Resumo

 

Dentre os riscos sociais acobertados pela Previdência Social está o encarceramento. Quando o trabalhador é recolhido à prisão, seja no regime fechado ou semi-aberto, cautelarmente ou após condenação definitiva, desde que não seja prisão civil, bem como a depender do seu salário de contribuição, terá seus dependentes direito ao Auxílio-reclusão. A proposta de emenda à Constituição 368/2013 tem como objetivo a criação de um novo benefício assistencial para a vítima de crime ou à família desta, acrescentando o inciso VI ao artigo 203 da Constituição Federal. Já a proposta de emenda 304/2013, apensada à 368, visa à extinção do benefício Auxílio-reclusão, alterando o inciso IV do artigo 201 da CF. A pesquisa em tela buscou analisar a compatibilidade das referidas emendas com os princípios e a atual legislação previdenciária. Embora transpareça a boa intenção da PEC 368 em implantar um benefício à vítima de crime, notou-se uma inviabilidade da emenda, uma vez que carecedora de informações mínimas no seu texto, como, por exemplo, surge a dúvida, considerando a criação de um novo benefício, qual a respectiva fonte de custeio, exigência do artigo 195, §5º da CRFB? Noutro ponto, a PEC 304 vem tão-somente excluir o benefício auxílio-reclusão, desconsiderando que os dependentes do encarcerado(a) não podem ser penalizados pelo ato do criminoso, em disparidade com o artigo 5 º da CF/88, inciso XLV.

Palavras-chave: Previdência social; Auxílio-reclusão. 

1 – Introdução

 

Ainda que a pena não cumpra sua função ressocializadora, por vezes até piorando a situação do detento, é de interesse do Estado afastar os efeitos secundários de tal condenação, dentre eles, a marginalização da família do detento.

Considerando ser, o auxílio-reclusão, um benefício destinado aos dependentes do segurado recolhido à prisão, a população o encara com um sentido pejorativo. Muito além da pena aplicada ao condenado, a prisão constitui um evento social com reflexos múltiplos em várias áreas sociais. Contudo, a esfera mais atingida é a família.

Com a prisão, o fato de ser familiar de um presidiário logo é estabelecido e cria-se uma rejeição por parte da sociedade, não só por aquele que cometeu o crime, mas estende-se a todo o rol de familiares. Em outras palavras, a família passa a ser também “condenada” e sofre, injustamente, os efeitos da pena.

Suscintamente, as PEC’s 368 e 304/2013 visam suprimir o auxílio-reclusão, bem como a criação de um benefício assistencial àquelas vítimas de crime que, em conseqüência deste, fiquem impossibilitadas para realizar as suas atividades laborais, seja de forma passageira ou permanente. Aqui, cumpre mencionar que tal benefício proposto pelas emendas poderia abranger, também, a família da vítima.

 

1 – O Auxílio-reclusão

 

De início faz-se necessário entender como se dá efetivamente o direito ao benefício em comento, eis que banalizado pela mídia, principalmente nas redes sociais, culminando na ideia de que toda e qualquer família de preso faria jus a ele, ou que o próprio segurado detento o receberia por estar preso, o que destoa da realidade legal.

Trata-se de beneficio previdenciário garantido, pela primeira vez, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), no seu Título VIII, Capítulo II, Seção III, artigo 201, inciso IV, sendo regulado pela legislação infraconstitucional, qual seja, a Lei 8.213 de 1991 no art. 80.

                 

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:     

[...]

IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;

Assim como na pensão por morte, e diferentemente dos demais benefícios, o Auxílio-reclusão é devido aos dependentes do segurado e não ao próprio contribuinte, notadamente no intuito de dar um amparo mínimo à família deste.

Cumpre mencionar que o valor de tal benefício é calculado igualmente ao valor da aposentadoria e só é pago à família do preso que se encontrava na condição de segurado da previdência, ou seja, contribuía, ou estava no chamado “período de graça” (1 ano após a última contribuição).

No que concerne à dependência, tal condição é presumida quanto ao cônjuge e aos filhos menores de 21 anos, também presumindo dependente o filho incapaz sem a exigência da idade. Os demais, colaterais, ascendentes e descendentes a partir do 2º grau, devem comprovar a subordinação econômica.

Para comprovar a baixa renda exige-se que o último salário de contribuição antes do recolhimento à prisão do segurado não ultrapasse a quantia de R$ 1.025,81, conforme Portaria Interministerial MPS/MF nº 19, de 10/01/2014.  Não obstante a previsão do benefício em tela desde a CFRB/88, tal limitação veio somente com a Emenda Constitucional nº 20 de 1998. Na lição do festejado doutrinador Fábio Zambitte Ibrahim (2006, p. 598)

A alteração constitucional foi de extrema infelicidade, pois  exclui a proteção de diversos dependentes, cujos segurados  estão fora do limite de baixa renda. Esta distinção, para o auxílio-reclusão, não tem razão de ser, pois tais dependentes poderão enfrentar situação difícil, com a perda da remuneração do segurado. 

                    Vê-se, pois, uma necessidade de ampliação dos beneficiários, tendo em vista a exclusão de grande parte de famílias muita das vezes carecedoras do amparo do Estado.

  A questão ainda é controversa, eis que poderia muito bem um segurado provido de uma remuneração vultuosa, quando preso, deixar a família em dificuldades, ou, um segurado de baixa renda, quando recolhido à prisão, ter uma família bem provida de recursos financeiros e, por isso, prescindisse do auxílio-reclusão.   

                    Para melhor visualização, segundo dados retirados do sítio eletrônico do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), atualmente, a população carcerária no Brasil ultrapassa os 710 mil detentos, sendo que pouco mais de 40 mil destes têm a família como beneficiária  do auxílio-reclusão  - não fazem parte dessa conta os que estão no regime semiaberto e que também podem gerar o benefício para suas famílias.  Ou seja, não chega a 6% o número de presos que preenchem todos os requisitos exigidos em lei.                    

2 – Propostas de emenda à Contituição 304 e 368 de 2013

 

Sinteticamente, as PEC’s 368 e 304/2013 têm por escopo à criação de um benefício assistencial destinado àquela vítima de crime que, em conseqüência deste, fique impossibilitada de realizar as suas atividades laborais, seja de forma passageira ou permanente. Como dito alhures, tal benefício poderia abranger, também, a família da vítima. Em resumo, as propostas fundidas consistem no que segue:

Art. 1º O inciso IV do art. 201 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art.  201 ......................................................................................................

 IV – salário-família para os dependentes dos segurados de baixa renda;

Art. 2º Acrescente-se o seguinte inciso VI e parágrafo

único ao art. 203 da Constituição Federal:

“Art. 203. ........................................................................................................

VI – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa vítima de crime, pelo período que for afastada da atividade que garanta seu sustento e, em caso de morte da vítima, conversão do benefício em pensão ao cônjuge ou companheiro e dependentes da vítima, na forma da lei.

Parágrafo Único. O benefício de que trata o inciso VI deste artigo não pode ser acumulado com benefícios dos regimes de previdência previstos no art. 40, art. 137, inciso X e art. 201.”

  2.1 –  Extinção do benefício previdenciário

 

  Primeiramente, a PEC 304/2013 propõe a criação de um benefício em detrimento de outro, ou seja, uma substituição dos destinatários de benefícios previdenciários. A proposta assenta-se na elaboração e criação de um benefício assistencial de um salário à vítima do crime, ou à sua família, caso ocorra a morte da vítima. Ocorre que, para que haja a implantação de tal benefício deverá, obrigatoriamente, haver a extinção de outro: o auxílio reclusão.

  De uma simples leitura da emenda proposta, logo se depara com atitude discriminatória com a família do preso, estendendo a esta, mesmo que indiretamente, o efeito da condenação, ferindo de morte o disposto no artigo 5 º da CRFB , inciso XLV: “Nenhuma pena passará do condenado (...)”. 

Partindo-se do princípio de que ninguém será considerado criminoso até o trânsito em julgado da sentença condenatória, bem como considerando que o indivíduo recolhido à prisão seja contribuinte ao tempo desta, torna-se clara a justiça no fato de que a família não fique desamparada enquanto o preso não puder voltar às atividades laborais.

Nesta linha de pensamento, percebe-se que a proposta de tal Emenda cria um benefício condicionado à exclusão do outro.

2.2 -    Criação de um novo benefício assistencial

 

Atente-se à PEC 368/2013, na qual tem por escopo o acréscimo do inciso VI e parágrafo único ao artigo 203 da Constituição Federal, que consiste na instituição de um benefício assistencial àquelas vítimas de crime, enquanto perdurar a incapacidade para o trabalho em decorrência do delito, ou às suas famílias, no caso de morte.

Novamente, observa-se nas emendas flagrante dissonância com a Carta Maior, no que tange ao artigo 195, § 5º: “Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”.

 A preexistência de fonte de custeio é tida para muitos como um  princípio absoluto da previdência social, em virtude do necessário equilíbrio econômico e atuarial do sistema previdenciário, como bem leciona Fábio Zambitte Ibrahim (IBRAHIM, 2006 pág. 67)

Este princípio visa ao equilibrio atuarial e financeiro do sistema securitário.  A criação do benefício, ou mesmo a mera extensão de prestação já existente, somente será feita com a previsão da receita necessária. A concessão de novo benefício ou ampliação de já existente é algo por demais tentador para os governantes em certos períodos, o que justifica a reprodução deste mandamento na Constituição, ainda que óbvio. 

Num viés prático, o benefício assistencial proposto teria pouca ou quase nenhuma eficácia. A uma, se se tratasse de segurado da previdência, incapaz para o labor em razão de crime, já teria a seu dispor os benefícios previdenciários ordinários, por exemplo, auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.

Noutro giro, tratando-se de vítima de crime não amparada pela previdência, ou seja, não contribuinte, incapaz para o trabalho, bem como de baixa renda, enquadrar-se-ia perfeitamente numa das hipóteses do inciso V, art. 203 da CRFB/88, sendo desnecessária nova disposição para tais contingências, já previstas na legislação. Nesse sentido:

  Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

[...]

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

3 – Considerações Finais

 

Concluindo, resta claro que o auxílio-reclusão é pago somente à família do segurado, enquanto o sujeito praticante do crime estiver cumprindo  pena no regime fechado ou no regime semiaberto. Este valor será igual a aposentadoria que  o preso teria direito à época da prisão.

As emendas, nas suas razões, afrontam a Lei Maior, transparecendo o oportunismo dos seus idealizadores quando da “demonização” do benefício previdenciário ora em estudo, principalmente nas redes sociais em que as inverdades nascem e se espalham sem uma ferramenta de controle que possa anulá-las.

Nessa toada, verifica-se uma incompatibilidade das referidas emendas com o Ordenamente Jurídico Pátrio, seja pelos fundamentos acima expendidos, seja por não consistir no melhor meio de se promover a justiça social.

 

 

 

 

 

 

 

4 - REFERÊNCIAS

BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Proposta de emenda à constituição nº 368 de 2013. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=A0214056B1D184719842713ABAE03EBF.proposicoesWeb1?codteor=1123340&filename=PEC+304/2013.  Acesso em 13/11/2014.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Auxílio-reclusão ajuda no sustento de famílias de 40,5 mil presos segurados do INSS. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/26167:auxilio-reclusao-ajuda-no-sustento-de-familias-de-405-mil-presos-segurados-do-inss. Acesso em 13/11/2014.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. CNJ divulga dados sobre nova população carcerária brasileira. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/28746-cnj-divulga-dados-sobre-nova-populacao-carceraria-brasileira. Acesso em 13/11/2014.

 

BRASIL. Ministério da Previdência Social. Auxílio-reclusão. Disponível em: http://agencia.previdencia.gov.br/e-aps/servico/350. Acesso em 13/11/2014.

IBRAHIM, Fábio zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 12 ed. Niterói: Impetus, 2006.

 

MARTINEZ, Wladmir Novaes. Princípios de Direito Previdenciário. 4 ed. São Paulo:  LTr, 2001.

UNIMONTES. Resolução n° 182 - Cepex/2008 - aprova manual para elaboração e normatização de trabalhos acadêmicos para os cursos de graduação da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. – Trabalho de Conclusão de Curso – TCC. Disponível em:< http://www.unimontes.br> Acesso em 15/06/2014.