I - INTRODUÇÃO

A discussão aqui proposta visa ampliar a compreensão do processo de autonomia da Sociedade civil em relação ao Estado. Não sob a forma de ausência à institucionalidade política e estatal, mas, conforme Cayres (2009) pela "capacidade de pensar e agir de forma própria, [...] pela capacidade de contraposição, pela garantia do exercício de constituição de espaços coletivos próprios do associativismo civil" (CAYRES, 2009, p. 60), característica esta, efeito do fenômeno da mudança política, em especial, após os anos 70, mais fortemente a partir dos anos 80, período esse de consolidação do regime democrático.
O entendimento do fenômeno da mudança política a das teorias que explicam a transição de regimes autoritários para os democráticos, é o cenário onde ocorrerá o diálogo entre alguns dos principais representantes da Ciência Política contemporânea.
Discutir a autonomia da Sociedade Civil à luz de alguns teóricos da transitologia é uma maneira de contribuir para o entendimento da democracia e seus desdobramentos no âmbito dos movimentos sociais em especial na existência das Organizações Não-Governamentais, doravante descritas neste artigo como ONGs. As ONGs, instituições concebidas dentro desse processo de transição, deram também sua contribuição para a legitimidade do regime democrático ao possibilitar o aumento da participação das pessoas para além dos partidos políticos, voto, eleições e outras modalidades convencionais e formais da vida política.
Intitulado por Baquero (Baquero, 2008, p. 04) a "chamada Terceira onda de democratização" não ocorreu de maneira comum em todos os países. Sobre esse evento tiveram-se singularidades quando comparado a países da América Latina, Leste Europeu, África e Ásia. Todavia, para fins concernentes a tese deste trabalho, far-se-á referência somente aos conceitos mais amplos e não as particularidades do processo de democratização constatadas empiricamente em cada país.
Para tanto, alguns dos teóricos que discutem a Ciência Política contemporânea, iluminarão o transcurso deste texto. Leia-se: Huntington (1975) e Lipset (2001) ao tratarem das Teorias da modernização, Inglehart (1993) ao abordar a influência dos valores pós-materialistas de auto-expressão na esfera da Cultura política, Putnam (1996) ao tratar dos valores cívicos como essenciais para o bom desempenho político no tocante do Capital social; Przeworski (1994) ao tratar da institucionalização da escolha racional como condição para a democracia e Pizzorno (1966) ao defender a participação política como condição para o regime democrático. Por fim, utilizar-se-á Avritzer (1996) como um crítico das teorias da transição em geral, para amparar também algumas considerações acerca de todas as amarrações teóricas desenvolvidas ao longo do texto.

II - A TEORIA DA MODERNIZAÇÃO

A partir dos anos 50 as reflexões acerca Sociologia Política saíram de análises geograficamente locais para o contexto de outras nações. Dá-se aí, o surgimento da política comparada como um método de análise do fenômeno da mudança política. Como responsáveis por essa discussão primeira, temos Huntington (1975) e Lipset (2001) que ao tratarem das Teorias da modernização trouxeram a tese de que países em fase de modernização apresentariam grande instabilidade política.
A grande marca das sociedades em processo de modernização foi a de que o desenvolvimento do Estado ficou atrás da evolução da sociedade, isto é, o largo desenvolvimento na área econômica e social de muitos países, não foi acompanhado pela eficiência de seu sistema político, resultando em um grande hiato entre desenvolvimento social e eficiência do Governo. Critérios importantes para a institucionalização da política que amparariam o desenvolvimento sócio-econômico não foram alcançados, como por exemplo: adaptabilidade e complexidade bem como, autonomia e coesão das organizações políticas. A ausência dessas características, de fato, não conduz a institucionalização política, processo através do qual as organizações e os processos adquirem valor e estabilidade (Huntington, 1975, p. 24-27)
A respeito de Samuel Huntington, cabe enfatizar as fortes críticas que recebera sua teoria, dado o caráter etnocêntrico da inserção como modelo de democracia eficiente e sistema político altamente institucionalizado os Estados Unidos e alguns poucos países do norte e oeste europeu em detrimento de muitos países da América Latina, Leste Europeu, países africanos e asiáticos. Todavia, por esta teoria tratar sobre Instituições políticas, interesses públicos e comunidade política, encontra-se aí alguns elementos para sustentar a tese a que se propõe este trabalho.
Na tese deste autor, o que importa para um governo não é sua forma, mas sim seu grau de governabilidade. Por isso, pensando em modelos democráticos de governo, instituições políticas fortes também são imprescindíveis para promover e atender os interesses públicos. Como a discussão aqui proposta trata da autonomia da sociedade civil iniciada, sobretudo nos anos 80, fase de transição de regimes; é provável que em governos com elevado grau de eficiência política institucional, esse processo tivera sido menos litigioso, haja vista a existência de uma cultura e uma comunidade política que favoreceram a confiança mútua entre seus envolvidos, o que resultou na realização dos interesses públicos em detrimento dos interesses individuais. Entretanto, embora se utilizando de Huntington (1975) como uma teoria válida, neste texto, o argumento acima desenvolvido, coloca-se como uma hipótese carente de comprovações teóricas e principalmente empíricas que não foram aqui apresentadas.
Segundo Huntington (Huntington, 1975, p. 44), ficam evidenciados que a urbanização, industrialização, secularização, democratização, educação e participação nos meios de comunicação são aspectos qualitativos para a formação de comunidades políticas cívicas e não pretorianas, ou seja, com baixa institucionalização política. Por isso, "mais do que por qualquer outra coisa, o Estado moderno distingue-se do Estado tradicional pela ampla extensão em que o povo participa da política e é afetado pela política nas unidades políticas de maior envergadura" (Huntington, 1975, p. 48).
Baseado neste autor, a busca pela autonomia da Sociedade Civil nesse tempo de transição entre regimes, vem contribuir para um aspecto fundamental da modernização política que é a participação através de grupos sociais representando toda a sociedade e o desenvolvimento de novas instituições políticas para organizar a participação, característica essa, muito difundida na terceira era da democratização dentro dos movimentos sociais.
A contribuição de Lipset (2001) para esta discussão coloca-se num primeiro momento ao conceituar a democracia numa sociedade complexa
"como um sistema político que fornece oportunidades constitucionais regulares para a mudança dos funcionários governantes, e um mecanismo social que permite a uma parte ? a maior possível ? da população influir nas principais decisões mediante a sua escolha entre os contendores para cargos políticos. (Lipset, 2001, p. 45)
Somente com instituições fortes, é que será possível a sustentação e a garantia da manutenção da democracia conforme definida no conceito acima.
Embora a Teoria da Modernização esteja cercada de muitas críticas, Lipset (2001) aborda-a de forma menos contundente, ao apresentar as características que uma sociedade deve ter que lhe garantam uma democracia estável, todavia, sem o atrevimento etnocêntrico tratado por Huntington (1975). Ao legitimar a riqueza, o grau de industrialização e a urbanização para o desenvolvimento de uma democracia, traz de maneira mais enfática o nível de educação dos indivíduos de uma sociedade, como fator de maior relevância para essa conquista. Afirma que "quanto mais elevada for a educação de uma pessoa, tanto maiores serão as probabilidades de que ela creia nos valores democráticos e dê o seu apoio às práticas da democracia (Lipset, 2001, p. 56).
Pensar a Sociedade Civil como um importante ator político dentro do contexto de uma democracia, significa pensar nas reais condições de sua legitimidade e na manutenção de uma possível autonomia. Ao importar de Lipset (2001) o aspecto da educação para a manutenção dos valores democráticos e apoio a suas práticas, podem indicar nesse autor uma contribuição para esta discussão proposta no início deste texto dada a importância desta na formação de consciências para uma cultura política que ampare e legitime as instituições democráticas.

III - VALORES PÓS-MATERIALISTAS DA CULTURA POLÍTICA

Um importante autor que traz contribuições significativas utilizadas neste trabalho para o entendimento da autonomia da sociedade civil dentro do fenômeno da mudança política na fase de transição entre o regime autoritário para o democrático é Ronald Inglehart (1993). Ao abordar a influência dos valores pós-materialistas e de auto-expressão na esfera da cultura política, o autor traz a tese de que o desenvolvimento das sociedades está vinculado à síndrome de mudanças previsíveis de normas sociais absolutas, em direção a valores cada vez mais racionais, tolerantes, confiantes e pós-modernos.
Para Inglehart (1996) o desenvolvimento econômico traz uma mudança gradual, de valores de sobrevivência para os chamados valores de auto-expressão, o que ajuda a explicar por que as sociedades mais ricas têm maior probabilidade de serem democráticas. Mesmo antes da terceira onda de democratização, Inglehart (1993) argumenta que "a substituição gradual de valores materialistas por valores pós-materialistas estava movendo as prioridades das pessoas de um foco primário na busca das necessidades de sobrevivência, em direção a uma ênfase crescente na autonomia e auto-expressão" (Inglehart, 1993, p. 6).
Além disso, outro fator favorável à democracia é o que ele intitula de mobilização cognitiva, pois além de fazer referência novamente aos níveis crescentes de educação, aborda a realização de tarefas que requerem conhecimentos mais especializados como essenciais para a democratização das sociedades.
Sobre a mobilização cognitiva, Inglehart (1993) afirma ser ela quem irá substituir as formas tradicionais de participação política como voto, sindicatos, igreja ou outras organizações oligárquicas permanentes; para formas de participação muito mais específicas e substantivas como o movimento feminista, ambientalista, de liberação homossexual ou em outros novos movimentos sociais (Inglehart, 1993, p. 11). Percebe-se aqui que a categoria movimento social é apresentada como portadora de um elevado grau de democratização em uma sociedade. Sugere ser ela a ocupante do lugar nos espaços tradicionais de participação política, inclusive dos próprios partidos políticos.
Reforçando a idéia de democracia como participação, os movimentos sociais ampliam e horizontalizam as possibilidades de participação da pessoa na vida política de uma sociedade. Outrossim, pode-se afirmar com base nessas constatações, que à medida que a Sociedade Civil for aumentando e qualificando seu grau de autonomia e emancipação e conseqüentemente seu papel de importante ator político, ser reconhecido como tal pelos indivíduos e suas instituições políticas; maior será a estabilidade democrática de uma sociedade.
Por fim, um último elemento da teoria de Inglehart (1993) abordada neste texto, são os indicadores de confiança interpessoal que possibilitarão a formação de uma cultura política que garanta sociedades democráticas. Prosperidade e segurança dos indivíduos e das instituições, por exemplo, indicam bons níveis de confiança interpessoal; conseqüentemente, nessas sociedades, ter-se-á altos níveis de bem-estar, cooperação econômica e política. As instituições democráticas para este autor dependem disso para se manterem. (Inglehart, 1993, p. 49)

IV - CULTURA E COMUNIDADE CÍVICA

Na abordagem teórica proposta por Putnam (1996) em seu livro Comunidade e Democracia, tem-se de forma mais notória e acalorada, assim como em Inglehart, uma perspectiva externalista para explicar a mudança política, que neste caso, é perpassada pela eficiência das instituições. Estas não trabalham no vazio, mas sim, alimentadas pela cultura cívica da comunidade política que as sustém. Sem perder de vista o eixo norteador da proposta deste texto, busca-se a compreensão para o desempenho das instituições democráticas que para o mesmo autor devem acolher as demandas sociais e mesmo com recursos limitados, atender a essas necessidades (Putnam, 1996, p. 25). Mas como as instituições conseguirão isso se não houver uma comunidade cívica que contribua para o desenvolvimento do capital social nessa mesma sociedade?
A resposta de Putnam (1996) passa pela existência de bons projetos ou uma boa estrutura institucional, por fatores sócio-econômicos e fatores sócio-culturais como essenciais para o bom desempenho das instituições democráticas (Putnam, 1996, p. 26). Este último fator, a formação de comunidades cívicas, será o elemento de contribuição deste autor para a tese a que se propõe este trabalho.
De acordo com Putnam (1996) numa comunidade cívica a cidadania se caracteriza sobremaneira pela participação nos negócios públicos em detrimento de interesses puramente individuais e particulares. Direitos e deveres tornam-se iguais para todas as relações e reciprocidade e cooperação são horizontalizadas. Seus cidadãos participam ativamente da vida pública, as associações civis têm mais consciência política e contribuem mais eficazmente para a vida democrática ao formar uma densa rede de associações secundárias. Quando da ocorrência desses fatores, favorece-se a construção política da sociedade civil estreitando o diálogo desta com o Estado (Putnam, 1996, p. 101 ? 104).
Dentro da abordagem sobre os novos movimentos sociais, estritamente sobre o trabalho das Organizações não Governamentais (ONGs); sua existência e sua dinâmica contribuíram por suscitar e despertar de acordo com Sell (2006) a consciência política das pessoas. Ao atuarem como importante ator político, as ONGs levam também as demandas e anseios de direitos comuns, participação e cidadania da sociedade, contribuindo por sua vez, para institucionalização do regime democrático em muitos países após os anos 80 (Sell, 2006, p. 194). Por essa razão, vê-se aqui uma inversão na lógica pensada por Putnam, pois nesse caso, a Sociedade Civil e suas organizações tematizam necessidades e levam para o espaço público, não de maneira sinérgica. Entretanto, o conflito com o Estado conduziu a formação de uma consciência cívica e participativa dos cidadãos e simultaneamente a um movimento de democratização das instituições políticas como um todo, cita-se aqui o Brasil em seu período de transição de regime pós anos 80.
É notório ao longo desse texto, que na tentativa de mobilizar tamanha quantidade de autores com a proposta de um diálogo que possibilite o entendimento da mudança política situada na terceira onda de democratização ocorram uso e aplicação indevida de conceitos ao buscar embasamento teórico que justifique a autonomia da Sociedade Civil. A Teoria da escolha racional, importante arcabouço teórico para o fenômeno da mudança política pouco ou quase nada é apresentado nesse trabalho dado à incapacidade do autor de estreitar vínculos com a proposta deste escrito. Entretanto, dado a natureza deste trabalho, ele não tem a pretensão de encerrar qualquer tipo de discussão, pelo contrário, vem apontar pistas e novas perspectivas para a discussão entre Democracia, Estado e Sociedade Civil.
De maneira menos enfática a fim de evitar maiores inconsistências teóricas e até mesmo disparates conceituais, trataremos de Pizzorno (1966) e os seus conceitos ligados à categoria da participação política.

V - A LÓGICA DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

Como outrora já abordado por alguns autores, o problema da participação política está vinculado ao surgimento da idéia ou do conceito de soberania popular. No Estado pré-revolucionário discutir participação política não tinha significado algum, pois a posição política e a posição social dos indivíduos e grupos eram perfeitas e os grupos sociais eram representados perante o Estado; seus membros não participavam do Estado. Mas quando essa correspondência automática cessou, a participação política se configurou em um fenômeno significativo iniciando aí um problema no fenômeno da participação democrática.
Alessandro Pizzorno (1996), Ao fazer referência a indicadores de participação política apresenta certo grau de insatisfação ao perceber a insuficiência dos mesmos em limitar-se somente na explicação do processo eleitoral norte americano e não abarcarem a complexidade desse fenômeno, principalmente para a sociedade civil.
Dentre as tipologias por ele definidas, afirma existir certa relação orgânica entre Estado e Sociedade Civil. A participação desta está em função das demandas que a ela acorrem e que dirige ao Estado inaugurando aí uma função de solidariedade em prol dos da satisfação dos interesses. A intensidade deste tipo de participação está em função do grau de centralidade e identidade ocupada por aqueles que integram a participação civil. Ou seja, são indicadores dessa centralidade: adesão a um partido eleitoral, envolvimento em associações voluntárias, relações de negócio, amizade, consulta a políticos profissionais. Uma difusão desse tipo de participação indica um alto grau de integração entre Sociedade Civil e Estado.
Dentro dessas nuances, Pizzorno (1966) propõe até mesmo uma superação dos movimentos sociais ao afirmar a falta de estabilidade por eles garantida aqueles que neles participam. Como trata de fins limitados, a tendência (dos movimentos sociais) é que mudem seus objetivos ou se transformem. O que pode ser percebido é que a relação conflituosa deveras conhecida entre Estado e Sociedade civil não fica evidenciado neste autor, ambas as instâncias convivem de maneira orgânica e solidária; entretanto o grau de centralidade e identidade passa a ser a condição de maior participação política, principalmente para aqueles que integram a Sociedade Civil. Quanto maior for a centralidade de seus grupos e organizações maior identidade terá esse ator, leia-se, Sociedade Civil, frente o seu processo de autonomia.
Embora o problema da participação política esteja vinculado à aparição da idéia de soberania popular, o conceito de participação política parece distanciar-se do conceito de participação social, no entanto, tanto a participação política como a social não significam a tentativa de inserção da Sociedade civil nas macro-esferas do Estado principalmente no que se refere a decisões administrativas.


VI ? A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA ESCOLHA RACIONAL

Na busca por melhores argumentos que amparem este trabalho, Przeworski (1994), dado o distanciamento temporal posto em sua obra, dá uma explicação teórica para aquilo que só era explicado em fatos ? a democracia é garantida pelas instituições. Para ele, uma democracia só é possível fazendo-se uso da racionalidade presente em construções institucionais específicas. Dentro desta perspectiva, a passagem do conflito entre os indivíduos a um estado de cooperação só ocorre a partir da institucionalização da escolha racional, isto é, a democracia.
De acordo com Dahl (1971) apud Przeworski (1994) mesmo diante de diversidades institucionais, "um aspecto elementar é suficiente para caracterizar um sistema político como democrático ? a contestação aberta à participação" (Przeworski, 1994, p. 26). São várias forças políticas competindo entre si dentro de estruturas institucionais específicas. Essas estruturas são organizações coletivas que coagem aqueles cujos interesses representam onde os resultados apresentam-se sempre incertos. (Przeworski, 1994, p. 28). Pois são as forças políticas agindo dentro de regras específicas do próprio jogo em vista da realização de seus interesses é que determinam esses resultados (Przeworski, 1994, p. 25). O que temos por hora, é que a democracia é um sistema de desfecho regulado e aberto, de incerteza organizada.
"O momento crucial da transição do regime autoritário para o regime democrático é a passagem daquele limiar além do qual ninguém pode intervir para reverter os resultados do processo político formal. A democratização é um ato de submissão de todos os interesses à competição, é uma ação de institucionalização da incerteza. Passo decisivo em direção à democracia é dado pela transferência de poder de um grupo de pessoas para um conjunto de regras" (Przeworski, 1994, p. 31)
Vale à pena recordar, que ao longo das idéias contidas neste trabalho não se objetiva colocar as inconsistências, críticas ou problemas decorrentes das teorias apresentadas pelos autores supracitados. Esse trabalho versa exclusivamente na tentativa de compreender de que maneira a autonomia da Sociedade civil sob a forma das ONGs pode ser entendida a partir das teorias que explicam a mudança política após os anos 80 marco importante na transição de regimes autoritários para regimes democráticos.
Para Przeworski (1994) "as sociedades democráticas são habitadas não por indivíduos que agem livremente, mas por organizações coletivas que coagem aqueles cujos interesses representam" (Przeworski,1994, p. 27) As ONGs, mesmo que não se enquadrem dentro da categoria de forças políticas ou não contemplem todas as condições para atuarem como tal, ou seja, não competem entre si dentro de estruturas institucionais específicas tais como partidos políticos, são capazes de influenciar as decisões daqueles que nelas atuam (Przeworski, 1994, p 26).
Segundo Sell (2006) entende-se aqui a abrangência de uma ONG aquela inserida dentro de uma perspectiva da Teoria dos novos movimentos sociais influenciada por Alain Touraine, como sendo uma institucionalização e profissionalização dos próprios movimentos sociais. Que mais do que uma tomada revolucionária do poder, buscam transformar, pela luta seu cotidiano, contribuindo para a construção de uma nova noção de cidadania e uma nova cultura política. Como um ator político da sociedade civil, ela pode atuar no processo de mobilização de diferentes indivíduos com diferentes interesses para um estágio de cooperação. E como um tipo de organização própria desse período de consolidação do regime democrático cabe a elas, também, "o papel de suscitar a adesão espontânea entre os indivíduos e afim de garantir um estado de equilíbrio durante a transição. (Przeworski, 1994, p. 62)

VII - CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com Avritzer (1996) "a democratização se tornou o grande fenômeno político dos anos 80 no Brasil, na América Latina e no Leste da Europa, consagrando as assim chamadas teorias da transição para a democracia como abordagem mais bem-sucedida acerca do problema" (Avritzer, 1996, p. 125). Todavia, num segundo grupo de críticas a essa teoria, Avritzer (1996) afirma que as teorias da transição não tratam o surgimento da Sociedade Civil enquanto um processo de renovação social e de mudança na relação entre Estado e Sociedade. A modernização, pela qual passaram a maioria dos países nos quais o autoritarismo prevaleceu até os anos 80, implicou a introdução de práticas e técnicas autoritárias no nível do Estado sem o desenvolvimento de mecanismos de controle dessas práticas.
Ao fazer referência a O?Donnel & Schimitter (1986) e Stepan (1980), Avritzer (1996) afirma o ressurgimento da sociedade civil como uma ressurreição do popular nitidamente indiferenciada e efêmera de mobilização em muitos países populistas (Avritzer, 1996, p. 127). E contrapondo-se a temática trabalhada ao longo deste trabalho, não tivera conseguido sua autonomia dado "a democracia ser um processo temporalmente longo de negociações" (Rustow 1970, apud Avritzer, 1996, p. 131) entre os atores políticos, onde muitos destes não abandonaram suas práticas autoritárias. A democracia não constitui, senão, uma nova prática social introduzida na modernidade levando a posicionamentos ambíguos entre os atores sociais envolvidos.
Ambigüidades que se mostram em questões que ficam ainda em aberto: é a democracia um processo duradouro ou somente uma soma de práticas e características institucionais de um período da modernização política de um país? A autonomia da Sociedade Civil apresenta maior dependência da mudança instituições políticas ou da eficiência destas mesmas instituições? Será a consciência cívica, os valores de auto-expressão ou ainda os valores pós-materialistas embutidos no seio da sociedade civil, responsáveis pela mudança política? Tais respostas cabem, portanto, ao permanente trabalho da Sociologia Política de explicar o fenômeno da mudança política e continuar projetando a existência de mundos possíveis para que os indivíduos possam habitar.




VIII - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CAYRES, D. C. Sociedade Civil e Estado: A Autonomia Revisitada. Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política, Universidade Federal de Santa Catarina ? UFSC. Florianópolis, 2009.
INGLEHART, R. Democratização em Perspectiva Global. Opinião Pública, Campinas, 1993, v. 1, n. 1, p. 09 ? 67, Julho/Agosto.
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LIPSET, S. M. O Homem Político. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967.
MOISÉS, J. A; BAQUERO, C. M. J. Apresentação do Dossiê Cultura Política e democracia. Revista Debates, Porto Alegre, 2008, v. 2, p. 01 ? 07.
PIZZORNO, A. "Condizioni della participazione política". In: PIZZORNO, A. (org.) Le Radici della política assoluta. Milano: Feltrinelli, 1966.
PRZEWORSKI, A. A Democracia e o mercado no Leste Europeu e na América Latina. Rio de Janeiro: Relumé Dumará, 1994.
PUTNAM, R. Comunidade e Democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1996.
SELL, C. Introdução à Sociologia Política: política e sociedade na modernidade tardia. Petrópolis: Vozes, 2006.