1 INTRODUÇÃO

            A doação de órgãos é associada muitas vezes a falta de conhecimento sobre o assunto, o que tem impossibilitado uma adesão efetiva da população. Alguns dos fatores para a falta de conhecimento é a desinformação sobre o processo e a falta de abordagem do assunto em instituições de ensino inclusive da área da saúde.

            Contudo, a doação tem evoluído no Brasil nas últimas décadas, a partir da regulamentação de leis. A primeira lei sobre o assunto foi a Lei Federal nº 5.479 de agosto de 1968, que dispõe sobre a retirada e transplante de tecidos, órgãos e partes de cadáver para finalidade terapêutica e cientifica (Cicolo, RozaI&Schirmer, 2010).

 Em 1997, foi instituída a Lei Federal nº 9.434, cuja interpretação possibilitava a autorização para a doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo, apenas na ausência de manifestação negativa de vontade, expressa em documento de identidade(Püschel, Rodrigues & Moraes, 2002).  Porém, Almeida et al., 2003 dizem que depois de revogada, devido advento da lei 10.211/01,não basta à manifestação da vontade do morto, mas também a autorização do cônjuge ou de parente maior de idade, na linha sucessória reta (pais, filhos e netos) ou na linha sucessória colateral ate segundo grau (os irmãos).

            Para que grande parte dos transplantes aconteça, é necessário que ocorra a morte encefálica (ME). Ela é definida como a situação irreversível das funções respiratória e circulatória ou cessação irreversível de todas as funções do cérebro, incluindo o tronco cerebral. (Lima, Silva & Pereira, 2006). Os critérios para o diagnóstico de ME estão definidos na Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº1480/97, que conceitua morte como consequência de processo irreversível e de causa reconhecida.

            Segundo Roza et.al. (2006) o Sistema nacional de transplante (SNT) foi criado pelo decreto nº 2.268/97 que regulamentou a Lei nº 9.434/97citada anteriormente. Esse sistema é responsável pelo controle e pelo monitoramento de todos os transplantes de órgãos, tecidos e partes do corpo humano realizados no Brasil. Também é responsável pela gestão política, promoção da doação, credenciamento das equipes e hospitais envolvidos no transplante, a elaboração de portarias que regulamentam o processo desde a captação até o acompanhamento pós transplante, além da administração dos transplantes financiados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

De acordo com Santos & Fonseca (2012), o SNT esta presente em 25 estados por meio dos Sistemas Estaduais de Transplante (SET); sendo que a partir de 2001, por determinação da portaria GM/MS nº 905/2000, foram criadas as Comissões Intra-hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT’s), com o intuito de ampliar qualitativa e quantitativamente a captação de órgãos e permitir melhor organização do processo de captação de órgãos e melhor identificação dos potenciais doadores(Marinho&Cardoso, 2007).

Por fim, distribuídas pelas regiões do país, existiam as Organizações de Procura de Órgãos (OPOs) que tinham o papel de coordenação supra-hospitalar, o que incluia a organização e o apoio às atividades relacionadas ao processo de doação, de captação e de efetivação da doação de órgãos e tecidos. Os profissionais que atuam na área dos transplantes contam com apoio da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), responsável pela capacitação de recursos humanos na área dos transplantes em todo território nacional (Mendes et al.2012).

Atualmente, o transplante de órgãos é coordenado em conjunto pela Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO) e pelo Serviço de Procura de Órgãos e Tecidos (SPOT) conhecidos antes como OPO (Organização de Procura de Órgãos). O SPOT auxilia os hospitais desde o início do protocolo da ME até o momento da captação dos órgãos (Venanzi et al. 2012). Então, o SPOT é uma entidade constituída por um ou mais hospitais que possuem sua área de atuação regionalizada, para detecção e demais procedimentos que viabilizam o aproveitamento de órgãos e tecidos de doador potencial nos hospitais de sua área de abrangência (Püschel, Rodrigues, Moraes, 2002).

O número de transplantes realizados mundialmente continua crescente. No Brasil, desde 1964, quando foi efetuado o primeiro transplante, já ocorreram mais de 75.600 transplantes de órgãos sólidos. Trata-se de um sistema de lista única de espera, que garante a equidade no acesso a esta modalidade de tratamento. De acordo com o Registro Brasileiro de Transplantes, cerca de 30.547 pessoas aguardavam por transplante de órgãos em 2012. Durante uma pesquisa com 100 estudantes entrevistados feita por Silva e Silva (2007), 92% dos entrevistados não conheciam o significado da sigla “OPO” e 4% responderam erroneamente o significado da sigla interpretando-a como óbito pós-operatório; apenas 4% do total de entrevistados foram assertivos, e apenas um entrevistado demonstrou domínio do assunto (Santos & Fonseca, 2012).

De acordo com Leite (2000), podem ser transplantados os pulmões, o fígado, o coração, os rins e também as córneas, ossos, tendões, pâncreas e medula óssea. No Brasil o primeiro órgão sólido transplantado foi um rim, em 1965 na cidade de São Paulo (Püschel, Rodrigues, Moraes, 2002) e segundo o Ministério da Saúde (2010), hoje em dia o Brasil só perde para os Estados Unidos em numero de transplante renal.

Contudo, assim que constatada a necessidade de transplante, o paciente candidato a receber um ou mais órgãos é colocado na fila de transplante. Segundo Marinho e Cardoso (2007) a fila para transplantes no SUS para cada órgão ou tecido é única, por ordem cronológica ou gravidade dependendo do órgão a ser transplantado. Também são considerados critérios técnicos, de urgência, e geográficos específicos para cada órgão, de acordo com a Portaria 91/GM/MS de 2003.

Em 2004, o Conselho Federal de Enfermagem normatizou a atuação do enfermeiro na captação e transplante de órgãos e tecidos, definindo como exigência a necessidade de aplicar a sistematização da assistência de enfermagem (SAE). Além disso, deve cumprir as exigências estabelecidas pelo SNT para garantir esta forma de tratamento no âmbito do Sistema Único de Saúde. ( Marinho & Cardoso, 2007)

Este tema foi escolhido devido ao grande interesse pessoal da autora sobre o assunto e a falta de abordagem sobre este assunto durante a graduação no curso de enfermagem. Portanto o objetivo desse estudo é avaliar as produções cientificas sobre doação de órgãos identificando a atuação da enfermagem neste processo.

2 METODOLOGIA

 

            Este trabalho trata-se de uma pesquisa bibliográfica, desenvolvida através de material já elaborado em artigos científicos que proporciona conhecimento sobre a realidade. Este tipo de pesquisa exige pensamento reflexivo além do cientifico quando o autor da nova pesquisa esta diante de outras informações sobre o assunto escolhido (MEDEIROS, 2004).

Para a construção deste estudo, foram utilizadas as seguintes etapas: a) escolha da temática; b) escolha do modelo de pesquisa a ser utilizado; c) estabelecimento da questão da pesquisa; d) identificação dos descritores da busca; e) formulação dos critérios de inclusão da busca; f) seleção dos artigos científicos para elaboração do estudo; g) fichamentos, análise e interpretação dos artigos encontrados; h) redação final.            

Para o levantamento dos artigos na literatura, realizou-se uma busca nas seguintes bases de dados: Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciência da saúde (LILACS) e Base de dados de enfermagem (BDENF), na qual foram utilizados para a busca por artigos, os seguintes descritores e suas combinações: (enfermagem$), (enfermeir$ andtransplant$).

Os critérios de inclusão definidos para a seleção dos artigos foram: artigos publicados em português; artigos na íntegra que retratassem a temática referente à enfermagem e transplante de órgãos e tecidos; e artigos publicados e indexados no período compreendido entre 2002 e 2013. Foram excluídas as teses, os artigos repetidos e artigos que não abrangiam a temática do trabalho.

Foram obtidos 38 artigos científicos, após a leitura dos resumos realizou-se uma seleção de 15 artigos que abordavam a seguinte questão de pesquisa “Qual o papel do enfermeiro no processo de doação de órgãos?”.

4 DISCUSSÃO

 

4.1 Sentimentos dos familiares durante a doação

 

            Observa-se nos artigos analisados que os familiares do doador sofrem muito durante o processo de doação, pois muitas vezes, esta pode demorar mais do que a família espera e o sofrimento se prolonga.

            Segundo Silva & Silva (2007) a morte relacionada com doação de órgãos acaba sendo um assunto ainda mais delicado. Pois o processo de aceitação da morte do familiar ocorre de forma gradual, mas se tratando de morte relacionada à possível doação geralmente ocorrem abruptamente, interrompendo esse processo gradual. Os autores ainda afirmam que o período de luto e aceitação acontece muitas vezes através de rituais religiosos e culturais.  E devido ao primeiro contato com a equipe de procura de órgãos, que consiste no familiar receber a noticia do falecimento do ente que se encontra em morte encefálica e em seguida receber o pedido da doação dos órgãos, acaba quebrando a cronologia dos rituais necessários para a aceitação da referida morte.

            Complementando, Guido et al. (2009) relatam que cada família se ampara em princípios, valores e crenças diversas, intervindo algumas vezes em sua decisão de doar os órgãos do familiar morto. Cabe aos enfermeiros considerar as diferentes reações dos familiares após a noticia da morte, já que pode haver desespero, choro, sentimentos de tristeza, revolta e magoa e até mesmo crenças que a situação possa ser revertida. Estes autores ainda salientam a importância dos valores e crenças de cada família para o processo de doação.

Dell Agnolo et al. (2009), descrevem um pouco sobre os sentimentos dos familiares em relação a morte encefálica e dizem que muitas vezes isso ocorre com pessoas muito novas e que tinham boa saúde, levando a dificuldade de aceitação da morte pelos familiares que poderá influenciar na decisão de doar ou não os órgãos do familiar falecido.

            A visão sobre a morte muda ao passar dos anos devido as transformações das sociedades segundo Gutierrez & Ciampone (2007). Estes autores relatam que os comportamentos, hábitos, crenças e atitudes sobre a morte tem relação com a sociedade especificamente envolvida. Essa sociedade orienta como devem agir, o que devem ou não fazer os indivíduos envolvidos levando em consideração a cultura e região onde vivem. Baseando-se na cultura ocidental, a morte é cada vez mais associada a vergonha e a fragilidade, portanto é um momento mais reservado que deve acontecer em silencio. Por isso, em geral quando questionamos sobre este assunto, as pessoas sonham com a boa morte, uma morte tranquila onde não sentiriam dor e não incomodariam ninguém.

Para Püschel, Rodrigues & Moraes (2002) a decisão sobre a doação também é envolta em muitos sentimentos, crenças e cultura de cada família. Porém, se houvesse conscientização da população sobre a morte encefálica e doação de órgãos, isto ajudaria muito a aumentar o numero de doações no país.

            Segundo Dell Aguinolo et al. (2009) a recusa familiar é a segunda maior causa para contribuir com a crescente demanda por órgãos no país. E esta recusa, segundo os autores, pode ser pelas questões culturais, religiosas e emocionais já citadas, mas também a insegurança sobre o diagnóstico de morte encefálica.

Levando em conta este argumento Guido et al.(2009) distinguem a morte como um processo triplo: a morte clínica (paralisação da função cardíaca e respiratória), biológica (destruição/morte celular) e a encefálica (paralisação das funções cerebrais) que mesmo com o avanço da ciência não é possível reverter.

Segundo Lima, Silva e Pereira (2006) a morte sociológica é determinada pelos familiares, pois cada pessoa possui uma biografia.

A Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 1480/97 define morte encefálica (ME) como a interrupção irreversível das funções neurológicas dos hemisférios cerebrais e tronco encefálico, impossibilitando a manutenção da vida sem o auxílio de meios artificiais e que muitas vezes ocorre abruptamente por causas traumáticas, congênitas ou adquiridas.

No Brasil, as equipes que abordam a família são próprias dos hospitais e seus membros não devem ser integrantes da equipe de transplante e/ou remoção de órgãos/tecidos ou integrar a equipe de diagnóstico de ME. A detecção da ME é composta por duas etapas, o diagnóstico clínico e a realização de exame gráfico complementar. O exame gráficos deve ser realizado com intervalo de tempo conforme faixa etária do potencial doador, por exemplo, acima de dois anos, repetir o exame com um intervalo de 6 horas. É importante enfatizar que os exames clínicos devem ser realizados por profissionais médicos diferentes, que não poderão ser integrantes da equipe de remoção e transplante,e que um dos exames deverá ser realizado por um médico neurologista (Pestana et al. 2012).

A etapa seguinte, o Exame Clinico, envolve a realização de exames específicos para morte encefálica, que incluem testes motores, avaliação das respostas pupilares, avaliação do reflexo oculocefálico (fenômeno dos olhos de boneca), avaliação do reflexo oculovestibular (teste calórico com água gelada), avaliação dos reflexos corneal, de tosse e de náusea e teste da apneia. Os exames comprobatórios de ME são angiografia cerebral completa (para verificar a ausência de fluxo sanguíneo cerebral), angiografia cerebral radioisotópica, eletroencefalograma, Doppler transcraniano, tomografia computadorizada com contraste ou xenônio, SPECT (tomografia por emissão de fóton único para estudar os neurônios pré e pós-sinápticos), entre outros. Os dados clínicos e complementares observados deverão ser registrados no termo de declaração de morte encefálica (Pestana, et al, 2012).

Seguindo o argumento de Püschel, Rodrigues & Moraes (2002) a conscientização da população contribuiria para uma abordagem mais tranquila para as enfermeiras da Organização de procura de órgãos (OPO), pois uma abordagem qualificada aos familiares resulta na autorização para a doação ou não. Mas segundo Cinque& Bianchi (2010) muitos familiares recebem a noticia de que seu ente foi diagnosticado com morte encefálica de forma abrupta e indelicada, contribuindo para a recusa na doação, além do fato de que muitos sequer entendem o que significa esta condição.

Em relação aos sentimentos pós decisão de doação, os mesmos se dividem em autorizar ou negar este processo. Os familiares que autorizam a doação vivenciam a realização do transplante muitas vezes com um sentimento de conforto, sensação de satisfação ou de reviver o familiar em outra pessoa e, além do fato da doação significar fazer o bem a outra pessoa. Os fatores que influenciam a doação segundo a pesquisa dos autores é a sensação de salvar vida, ajudar ao próximo, doar vida e a confiança de saber que o individuo em vida já havia comunicado que gostaria que seus órgãos fossem doados.

Já as respostas negativas para a doação são influenciadas pelo consenso entre os familiares e os conhecimentos limitados sobre a ME associada com a aparência do corpo corado do familiar com o coração batendo e mantendo o seu calor, os movimentos respiratórios, cor saudável e com funcionamento de seus principais sistemas, dificulta a compreensão ou mesmo aceitação da morte encefálica e por consequência a doação. Os fatores que influenciam a não doação dos familiares são os sentimentos de falta de confiança na medicina, no sistema da captação de órgãos, temor da mutilação do corpo, no diagnóstico de morte encefálica (Dell Agnolo et al. 2009).

Para concluir, segundo Dell Agnolo et al. (2009) o processo da família autorizar a doação é caracterizada por um processo constituído de quatro fases: iniciada na vivência do impacto da tragédia, quando a família busca entender a condição do familiar; passa pela incerteza do diagnóstico de ME e neste momento, os familiares tentam diminuir suas dúvidas e a aceitar a possibilidade de morte. Na terceira fase ocorre o manejo com o problema da decisão de doar ou não. A última fase é a de reconstrução da história da morte do ente querido.

4.2 Enfermagem na doação e os sentimentos envolvidos

 

            Os enfermeiros se fazem importantes no consentimento familiar para a doação dos órgãos, mas também tem grande importância para a manutenção do potencial doador.

            Segundo Pestana et al. (2012), existe uma grande responsabilidade sobre os enfermeiros durante o processo de doação, como a identificação do potencial doador, a manutenção hemodinâmica, a comunicação direta com os familiares, aplicação da Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) ao receptor e o dever de prezar para que as questões éticas e humanas sejam cumpridas. Portanto, exigem grande conhecimento técnico-cientifico quanto humanístico, que são inerentes ao cuidado de enfermagem tornando o processo desafiador para os profissionais.

            Sabendo disso, Cinque&Bianchi (2010), ressaltam a importância da presença do enfermeiro para o esclarecimento de todas as duvidas dos familiares, principalmente em relação a ME e a liberação do corpo o qual é considerado um momento estressante e imprescindível para a autorização da doação pela família. O estresse pode se repercutir de varias formas, como choro, tristeza e revolta, dependendo de cada pessoa, então, o enfermeiro deve estar capacitado para lidar com a reação dos familiares, evitando que sejam excessivas. Os autores também citam que a enfermagem já é uma profissão estressante e que os hospitais deveriam investir em suporte e capacitação para estes profissionais, pois resultaria em uma melhor assistência à família e ao paciente.

            O exercício dos enfermeiros no processo de doação é determinada pela Resolução COFEN 292/2004 que abrange desde notificar as Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNNCDO) sobre a existência do potencial doador, esclarecimento de dúvidas dos familiares, a manutenção do doador na unidade de terapia intensiva (UTI) até a participação no processo pré e pós-cirúrgico do receptor, incluído aplicação da SAE.

            Segundo Cicolo, Roza e Schirmer (2010), existem muitos artigos sobre a atuação da enfermagem no processo de doação-transplante. Mas essas publicações se restringem as áreas da assistência e gerenciamento de enfermagem, mostrando uma escassez de pesquisas que analisem a doação e transplante de órgãos e tecidos. Contudo, em 1970 houve um investimento em pesquisas cientificas de enfermagem no Brasil e a criação dos cursos de pós-graduação fazendo com que aumentassem a atuação dos enfermeiros pesquisadores que refletiu na área de doação e transplante de órgãos.

            Porém, esta pesquisa desenvolvida por Cicolo, Roza e Schirmer (2010), concluiu que em relação ao tema estudado o maior número de autores foi de enfermeiros que atuavam na assistência e que o pouco conhecimento obtido na graduação, o reduzido número de cursos de pós-graduação sobre os assuntos e a necessidade de entendimento do tema para a prática profissional podem ter estimulado a realização de pesquisas entre enfermeiros assistenciais.

            Os autores Silva&Silva (2007) fizeram uma pesquisa na graduação de enfermagem de varias cidades do país para verificar o conhecimento que os estudantes possuíam sobre o processo de doação e sobre o papel do enfermeiro na doação e captação de órgãos. E eles apontam em sua pesquisa que a grande maioria dos estudantes estão despreparados e sem conhecimento sobre o tema devido a pouca, ou quase nenhuma, abordagem do tema pelas faculdades durante a graduação. Eles enfatizam a importância da inserção do tema na graduação para um melhor exercício profissional dos futuros enfermeiros no cuidado aos pacientes e suas famílias.

Tanto que Almeida et al. (2003) afirmam que a doação é um assunto atual e complexo para muitas pessoas, então deve ser abordado principalmente nas áreas interdisciplinares da saúde, por exemplo, na formação de médicos, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, assistentes sociais, e outros, pois serão eles os responsáveis por acompanhar de perto esse procedimento e ter contato com os familiares. Sem a formação adequada, não só os enfermeiros, mas os demais profissionais de saúde, estarão despreparados para agir eticamente nas relações pessoais/profissionais junto aos possíveis doadores de órgãos. Entretanto Almeida et al. (2003) argumentam que quando os estudantes foram questionados sobre a autorização para doação de órgãos 77,7% dos entrevistados autorizariam a doação, justificando que a faria por desejo de ajudar a manter avida.

Com tudo isso, Guido et al. (2009), discutem sobre o estresse que muitos trabalhos geram e que por isso afetam fisicamente e mentalmente o trabalhador, levando-o a alterações no seu desempenho. Porém estes autores afirmam que os enfermeiros trabalham sem a consciência do estresse que vivem no dia-a-dia. Mas é importante que o enfermeiro tome conhecimento sobre os estressores, pois contribui para mudanças importantes, e usando de estratégias, essas podem tornar o cotidiano do enfermeiro mais produtivo, menos desgastante e, possivelmente, valorizá-lo mais como ser humano e como profissional.

            Estes mesmo autores analisam que dependendo da gravidade dos pacientes as emoções dos profissionais também mudam. Já que quando são pacientes graves e que necessitam de muitos cuidados como em uma unidade de terapia intensiva (UTI), o trabalho torna-se mais desgastante e exige adaptação dos profissionais. Portanto, a equipe de enfermagem em UTI oferece suporte ao paciente em morte encefálica (ME) e muitas vezes aos familiares também, então as atividades da equipe englobam assistência direta ao potencial doador e receptor e seus familiares também, gerando muitas responsabilidades e por fim estresse.

            Durante a pesquisa desenvolvida por Guido et al. (2009) pode se identificar as principais situações que estressam os profissionais. Em relação ao ambiente da UTI os profissionais citam a carência de equipamentos para assistência, o barulho intenso do alarme dos aparelhos e até mesmo a conversa entre a própria equipe. O numero de profissionais na equipe também foi apontado com um estressor e a dificuldade em convívio com a família do potencial doador e até mesmo a assistência do mesmo. Para minimizar a tensão e o desgaste da vida profissional os enfermeiros procuram praticar atividades físicas e buscam ajuda entre os próprios colegas. Já os técnicos de enfermagem procuram a espiritualidade ou mesmo separar o trabalho da vida pessoal para conseguir enfrentar as dificuldades no trabalho.

            Segundo Santos & Fonseca (2012) os enfermeiros mesmo com todo trabalho e estresse vivenciados possuem uma sensibilidade muito grande em relação ao potencial doador e também conseguem visualizar a importância da doação e de quantas vidas poderão ser salvas por causa daquele doador.

O processo de doação é definido como o conjunto de procedimentos que consegue transformar um potencial doador (PD) em doador efetivo. Dessa forma, torna-se importante investir no conhecimento e no desenvolvimento de habilidades e competências desses profissionais, principalmente daqueles que atuam em unidades de urgência e emergência ou em terapias intensivas, para que possam identificar um potencial doador, colaborar na identificação de morte encefálica, realizar a notificação na central de transplantes e envidar esforços para manter o potencial doador (Neves, Duarte e Mattia, 2008).

 

4.3 Manutenção dos potenciais doadores

 

            Segundo Lima, Silva e Pereira (2006), o termo “humano” apresenta dois sentidos diversos: o biológico, que pode ser substituído pela expressão “membro da espécie Homo sapiens” e o outro sentido que é o termo “pessoa”. Mas segundo o Comitê Consultivo Nacional da Ética (CCNE), há uma distinção entre a pessoa de fato e de direito, sendo a de fato o ser de olhar e palavra, sensibilidade e querer, razão e liberdade. Com isso, considera que se um desses traços estiver ausente não é pessoa de fato. Já a pessoa de direito existe porque há uma outra que a reconhece como tal. Pode-se então dizer que o paciente em morte encefálica (ME) é considerado como ser humano e não pessoa, contudo sua dignidade esta preservada por ser membro da espécie Homo sapiens. Mas o doador de órgãos também é considerado como pessoa, por seus familiares, pois ele tem uma história e seu corpo é a significação da pessoa.

Fazer com que o processo de doação de órgãos para transplante seja humanizado é um grande desafio diante da complexidade de significados perante a finitude e a possibilidade de vida gerada pelo ato de doar. Os mesmos autores citam que as enfermeiras de unidade de terapia intensiva (UTI), ao cuidarem de um doador de órgãos, expressavam sentimentos ambíguos e contraditórios. Pois ele é humano, deve ser tratado como humano, mas ao mesmo tempo não é possível percebe-lo assim, já que esta ali apenas um corpo físico com sinais fisiológicos e dados descritos. As enfermeiras e funcionários utilizam estratégias para se preservarem de sentimentos desagradáveis, como: negação da morte do doador e cuidar como se estivesse vivo; denominam-se “frios” para não vivenciar a finitude do outro, fazendo do doador um objeto de trabalho.

Contudo, o enfermeiro que trabalha na terapia intensiva deve conhecer as alterações fisiológicas decorrentes da ME, para que, junto com a equipe médica, possa manter adequadamente um potencial doador.

Como já foi dito, a ME pode causar múltiplos efeitos sobre o organismo, resultando em instabilidade cardiovascular,desarranjos metabólicos e hipoperfusão tecidual. Portanto, a morte encefálica é a morte do cérebro, incluindo o tronco cerebral que desempenha funções vitais como o controle da respiração. Embora ainda haja batimentos cardíacos, a pessoa com morte cerebral não pode respirar sem os aparelhos e o coração baterá por algumas poucas horas. Por isso, a morte encefálica já caracteriza a morte do indivíduo (Neves, Duarte &Mattia, 2008).

É fundamental que os órgãos sejam aproveitados para a doação enquanto ainda há circulação sanguínea irrigando-os; ou seja, antes que o coração deixe de bater e os aparelhos não possam mais manter a respiração do paciente. Segundo Guetti e Marques (2007) é importante que a enfermagem tenha um amplo conhecimento destas possíveis complicações, possibilitando o reconhecimento precoce e consequente manuseio para a preservação dos órgãos.

Segundo o mesmo autor o objetivo básico na manutenção do potencial doador pode ser resumido na regra dos 10/100:

- Hemoglobina >10g/dl

- Pressão Venosa Central (PVC) >10mmHg

- Pressão arterial sistólica >100mmHg

- Dopamina < 10μg/Kg/min

- Débito urinário >100ml/hora

- PaO2>100mmHg

Para que haja um controle sobre os dados hemodinâmicos do potencial doador é preciso que o enfermeiro tenha conhecimentos a respeito das repercussões fisiopatológicas próprias da ME, da monitorização e repercussões hemodinâmica advindas da reposição volêmica e administração de drogas vasoativas. E é de responsabilidade da equipe de enfermagem realizar o controle de todos os dados hemodinâmicos do potencial doador com supervisão da enfermeira.

Deve ser feito um controle hídrico rigoroso, pois baseadas neste controle devem ser tomadas atitudes terapêuticas. Além disso, as drogas vasoativas deverão ser rigorosamente controladas, de acordo coma resposta hemodinâmica deste paciente. Dependendo da reposição a ser feita deve ser em veias calibrosas ou veias centrais evitando o uso de medicações simultâneas.

A equipe de enfermagem deve estar atenta a qualquer distúrbio da coagulação. Estas alterações podem se manifestar através de sinais menores, como hematúria, gengivorragias ou sangramento persistente em locais de punções vasculares. Precauções devem ser tomadas para impedir as complicações infecciosas. Já a monitorização eletrocardiográfica deve ser realizada com o intuito de se detectar presença de arritmias, para uma possível intervenção rápida.

Em relação ao controle e a manutenção da temperatura são funções exclusivas da enfermagem. No aquecimento do potencial doador utilizam-se soluções aquecidas (37º-38ºC), para lavagens gástricas e vesicais, para administração endovenosa, é possível a instalação e controle de cobertores térmicos e a nebulização aquecida também.

Por fim, o enfermeiro deve possuir conhecimentos sobre a fisiologia do corpo humano para estar apto em desenvolver a manutenção do potencial doador, a fim de assistir adequadamente a este paciente. Quando for instituída a terapêutica de reposição hormonal, o enfermeiro deve realizar também um controle rigoroso dos dados hemodinâmicos a fim de verificar a resposta a esta terapia (Guetti& Marques, 2007).

Os mesmos autores afirmam que a enfermagem assume responsabilidade imediata de cuidados aos pacientes nestas condições, há uma tendência de menor investimento de cuidado por parte da equipe de enfermagem, principalmente quando não há definição sobre a doação. Quando a doação é formalizada, talvez não haja tempo nem condições ideais de manutenção de certos órgãos. Com isto, o impacto na realização de certos transplantes decorre desta forma de abordagem por parte do enfermeiro ou da equipe de enfermagem.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora o tema seja pouco abordado na graduação, percebeu-se que há uma grande responsabilidade sobre o enfermeiro frente o processo de doação de órgão. Não só na manutenção do potencial doador, mas também por interferirem na decisão dos familiares.

 Para que este trabalho possa ser mais efetivo na sociedade é necessária a capacitação, treinamento e educação continuada dos profissionais para que haja mais doações bem sucedidas e isto é uma responsabilidade das Comissões Intra-hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT’s).

A importância do enfermeiro na assistência ao potencial doador de órgãos e tecidos incluem o planejamento, execução, coordenação e supervisão dos procedimentos de enfermagem prestados aos doadores de órgãos e tecidos. O desafio, além da competência técnica com atitudes que garantam a melhoria continua nesse processo, e a importância da comunicação adequada entre a equipe e os familiares.

Conclui-se que o processo de doação envolve multiplosfatores no qual o profissional de enfermagem pode influenciar na efetividade ou não das doações