Ato Potência: “O Poder de Fazer”

 Resumo

Esse texto foi gerado em uma aula de filosofia jurídica na Universidade do Estado da Bahia, em que se discutia a postura de Sócrates - no texto Críton - diante da sua "esperada" morte. O texto ainda tem o propósito de elucidar a força do "Eu" diante da liberdade pura dos seres humanos. Para isso, buscamos argumentos de alguns pensadores-poetas da envergadura de Khalil Gibran, Walt Whitman e Fernando Pessoa, uma vez que são brilhantes ao falar de liberdade e virtudes. É lógico que esses pensadores não focalizam especificamente seus pensamentos numa filosofia pura, mas numa filosofia concretista, vivida por cada um em sua perspectiva de sentimentos. Isso ajudou bastante!

 Como é que se explica o ato potência no texto Críton?

O elemento potencializador da vontade e do querer é a ligação do homem com sua consciência e com as raízes de virtudes morais plantadas nessa (como uma ponte: Consciência [----------------] Virtudes). Ou seja, a presença da ética, da moral e de outras virtudes - implantadas pela cultura – fronteirizada pela consciência do ser “contracenante” possibilita à construção do poder de fazer.

Por outro lado, não podemos deixar de lembrar da força incondicional proporcionada pela fé (LATO SENSU), que é impulsionadora individual (“crença” em algo) de projeção de uma liberdade e filosofia inerente na REALIZAÇÃO DE UM QUERER.

É necessário que o homem detenha de uma crítica apurada para compreender o fazer. Acredita-se que para existir o fazer é necessário um requisito básico: a liberdade. Só existe o poder de fazer quando há – preliminarmente - liberdade. Observe-se que estamos falando do fazer patrocinado pela liberdade, em reconhecimento de virtude própria, individual.

Faz-se premente a liberdade para se alcançar um fazer PRÓPRIO. Quem nunca ouviu o velho brocardo popular: “quer conhecer alguém? Entregue o poder em suas mãos...”

Gandi, Sócrates e tantos outros, através de um acreditar, de um querer original, ou seja - um querer interior materializado - fizeram de suas vidas exemplos de como atingir a verdade, a virtude, a ética e o amor.

O que eles pregavam condizia com aquilo que acreditavam ser o mais certo e o melhor para suas vidas, desvinculando-se da mentira, da falsidade, da perversidade presente na sociedade. Fez-se necessário serem livres até de si mesmos [corpo, pensamentos e alma (diferente de espírito)] para pregar a verdade da consciência, da virtualidade, da moralidade e da espiritualidade trazidas pela luz da sabedoria.

Para Khalil Gibran, "Vós só podereis ser livre quando o desejo de buscar a liberdade tornar-se uma canga e quando cessardes de falar de liberdade como um objetivo e uma meta a ser atingida. Só sereis verdadeiramente livres não quando vossos dias não tiverem uma única preocupação, e vossas noites não tiverem uma única necessidade e uma tristeza, mas quando estas coisas sujeitarem a vossa vida e mesmo assim vos elevardes sobre elas, sem vestes e sem amarras."

 Para Sócrates, “ele era o seu Mestre e o seu Guia”. Os seus pensamentos, a certeza da pregação do bem e o que tinha de mais verdadeiro dentro de si ratificava-se na existência de uma sabedoria interior chamada de "meu próprio mestre".

Para ele, o homem conseguiria encontrar a paz interior quando fizesse jus ao seu modo de pensar (pensamento clássico).

Corroborando com esse mesmo pensamento, Walt Whitman preceituou em versos poéticos:

"Eu canto a meu próprio Ser, pessoa em si e à parte, embora expresse o verbo democrático, a expressão das massas. A fisiologia, o que vai da cabeça aos pés, eu canto, não apenas a fisionomia, nem o cérebro somente é digno da Musa, [eu digo que a forma completa é muito mais valiosa... A fêmea, tanto quanto o macho, eu canto. Da vida plena de paixão, pulso e poderio, cheio de alegria, porque, pela forma mais livre que há debaixo das[leis de Deus, o homem moderno eu canto”.

Não menos importante, o poeta Fernando Pessoa – em sempre sábias palavras - versou:

"A liberdade, sim, a liberdade! A verdadeira liberdade! Pensar sem desejos nem convicções. Ser dono de si mesmo sem influência de romances! Existir sem Freud nem aeroplanos, Sem cabarets, nem na alma, sem velocidades, nem no cansaço! A liberdade do vagar, do pensamento são, do amor às coisas naturais... A liberdade de amar a moral que é preciso dar à vida! Como o luar quando as nuvens abrem [A grande liberdade cristã da minha infância que rezava [Estende de repente sobre a terra inteira o seu manto de prata para mim... A liberdade, a lucidez, o raciocínio coerente, A noção jurídica da alma dos outros como humana, A alegria de ter estas coisas, e poder outra vez [Gozar os campos sem referencia a coisa nenhuma E beber água como se fosse todos os vinhos do mundo!..."

 Em muitas passagens do texto percebemos que a preocupação de Críton em libertar Sócrates da prisão está mais voltada à reprimenda negativa que a sociedade projetaria pela sua incapacidade de salvar um amigo da morte, do que realmente salvar esse amigo da morte.

E assim, temos ao certo – frente a este ponto de percepção – que o propósito de Platão (escritor do texto) se apresenta na projeção de fatores culturais de influência para Críton, não fazendo dele um ser livre e pregador de virtudes.

Para Sócrates, aquele momento crucial anterior a de sua morte o ensinava a não se preocupar com o que os outros pensam, mas, em ser puramente fiel aos próprios pensamentos, a verdade, a dignidade e, especialmente, cultivar uma consciência limpa.

Contudo - fugindo um pouco dessa compreensão clássica de virtude e verdade - há quem argumenta, “a contrario sensu”, que Sócrates também não foi suficientemente livre, pois aquele que morre tentando demonstrar a alguém a procedência de seus pensamentos e teses – não se contentando com o convencimento e certeza interior – temendo, por vezes, ser taxado de errado e inculto, também não seria livre de si mesmo e de suas vontades.

Nessa visão, há quem compreenda que se Sócrates fosse livre o bastante – até mesmo da sua vontade de querer demonstrar para a sociedade (sustentando o seu ego de sábio) a verdade e as virtudes de seus pensamentos – não teria morrido para os opositores, mas se preservaria para os confirmadores, alunos que acreditavam nas suas verdades.

Então o que é mais nobre: morrer pelos opositores (aqueles que o odiavam) ou pelos confirmadores (alunos e amigos)? Essa pergunta fica sem resposta, uma vez que a depender da filosofia seguida (clássica ou moderna), encontrar-se-ão muitas variações...

Sabemos – numa compreensão clássica – que se houvesse a fuga de Sócrates, numa tentativa de salvar a sua vida, estaria derrotado o discurso de toda uma vida de ensino, de pregações. Num primeiro plano ele poderia salvar a sua pele; mas num segundo, não salvaria a sua alma...

Alguém que pregava o respeito às leis, mesmo que estas fossem más, nunca poderia esquivar-se de seu cumprimento (pena de morte). Hoje, entende-se que a fuga de Sócrates (repita-se: “numa compreensão clássica”) seria o mesmo que desprezar as leis de seu país, envergonhar a sua família e rejeitar o solo sagrado onde estavam enterrados seus descendentes, seus deuses (manes).

Sócrates morreu no intuito de reafirmar seu discurso e tudo que pregou ao longo da sua vida na Grécia. Deixou bastante claro que o seu corpo morreria, mas permaneceriam vivas as suas idéias, intactas para o conhecimento da humanidade.

Há uma pergunta que não quer calar: Porque Sócrates ensinou a Críton que não se deve dá ouvidos ao que os outros dizem, se ele mesmo entregaria a sua vida para reafirmar o seu discurso perante a sociedade? Quem é liberto de si e dos outros (assim como foi Diógenes) não precisaria entregar a vida para ser aceito, bastava ser aceito por si mesmo, sem qualquer sustentação de ego.

Liberdade ou você a tem ou você não a tem. Ela só se satisfaz em sua plenitude.

Por fim, fica entendido que o Ato potência (poder de fazer) somente se realizará se for possível a existência de uma liberdade interna e absoluta do homem, desvencilhando-o de todas as regras, fatores culturais e outros elementos que controlem direta ou indiretamente as suas atitudes; sem esquecer em segundo plano, dos princípios básicos que reafirmarão a possibilidade negativa de sofrer influências com o mundo: a verdade interior e a fé.