A reprodução humana assistida é o resultado da união dos gametas maculino e femino – espermatozóide e oócito, respectivamente – dando origem a um embrião que irá se desenvolver e se diferenciar em um novo organismo. Na grande maioria das vezes, a obtenção de uma gestação consiste em um processo natural, sem a necessidade de utilização de técnicas de reprodução humana assistida. No entanto, cerce de 12% a 15% dos casais que desejam uma gravidez necessitam recorrer a alguma técnica de reprodução assistida, desde a mais simples às mais complexas.

Nos casos em que se verifica a infertilidade, ou a impossibilidade de procriação, independente da razão, a reprodução assistida é uma opção a ser considerada.

A reprodução assistida se mostra de forma revolucionária e inovadora, interferindo diretamente no processo de procriação natural, possibilitando o manuseio de gametas e embriões, dentre outros efeitos até pouco tempo inimagináveis, que desestabilizaram o conceito de família, e trouxeram à discussão a necessidade e os direitos dos indivíduos à procriação, sua utilização gera, consequentemente, diversas questões éticas, jurídicas e religiosas.

  

1.1.        CONCEITO

  

A Reprodução Humana Assistida, em uma primeira análise, pode ser definida como: “Conjunto de métodos que tentam solucionar os problemas de infertilidade conjugal, interferindo no processo natural de reprodução, principalmente pelo manuseio de gametas e embriões[1]”.

No Brasil, até o momento ainda não existem leis especificas que tratem sobre a finalidade da Reprodução Humana Assistida, o que acaba por permitir a sua utilização indiscriminada, muitas vezes para fins não-médicos. 

Por outro lado, existem regras de cunho ético estabelecidas pelo Conselho Federal de Medicina, as quais mantém um controle razoável sobre este tipo de manipulação e que devem ser observadas e cumpridas pelos profissionais da área quando da aplicação de tais técnicas.

É necessário que se leve em consideração os objetivos deste tipo de manipulação embrionária e gamética, tendo em vista seu papel de auxiliar na resolução de problemas de infertilidade humana. A Reprodução Humana Assistida vem facilitar o processo de procriação quando outros tipos de terapia não se mostraram eficazes para a solução da situação de infertilidade.

Além disso, tramitam no Congresso Nacional alguns projetos de lei sobre este tema, com o objetivo de suprir a inexistência de regulamentação. Tais projetos versam sobre as técnicas de reprodução assistida e sua indicação para os casos em que existem problemas de infertilidade, desde que exista a probabilidade de sucesso e que o procedimento não implique em risco grave à saúde da paciente ou da criança a ser gerada.

Cumpre destacar que o desenvolvimento das tecnologias reprodutivas fundamentou-se, inicialmente, na busca da superação da infertilidade, com o objetivo de permitir que as pessoas pudessem, com o auxílio médico, gerar crianças por meio de suas cargas genéticas. Entretanto, com o avança da medicina e das técnicas de manipulação de embriões e gametas, se tornou possível sua utlização para a prevenção e cura de doenças.

Com o passar do tempo e com a evolução da saciedade humana, as ténicas reprodutivas passaram a ser destinadas também para fins não-médicos, propriamente ditos, como, por exemplo, por casais homossexuais ou pessoas celibatárias que possuem o desejo de construir uma família com a ajuda da reprodução assistida.

Desse modo, é possível que se verifique diversas destinações dadas ás técnicas de reprodução assistida, as quais são empregadas para diversos fins .

Nesse contexto, e como intróito do que se virá a discutir, podemos destacar as problemáticas oriundas desta manipulação e dos diversos fins que ela passou a atender, tais como aqueles que deságuam na questão relativa ao reconhecimento da paternidade.

1.2.        TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

Em razão dos avanços da medicina genético-reprodutiva no que diz respeito à reprodução assistida, atualmente é possível que casais com problemas de infertilidade se submetam à técnicas que se propõem a resolver tais problemas se mostrando satisfatoriamente eficazes.

Por óbvio que se deve ter cuidado na utilização destas técnicas, que devem ser empregadas somente nos casos em que outros tipos de terapias não se prestaram a resolver os problemas de infertilidade apresentados, pois envolvem riscos a serem considerados, sob pena de banalização das técnicas de reprodução humana assistida.

É importante que se observe o esclarecimento e o consentimento dos envolvidos, tendo em vista a existência de uma taxa relativamente alta de fracasso neste tipo de manipulação.

Neste momento, passemos à identificação das técnicas de Reprodução Assistida mais comuns. São elas:

             i.                Inseminação Artificial (IA)

            ii.                Fertilização in vitro (FIV)

           iii.                Transferência Intrafalopiana de Gametas (GIFT)

           iv.                Transferência Intrafalopiana de Zigotos (ZIFT) e

            v.                ICSI (Intracytoplasmic Sperm Injection - Injeção Intraciplasmática de Espermatozóides)

1.2.1.   Inseminação Artificial (IA)

Esta é a técnica mais simples de Reprodução Assistida e é definida como o depósito de forma não natural de espermatozóides no trato reprodutor feminino com a finalidade de se conseguir uma gestação.[2] 

Os requisitos mínimos para a indicação de inseminação artificial são quando há comprovação de integridade anatômica das trompas de Falópio, concentração de espermatozóides móveis pós-capacitação, não ter como antecedentes terapêuticos quatro ciclos de inseminação artificial e avaliar a idade da paciente e o tempo de esterilidade, uma vez que ambos se relacionam de forma inversamente proporcional aos resultados obtidos com essa técnica[3].

Além disso, pode ser indicada nos casos de alteração leve da qualidade do esperma, de problemas de ovulação, quando o muco do útero é desfavorável, quando o colo do útero é muito fechado, nos casos de impotência masculina (IAD) ou da incompatibilidade sexual entre os cônjuges[4].

No mais, é possível dividir a inseminação artificial em dois grandes grupos:

             i.                quando o sêmen procede do casal, é denominada conjugal (IAC) ou homóloga (IAH), e

            ii.                quando o sêmen é de um doador (IAD), denominado também heteróloga.

Quanto a inseminação artificial homóloga, em primeiro momento, não há muito o que se falar, visto que utilizados os gametas do casal, não trazendo grande problemática jurídica, exceto, é claro, nos casos de utilização do espermatozóide post mortem.

Já na inseminação artificial heteróloga (IAD), que normalmente é indicada nos casos de esterilidade masculina definitiva, e doenças hereditárias que influenciam na inseminação natural, há necessidade de avaliação ética, devendo ser observados o risco agregado, o potencial uso para fins não-médicos, o envolvimento econômico, o potencial eugênico, o envolvimento de terceiros e a disputa de linhagem[5].

 

1.2.2.   Fertilização in vitro (FIV)

 

A fertilização in vitro é também uma das formas de reprodução humana assistida, mas, diferentemente da AI, a inseminação – fecundação do óvulo – ocorre fora do corpo da mulher, ou seja, in vitro.

De forma mais específica pode-se dizer que a fertilização in vitro (FIV) convencional é a cultura, em laboratório (in vitro), do oócito com o espermatozóide, seguido da transferência embrionária ao organismo materno, sendo indicada no tratamento da infertilidade na grande maioria dos casais que não engravidam com tratamento menos complexos[6].

Esta técnica de reprodução assistida também poderá ser homóloga e heteróloga. Será homóloga quando o embrião resultar de gametas do próprio casal e heteróloga quando um dos gametas ou o embrião resultar de terceiros, estranhos à relação.

As indicações para a utilização da fertilização in vitro são nos casos de alterações mais graves do esperma; problemas mais graves de ovulação; quando a mulher tem obstrução nas trompas; quando a mulher fez ligadura de trompas; grave endometriose[7].

            A FIV clássica, com transferência embrionária, visando tratar todos os fatores e aumentar as possibilidades de êxito, sofreu uma série de modificações e também progressos com o surgimento de novas técnicas.

Ressalte-se, neste ponto, que as técnicas apresentadas a seguir são todas variantes da fertilização in vitro, tendo como objetivo a geração dos bebês de proveta[8].

 

1.2.3.   Transferência Intrafalopiana de Gametas (GIFT)

Técnica derivada da FIV, a transferência intrafalopiana de gametas (GIFT) ocorre de forma semelhante à fertilização in vitro, entretanto a fecundação dos gametas se faz nas trompas de Falópio e não fora do corpo da mulher, em tubos.

Nessa técnica, espermatozóides e óvulos, isolados previamente, são introduzidos no interior das trompas e, somente neste momento, já transferidos para o sistema reprodutor feminino, ocorre a fecundação.

Esta técnica se assemelha muito à fecundação natural, uma vez que é feita dentro das trompas uterinas, por meio da injecção de vários óvulos e espermatozóides que possivelmente viram a ser fecundados, descendo, posteriormente para o útero para ser gerado.

Contudo esta técnica possui dois problemas principais. O primeiro se dá pelo baixo percentual de êxito. Um segundo problema que se verifica, antagonicamente, é a grande possibilidade de formação de gêmeos, em razão da utilização de vários óvulos.

1.2.4.   Transferência Intrafalopiana de Zigotos (ZIFT)

  

A transferência intrafalopiana de zigotos (ZIFT) ocorre por meio da aproximação dos gametas em tubos, fora do corpo da mulher, em condições apropriadas para a sua fecundação, sendo o zigoto resultante tranferido para o interior das trompas uterinas[9].

Esta técnica difere da GIFT pois aqui, os zigotos são inseridos nas trompas uterinas, depois de já ter sido feita a fecundação in vitro.

Diferencia-se também da FIV, pois nesta os embriões, com cerca de 2 a 8 células são inseridos diretamente no útero, ao contrário do que ocorre aqui, onde os zigotos, cerca de 48 horas após a fecundação, são iseridos ainda nas tubas uterinas, possibilitando a deslocação natural do zigoto até o útero.

As vantagens desse procedimento em relação à GIFT é que os médicos e o casal sabem que, efetivamente, a fecundação ocorreu.

 

1.2.5.   ICSI (Intracytoplasmic Sperm Injection – Injeção Intraciplasmática de Espermatozóides)

Esta técnica consiste em introduzir um espermatozóide no interior do citoplasma do óvulo, prescindindo de muitos dos passos que estão normalmente presentes nas interações entre gametas[10].

Na ICSI, as etapas são muito semelhantes às etapas da fertilização in vitro, com a diferença de que apenas um espermatozóide é injetado no interior do óvulo, por meio de uma micro agulha, formando o zigoto e após alguns dias, o embrião que é introduzido na cavidade uterina, onde será gerado.

Esta técnica é indicada; nas alterações mais graves do esperma; homens com azoospermia[11], mas que tenham espermatozóides nos testículos; nos homens com vasectomia ou que tentaram a reversão sem sucesso; para os casais que já tentaram fertilização in vitro sem sucesso; nos casos de infertilidade por fator imunológico[12].

1.2.6.   Outras técnicas de reprodução humana e a questão dos embriões excedentários.

Além das técnicas apresentadas, existem outros processos de manipulação genética mais complexos, que envolvem, inclusive, troca de material genético e, por outro lado, técnicas muito simples que devem ser utilizadas em primeiro lugar, se possível, evitando posteriores problemas.

Outro ponto que se devem mencionar, é a questão referente aos embriões excedentários, situação inerente ás técnicas que se utilizam de inseminação in vitro, tais como a FIV e a ZIFT.

1.2.6.1.       Coito programado

Técnica simples, usada geralmente nos casos em que a mulher tem irregularidade em seu ciclo menstrual, consiste basicamente na administração de medicamentos indicados para estimular a ovulação e o acompanhamento por meio de ultrasonografia, a fim de verificar a produção de óvulos e, finalmente proceder à orientação de que o casal tenha relação sexual.

Por ser uma técnica não invasiva é a mais recomendada nos casos em que o casal não possui grandes problemas de infertilidade, além de não ocasionar impactos jurídicos relevantes.

  

1.2.6.2.       CAI (Confused Artificial Isemination)

Consiste na mescla de material genético (sêmen) do marido ao de um terceiro, formando uma espécie de “coquetel de espermas”, que posteriormente será introduzido no aparelho reprodutor feminino. É usado nas técnicas de inseminação artificial (IA) e GIFT.

Esta técnica esta diretamente relacionada a fatores psicológicos do casal e ocorre quando o marido não tem condições de fecundar o óvulo de sua mulher, usando-se seu material fertilizante para que haja a ilusão de que a criança gerada possa ser do casal[13].

1.2.6.3.       Embriões excedentários

A existência dos embriões excedentários é um problema que decorre do uso das técnicas de reprodução assistida que se valem de inseminação in vitro, qual sejam, a fertilização in vitro (FIV) e a Transferência Intrafalopiana de Zigotos (ZIFT).

Neste tipos de reprodução assistida, em razão da fecundação ocorrer in vitro, ou seja, em laboratório, fora do corpo da mulher, são feitas algumas tentativas para que se chegue ao resultado desejado, o embrião sadio – ou zigoto, nos casos de ZIFT – que será implantado para ser gerado.

Alguns desses embriões são congelados, ou melhor dizendo, criopreservados e, muitas das vezes, usados em pesquisas, sendo, por óbvio descartados.

Assim, a questão importante que se levanta aqui é o problema relativo ao momento em que se deve considerar juridicamente o embrião e o nascituro.

Nas palavras de Maria Helena Diniz, alguns posicionamentos foram suscitados com relação a esta problemática, a fim de se chegar à uma conclusão em relação ao momento da vida. Senão vejamos:

“Assim sendo, na fecundação em proveta, embora seja a fecundação do óvulo pelo espermatozóide que inicia a vida, seria a nidação do zigoto ou ovo que a garantiria; logo, para alguns autores, o nascituro só seria “pessoa” quando o ovo fecundado fosse implantado no útero materno, sob a condição do nascimento com vida. Para essa corrente o embrião humano não poderia ser tido como nascituro, apesar de dever ter proteção jurídica como pessoa virtual, com carga geneética própria. Para outros a vida do embrião só tem início no 15.º dia, quando se forma o sisitema nervoso central. Todavia, assim não pensamos, como se pode ver em páginas anteriores. Os mais recentes dados da biologia têm confirmado nosso posicionamento ao demonstrarem que, com a penetração do óvulo pelo espermatozóide, surge uma nova vida, distinta da daqueles que lhe deu origem, pois o embrião, a partir desse momento, passa a ser titular de um patrimônio genético único e é a partir dos genes, que estão dentro dele desde o instante da concepção, que seu cérebro se desenvolve. “[14]

Assim, pode-se verificar que, partindo da premissa de que a vida inicia-se com a penetração do óvulo pelo espermatozóide, as praticas que se utilização da fecundação in vitro teriam uma barreira jurídica a ser ultrapassada no concerne à criopreservação de embriões excedentes.


[1] FRANCO JUNIOR, J.G. Reprodução Assistida. In: CANELLA, Paulo; VITIELLO, Nelson. Tratado de Reprodução Humana. Rio de Janeiro. Cultura Médica, 1996, p. 416-417.

[2] SCHEFFER, Bruno Brum ET AL. Reprodução humana assistida. São Paulo: Editora Atheneu, 2003,  p. 95.

[3] Ibid., p. 96

[4] SAUWEN, Regina Fiuza; HRYNIEWICZ, Severo. O Direito in vitro: da bioética ao biodireito. 3. Ed. Rio de janeiro: Lúmen júris, 2000, p. 89

[5] GOLDIM, José Roberto ET AL. Questões éticas e jurídicas envolvidas na reprodução assistida. In: PASSOS, Eduardo Pandolfi; FREITAS, Fernando; CUNHA FILHO, João Sabino L. Rotinas em Infertilidade e Contracepção.  Porto Alegre: Artmed, 2003, p. 220.

[6] SCHEFFER, Bruno Brum ET AL. Reprodução humana assistida. São Paulo: Editora Atheneu, 2003,  p. 113.

[7] CHEDID, Silvana. Infertilidade. São Paulo: Contexto, 1998, p. 52.

[8] Bebê de proveta é um bebê proveniente de uma inseminação artificial ou fertilização in vitro, ou seja, não resulta de uma fecundação em condições naturais proveniente de uma relação sexual entre um homem e uma mulher, mas antes da fecundação gerada em laboratório.

[9] PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Fundamentos de Bioética. São Paulo: Paullus, 1996, p. 220.

[10] SCHEFFER, Bruno Brum ET AL. Reprodução humana assistida. São Paulo: Editora Atheneu, 2003,  p. 119.

[11] A azoospermia é a ausência total de espermatozóides no sêmen ejaculado.

[12] CHEDID, Silvana. Infertilidade. São Paulo: Contexto, 1998, p. 53 – 54.

[13] DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 5 ed.  ver.aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 532.

[14] DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 5 ed.  ver.aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 460.