RESUMO

O trabalho aborda o a discussão inserida nas decisões judiciais hoje conflitantes, acerca da necessidade, ou não de avaliação prévia do imóvel hipotecado para sua alienação judicial e se tal alienação deverá ser feita através de duas praças, dando ao tema um enfoque constitucional, objetivando contribuir para a solução do conflito jurisprudencial através da interpretação conforme à constituição. O tema envolve o Direito Constitucional Processual, Processual Civil, Pós-positivismo e Neoprocessualismo. Na sua elaboração se analisa inicialmente os institutos da avaliação e alienação judiciais, sua aplicação e causa ou razão de ser. A seguir se analisa o rito processual da Lei n.° 5.741/71 e, posteriormente, o entendimento jurisprudencial acerca do tema. Por fim, se analisa os Princípios Constitucionais ligados ao tema e propõe-se uma aplicação de interpretação conforme os ditames constitucionais.

Palavras-chave: Imóvel. Avaliação Judicial. Alienação Judicial. Lei n.° 5.741/71. Execução Hipotecária. Interpretação Conforme à Constituição. Devido Processo Legal.

Sumário: 1 ? Introdução. 2 ? O Mútuo e a Execução; 2.1 ? A Execução Hipotecária e o Código de Processo Civil; 2.2 ? A Divergência. 3 ? Interpretação Conforme à Constituição; 3.1 ? Distinção de Hipóteses: saldo devedor superior ao valor de mercado; 3.2 ? Distinção de Hipóteses: saldo devedor inferior ao valor da avaliação; 3.3 - Primeiro passo: interpretação gramatical e histórica; 3.4 - Segundo passo: interpretação sistêmica conforme à constituição. Considerações Finais. Referências


1. INTRODUÇÃO.

Numa execução hipotecária regida pelo rito da Lei n. ° 5.741/71 pretende-se, acima de tudo, constranger o mutuário ao cumprimento da obrigação, que é justamente o pagamento do débito. Se este não o faz, obviamente haverá expropriação do bem dado em garantia para quitação da dívida.

Ordinariamente, qualquer bem objeto de constrição judicial, antes de ser alienado em praça ou leilão público, sofre avaliação pelo órgão judicial competente, para que se lhe dê valor formal.

Da mesma forma, com o objetivo de se evitar prejuízo ao devedor, com arrematação do bem por preço vil, é cediço que o procedimento executório (digamos "ordinário") clama pela necessidade de realização de duas praças, no caso de bens imóveis.

Ocorre que, na execução hipotecária, conforme prevê a lei específica, o lance a ser oferecido nunca poderá ser inferior ao do saldo devedor existente na época da praça. Diante disso, indaga-se: a avaliação prévia e a realização de duas praças são procedimentos necessários? Há possibilidade, nesses casos, de haver arrematação por preço vil? De acordo com alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça, a resposta é sim. E não!

A problemática inicia-se no ponto em que tais decisões limitam-se a uma análise procedimental em cotejo com o princípio da legalidade, não adentrando ao cerne da questão. Nem uma nem outra respondem o porquê. Tal silogismo não funciona bem.
Nesse passo, a solução não parece fácil, próxima ou axomática-dedutiva. Ao contrário, da análise dos julgados, verifica-se que, a todo tempo, parte-se de premissas equivocadas para a solução dada ao caso concreto, solução esta que parece ser suficiente aos limites da lide, mas não ao pesquisador.

Diante desse raciocínio, a interpretação das normas processuais conforme à constituição é o método atualmente mais utilizado para a solução de controvérsias, ao ponto que as regras ordinárias de interpretação das normas não mais são suficientes para que se chegue a um denominador pacífico.
Através desse método, pretende o presente trabalho apresentar uma solução apaziguadora e ao mesmo instante, inovadora, justificado na ânsia de se ver a questão, um dia, pacificada pela doutrina e jurisprudência.
A tese desenvolvida pelo autor foi utilizada com êxito em recurso cível, o qual será objeto de análise posterior.


2. O MÚTUO E A EXECUÇÃO.

De acordo com a regra do artigo 586 do Código Civil, o mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis, sendo que o mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisas do mesmo gênero, qualidade e quantidade. Tal empréstimo ? mútuo ? se caracteriza pela transferência do domínio da coisa emprestada, correndo por conta do mutuário o risco de perecimento da coisa até a tradição. No mútuo, em sua forma geral, pode o mutuante exigir garantia da restituição se, antes do vencimento, o mutuário sofrer notória mudança em sua situação econômica.

Dito isto, cumpre adentrar ao que é interessante para o trabalho que ora se desenvolve; o mútuo sob a égide do Sistema Financeiro da Habitação ? SFH, onde as garantias advêm da hipoteca ou de contrato de seguro que garantam o pagamento, assim como a atualização constante do valor da prestação, em razão dos aumentos decorrentes da equiparação salarial.

O artigo 1.419 do Código Civil reza que, nas dívidas garantidas por hipoteca, o bem dado em garantia fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação. Do mesmo modo, o artigo 9º do Decreto-lei n.º 70, de 21 de novembro de 1966, reza que os contratos de empréstimo com garantia hipotecária, com exceção dos que consubstanciam operações de crédito rural, poderão prever o reajustamento das respectivas prestações de amortização e juros com a conseqüente correção monetária da dívida. Outrossim, no caso das hipotecas não vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação, a correção monetária da dívida obedecerá ao que for disposto para o mesmo SFH.

Nesse sentido, o pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa exoneração correspondente da garantia, ainda que essa compreenda vários bens, salvo disposição expressa no título, ou na quitação. A execução do crédito hipotecário pelo agende do Sistema Financeiro da Habitação pode se proceder pela via judicial ou extrajudicial. Porém, antes de se discorrer acerca da execução em si, mostra-se necessário definir o que vem a ser título executivo e seus requisitos.

O artigo 586 do Código de Processo Civil define que a execução deve ser fundada em título líquido, certo e exigível. Na execução hipotecária, o título de crédito é o próprio contrato de mútuo firmado entre as partes ? agente financeiro e tomador do empréstimo ? cujo documento escrito comprova não somente a existência dos direitos e obrigações, mas as suas condições de executividade, em caso de descumprimento de alguma de suas cláusulas. Sendo o contrato de mútuo título de crédito extrajudicial, este documento gaza, a priori, da presunção de certeza e liquidez e, com o vencimento da dívida, de exigibilidade.

O Decreto-lei 70/66 autorizou o funcionamento de Associações de Poupança e empréstimo e instituiu a Cédula Hipotecária para hipotecas inscritas no Registro de Imóveis como instrumento hábil para a representação dos respectivos créditos hipotecários, a qual poderá ser emitida pelo credor hipotecário nos casos de operações compreendidas no Sistema financeiro da Habitação, dando início à autorização para a execução na sua forma extrajudicial. Controvérsias a parte acerca desse procedimento, relacionadas às diversas declarações incidentais de inconstitucionalidade já proferidas, esse não é o objeto da presente pesquisa.

Ao contrário, a execução hipotecária, na esfera judicial, regida pela Lei n.º 5.741, de 1º de dezembro de 1971, é o objeto da pesquisa desenvolvida, especialmente no que se refere à controvérsia jurisprudencial existente no Superior Tribunal de Justiça acerca da realização ou não de prévia avaliação do imóvel e se sua alienação judicial deve ser feita, necessariamente, através de duas praças, nos moldes do Código de Processo Civil, abordando, para tanto, os princípios constitucionais norteadores, com o objetivo de apresentar uma solução razoável ao debate, diante dos limites presentes nos julgados relativos à matéria controvertida, concedendo aos dispositivos infraconstitucionais pertinentes uma interpretação conforme à Constituição da República de 1988.