O grande sucesso do filme Avatar, de James Cameron, traz luz a instigante discussão sobre como considerar o outro.

Na ficção cinematográfica humanos são deslocados a outro planeta, Pandora, a fim de explorar. A busca por riquezas permeia a trama, até que a extração de valioso minério será a pedra de toque do espírito capitalista de acumulação ao longo do enredo. Para esquentar a ação Pandora é um planeta com beleza singular, cores suntuosas, feras desconhecidas além de ser povoado por uma raça inteligente, os Na´vi. A harmonia verificada no planeta será quebrada com a chegada da raça humana, equipada com toda parafernalha necessária a extração de riquezas e poderosos armamentos, militares e a missão de enfrentar a resistência dos Na´vi, leia-se a prática do extermínio destes.

Tal roteiro remete imediatamente ao contexto da colonização européia do Novo Mundo. O projeto idealizado por Cristóvão Colombo malogrou em função do interesse de acumulação de metais preciosos pretendidos pela coroa espanhola, seus financiadores, seguindo a cartilha da política mercantilista da época. O que sabe quando da maciça chegada de espanhóis no que se tem hoje por América Central foi a dizimação da população autóctone, em segundo momento o processo de violência observado no continente, sem considerar o outro, o indígena, que ali se estabelecera há vários séculos, que se organizou em complexas sociedades como Incas, Maias e Astecas para que se fique em apenas três pujantes exemplos.

A respeito dos astecas, do território hoje compreendido grosso modo por México e Guatemala vale estabelecer uma relação com pontual obra sobre a conquista do Novo Mundo, melhor dizendo, sobre "A conquista da América: a questão do outro", livro de Tzvetan Todorov publicado em 1993, que aborda de forma peculiar a problemática vivida por europeus e (os originais) homens americanos.

Parafraseando Todorov, "o encontro mais assombroso de nossa história", homens de um continente que vivera uma história milenar, para ater-se somente a história da Europa, colocam-se frente a frente com aqueles que viviam em total contato com a terra e em harmonia com esta. A cultura indígena propõe a integração homem e natureza, sendo o primeiro parte integrante da última. O branco europeu chega aos trópicos com o projeto de domar a natureza, de sugar recursos ditos infindáveis. Séculos de extração e mau uso do meio engendraram os colapsos que atualmente se verificam na vida real. No mais importante descobrimento, no dizer de Todorov, o "descobrimento que se faz do outro", a proposta de expansão imperial e domínio sobre outras nações venceu.

A beleza edênica com que o cinema apresenta Pandora tem matizes renascentitas. Certamente foi inspirada pelos textos dos homens que se vislumbraram com o planeta Terra do hemisfério sul. Colombo, Vespúcio, Caminha dentre tantos outros navegadores que se encantaram com a beleza desconhecida do mundo fomentaram a ideia de afinal ter encontrado o Paraíso bíblico na terra. Calcado nesta corrente Thomas Morus escreveu sua Utopia, ilha em lugar nenhum que abarcaria valores perdidos pelo homem. A sociedade justa pensada por Morus continha carregados valores do imaginário de então. Porém o que se estabeleceu no continente recém-descoberto não se limitou ao idílico nem ao autruísta.

Durante o processo de tomada da terra americana que eufemisticamente cristalizou-se na história como colonização, o indígena foi usado como massa de manobra para a dominação final do branco europeu. O morticínio não foi gratuito nem aleatório. O cristão europeu soube cativar tribos americanas para com a ajuda destas, travar guerra contra outros grupos indígenas. Ao final do processo os únicos derrotados foram os originais ocupantes da terra. Esse roteiro permeou o processo colonizador ao longo do mundo. Assim fora na chamada mesoamérica, América do Sul, América do Norte, Oceania, África, enfim, por onde aqueles homens impulsionados pela sanha do lucro e da conquista aportaram suas missões, um novo processo histórico foi iniciado sem a menor preocupação com passado daqueles que passaram a servir unicamente como mão-de-obra compulsória. Claro que não se pode ignorar a problemática religiosa característica daquele momento em que a Igreja cristã ocidental se reformava, ou melhor, cindia-se. No avanço sobre civilizações complexas, porém desligadas do cristianismo e de todos os estágios que a sociedade européia atravessara, os ameríndios foram vistos como inferiores daí a necessidade de levá-los o testemunho cristão. Os que aceitaram foram assimilados e vergaram-se a uma nova cultura, propalada como superior. Houve muitos que não aceitaram. Além da missão evangelizadora, os cristãos levaram o apocalipse a povos desconhecedores desta linha religiosa.

Com a análise entre ficção e realidade histórica, fica o convite para a reflexão do que ocorre no cotidiano de cada um. Pandora, mais que um planeta, era vida em presente em cada ser, bela conexão com o mito de Gaia, da Terra como um grande ser vivo. A harmonia entre Pandora e Na´Vis era de certa forma a proposta indígena que malogrou na mão dos colonizadores. A cede pela acumulação tem esgotado muitos recursos da casa Terra, a real, que abriga a raça humana e tantas outras espécies. Há séculos o planeta vem dando sinais que o aquilo que aplica a ele, da forma com que se aplica, levará – já está levando – ao colapso. Mais do que Estados poderosos não se compromissarem com a redução de poluentes, o problema está no ímpeto pelo consumo desnecessário praticado milhões de pessoas de todas as partes do mundo.