Desde o início da crise o brasileiro se acostumou a acompanhar índices e compreender o que significam.

Todo o mês, tal qual a final do Big Brother, ficamos preocupados com a divulgação do último IPCA, dos dados do CAGED de abertura de vagas formais ou até mesmo do último número do desemprego nas regiões metropolitanas.

Mas tem um indicador que por seu impacto no sistema financeiro, no varejo e na indústria deve ser acompanhado com cuidado redobrado: a inadimplência.

Segundo dados divulgados pelo Banco Central no final de março houve uma considerável deterioração das carteiras de crédito do sistema bancário nos últimos cinco meses. De setembro, início da crise financeira global, a fevereiro, todos os principais indicadores de inadimplência dos empréstimos bancários pioraram.

A taxa de inadimplência sobre o total de crédito, inclusive o direcionado, aumentou de 2,8% em setembro para 3,4% da soma das carteiras em fevereiro. Os créditos com mais de 90 dias de atraso das empresas cresceram de 1,6% para 2,3%, e das pessoas físicas, de 7,3% para 8,3% no mesmo período. Os bancos, em fevereiro, fizeram provisão (de R$ 3,47 bilhões) até para clientes de rating AA a C, de baixo risco. As provisões para cobrir perdas em operações de crédito tiveram crescimento de 16,9% de janeiro para fevereiro, ou seja, um reforço de R$ 11,428 bilhões nos seus balanços. Ao mesmo tempo, os bancos rebaixaram a classificação de risco de parte relevante de suas carteiras de crédito.

O aumento das provisões foi mais intenso nas instituições privadas (de 28,8%) do que nos bancos públicos (10,4%) e nos estrangeiros (3%). O provisionamento em geral, porém, está acima do mínimo exigido pelo BC, o que retrata uma grande percepção de risco pelas instituições.

O crescimento da inadimplência foi mais forte e generalizado na carteira de empréstimos a empresas, atingindo as principais linhas de crédito. A taxa passou de 5,8% para 6,9% no desconto de duplicatas, de 2,7% para 3,3% no desconto de notas promissórias, e de 1,2% para 1,9% no capital de giro, entre setembro de 2008 e fevereiro de 2009. Mesmo em operações com recursos externos, como os Adiantamentos sobre Contrato de Câmbio (ACC), houve aumento da inadimplência, de 0,6% em setembro para 0,8% no mês passado.

O quadro da situação no segmento do crédito livre - onde os juros são pactuados entre a instituição financeira e o cliente - é reflexo do contágio que o país sofreu da crise financeira mundial, com o desaparecimento do crédito. Sem novos financiamentos, as empresas se viram em dificuldades para rolarem seus empréstimos.

Pelos dados do BC, os bancos estão se preparando para dias ainda mais difíceis, o que pode ser identificado também no rebaixamento geral na classificações das operações de crédito. Além do provisionamento acima do mínimo exigido pelo BC, os bancos rebaixaram o rating de suas carteiras, classificadas com nove notas, que vão de AA a H, numa escala de risco crescente. Operações classificadas como risco normal, com notas entre AA e C, encolheram 0,7%, enquanto as de risco 1 (entre D e G) aumentaram 11,6% entre janeiro, e fevereiro e as com nota H, consideradas praticamente perdidas, subiram 6,4% entre um mês e outro.

O momento se mostra, portanto, bastante delicado. O governo faz o que é preciso para o crédito voltar a irrigar a economia, o que pressupõe os bancos retomarem seus empréstimos para empresas e pessoas físicas.

O Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou a criação de um seguro de depósitos especiais, com garantia de até R$ 20 milhões do FGC (Fundo Garantidor de Crédito), para incentivar investidores a aplicarem novamente nos bancos pequenos e médios, de onde fugiram para os grandes bancos, sobretudo os públicos, após 15 de setembro, no rastro da desconfiança geral no sistema bancário. Sem recursos de depósitos, as instituições menores deixam as pequenas e médias empresas sem crédito. Esse seguro, porém, não garante os empréstimos dos bancos, se tomadores de empréstimos não tiverem como quitá-los. Sem a retomada do crédito, a performance da economia será ainda mais frágil, o desemprego crescerá e isso só fará agravar o quadro de inadimplência.

Infelizmente, a inadimplência deve crescer ainda mais. Essa é a expectativa dos agentes com relação ao desenrolar dos impactos da crise. Ainda é aguardado um aumento do desemprego e também uma queda da renda. Essa expectativa altista se justifica pela sazonalidade do comportamento do atraso nas pessoas físicas. Em geral, a inadimplência recua no fim do ano, para depois apresentar crescimento nos primeiros meses do ano seguinte. O pico, em geral, acontece em maio.

Já começam a aparecer, no entanto, evidências de que a perda de emprego também passou a ter influência. Pesquisa realizada pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP) aponta que o principal motivo da inadimplência no último mês foi o desemprego, citado por 48% das pessoas ouvidas. Em segundo lugar aparece o descontrole de gastos (12%). Apesar disso, a pesquisa indica que 65% dos pesquisados não se encontram desempregados.

Os estragos têm sido maiores em instituições sem uma gestão adequada de risco, isto é, sem modelagem estatística, política crédito, segmentação de carteira e uma cobrança adequada.

Uma boa notícia é que os dados de atrasos no Brasil, apesar da tendência de alta, ainda não são considerados explosivos. Além disso, está em patamares relativamente não muito superiores aos apresentados no resto do mundo, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), no relatório "Global Finance and Stability Report", de outubro de 2008.

O Brasil apresenta índice de 3,4% - segundo dados do Banco Central de fevereiro - bastante próximo de países como Argentina, Índia e França. Já países como Japão e Espanha estavam em níveis mais baixos, segundo dados do Fundo relativos ao ano passado (ver tabela ao lado).

Os números são apenas indicativos e, como o próprio relatório aponta, não podem ser comparados entre os países. Isso porque cada nação possui critérios e métodos de obtenção das informações bastante singulares. Mas podem apontar que o comportamento no Brasil é similar a de outras nações. A tendência de alta também é a mesma.

Na Espanha, por exemplo, os atrasos subiram de 0,6% para 1,1% entre o fim de 2006 e abril de 2008. Nos Estados Unidos, dados mais recentes apontam que esses índices dispararam nos últimos meses, para mais de 4% em alguns segmentos do crédito ao consumo. A taxa média superou os 3,2% no fim do ano passado, segundo dados da American Bankers Association.

A profundidade e o alcance da crise de crédito são determinantes para as pressões no sistema, dizia o FMI. Os dados sugerem ainda que as baixas contábeis decorrentes da inadimplência tanto nas hipotecas quanto nos empréstimos de consumo nos Estados Unidos devem ser recordes.

De qualquer forma, como dizia o saudoso robô do seriado "Perdidos no Espaço": PERIGO! PERIGO!

Bibliografia:
Jornal Valor Econômico de 30 de março de 2009
Jornal Valor Econômico de 08 de abril de 2009