Diferentemente do efeito devolutivo, o efeito translativo não possui origem no princípio dispositivo, mas sim no princípio inquisitório. Destarte, tem-se que neste instituto o órgão destinatário do recurso não precisa se ater apenas ao pedido de nova decisão. Isto decorre de casos em que o sistema processual autoriza o órgão ad quem a julgar fora das razões ou contra-razões suscitadas pelas partes, o que, diga-se de passagem, não consistirá em julgamento extra, ultra ou citra petita.

Acompanhando os ensinamentos de Barbosa Moreira, Nelson Nery Jr. identifica o efeito translativo como a profundidade do próprio efeito devolutivo, aduzindo que sempre que o tribunal puder apreciar uma questão - geralmente de ordem pública - fora dos limites impostos pelo recurso, estar-se-á diante de uma manifestação desse efeito.[1]

Para Fredie Didier Jr., o efeito translativo determina os limites verticais do recurso, delimitando o material com o qual o tribunal ad quem trabalhará para decidir a questão que lhe foi submetida, se relacionando diretamente com o objeto de conhecimento do próprio recurso, ou seja, às questões que devem ser examinadas pelo órgão destinatário do mesmo, como fundamentos para a solução do objeto litigioso recursal.[2]

Pois, vislumbra-se ser atualmente o efeito translativo aceito como um efeito autônomo dos recursos, na medida em que o mesmo permite que o tribunal ad quem, sempre que possível, aprecie questões que estejam até mesmo fora dos limites impostos pelos recursos. Visando coadunar com o ora exposto, importante citar o entendimento solidificado no Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

(omissis) As matérias de ordem pública, ainda que desprovidas de prequestionamento, podem ser analisadas excepcionalmente em sede de recurso especial, cujo conhecimento se deu por outros fundamentos, à luz do efeito translativo dos recursos. Precedentes do STJ: RESP 801.154/TO, DJ 21/05/08; RESP 911.520/SP, DJ 30/04/08; RESP 869.534/SP, DJ 10/12/07; RESP 660519/CE, DJ 07/11/05. (omissis) [3]

Do julgado supra, depreende-se que a autonomia do efeito translativo dos recursos permite a apreciação das matérias de ordem pública de ofício por parte do tribunal ad quem, o que certamente consiste em grande utilidade prática do mencionado efeito.

Um exemplo da utilidade prática do efeito translativo é o caso do recurso de apelação. Afinal, o artigo 515, § 1º, do Código de Processo Civil, aduz que o tribunal ad quem, quando do julgamento da apelação, poderá apreciar e julgar todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro.[4]

Isto certamente contribui para que sempre seja alcançado o objetivo maior do direito, qual seja a justiça, uma vez que o efeito translativo permite às instâncias superiores apreciarem e julgarem de ofício as questões de ordem pública constantes nos autos, inclusive as que sequer foram suscitadas no recurso interposto.

Típico caso da implicação do efeito translativo é a licitude do tribunal em extinguir o processo sem resolução do mérito, na hipótese de julgamento de apelação interposta apenas pelo autor contra a sentença de mérito a quo.

Doutra banda, destaque-se também a presença do efeito translativo quando se fala em agravo retido, haja vista que, mesmo que não se conheça de recurso de apelação eventualmente interposto, em matéria de ordem pública poderá ser conhecido e julgado o agravo retido constante nos autos.

Apenas a título ilustrativo, imperioso citar outros entendimentos jurisprudenciais:

(omissis)Diante do efeito translativo da apelação, as questões

acessórias, que poderiam ser resolvidas de ofício pelo juiz de

primeiro grau, como é o caso dos honorários advocatícios, também

estão sujeitas à apreciação por parte do tribunal ad quem,

independentemente de provocação. O processo não haverá de resultar em dano para quem tenha razão, segundo a clássica lição de Chiovenda.[5]

(omissis) Assim, quando eventual nulidade processual ou falta de condição

da ação ou de pressuposto processual impede, a toda evidência, o

regular processamento da causa, é cabível, uma vez superado o juízo

de admissibilidade do recurso especial, conhecer, mesmo de ofício, a  matéria prevista no art. 267, § 3º e no art. 301, § 4º do CPC.

inerente também ao recurso especial. (omissis)[6]

O trânsito do extraordinário é inviável para debater matérias processuais, de índole ordinária, relativas ao reexame dos julgamentos proferidos em grau de embargos de declaração para fins de nulidade por negativa de prestação jurisdicional, à aplicação da multa prevista no parágrafo único do art. 538 do CPC, à suposta concessão de efeito translativo a recurso especial e a eventual julgamento extra petita pelo Tribunal a quo.[7]

Pelo exposto, dúvidas não restam de que o efeito translativo constitui efeito autônomo das recursos, na medida em que não depende dos outros efeitos (suspensivo e devolutivo) para que tenha aplicabilidade prática. Afinal, independentemente dos efitos suspensivo e devolutivo, havendo nos autos questões de ordem pública, estas deverão ser analisadas pelo tribunal ad quem, em homenagem ao efeito translativo dos recursos.

Portanto, depreende-se que, do ponto de vista prático, a aceitação do efeito translativo (de forma autônoma) pelos tribunais tem sim grande utilidade, na medida em que permite aos julgadores dos órgãos ad quem a análise das questões de ordem pública constantes nos autos, mesmo quando não suscitadas no corpo do recurso interposto.


[1] NERY JR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

[2] DIDIER JR, Fredie e CUNHA, José Leonardo Carneiro da. Curso de Processo Civil. Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processos nos Tribunais. V. 3. 5ª Edição. Salvador: Juspodivm, 2008, págs. 82-83.

[3] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 1ª Turma. Relator Ministro Luiz Fux. Recurso Especial 1080808/MG. Acórdão publicado no Diário da Justiça do dia 03/06/09. Decisão Unânime.

[4] Artigo 515 do CPC - A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. § 1º - Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro.

[5] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Relator Ministro Sálvio de Figueirêdo Teixeira. RESP 402280/SP.

[6] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Relator Ministro Teori Albino Zavascki. RESP 885152/SP.

[7] Brasil. Supremo Tribunal Federal. Relatora Ministra Ellen Gracie. AI 543548/MA. Julgado em 29/11/05.