ATUAÇÃO LEGISLATIVA POSITIVA DO STF NA EDIÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE Nº 11 [1]

João Vitor Fogolin

Leonardo Davi Piedade[2]

Cleopas Isaías Santos[3]

SUMÁRIO: Introdução; 1 Do princípio das separação dos poderes; 1.1 Do ativismo Judicial; 2 Da lesão ao princípio da separação dos poderes na edição da súmula vinculante nº 11 do STF; 3 Conclusão; Referências.

RESUMO

O vertente artigo tratará acerca da atuação do Poder Judiciário em atribuições legislativas, no que tange a edição da súmula vinculante nº 11, pelo Supremo Tribunal Federal. Neste paper, será a referida súmula será analisada sob fundamento dos princípios da separação dos poderes e da segurança jurídica, a fim de pondere acerca da necessidade do STF produzir normas, atuando subsidiariamente ao Poder Legislativo

PALAVRAS-CHAVE

Súmula vinculante. Separação dos Poderes. Supremo Tribunal. Ativismo Judicial.

 

 INTRODUÇÃO

É emblemático que as discussões acerca da necessidade de intervenção do Poder Judiciário em atribuições legislativas sempre foi um tema deveras controverso. Parte da doutrina se posiciona positivamente nesse aspecto, visto que a referida atuação se daria meramente em face de uma morosidade legislativa em editar determinada norma, sendo necessário que essa prerrogativa fosse exercida por outros Poderes para que não essa omissão não gerasse uma insegurança jurídica em nosso sistema.

No entanto, tal atuação deve ser encara cum grano salis, em obediência ao princípio da separação dos poderes, insculpido na Constituição Federal. Por isso, deve ser feita uma análise crítica da súmula vinculante nº 11, sobre o uso das algemas, pelo STF, pois, nela, o Supremo inovou ao prever a excepcionalidade do uso das mesmas, já que não havia norma que as regulasse.

 

1 DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

Sabendo que o Estado brasileiro dividiu a atuação e as funções de cada órgão do Poder Público, é de grande importância relatar os limites dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, seguindo o princípio da separação de poderes. A Constituição Federal prevê em seu artigo 2º que: “São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. A partir disso, é deve-se mencionar que o tema em debate, o ativismo judicial, em especial se tratando da súmula º11 é alvo de grande discussão, pois o juiz acaba atuando como legislador na busca da solução para alguns casos.

O título IV da Constituição Federal elenca toda a forma de organização, função e composição dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Cabe lembrar que cada órgão tem suas prerrogativas e seu limite de atuação, ou seja, o Legislativo não pode atuar como executivo ou Judiciário e vice-versa. No tema em análise, dever-se atentar para o ativismo judicial e para que o referido não vá de encontro com o princípio da separação de poderes.

O artigo 96, Inciso I da Constituição Federal, prevê que o Judiciário poderá se auto-administrar e legislar, no entanto, apenas no seu regimento interno, podendo ainda, declarar a inconstitucionalidade de leis e normas do poder executivo e legislativo. Assim, a atuação dos três poderes deve ser limitada, ou seja, respeitando seus limites e não “invadindo” a competência dos outros. 

Devemos também atentar que o princípio da separação de poderes possui status de cláusula pétrea, se tornando imune a emendas, reformas ou revisões que tentam tira-lo da Constituição Federal (MENDES. 2008. 177). Portanto, tal princípio é fundamental no nosso Estado, pois limita a atuação de cada órgão, sendo o referido princípio fundamental na pesquisa apresentada acerca do ativismo judicial, que de uma forma ou de outra, vai de encontro com a separação de poderes. Será mencionado posteriormente as exceções que garantem a atuação do judiciário sobre o legislativo e executivo.

1.1 Do ativismo judicial

Para iniciarmos a discussão, é de grande importância explicar o conceito de ativismo judicial, que acontece quando o juiz, na busca de uma solução, ultrapassa os limites de sua atuação, agindo como legislador. Como assevera Luis Roberto Barroso: “o ativismo judicial é uma atitude, uma escolha de um modo específico e proativo para interpretar a Constituição, expedindo seu alcance” (BARROSO. P6).

Cabe ressaltar, que no ativismo judicial, o juiz atuando como legislador, poderá ferir o princípio da separação de poderes, que busca dar uma função específica para cada órgão do Poder Público brasileiro, estabelecendo limites para sua atuação. No entanto, há casos em que o Judiciário poderá atuar fora de seus “limites” com em casos em que o legislativo é omisso, como em casos de inexistência de ato administrativo, causando assim, prejuízos à sociedade e ferindo garantias fundamentais, devendo o Judiciário, atuar em primeiro caso. (PRADO. 2008). O ativismo judicial, normalmente se instala quando há certo deslocamento entre a classe política e a sociedade, impedindo que as demandas sejam atendidas de forma efetiva, a partir disso, cabe ao juiz tomar providências cabíveis para solucionar o caso. (BARROSO. P.6)

Assunto a ser abordado posteriormente, a súmula nº 11 disciplina o uso de algemas em casos excepcionais, no entanto, proíbe que tal ato seja cometido como forma de constranger física ou moralmente o preso. Assim, o juiz poderá atuar de ofício como legislador e executando medidas, porém, observando se sua conduta não irá contra a súmula nº11.

O ativismo judicial poderá ser praticado de várias formas. De acordo com os ensinamentos de Luís Roberto Barroso:

A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas. (BARROSO. P.6)

Portanto, o Judiciário, em especial o juiz, poderá atuar dentro de uma das situações previstas, em casos em que referida atuação seja necessário para solucionar algum caso.

Há julgado de um recurso de apelação em que o ativismo judicial acabou esbarrando no princípio da separação de poderes citado anteriormente. De acordo com o julgado:

APELAÇÃO E REMESSA EX OFFICIO. CONTROLE JURISDICIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRESENÇA DE DISCRICIONARIEDADE. PROVIMENTO. I - A lotação de pessoal em órgão público, como é o caso de delegacia de polícia, é matéria que pertence à intimidade da Administração, sem contar que está sujeita a inúmeros fatores (falta de cargos vagos, cargos não providos pela não aprovação em número necessário em concurso público, número diminuto de cargo cuja elevação depende de lei, inamovibilidade de servidores efetivos, limites orçamentários à ordenação de despesa, entre outros), de modo que não se apresenta correta sentença que impõe a obrigação de ser elevado o número de servidores duma determinada repartição. II - Ausente hipóteses voltadas à concretização de norma constitucional de suficiente densidade de conteúdo e de preservação do mínimo existencial, nas quais é admitido, com maior amplitude, o chamado controle de políticas públicas. Ativismo judicial que esbarra na separação de poderes, ainda que examinado este princípio em sua acepção hodierna. III - Provimento da apelação e remessa oficial. (RECURSO APELREEX 200783040002178. Relator: Desembargador Federal Edílson Nobre. Fonte: DJ - Data::15/10/2008 - Página::204 - Nº:200. Data da decisão: 30/09/2008)

Conforme abordado o conceito de ativismo judicial, sua atuação e as hipóteses que garantam a atuação do juiz de ofício será abordado agora o ativismo judicial frente à súmula vinculante nº 11.

 

 2 DA LESÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES NA EDIÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE Nº 11 PELO STF

A EC nº45/2004 positivou na Lei Maior o uso da súmula vinculante como meio para a uniformização da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A Referida matéria foi inserida no art. 103 – A, o qual versa sobre seus requisitos e finalidade, com destaque para o seu parágrafo §1º (VIEIRA, 2008, p.1):

1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica

De imediato, afere-se que o papel das súmulas vinculantes diz respeito à validade, interpretação e eficácia de determinadas normas, isto é, se limita a sanar possíveis divergências existentes sobre determinada matéria, objetivando gerar maior segurança jurídica em face de reiteradas decisões dos Tribunais.

No entanto, sob a égide do artigo em cotejo responsável por inserir no ordenamento jurídico pátrio as súmulas vinculantes, vê-se que esta finalidade foi maculada com a edição da Súmula vinculante nº 11, que diz:

Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

O uso de algemas é trazido pela Lei de Execução Penal, instituída pela Lei 7.210/84, e prevê que o “emprego de algemas será disciplinado por lei Federal”, ou seja, dependerá de regulamentação complementar, que até hoje não foi elaborada.  (BROD, 2009, p.9).

Portanto, ao editar a “súmula das algemas”, o STF verdadeiramente inovou o arcabouço jurídico que trata sobre a matéria, agindo como legislador positivo ao prever os casos excepcionais nos quais o uso das algemas se faz necessário (BROD, 2009, p. 40). Não há dúvidas que esta atuação configura flagrante ativismo judicial, no qual o poder Judiciário toma pra si o dever de criar determinada norma, interferindo na esfera Legislativa.

É ocioso salientar que a omissão do Poder Legislativo em elaborar a complementação necessária do dispositivo que trata acerca do uso das algemas seja um óbice à consecução ao pleno manuseio das normas, mas a morosidade legislativa não implica uma atuação ilimitada do Poder Judiciário. Isso porque a já citada cláusula pétrea da separação dos poderes impede que o Judiciário aja como um legislador complementar sempre quando houver falha deste em elaborar determinada norma.

Sobre o tema, assevera Pedro Lenza (LENZA, 2008, p. 298)

(...) as atribuições asseguradas não poderão ser delegadas de um Poder a outro. Trata-se do princípio da indelegabilidade de atribuições. Um órgão só poderá exercer atribuições de outro, ou da natureza típica de outro, quando houver expressa previsão (e aí surgem as funções atípicas) e, diretamente, quando houver delegação por parte do poder constituinte originário, como, por exemplo, ocorre com as leis delegadas do art. 68, cuja atribuição é delegada pelo Legislativo ao Executivo.

Ora, em que legislação o STF se alicerçou para editar uma súmula que, em verdade, trouxe uma novidade para o ordenamento jurídico? E mais, se não houver previsão, como no caso em tela, em quais momentos o judiciário devera intervir na esfera legislativa quando esta se mostrar ineficaz?

Percebe-se que a atuação positiva do STF apenas corrobora para aumentar a insegurança jurídica que o mesmo busca sanar com a edição de súmulas vinculantes, tendo em vista que a atribuição dos três Poderes está delimitado na Carta Magna, porém, a discricionariedade com a qual o Supremo enfrentou a matéria das algemas põe em xeque os limites de suas atuações.

 CONCLUSÃO

 

A tentativa de uniformização da jurisprudência dominante nos Tribunais através das súmulas vinculantes favorece a segurança jurídica no momento em que possíveis controvérsias sobre determinados temas idênticos são tratados de forma isonômica.

Ocorre que o STF, responsável pela edição destas súmulas, ao elaborar a Súmula Vinculante nº11, inovou ao prever a excepcionalidade do uso das algemas, matéria essa que deveria ser tratada por Lei Federal, conforme reza a Lei de Execução Penal. Tal atuação positiva do Supremo, além de romper com a finalidade originária das súmulas vinculantes, fere flagrancialmente a cláusula pétrea da separação dos poderes, posto que não há previsão legal acerca da possibilidade da intervenção do Judiciário na esfera Legislativa neste caso.

REFERÊNCIAS

 

 

BARROSO, Luís Roberto. JUDICIALIZAÇÃO, ATIVISMO JUDICIAL E LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA. Acesso em 30 de outubro de 2011. Disponível em http://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_Selecao.pdf.

BROD, Helga da Silva. Uso de Algemas: o limite entre a licitude e o abuso. Disponível em: <http://www.fesmpdft.org.br/arquivos/Mono_helga.pdf> Acesso em 20 out. 2011.

MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 4º edição. Editora Saraiva. 2008

 

PRADO, Henrique Sartori De Almeida.  A separação de poderes e criação jurisprudencial do direito: limitações ao protagonismo judicial nas hipóteses de omissão legislativa. Publicado em 28 de dezembro de 2008. Acesso 30 de outubro de 2011. Disponível em: http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=1042.

PORTAL DA JUSTIÇA FEDERAL. Acesso em 30 de outubro de 2011. Publicado em 15de outubro de 2008. Disponível em http://columbo2.cjf.jus.br/juris/unificada/Resposta.

VIEIRA, Priscila Alencar de Souza. Constitucionalidade e finalidade da súmula vinculante à luz do ordenamento jurídico brasileiro. In: Âmbito Jurídico, Rio  Grande, 58, 31/10/2008 [Internet]. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5172> Acesso em 17 out. 2011.



[1] Paper apresentado à disciplina de Processo Penal I, do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

[2]Acadêmicos do 6º período noturno do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, e-mail’s: Joã[email protected] / [email protected], respectivamente.

[3] Professor Mestre, Orientador.