SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O Direito Fundamental a Vida; 3. A Autonomia Privada de Vontade; 4. A Relação Médico e Paciente; 5. As Diretivas Antecipativas de Vontade; 6.  O Testamento Vital. 7. Conclusão. Referências.

                       Resumo

Abordar o conflito aparente de normas envolvendo os fundamentos acerca da decisão da continuidade ou não de determinado tratamento médico em pacientes em estado terminal. Discorrer sobre os princípios da dignidade da pessoa humana, da autonomia de vontade e o direito ao próprio corpo, como fundamentadores da defesa daqueles que se posicionam contrário as diretriz antecipativas. Analisar a possibilidade de um paciente escolher quais tratamentos médicos condiz com a sua forma de vida. Estudar sobre o testamento vital, bem como a sua disposição na legislação Brasileira. Por fim, abordar as divergências existentes acerca possibilidade do paciente escolher previamente o tratamento que deseja ou rejeita ser submetido.

Palavras Chave: Direito a vida. Autonomia de Vontade. Consentimento Informado. Testamento Vital.

1        INTRODUÇÃO

A vida é um direito fundamental, estabelecido no art. 5º da CF. Situa-se no patamar máximo da hierarquia jurídica, gozando de prioridade sobre os demais direitos coletivos. Entretanto, apesar de sua relevância, este poderá sofrer limitações por meio de outros direito fundamentais, como o da dignidade humana. Diante disso, será analisado no presente trabalho o conceito de vida como um direito fundamental, as hipóteses de limitação desse direito, os avanços da medicina para a sua preservação, a morte como uma fase da vida e o questionamento sobre o que seria uma morte digna.

Por outro lado, o princípio da autonomia materializa-se no respeito à vontade do paciente, considerando seus valores morais e crenças religiosas. É o reconhecimento do domínio que este possui sobre sua vida, corpo e mente. Em que, por meio do uso pleno de sua razão, ou de seus responsáveis, quando faltar consciência, poderá estabelecer os tipos de tratamentos médicos que aceita ou rejeita, caso futuramente se encontre em estado de saúde de tal maneira grave que o impeça de consentir.  Desse modo, na relação médico-paciente, ambos devem ser autônomos, livres para avaliarem as opções possíveis, assegurado ao paciente o direito de consentir ou recusar determinado procedimento.

Neste sentido, a relação médico– paciente transformou-se com o tempo, pois antes o médico decidia e submetia o paciente ao melhor tratamento, em que muitas vezes este nem mesmo soubesse do que padecia. Hoje, entretanto, é dever do médico respeitar a autonomia do paciente para que possa tomar decisões referentes à enfermidade. Devendo-se observar o consentimento informado. Isto posto, será observado logo abaixo, a condição do paciente com o status de pessoa, e não de mero objeto da atividade médica, em que o médico não mais poderá decidir de forma unilateral o tratamento a ser seguido.

Por fim, diante desta possibilidade do paciente declarar quais tipos de tratamentos médicos aceita ou rejeita, caso futuramente se encontre em estado de saúde de tal maneira grave que o impeça de consentir, surgem diversas controvérsias como: a falta de previsão jurídica sobre o Testamento Vital no Brasil; a não clareza quanto o papel do médico na abreviação da vida do paciente, o conflito aparente de norma e o questionamento sobre quem decide a continuidade ou não do tratamento médico.

Desse modo, o presente trabalho justifica-se no momento que surgem às divergências ao que relaciona-se com diretivas antecipadas do paciente, ou seja, se estas prevalecerão ou não sobre qualquer outro parecer médico, inclusive sobre os desejos dos familiares.

 

 

2        O DIREITO FUNDAMENTAL A VIDA

                     O direito fundamental à vida compreende um princípio substantivo, sobre o qual todo ser humano tem como direito inalienável, intransferível e inviolável o respeito à sua vida. É um “princípio processual”, segundo o qual, nenhuma pessoa poderá ser privada arbitrariamente do seu direito de viver, pois este constitui um direito básico e fundamental do ser humano, conforme estabelece CANOTILHO (1995. p. 517), “o gozo do direito à vida é uma condição necessária do gozo de todos os demais direitos humanos”.

Nesse sentido, o direito a vida é um direito natural, inerente à condição de ser humano, que em sua definição ampla e própria, compreende a busca pelos meios mais apropriados de subsistência e de um padrão de vida decente. A sua importância respalda no fato de que, sem a vida, não há como pensar no exercício de nenhum outro direito, pois ela é o pressuposto vital, condição lógica e a primeira expressão da dignidade humana, sobre a qual se edificam todas as demais formas de sua realização,

Ademais, o direito a vida deve ser interpretado em sua estrutura normativa como princípio constitucional com âmbito de proteção amplo, cuja aplicação no caso concreto enseja a necessidade de “sopesamento com outros valores protegidos pelo ordenamento jurídico” (FERRAZ. 2009. p. 7), e que além de está previsto no art. 5º da Constituição Federal, é uma cláusulas pétrea, não podendo ser suprimidos da Constituição, nem mesmo por emenda constitucional

Nesta perspectiva, o direito à vida deve ser resguardado pelo o Estado e sociedade, na medida em que, “a vida tem prioridade sobre todas as coisas, uma vez que a dinâmica do mundo nela se contém e sem ela nada terá sentido” (DINIZ, 2002, P. 40). Desse modo, este princípio constitucional condiciona os demais direitos da personalidade humana, como um pressuposto para o exercício deste. Por exemplo, se forem praticados o direito à vida, à liberdade e a integridade, percebe-se que o primeiro direito é requisito lógico para o exercício dos demais.

                  Em outras palavras, pode-se dizer que o direito à vida é o mais primários dos direitos que os seres humanos possuem, pois constitui pressuposto lógico para o exercício dos demais, razão pela qual não deve ser derro­gado ainda que se esteja diante de situações de guerra ou emergência pública, por exemplo. Essa inviolabilidade, contudo, não quer dizer que o direito à vida seja absoluto, mas, em razão de sua relevância somente se admite a sua relativização em casos excepcionais.

                Nesta perspectiva, surge à problemática, envolvendo o direito à vida e elaboração do testamento vital em pacien­tes que podem declarar qual o tipo de tratamentos médicos que aceita ou rejeita caso futuramente se encontre em estado de saúde de tal maneira grave que o impeça de consentir. Pois, de um lado há os que defendem que a morte, nesse caso, seria uma questão de respeito com a dignidade humana do paciente, enquanto outros apontam para essa saída como uma forma brutal de violação dessa mesma dignidade e ao direito à vida.

3  A AUTONOMIA PRIVADA DE VONTADE

 O direito à autonomia da vontade é considerado como um dos componentes essenciais da proteção à liberdade constitucionalmente tutelada aos indivíduos, pois incide no âmbito das escolhas individuais, possibilitando a autorregulação das relações privadas. Por meio deste, “é assegurado ao particular o poder de criar, modificar ou extinguir situações jurídicas subjetivas, como uma manifestação da liberdade individual”, em que é outorgada ao sujeito a capacidade de determinar o seu próprio comportamento individual (Maweel).

Desse modo, a autonomia privada da vontade abrange a esfera de atuação jurídica do sujeito, no sentido que seu caráter constitucional de direito fundamental, permite a proteção ao espaço de vivência do indivíduo, cujo qual, é concedido pelo ordenamento estatal para que os particulares possam definir a sua atividade jurídica. Os particulares tornam-se, portanto, “legisladores sobre sua matéria jurídica, criando normas jurídicas vinculadas, de eficácia reconhecida pelo Estado” (NETO. 1998. p. 10).

Por meio deste princípio, a pessoa é colocada em lugar de destaque no ordenamento jurídico, pois parte-se da compreensão do ser humano como agente moral, “dotado de razão, capaz de decidir o que é bom e o que é ruim para si, e que deve ter liberdade para guiar-se de acordo com suas escolhas, desde que elas não perturbem os direitos de terceiros” (AMARAL. 1998. 154). Portanto, está reservado a cada um dos sujeitos, um espaço individual, no qual possa, de forma autônoma, decidir sobre seu desenvolvimento pessoal e social.

Segundo Pietro Perlingieri (1998. p. 19), o direito a autonomia privada de vontade consiste:

[...] no poder, reconhecido ou concebido pelo ordenamento estatal a um indivíduo ou a um grupo, de determinar vicissitudes jurídicas [...] como consequência de comportamentos – em qualquer medida – livremente assumidos. Na base desta concepção reside, frequentemente, de modo somente tendencial, a liberdade de regular por si as próprias ações ou, mais precisamente, de permitir a todos os indivíduos envolvidos em um comportamento comum determinar as regras daquele comportamento através de um entendimento comum.

                      Nesse sentido, não cabe ao Estado, à coletividade ou a qualquer outra entidade estabelecer os fins que cada indivíduo deve seguir os valores que deve crer e as atitudes que deve tomar, pois não se pode negar ao ser humano a possibilidade jurídica de decidir autonomamente da forma como preferir (PIRES. 2010). . Desse modo, cabe a cada pessoa definir os rumos de sua vida, em conformidade com suas opções subjetivas. Esta é a idéia da autonomia privada, constituindo-se, assim, como um dos elementos fundamentais do direito da liberdade do indivíduo.

                   Entretanto, conforme estabelece Amaral Neto (1998), apesar de amplo o direito à autonomia privada, este é relativizado diante das seguintes situações:

Os limites da autonomia privada são a ordem pública e os bons costumes: a primeira, como conjunto de normas jurídicas que regulam e protegem os interesses fundamentais da sociedade e do Estado, e as que, no Direito privado, estabelecem as bases jurídicas fundamentais da ordem econômica; e os últimos, como conjunto de regras morais que formam a mentalidade de um povo e que se exprimem em princípios jurídicos como o da lealdade contratual, da proibição do lenocínio, dos contratos matrimoniais, do jogo etc.

Diante do exposto, sob a ampla perspectiva do direito da autonomia privada da vontade, o indivíduo possui o direito constitucionalmente garantido de escolher o seu comportamento, de fazer as suas escolhas e de decidir o que julga ser melhor para si, ou seja, a “capacidade de se autodeterminar, fazendo escolhas e escolhendo seu destino” (AMARAL. 2010. fl. 29). Desse modo, este direito abrange à prerrogativa de um indivíduo plenamente capaz escolher as condições do final de sua vida.

Pois, a partir do testamento vital o indivíduo, gozando de suas plenas faculdades mentais, estabelece antecipadamente acerca das escolhas terapêuticas a serem adotadas na fase terminal de sua vida, podendo inclusive, recusar-se a receber tratamento que prolongue inútil e indefinidamente a sua vida. Por isso, este documento traduz o livre exercício do direito a autonomia de vontade do paciente, pois mesmo que seus familiares ou o médico discordem de sua decisão, esta deve ser respeitada.

4. A RELAÇÃO MÉDICO E PACIENTE

Com os avanços biotecnológicos, a medicina evoluiu no sentido de diminuir o sofrimento dos pacientes, de buscar a cura de doenças e de prolonga a vida dos homens em estado terminal. Diante desta última possibilidade, da medicina prolongar a vida por meio de equipamentos, surgem conflitos éticos e morais a cerca do processo da morte. Uma vez que existem aqueles que são favoráveis às diretivas antecipativas, respaldando-se na aplicação dos princípios da autonomia de vontade e a da liberdade. Por outro lado, com posicionamento contrário, há àqueles que julgam ser o direito à vida um bem indisponível, não podendo ser abreviado.

Portanto, diante da divergência dos parâmetros ou limites para essas práticas, os profissionais da área da saúde têm recorrido à Bioética para orientar os seus passos.

A Medicina, enquanto arte e ofício têm por objetivo a prevenção dos males e a melhoria dos padrões de saúde e de vida da coletividade (CALVO. 2004). Esta sempre está associada à cura e ao minoramento da dor do próximo. Em que, na relação médico e paciente, o médico deve manifestar preocupação com sofrimento humano e deve prestar informações claramente ao enfermo e seus familiares, por quanto, o paciente possui o direito de solicitar uma conferência médica; a uma morte digna; a ter um acompanhante durante um exame ou hospitalização e etc., conforme previsto no Código de Ética Médica.

Atualmente, no âmbito das relações entre médico e paciente, há o forte exercício do direito da autonomia, pois os médicos deixaram de ser “senhores de todas as decisões e respeitam a vida, a saúde e a vontade dos seus pacientes” (GODINHO. 2012. p. 948). Isto se dá, em razão do consentimento informado, cujo qual, o médico deve rigorosamente respeitar as indicações dos pacientes, que poderão recusar determinados tratamentos de sáude, conforme as informações prestadas pelo o médico sobre o propósito, a natureza, os riscos e consequências destes mencionados tratamentos.

A Resolução 1.995 do Conselho Federal de Medicina (CFM), estabelece os critérios para que qualquer pessoa, desde que capaz civilmente e plenamente consciente, possa definir com seu médico quais os limites terapêuticos deseja passar em estado terminativo da vida. Desse modo, o paciente que escolher pelo registro de sua diretiva antecipada de vontade poderá definir, com a ajuda de seu médico, os procedimentos considerados cabíveis e aqueles aos quais não quer ser submetido em caso de morte por doença crônico-degenerativa. Por exemplo, o paciente legitimando o seu direito da autonomia privada da vontade, poderá negar a realização de tratamentos dolorosos ou mesmo a reanimação em caso de parada cardíaca. 

Ou seja, a partir da relação contemporânea entre médico-paciente, este poderá manifesta-se sobre a sua vontade de efetivação da diretiva antecipativa, cuja vontade não poderá ser contestada por familiares, pois o único que pode alterá-la é o próprio paciente. A sua manifestação deve ser registrada no prontuário médico. Em que, não é necessário a presença de testemunhas, diante presunção de fé pública que é médico possui. Por isso, o registro em prontuário não poderá ser cobrado, fazendo parte do atendimento médico.

Portanto, por meio do testamento vital, o paciente tem o direito de recusar ou interromper tratamento médico, a partir da expressão antecipada da sua vontade garantidora do direito constitucional da autonomia de vontade. Isto posto, “o paciente ainda no estado de consciência decide se gostaria ou não de ser atendido de forma invasiva ou persistente no estágio final de sua vida”, (Piccini, 201. p. 387).

Desse modo, a relação existente entre médico e paciente, deve ser fundada na credibilidade, no respeito, por meio do exercício do direito de informação, que constitui a base para a democracia, pois assegura não somente ao paciente, mas também ao seu responsável o “direito total e ilimitado de saber o que lhe diz respeita” (SILVA. 2000). Neste sentido se manifesta o presidente do Conselho Federal de Medicina, Roberto Luiz d’Avil:

A diretiva antecipada de vontade é um avanço na relação médico-paciente e pois relaciona-se com a possibilidade da ortotanásia (morte sem sofrimento). A existência dessa possibilidade não configura eutanásia, palavra que define a abreviação da vida ou morte por vontade do próprio doente, pois é crime. Uma vez que, com a diretiva antecipada de vontade, o médico atenderá ao desejo de seu paciente. Será respeitada sua vontade em situações com que o emprego de meios artificiais, desproporcionais, fúteis e inúteis, para o prolongamento da vida, não se justifica eticamente, no entanto, isso deve acontecer sempre dentro de um contexto de terminalidade da vida.

Diante da possibilidade de cada pessoa estabelecer sua diretiva antecipada de vontade e a partir desta, o dever do médico de respeitar o desejo expresso pelos pacientes, percebe-se um abandono da “conduta paternalista dos médicos”, por meio do exercício da autonomia privada dos pacientes no fim da vida (Portal do Médico apud Elcio Bonamigo). Desse modo, o testamento vital “orienta o profissional a atender a vontade expressa do paciente, sem lançar mão de ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas” (Portal do médico.2012).

Por fim, conclua-se que esta autodeterminação do paciente de optar pelos tratamentos médicos, relaciona-se com a capacidade que este possui em escolher o que fazer com seu corpo, significando uma ampliação dos direitos individuais na área da saúde. O direito a informação, deste modo, é o direito básico do enfermo de tomar conhecimento da realização de qualquer intervenção feita no seu quadro clínico, uma vez que o paciente, ciente deste poderá eleger a melhor opção dentre as possíveis.

Diante de todo o exposto, as benesses das descobertas de tratamentos e de equipamentos médicos devem proporcionar melhorias a vida dos pacientes. De modo que estas tecnologias não se justificam quando é “utilizada apenas para prolongar um sofrimento desnecessário, em detrimento à qualidade de vida do ser humano, também entendida como o direito a ter uma morte digna” (Portal do médico. 2012).

5. AS DIRETIVAS ANTECIPATIVAS DE VONTADE

O paciente é livre para decidir sobre os cuidados com a preservação de sua saúde, não podendo o médico agir nesse sentido, sem antes possuir o consentimento do enfermo, independente de tratar-se de tratamentos sem riscos ou de cirurgia intensamente arriscadas. A manifestação do paciente será baseada nas informações prestadas pelo o médico, em que aquele poderá escolher qual o tipo de tratamento deseja ou não ser submetido. Dessa forma, mesmo com todo o desenvolvimento da ciência médica, que permite o prolongamento artificial da vida, bem como a existência de medicamentos inibidores das dores humanas, o paciente poderá, baseando-se no seu direito de autonomia de vontade, recusar a incidência destes.

As diretrizes antecipativas de vontade é o gênero que possui duas espécies, que são: o mandato duradouro e a declaração prévia da vontade do paciente terminal. A primeira forma de antecipação de vontade do paciente constitui na elaboração de um documento em que o enfermo “nomeia um ou mais procuradores que deverão ser consultados pelos médicos na circunstância de sua incapacidade, para decidirem sobre a realização ou não do tratamento médico” (PENALVA. 2009. p. 182).

Já a declaração prévia de vontade do paciente terminal, “é um documento que deve estar no alcance de todos, no qual qualquer pessoa capaz e consciente possa indicar seu desejo de não lhe aplicar determinado tratamento em caso de enfermidade terminal” (PENALVA. 2009. p. 183). Este documento é o chamado testamento vital, que possui esta nomenclatura por trata-se de um negócio jurídico destinado a “produzir efeitos que o agente pretende e o direito reconhece” (AMARAL. 2006. p. 367), também em razão do fato de ser um ato unilateral, personalíssimo, gratuito e revogável, assim como os testamentos ordinários.

Porém, apesar destas características semelhantes entre o testamento vital e os testamentos ordinários, duas características essenciais diferenciam-no, a primeira é que o testamento vital não requer para sua elaboração ato solene e a outra é que este tipo de testamento produz efeito antes da morte do paciente. Ademais, os seus efeitos são erga omnes, pois vinculam médicos, familiares do paciente e o eventual procurador de saúde a sua disposição (PENALVA. 2009). Nesse sentido, para a validade do testamento vital deve-se respeitar os limites que são estabelecidos, conforme estabelece Luciana Penalva (2009. p. 527).

Importante verificar os limites que a doutrina aponta à declaração prévia de vontade do paciente terminal, a saber: objeção de consciência do médico; a proibição de disposições contrárias ao ordenamento jurídico; e disposições contra indicadas à patologia do paciente ou tratamento, superadas pelo avanço da medicina.

Desse modo, o testamento vital somente terá validade diante do ordenamento jurídico brasileiro, se o paciente não recusar-se aos cuidados paliativos, pois estes são garantidores do direito constitucional da morte digna e da dignidade humana. Por isso, o testamento vital somente poderá estabelecer sobre a recusa de tratamentos infrutíferos, no sentido de não trazer qualquer benefício ao paciente.

6. O TESTAMENTO VITAL

O prolongamento artificial da vida, comumente é discutido no âmbito da bioética ao longo dos anos. Porém, o Testamento Vital é um novo instituto jurídico, aplicado em situação diversa, pois por meio desse o paciente poderá manifestar sobre as diretrizes antecipativas de sua vontade. Ou seja, o paciente poderá definir os cuidados médicos que deseja receber, em caso de doença degenerativa do sistema nervoso. Portanto, este por meio da sua autonomia de vontade, poderá frente a sua patologia “descrever quais os procedimentos médicos gostaria de receber, caso se encontre com uma doença incurável e inconsciente sem condição de decidir por si” (Piccini. 2011. p. 388).

Em outras palavras, o testamento vital é a manifestação prévia da vontade de uma pessoa em pelo gozo de suas capacidades mentais e cognitivas, de expressar a sua vontade ao que diz respeita às condutas médicas que deseja que sejam adotas caso se encontre em um estágio final de sua vida e por isso impedido de se expressar naquele momento. Portanto, o paciente se manifesta previamente sobre a sua vontade de receber ou não determinados tratamento médicos, em fase final de sua vida. Em que os familiares e, sobretudo o médico devem respeita a sua vontade. 

O testamento Vital, ao contrário dos testamentos em geral, tem a sua eficácia dirigida antes da morte do testador. Este é um instituto que não está previsto na lei brasileira, e por isso a impossibilidade de apontar seguramente quais são seus requisitos. Para suprir tal omissão e não ter o testamento vital invalido, este deve obedecer no mínimo os requisitos previstos para a elaboração do testamento particular, que é a modalidade menos formal de testamento. Porém, apesar de não existir uma legislação específica sobre o assunto, o Conselho Federal de Medicina aprovou em 2012 a resolução n. 1995 que permite ao paciente registrar seu testamento vital na ficha médica ou no prontuário.

O Conselho Federal de Medicina, portanto, estabelece algumas regras sobre os pressupostos e características do testamento vital, que apesar de vincular somente os profissionais de saúde, ameniza os problemas existentes com a falta de legislação sobre o assunto. Por meio da interpretação integrativa desta resolução com outros princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana, o da proibição de tratamento desumano e a previsão do art. 15 do CC, é possível aferir legitimidade para a declaração prévia de vontade do paciente terminal, como instrumento garantidor da vontade do paciente de não ser submetido a tratamentos diante da irreversibilidade da sua doença.

Isto posto, a resolução 1995 de 2012 estabelece a exigência de que o testamento vital somente pode ser utilizado por pacientes graves, incuráveis e que não respondem mais a nenhuma medida terapêutica. Estabelece também, que o médico de confiança deve orientar o paciente e até participar da elaboração do testamento vital. E se durante o tratamento surgirem novas opções terapêuticas, o especialista deve apresentá-las ao paciente. Contudo, se o enfermo já determinou suas vontades e estiver inconsciente, seu desejo deve ser seguido.

Dentre as características, estabelece-se que o testamento vital não é definitivo, uma vez que é possível o paciente mudá-lo a qualquer a tempo, cuja nova decisão deve sempre ser comunicada ao médico. Porém, esta possibilidade de alteração do documento somente poderá ser realizada pelo o paciente, de modo que um familiar não pode se recusar a seguir as orientações descritas no testamento vital, pois o médico deve obrigatoriamente respeitar as vontades preestabelecidas pelo paciente. Desse modo, o familiar só tem poder de decisão caso tenha sido designado pelo próprio doente como seu representante (Mandado Duradouro).

 Ressalta-se ainda que a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) não determinou um modelo a ser seguido no momento da elaboração do testamento. Por isso, este poderá ser firmado por acordo verbal entre o paciente e o médico, como também mediante documento registrado em cartório. Por medida de segurança, no entanto, o mais correto, é que seja elaborado por escrito, com a presença de pelo menos duas testemunhas.

Alguns especialistas recomendam, ainda a nomeação dos chamados “procuradores de vida”, que são pessoas de confiança que, se for preciso, tomarão as decisões mais próximas aos desejos do doente. O ideal é que os procuradores de vida sejam em número ímpar (três ou cinco) para que, em caso de dúvida sobre uma conduta a ser adotada, ela possa ser decidida pela maioria, conforme estabelece a médica Maria Goretti Maciel, coordenadora do departamento de cuidados paliativos do Hospital do Servidor Estadual de São Paulo, para a revista VEJA.

Desse modo, diante do exposto o testamento vital demonstra a mudança na conduta do médico brasileiro ao reconhecer a legitimidade do testamento vital, documento no qual os pacientes registram o tratamento que desejam receber quando a morte se aproximar.

7. CONCLUSÃO

Desse modo, analisou-se o conceito de vida como um direito fundamental, assegurado pela CF, bem com as causas que possibilitam a limitação desse direito: os avanços da medicina para a sua preservação, a morte como uma fase da vida e o questionamento sobre o que seria uma morte digna.

Destacou-se que o testamento vital poderá ser aceito mediante a observância de determinados parâmetros, podemos então destaca-los: a declaração prévia da vontade do paciente, com o intuito de evitar o risco de invalidade do testamento vital; que o texto seja escrito de próprio punho ou por processo mecânico, sem rasuras, na presença de pelo menos três testemunhas, que também devem subscrevê-lo, conforme determina o art. 1.876 do Código Civil.

Insta destacar o princípio da autonomia, que fundamenta-se no respeito à vontade do paciente, considerando não somente os seus valores morais mas também as crenças religiosas, como forma de demonstrar o seu domínio que este possui sobre sua vida, corpo e mente. Permitindo que este estabeleça tipos de tratamentos médicos que aceita ou rejeita, no caso de se encontrar em estado de saúde grave, que não possa consentir.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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