com rótulos, frases de efeito, fotos trabalhadas com photoshop e muitas das vezes com um discurso que glamouriza o crime há um forte apelo por parte da mídia que vende a idéia do sensacionalismo do crime. Segundo Zaffaroni[4], os meios de comunicação são responsáveis por demandas que criam o chamado pânico social

 

4 PCC: O BENCHMARK[5] DA CRIMINALIDADE

Os modelos de “sucesso” também são seguidos no mundo do crime. A forma gerencial de administração da estrutura criminal usada pelo PCC (nascido dentro das cadeias do estado de São Paulo) tem motivado outras organizações criminosas á buscarem uma forma de se perpetuar no tempo e no espaço. O modelo piramidal estruturado, onde cada indivíduo do grupo colabora com uma quantia mensal para o caixa da organização, se sujeita á prestar contas para alguém do nível imediatamente superior e também deve se dispor para outras tarefas promoveu o fortalecimento financeiro e a busca por novo modalidades de investimento do dinheiro proveniente do crime. Nessa linha, a forma adotada pela organização chamada bala na cara (BNC) também chama a atenção no modo peculiar de franquear seu nome, sua estrutura e modus operandi. Esse franqueamento resulta de acordos com líderes do tráfico locais e em não existindo acordo, os bala na cara tentam tomar a boca de tráfico[6] á força. Aluguel de armas e envio de grupos armados para reforçar a segurança e caçar desafetos estão no rol de atividades disponibilizadas pela franquia. O poder dos bala na cara vem de suas alianças e acordos com outros bandos que se sujeitam a comprar drogas, receber ordens fazer negócios com o aval dos BNC. É natural que uma organização após se estabelecer, mesmo que em um cenário antagônico, busque se expandir, delimitando seu território e fortalecendo sua marca junto aos seus clientes, fornecedores e demais circulos, ao contrário das demais façções gaúchas (e o próprio PCC) que nasceram dentro da carceragem e buscaram depois se consolidar nas ruas, os BNC foram em sentido contrário, surgiram na rua e hoje tem se fortalecido dentro das cadeias gaúchas visto as facilidades encontradas no atual modelo prisional.

 

 

5 A EXPANSÃO E PERSPECTIVAS

O fenômeno da expansão dos BNC merece ser estudado em suas minúcias, visto que o poderio econômico[7] para uma facção se transforma em uma ameaça do crime organizado contra o estado. Essa ameaça complexa, (como podemos ver na megarrebelião patrocinada pelo PCC no ano de 2006 em São Paulo), é iminente visto as facilidades que a quadrilha dos BNC tem encontrado para se expandir e crescer dentro e fora dos muros das cadeias. Esse poderio econômico é usado para entrar nas estruturas do estado, “comprando” desde informações até sentenças judiciais.  No caso dos BNC sua expansão dentro do sistema carcerário se deu a partir do mês de abril de 2010, quando o líder da facção Os Manos, Paulo Marcio Duarte da Silva, alcunha Maradona, virou alvo de duas ações policiais e do Ministério Público, que revelaram o poder da sua facção. Ele concentraria um verdadeiro consórcio do tráfico na região a partir da Pasc. Por isso, foi transferido, na época, para o Paraná. Com Os Manos enfraquecidos, os BNC entram em guerra pelo poder das cadeias em condições de igualdade. Outro artifício usado pela quadrilha e que condicionou sua expansão foi a descentralização de poder, onde os gerentes de células menores detém certo poder de decisão e na eventualidade de prisão de algum dos líderes os seguintes na hierarquia assumem o andamento dos negócios da quadrilha. Essa pulverização do controle de bocas de tráfico tem angariado com o passar do tempo mais recursos e mais adeptos. A autonomia financeira das células criminosas também é parte deste poder. Se em uma investigação há a apreensão de drogas e dinheiro da facção, logo outra parte coopera para a manutenção daquele ponto de tráfico. A quadrilha não é lesada de todo, apenas em parte e pode permanecer operando. A lavagem de dinheiro usando o nome de laranjas em contas bancárias diversas, com depósitos pequenos e sequenciais são de difícil percepção, o investimento em pequenos negócios, com aparência de lícitos, para ocultar a origem ilícita do dinheiro também são artifícios cada vez mais empregados para dissimular a atividade criminosa. No atual modelo de atuação as perspectivas de crescimento e fortalecimento da quadrilha são substancialmente maiores. A criação de vínculos, de contatos e troca de informações dentro das cadeias e entre as cadeias cooperam para o surgimento de novos líderes, novas modalidades criminosas, o engendramento de ações como assaltos á carros-fortes e agências bancárias com uso de explosivos, sequestros e homicídios cooperam para o fortalecimento do caixa da organização. O acesso fácil á comunicação via telefonia celular e internet nas suas diversas modalidades, como já é sabido, trazem para a delinquência organizada uma vantagem estratégica jamais vista permitindo o fluxo de informações e articulação de ações criminosas quase que instantâneamente.

 

 

 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na grave crise que tomou conta do estado de São Paulo no ano de 2006 (e que por fontes não oficiais somente foi controlada após um “acordo” entre a administração pública e a liderança da facção PCC) pode-se ver o peso político e a falta de um plano estratégico para estancar e minimizar o impacto das atividades da organização criminosa. A imprensa noticiou que dados de inteligência davam conta da possibilidade de rebelião em diversas unidades prisionais daquele estado pelo menos quinze dias antes da data prevista o que não foi repassado para as unidades operacionais, ocasionando um grande número de baixas entre os efetivos da segurança pública e o elevando o custo político da falta de estratégia para conter a crise logo nos primeiros embates. Também já havia o monitoramento das ações da facção e de seu fortalecimento financeiro devido a sua forma de administração gerencial. Consideramos neste estudo o potencial financeiro da quadrilha denominada bala na cara, suas atividades criminosas diversas (o que aumenta em muito o fluxo de dinheiro arrecadado) e diversificadas por áreas de Porto Alegre e região metropolitana, os possíveis vínculos com delinquentes de outros estados e seu crescimento exponencial dentro do sistema carcerário gaúcho. Isto posto, necessário se faz ações coordenadas entre os órgãos de segurança pública para conter o crescimento da quadrilha. Monitoramento dos líderes que estão presos nas casas prisionais, tanto nos regimes fechado quanto aberto e semi-aberto; força-tarefa para investigação, mapeamento e produção de dados de inteligência de locais, bairros e regiões de atuação da quadrilha para ações de contenção e identificação de novas lideranças; apoio do MP quanto ao levantamento e bloqueio de bens, direitos e valores de recursos provenientes de ações delituosas utilizadas pela quadrilha, conforme estabelecido na lei 12683/12 estão entre as ações possíveis para refrear a possibilidade da hegemonia dos BNC no sistema carcerário gaúcho. A antecipação dessas ações colaborarão para evitar a instalação de uma crise comandada de dentro dos presídios[8], dos custos políticos e a instabilidade social causada para o gerenciamento de tal situação.

 

 

 

 

 

 

 

 

 REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS

ARAUJO, Ingrid Rossana Santos de. A formação das facções criminosas e o seu papel no sistema carcerário. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jul. 2013. Disponivel em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.44326&seo=1  Acesso em: 11 dez 2014

 

BIGOLI, Paula dos Santos e BEZERRO, Eduardo Buzetti Eustachio. Facções Criminosas: O caso PCC - Primeiro Comando da Capital. Disponível em:http://jus.com.br/artigos/33754/faccoes-criminosas-o-caso-do-pcc-primeiro-comando-da-capital Acesso em 11 dez 14

 

BENCHMARKING. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2014. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Benchmarking&oldid=40816731>. Acesso em: 12 dez. 2014.

 

BOCA DE FUMO. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2014. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Boca_de_fumo&oldid=39077662>. Acesso em: 12 dez. 2014.

 

JURÍDICO, Consultor. Cada país tem o número de presos que decide ter. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-jul-30/cada-pais-numero-presos-decide-raul-zaffaroni

Acesso em 12 dez. 2014

 

BRASIL. Lei 12683/12. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12683.htm#art2 Acesso em 15 dez14

 

GOMES, Luiz Flávio. CRIMINALIDADE ECONÔMICA ORGANIZADA. Disponível em: http://www.lex.com.br/doutrina_24801423_CRIMINALIDADE_ECONOMICA_ORGANIZADA.aspx Acesso em 11 dez 2014



[1] muitos não alcançados pelos serviços e atendimentos dados pelo estado, sistema escolar, saúde, cultura e entretenimento precários ou não atingidos pelas políticas públicas

 

[2] tiros disparados á queima-roupa no rosto dos adversários com intuito de desfigurar e promover um velório com o caixão fechado.

[3] em todas as plataformas (em tradução livre)

[4] Eugenio Raúl Zaffaroni: Professor titular e diretor do Departamento de Direito Penal e Criminologia na Universidade de Buenos Aires

[5] É visto como um processo positivo e através do qual uma empresa examina como outra realiza uma função específica a fim de melhorar a forma como realiza a mesma ou uma função semelhante. O processo de comparação do desempenho entre dois ou mais sistemas é chamado de benchmarking e as cargas usadas são chamadas de benchmarks.

[6] Boca de fumo refere-se ao local onde é feita a venda desubstâncias ilícitas tais comomaconha,cocaína esubstâncias ilícitas tais comomaconha,cocaína ecrack. Os produtos são normalmente vendidos por menores que têm como clientes usuários de drogas pertencentes a todas as classes sociais.

[7] Segundo Luiz Flavo Gomes - Jurista e Doutor em direito penal pela Universidade Complutense de Madrid.

[8] Ver ações do PCC em São Paulo e PGC em Santa Catarina

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