Sumário: Introdução. 1 Histórico e desdobramentos do crime de contrabando ou descaminho. 2 Atuação da Polícia Federal frente ao artigo 334, CP – coibição. 3 Participação da Polícia Federal na ação nuclear do artigo 334, CP e a resposta jurisdional empregada a esse crime. Considerações Finais. Referências.

RESUMO

O presente trabalho traz como tema a atuação da polícia federal  frente ao artigo 334, bem como o 318 do Código penal, que se refere ao crimes de contrabando ou descaminho. O enfoque será dado ao papel da Polícia Federal em coibir o cometimento do núcleo do tipo do artigo 334, Código Penal,bem como casos paradigmáticos de contrabando ou descaminho solucionados pela Polícia Federal.Também será feita uma análise de casos em que é a própria Polícia Federal quem pratica o ilícito penal quando em comento ou facilitando para que isso ocorra. Como decorrência, há um exame sobre a atuação do Poder Judiciário frente a esse desvio de conduta.

INTRODUÇÃO

O estudo e a reflexão sobre os crimes de contrabando ou descaminho são de fundamental importância, haja vista, que na atualidade eles têm adquirido grande importância diante das mudanças que os avanços tecnológicos têm proporcionado às sociedades, dessa forma, é necessário uma análise profunda e geral desses dois tipos penais.

Diante das falências inerentes ao Estado na preservação de sua ordem econômica, fez-se necessário que o próprio direito penal passasse a tutelar não somente os bens jurídicos fundamentais ao indivíduo, mas também aqueles relacionados à ordem econômica, tipificando algumas condutas quanto ao crime de contrabando ou descaminho.

1. HISTÓRICO E DESDOBRAMENTOS DO CRIME DE CONTRABANDO OU DESCAMINHO

O Direito Penal brasileiro, dentre as diversas condutas que julga ilícitas, preocupou-se também das condutas ilícitas relacionadas à exportação ou importação de mercadorias proibidas, como por exemplo a fraude parcial ou total, pagamentos dos encargos aduaneiros devidos dentre outras.

Na época do Brasil Colonial, o crime de contrabando ou descaminho estava previsto de forma assimilada nas Ordenações Afonsinas, haja vista que nesse período, a estrutura jurídico-social foi importada de Portugal, o que não tinha nenhuma adequação à realidade brasileira.

Após uma enxurrada de leis esparsas, no ano de 1603, foram promulgadas as Ordenações Filipinas, as quais constituíram o verdadeiro Código Penal do período colonial brasileiro. Nelas,

os preceitos eram estruturados de maneira bastante rudimentar, sem grande preocupação técnica. Não havia, como ocorre nas codificações contemporâneas, uma Parte Geral e outra Especial. Os delitos eram enumerados de modo casuístico, utilizando-se de uma linguagem peculiar, sem que, efetivamente, significassem um sistema” (MAZUR, 2005 p. 49).

Essas Ordenações não apresentavam de maneira clara quais os bens jurídicos que eram protegidos pelos delitos. Conforme destaca Carlos Eduardo Adriano Japiassú,

percebe-se o claro interesse econômico, sintetizado em mercadorias absolutamente indispensáveis às economias do mundo absolutista e mercantilista, como os metais preciosos e as embarcações, estas de importância ainda maior em um império colonial como eram o português e o espanhol àquele tempo (2000,apud Mazur, 2005 p. 49).

Com a proclamação da Independência em 1822, criou-se o Código Criminal que foi sancionado em 1830. Esse código em seu art 177º dispunha da seguinte forma acerca do crime de contrabando ou descaminho “Importar ou exportar gêneros ou mercadorias proibidas; ou não pagar os direitos dos que são permitidos, na sua importação, ou exportação”. 

Foi no período republicano que criou-se o Código Penal Brasileiro e neste o crime de contrabando estava disposto no art.265 da seguinte forma: “Importar ou exportar, gêneros ou mercadorias proibidas; evitar no todo ou em parte o pagamento dos direitos e impostos estabelecidos sobre a entrada, saída e consumo de mercadorias, e por qualquer modo iludir ou defraudar esse pagamento”.

Foi com a promulgação do Decreto- lei nº 2848, que substituiu o Código Penal anterior que os crimes de contrabando e descaminho foram e estão até hoje definidos no art. 344 , presente no Capítulo II que trata dos crimes cometidos por particular contra a administração pública, que dispõe:

“Art. 334. Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, saída ou pelo consumo de mercadoria:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.”

Observa-se que o tipo penal reuniu em um único dispositivo, dois fatos diversos, porém há uma sinonímia entre eles, parecendo indicar que são figuras idênticas, porém apresentam distinções.

Contrabando é a importação ou exportação de mercadorias cuja entrada no País ou saída dele é absoluta ou relativamente proibida. Por sua vez, descaminho, também conhecido como contrabando impróprio, é “a fraude utilizada para iludir total ou parcialmente, o pagamento de impostos de importação ou exportação” (MASSON 2012, p.757).

Para Mazur (2005, p.52), pode-se extrair que contrabando significa a importação ou a exportação de gênero ou mercadoria ditos proibidos, não se configurando um ilícito fiscal. 

O descaminho, ao contrário, constitui verdadeira fraude fiscal, fraude ao pagamento dos tributos aduaneiros, consubstanciada na ilusão, total ou parcial, de direito ou imposto devido pela entrada ou saída de mercadoria. É um ilícito de natureza tributária, no qual se verifica uma relação entre o Fisco e o contribuinte que não é verificada no contrabando.

Em sentido estrito, contrabando designa a importação ou exportação fraudulenta da mercadoria, e descaminho o ato fraudulento destinado a evitar o pagamento de direitos e impostos.

O erário público é o alvo imediato da lesão ocasionada na constância do contrabando, porém, mediatamente, este crime se mostra pluriofensivo, pois, a norma penal protege interesses distintos, ao passo que a conduto pode ofender bens jurídicos diversos. Já o crime de descaminho, é um ilícito de natureza fiscal, representando uma fraude fiscal.

Esses delitos, enquadram-se na categoria de delitos econômicos. O contrabando é típico crime econômico, pois a tipicidade baseia-se em violar normas de exportação ou importação. Em relação aos sujeitos desse crime, trata-se de crimes comuns ou gerais, pois, podem ser praticados por qualquer pessoa, inclusive por funcionário público, desde que não possua o especial dever de impedir o contrabando ou descaminho. Nessa situação o agente público pode ser coautor ou partícipe dos crimes tipificados.

Para Cleber Masson (2012, p. 763), se o funcionário público é dotado do especial dever de impedir a prática do contrabando ou descaminho, e concorre para a realização de qualquer desses delitos, a ele será imputado o crime de facilitação ao contrabando ou descaminho, de natureza funcional.

O sujeito passivo desse crime é o estado, pois, a lesão é tanto contra o erário público quanto ao interesse estatal de impedir a importação ou exportação de produtos que ofendem a saúde, a moral, a ordem pública, isso de acordo com Capez (2007, p.515).

1. ATUAÇÃO DA POLÍCIA FEDERAL FRENTE AO ARTIGO 334, CP – COIBIÇÃO

A proteção dos bens jurídicos caros à sociedade se revela como fito maior ao Direito Penal, em que tal missão ultrapassa a direta vigência da norma, alcançando outros escopos, como o asseguramento das expectativas normativas essenciais. Nessa seara, o Brasil enfrenta dificuldades que se lhe impõem, no tocante à repressão, fiscalização, prevenção e apração da responsabilidade penal em face do crime de contrabando e/ou descaminho.

Fatores externos a essa incumbência, como o de que o país possui milhares de quilômetros de fronteira seca, faixa que representa 27% do território nacional com uma população próxima dos 10 milhões de habitantes (IBGE). Ela exerce limite com todos os países e territórios ultramarinos (Guiana Francesa) sul-americanos, com exceção do Equador e do Chile. Muitas vezes, se torna praticamente impossíveis de serem suficientemente fiscalizadas. Em decorrênia desse quadro de insuficiência de recursos humanos, insta-se um fator que sobremaneira dificulta a atuação a contento dos poderes públicos responsáveis por essa contenção, em especial a Polícia Federal.

A Carta Magna brasileira fincou em seu texto a competência da Polícia Federal para investigar o crime de contrabando ou descaminho, dentre outras competências, prevenindo e reprimindo o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras” (art. 144, §1º, CF).

Destarte, a proteção do bem jurídico Administração Pública, resguardada em texto constitucional especialmente em relação a essa infração penal está, dá fundamento de validade para as demais normas, particularmente o art. 334, CP.

O comércio ambulante, nos grandes centros comerciais é frequente e preocupante, vez que atenta contra a Administação Pública sob dois aspectos: quanto à ilusão de pagamento de direito ou imposto e atingindo o comércio nacional, prejudicado pela concorrência desleal. No intuito de coibir tais práticas, a Polícia Federal exerce papel fundante no combate a esses crimes.

Pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) constatou em estudos que somada à sonegação e a falsificação, a comercialização clandestina alcança um prejuízo anual de R$ 170 bilhões aos cofres federais. Em sonegação são R$ 120 bilhões e em contrabando e falsificação 50 bilhões.

Dentre as mercadorias mais contrabandeadas, figura no topo do ranking cigarros, em seguida os CDs, DVDs, óculos de grau e agrotóxico. O chefe da Divisão de Repressão

ao Contrabando e Descaminho (Direp) da Receita Federal na 10ª Região Fiscal, André Luiz Fonseca, explica que, somente neste ano, até o momento, o governo federal deixou de arrecadar R$ 24 milhões.

Recentemente, a Polícia Federal apreendeu, na cidade de Cascavel - PR

aproximadamente 83 caixas de cigarros contrabandeados do Paraguai. Dois homens foram presos em flagrante. Em diligência de rotina, policiais federais observaram um veículo com placas de Londrina, que passava por dentro de um potreiro com cerca e descarregava as caixas de cigarros em meio à mata fechada, cerca de cem metros de uma propriedade rural. No momento da ação policial, os homens fugiram, mas foram localizados e presos em uma propriedade rural na Linha Três Irmãs, município de Mercedes. Os presos, os veículos e os cigarros foram encaminhados para a Delegacia da Polícia Federal em Cascavel para lavratura do auto de prisão em flagrante (Comunicação Social da Polícia Federal no Estado do Paraná, 26/04/2013, web).

Durante outra operação – Armani – a Polícia Federal desarticulou quadrilha especializada na prática do crime de contrabando e descaminho nas cidades gaúchas de Porto Alegre, Santa Vitória do Palmar, Chuí, Pelotas e Novo Hamburgo. Foram presas seis pessoas, no dia 10 de outubro de 2012.

Em outra oportunidade, policiais federais apreenderam 45 kg de agrotóxicos contrabandeados do Paraguai. Os herbicidas foram apreendidos numa propriedade rural na cidade de Juranda/PR. O proprietário da fazenda foi autuado na Delegacia de Polícia Federal em Cascavel.  A ação foi desencadeada como desdobramento de mais uma das Investigações concentradas no combate a este crime.

Sob invetigação está uma possível rota de contrabando de rubis no Norte de Santa Catarina. Estima-se que nessas duas décadas já foi retirada uma tonelada de rubi bruto. Estudiosos apontam que “tem tanto rubi nas terras catarinenses que seria necessário mais de 150 anos de exploração para por fim ao minério. Basta cavar 30 centímetros para já encontrar as pedras. A região ‘vermelha está em uma área de 800 quilômetros quadrados” (Xangri- Lá, 2013, web).

Por sua vez, dando azo ao que preleciona o §1º, a do art. 334, do Código Penal expõe-s a seguir, in verbis

A Polícia Federal apreendeu, na manhã de ontem (18/4), uma embarcação que transportava cerca de 80 caixas de cigarros contrabandeados, no município de Santa Terezinha de Itaipu. A ação aconteceu durante um patrulhamento no Lago de Itaipu, por volta das 8h. Nesse momento, policiais avistaram um barco que ia em direção à margem brasileira. Ao se aproximarem para efetuar a abordagem, o condutor atracou o barco e empreendeu fuga pela mata, não sendo possível localizá-lo (Comunicação Social da Polícia Federal no Estado do Paraná, 2013, web).

A causa de aumento de pena prevista no §3º do art. 334, CP (quando praticado por meio de transporte aéreo clandestino) poderia indubitavelmente ser aplicado na operação realizada em conjunto entre a Receita Federal  e PRF, com aopio da FAB:

No dia 07/11/12 por volta das 12:30 um avião pousou em uma pista de terra na região de Lençóis Paulista/SP. Os helicópteros da PRF e Receita foram acionados e ao chegarem no local avistaram uma Fiat/Fiorino deixando a área rural próxima ao local. A Fiorino estava carregada com eletrônicos (tablets, gravadores digitais, GPS e cartão de memória) avaliados em US$ 105 mil dólares, preço de custo (RECEITA FEDERAL, 2012, web).

Por sua vez, aparatos tecnológicos como o scanner, uma espécie de raio-X parecido com dos aeroportos agilizam a abordagem concreta da Polícia Federal. O equipamento da Polícia Rodoviária Federal é capaz de identificar mercadorias suspeitas dentro de qualquer veículo, inclusive em movimento.

Não se pode olvidar ainda de casos em que a Polícia Federal precisa aplicar estratégias diversas para surpreender os contrabandistas, como na operação que apreendeu dezenas de mercadorias importadas irregularmente. Para isso, opera em conjunto com outros órgãos, de modo a  justapor mecanismos satisfatórios à repressão desses crimes. Alguns parceiros da Polícia Federal são Receita Federal e Grupo de Operações Especiais da Polícia Militar, Divisão de Repressão ao Contrabando e Descaminho (Direp) da Receita Federal, 10ª Região Fiscal, Brigada Militar e Polícia Rodoviária Federal, FAB. Ilustrando, dá-se ciência de duas operações, como 

a ação que teve início no Porto de Santos, no litoral de São Paulo, onde a Receita Federal suspeitava da entrada de mercadorias contrabandeadas em containers destinados ao transporte de mudanças de pessoas físicas residentes no exterior, que estariam retornando ao Brasil. Como são objetos de uso pessoal, esse tipo de carga não está sujeito à tributação”. A Polícia Federal foi informada e, juntamente com o MPF, realizou a entrega controlada da carga, para que fosse possível identificar o destinatário. O container foi acompanhado até uma importadora no bairro Jardim São Paulo, em São Carlos. No descarregamento, foram encontradas mercadorias como equipamentos médicos, medicamentos, eletrônicos e outros, sem documentação de importação regular (G1/EPTV, 2013, web).

Igualmente

A Superintendência Regional de Polícia Federal no Maranhão realizou operação conjunta com a Receita Federal e Grupo de Operações Especiais da Polícia Militar de Pinheiro (GOE), no porto de Itaúna em Alcântara (MA), com o objetivo de reprimir a entrada de mercadorias ilegais no país. A ação resultou na apreensão de quatro carretas contendo caixas de cigarros, óculo de sol, tênis e roupas de marcas esportivas internacionais. As mercadorias foram trazidas em um barco com procedência desconhecida até o momento, o qual já tinha partido antes da chegada das equipes. Também foi apreendida a quantia de R$ 16.000,00 que estava com um homem responsável por toda a logística de descarga do barco e transporte nas carretas, que seguiriam para a cidade de Vitória do Mearim/MA. A mercadoria seria entregue para um homem cuja identidade ainda é desconhecida.

A seu turno, pode-se questionar: qual o destino das mercadorias apreendidas pela Polícia Federal, nos casos de contrabando ou descaminho? Bem, o primeiro passo é

classificar o que foi apreendido. Isso porque há uma variância relevante que define de forma acertada o fim colimado da mercadoria em evidência. A seguir, 

elas podem ser leiloadas, destruídas, doadas a entidades sem fins lucrativos ou incorporadas a órgãos da União – nesse caso, os mais beneficiados costumam ser as Polícias Rodoviária e Federal. Até outubro do ano passado, a Receita já tinha embargado quase R$ 1 bilhão em produtos, um número 22% maior que o de 2006, por exemplo. Os campeões foram eletroeletrônicos (R$ 79 milhões), cigarros (R$ 77 milhões), óculos (R$ 73 milhões), calçados (R$ 65 milhões) e artigos de informática (R$ 58 milhões). Disso tudo, 6,5% voltam para os antigos donos. Se ninguém der as caras para reclamar a apreensão ou a decisão final for contrária ao acusado, a mercadoria tem seu destino determinado, na maioria dos casos, pela Justiça Federal (BALLOUSSIER, 2009, web).

Por fim, o Inquérito Policial será instaurado, para que sejam identificados os proprietários e os receptadores da mercadoria apreendida, que poderão ser indiciados pelos crimes de contrabando e descaminho no decorrer da investigação.

Em suma, o contrabando ao lado do descaminho são práticas criminosas que, em fins práticos, financiam outras atividades ilícits, por conta de seus alto lucros, o que toma proporções devastadoras diante da sociedade civil. Sob outro enfoque, frize-se que, por exemplo, a inviabilidade do comércio local face as facilidades propostas pelas mercadorias contrabandiadas ou que não foram pagas efetivamente, quanto ao direito ou imposto devido pela sua entrada, pela sua saída ou pelo seu consumo compromete recursos que seriam empregados para  mão-de-obra local e compensação dos altos custos de transporte até os centros consumidores, como ocorre na Zona Franca de Manaus (REGIS, 2012, web).

Cômica ocorrência a respeito do crime de descaminho foi veiculada no Jornal A Folha de São Paulo. “O alto preço do tomate no Brasil (que subiu 122% no último ano, de acordo com o IBGE) tem impulsionado o descaminho em pequena escala do fruto, na fronteira do país com a Argentina e o Paraguai (CARAZZAI, 2013, web)”.

2. PARTICIPAÇÃO DA POLÍCIA FEDERAL NA AÇÃO NUCLEAR DO ARTIGO 334, CP E A RESPOSTA JURISDIONAL EMPREGADA A ESSE CRIME

Dispõe o artigo 318, CP que incorre em crime quem “facilitar, com infração de dever funcional, a prática de contrabando ou descaminho”. Essa redação tras consigo alguns pressupostos para que se configure tal prática delituosa, de acordo com Rogério Greco (2006, p. 469), como: a conduta de facilitar; com infração de dever funcional; a prática de contrabando ou descaminho.

O Código Penal, ao delinear essa prática em tipo diverso ao de contrabando ou descaminho, o fez excetuando-se à chamada teoria monista ou unitária, dado o ataque ao bem jurídico protegido ser tão vil, quando realizado por funcionário público, em

descumprimento de seu dever funcional. O que se vislumbrou aí foi a ação do funcionário público coadjuvante no crime, em que o desvalor é maior, quando “extirpa os obstáculos” (PRADO, 2006, p. 389), pondo em prática o contrabando ou descaminho.

No bojo de um Recurso Especial, o STJ se manifestou em razão de crime praticado por um Patrulheiro Rodoviário Federal afirmando que “muito embora desempenhe, prioritariamente, fiscalização de trânsito nas rodovias federais, também tem por função de atuar na repressão de crimes, estando, por isso, enquadrado na hipótese delitiva da facilitação ao contrabando e ao descaminho” (STJ - REsp: 891147 RS, 2010).

O tipo penal do art. 318 bem se amolda nesse caso por conta da facilidade que o patrulheiro rodoviário federal tinha para agir dolosamente, o que é lastimável, vez que como já fora explanado, as fronteiras deste país não dispõem de fiscalização a contento, tornando-se gravosa exponencialmente a conduta ilícita dofuncionário público que tem o condão de alijar quaisquer contrabando e/ou descaminho de mercadorias para o território nacional.

Verficou-se na Apelação nº 200050010086373 RJ que versava sobre condenação de agente de polícia federal em ação de improbidade administrativa por facilitação de contrabando ou descaminho , situação intrigante em que, no acórdão, o Tribunal de Justiça entendeu que se o agente público já foi condenado penalmente, com trânsito em julgado, pelo crime de facilitação de contrabando ou descaminho (artigo 318 do CP), não mais se pode discutir a existência de tal conduta, na esfera da ação de improbidade. Contudo, o funcionário público pode responder por conduta indevida através de processo na esfera penal e na esfera administrativa. Isto porque estas esferas são instancias independentes, não há bis in idem. A exceção a esa regra – que não restou configurada no caso em tela – ocorre se na esfera penal ele for absolvido por inexistência do fato, ausência de autoria, e absolvido na esfera penal por uma das excludentes de ilicitude então, a decisão do processo penal irá repercutir na esfera administrativa.

Outro julgado que é referência dada sua intelecção apurada no tocante ao tipo penal em evidência foi o que apreciou o habeas corpus 5715 RJ e negou sua concessão, pelo que passa-se a expor:

I – Processo penal. Habeas corpus. Crimes de quadrilha e facilitação de contrabando ou descaminho. Ii – crimes militares. Apuração. Condição objetiva de punibilidade. Questão prejudicial. Não configuração. Iii – ação penal. Trancamento. Não cabimento. Iv – denegação da ordem. I – O dever funcional previsto no tipo do art. 318 do CP é o de reprimir o contrabando ou descaminho. Dever do policial militar, caso verificada a ocorrência do crime e de flagrante delito. Inexistência de relação com eventual crime de corrupção praticado pelo agente. Condutas delituosas juridicamente independentes e autônomas. II – O fato de o paciente ser policial militar não afasta a imputação quanto ao delito de facilitação de contrabando ou descaminho. Os crimes ditos funcionais, praticados por funcionário público em razão da função, pressupõem o dever funcional de todo e qualquer

funcionário público enquanto esteja obrigado a agir como tal. Coibir ilícitos insere-se na esfera de atribuição genérica de todos os agentes policiais. Previsão da possibilidade de punição por crime próprio, daquele que com o agente público atua na prática delituosa, mesmo quando particular (arts. 29 e 30 do CP). III – É perfeitamente possível o reconhecimento de que o réu era um membro estável da organização criminosa investigada, mesmo sem ter praticado corrupção passiva. IV – Regularidade da denúncia. Independência entre o processo em trâmite na Justiça Castrense (apuração dos crimes de corrupção e de violação de segredo funcional) e o que tramita na Justiça Federal (apuração dos crimes de quadrilha e facilitação de contrabando). Prosseguimento da ação penal. V – Ordem denegada. (TRF-2 - HC: 5715 RJ 2008.02.01.004680-5, Relator: Desembargador Federal ABEL GOMES, Data de Julgamento: 23/07/2008, PRIMEIRA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: DJU - Data::13/08/2008 - Página::67).

Assim, como ficou notório, a infração do dever funcional é elemento fundante e determinante para que se possa investigar se o crime cometido é facilitação de contrabando ou descaminho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O crime de contrabando ou descaminho é um dos previstos para tutelar a ordem econômica e faz parte dos chamados delitos aduaneiros, que são aqueles delitos que violam a ordem econômica, mediante a violação às normas elaboradas pela Alfândega, são também conhecidos como delitos cujas condutas estão relacionadas à importação ou exportação de mercadorias proibidas ou de mercadorias permitidas sem o pagamento do devido tributo.

É um crime pluriofensivo, pois, a norma tutela interesses diversos, podendo a conduta ofender a mais de um bem jurídico. O descaminho, por é um ilícito de natureza fiscal, ofendendo apenas um bem jurídico, o erário público/Fisco ou, em sentido mais amplo, a economia nacional. Ambos têm por tutela principal a administração pública.

Para a fiscalização desse crime, como fora apresentado no corpo deste artigo, se faz necesária e de grandiosa importância a atuação da polícia federal na investigação desse crime, dada as proporções negativas tomadas pela feitura desse delito.

Mesmo com o uso de diversas estratégias pela Polícia Federal, ainda há muito trabalho a ser feito para um efetivo controle desse crime, justamente por ter como característica a forma livre.

REFERÊNCIAS

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