ATIVIDADES DA ADMINISTRAÇÃO

 

 1. Serviços Públicos

  

A noção de serviço público tem variado no tempo e no espaço. A evolução social, econômica, tecnológica e jurídica acarreta transformações importantes na própria caracterização das atividades que devem ser prestados pelo Estado. Por outro lado, em razão do quadro normativo diverso, determinadas atividades podem ser classificadas como serviço público em determinado país e como atividades econômicas em outros países.

A teorização do conceito Serviço Público surgiu na França preconizada por Leon Duguit com a chamada “Escola de Serviço Público” que apresentou um conceito amplo equivalendo o serviço público a todas as atividades exercidas pelo Estado, ou, quando menos, a um sinônimo da própria Administração Pública (critério orgânico ou subjetivo). Essa concepção possui, inspirada em outro discípulo da escola do serviço público, GASTON JÈZE, uma versão um pouco mais restritiva, no sentido de que serviços públicos seriam todas as atividades exercidas pelo Estado em regime jurídico de Direito Público por uma decisão política dos órgãos de direção do Estado (critério formal). Nem todas as atividades de interesse geral seriam consideradas serviços públicos, mas apenas aquelas prestadas sob regime jurídico especial (procedimento de direito público).

A evolução da noção de serviço público demonstra a dificuldade de fixação de um conceito preciso. Por esta razão, a doutrina, ao longo dos tempos, apresentou diversas acepções para o vocábulo, sendo possível apresentar, na linha proposta por Alexandre Santos de Aragão, quatro sentidos de “serviços públicos”.

 

a) concepção amplíssima: defendida pela Escola do serviço público, com algumas variações, considera serviço público toda e qualquer atividade exercida pelo Estado. Essa noção clássica é criticada por inserir no conceito de serviço público as atividades legislativa e jurisdicional, o que retiraria a utilidade do conceito;

b) concepção ampla: serviço público é toda atividade prestacional voltada ao cidadão, independentemente da titularidade exclusiva do Estado e da forma de remuneração;

c) concepção restrita: serviço público abrange as atividades prestacionais do Estado prestadas aos cidadãos, de forma individualizada e com fruição quantificada. Este conceito não considera como serviço público o denominado serviço uti universi, mas apenas o serviço uti singuli.

d) concepção restritíssima: serviço público é a atividade prestacional de titularidade do Estado, prestada mediante concessão ou permissão, remunerada por taxa ou tarifa. Nesta noção, estão excluídos os serviços uti universi e os serviços sociais, que não são da titularidade exclusiva do Estado. (ARAGÃO, 2007, p. 144-149).

 

No Brasil, tem prevalecido a concepção ampla de serviço público.  A distinção entre o serviço público e outras atividades estatais (poder de polícia, fomento e intervenção na ordem econômica), por exemplo, afasta a noção amplíssima. Admite-se os serviços públicos uti universi, ao contrário do sustentado nas concepções restrita e restritíssima bem como a possibilidade de serviços públicos sociais, cuja titularidade não é exclusiva do Estado, mas compartilhada com os cidadãos, o que exclui a noção restritíssima.

Porém, a definição de Serviço Público não é uniforme, havendo conceitos mais amplos e outros mais restritos como o de Celso Antônio Bandeira de Mello que diz que:

 

Serviço Público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinentes a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público. (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 26ªed.,p.665).

 

Ainda Celso Antônio informa que a definição deve fundar-se no substrato material, que trata do oferecimento, pelo Estado, de utilidades e comodidades materiais singularmente fruíveis pelos administrados, e no elemento formal, que é a sua regência pelas normas de Direito Publico.

É oportuno salientar que a tarefa de definir determinada atividade como serviço público é exercida pelo Constituinte ou pelo legislador. (DI PIETRO, 2007, p. 88)

Conforme Dinorá Grotti:

Cada povo diz o que é serviço publico em seu sistema jurídico. A qualificação de uma dada atividade como serviço publico remete ao plano da concepção do Estado sobre seu papel. É o plano da escolhe política, que pode estar fixada na Constituição do país, na lei, da jurisprudência e nos costumes vigentes em um dando tempo histórico. (Dinorá Grotti, O Serviço Publico e a Constituição Brasileira de 1988, Malheiros Editores, 2003, p.87.)

O art. 175 da Constituição, por exemplo, disciplina os serviços públicos de forma genérica. Dispõe que a sua prestação "incumbe ao Poder Público (...), diretamente ou sob regime de concessão ou permissão", o que implica uma idéia de serviço público como atividade específica, divisível e remunerável por cada indivíduo que dela usufruir. Não se falaria de delegação à iniciativa privada se ela não pudesse cobrar tarifas dos usuários. Também pressupõe a titularidade do Estado sobre tais atividades, pois do contrário a iniciativa privada não precisaria de um contrato de concessão ou de permissão para prestá-las.

A Constituição Brasileira de 1988, no entanto, apesar de possuir várias normas específicas sobre os serviços públicos não chega a ser precisa na utilização da nomenclatura, ora se referindo a serviços públicos em sentido apenas econômico, como atividades da titularidade do Estado que podem dar lucro (ex., arts. 145, II, e 175), ora como sinônimo de Administração Pública (ex., art. 37), ora para tratar do serviço de saúde prestado pelo Estado (ex., art. 198). Outras vezes se refere apenas a "serviços" (ex., art. 21) e a "serviços de relevância pública" (ex., arts. 121 e 197).

Conforme já exposto anteriormente, cumpre lembrar que não há uma classificação ou conceito que por essência seja correto ou errado mas sim mais ou menos adequado conforme o objetivos perseguidos.

Segundo a doutrina vigente, a concepção tradicional de serviço público, no direito brasileiro, é composta por três elementos: subjetivo, material e formal.[1]

O elemento subjetivo ou orgânico refere-se à pessoa que presta o serviço público. O Estado, titular do serviço público, pode prestá-lo direta ou indiretamente, neste último caso mediante concessão ou permissão.

O elemento material ou objetivo define o serviço público como atividade que satisfaz os interesses da coletividade.

Por fim, o elemento formal caracteriza o serviço público como atividade submetida ao regime de direito público.

Nenhum dos critérios apontados, porém, é suficiente para, de forma isolada, conceituar o serviço público.

Na tentativa de se delimitar um conceito em consonância com a Constituição e que englobe características dos Serviços Públicos, adota-se o conceito de Alexandre Aragão que diz:

Serviços públicos são as atividades de prestação de utilidades econômicas a indivíduos determinados, colocadas pela Constituição ou pela Lei a cargo do Estado, com ou sem reserva de titularidade, e por ele desempenhadas diretamente ou por seus delegatários, gratuita ou remuneradamente, com vistas ao bem-estar da coletividade. (ARAGÃO, Alexandre Santos de. O CONCEITO DE SERVIÇOS PÚBLICOS NO DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO, Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico (REDAE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 17)

O conceito de serviço público contempla as atividades especificamente prestacionais do Estado, pelas quais o Poder Público proporciona aos indivíduos a satisfação de alguma das suas necessidades, excluindo as atividades que visam ao público apenas mediatamente e ao Estado (ou a coletividade indistintamente considerada) imediatamente assim como as atividades que, ao invés de concederem utilidades aos particulares, restringem o seu âmbito de atuação.

2. Intervenções do Estado no Domínio Econômico

 A Atividade de intervenção do Estado no domínio econômico deve ser examinada conforme o direito constitucional brasileiro. Porém, deve-se entender a intervenção do Estado não apenas como uma previsão legal[2], mas como resultado da evolução do pensamento e da história partindo de uma realidade plural e multidisciplinar.

As arbitrariedades e tiranias do absolutismo, ou seja, o poder ilimitado do Estado de interferir na ordem econômica e social conferiram à comunidade uma condição de insegurança e terror que se tornou insustentável à manutenção da ordem e harmonia entre o soberano e os súditos.

Neste período de conflitos, surge o principal teórico do liberalismo filosófico: John Locke (1632 – 1704). Locke idealizou as diretrizes do Estado Liberal conferindo aos indivíduos direitos naturais e inalienáveis, que deveriam ser assegurados pela criação de uma sociedade civil apoiada no consenso entre os indivíduos. Dessa forma o liberalismo de John Locke foi imediatamente adotado como pressuposto filosófico da formação dos direitos, pois este explicava que o poder irrestrito e arbitrário do Estado na pessoa do monarca, além de ilegítimo, atentava injustamente contra a natureza humana.

Deste modo, o Estado de Direito e as idéias liberais que cresciam se toram um argumento na defesa e nas garantias dos direitos do indivíduo, quando o poder do Estado não respeitava os direitos fundamentais. As idéias liberais ao se oporem à intervenção do Estado na esfera dos direitos individuais, constroem a teoria na qual o Estado deve ser mínimo.

A idéia do Estado liberal nasce da influência do individualismo filosófico e político do século XVIII e da Revolução Francesa, que considerava como um dos objetivos essenciais do regime estatal a proteção de certos direitos individuais contra os abusos da autoridade e, do liberalismo econômico, segundo o qual a intervenção da coletividade não deveria falsear o jogo das leis econômicas, saudáveis por si, pois que esta coletividade era imprópria para exercer funções de ordem econômica. (PARODI, apud VENÂNCIO FILHO, 1998, p. 5).

A concepção do Estado mínimo criou paradoxos ao possibilitar o avanço técnico notavelmente acelerado em contrapartida à ocorrência de crises como a capitalista do início do século XX. No período do liberalismo clássico teve-se um progresso econômico bem como  a revolução industrial com a valorização do homem como individuo. Em contrapartida, tem-se um homem egoísta que busca seu bem-estar, procurando sempre o lucro ainda que às custas de outros, gerando um sistema de injustiça social e a criação do chamado proletariado. A burguesia tratava de lutar para a preservação de sua riqueza e status, ainda que à custa dos excluídos sociais. (DALLARI, Dalmo de Abreu, Elementos da Teoria Geral do Estado, 19ª Ed., 1995)

      Neste quadro de desenvolvimento e aumento dos problemas sociais, idealiza-se a idéia do Estado intervencionista e controlador. Surgem teorias antiliberais, dentre elas o socialismo, com as idéias de Marx e Engels. No entanto, a estatização máxima do socialismo também não se verificou eficiente. A planificação total da economia baseada no ideário de que todos os homens são iguais e, deste modo, cabe ao Estado decidir qual será a função do indivíduo na contribuição no progresso e desenvolvimento, se mostrou calamitosa. (LACERDA GAMA, Tácio. Contribuição de intervenção no domínio econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2003.)

Diante destas experiências históricas, a legislação pátria acabou por abrigar preceitos do liberalismo (filosófico e econômico) e do republicanismo, tentando juntar os argumentos válidos, mas não contraditórios, ainda que por vezes conflitantes. Na Constituição da República Federativa do Brasil, o poder constituinte perfilhou os ideais do liberalismo e do republicanismo, por meio da sua positivação, mais notadamente, nos princípios da proteção do indivíduo e da coletividade, ou ainda, nos direitos individuais e na supremacia do interesse público.

A partir da Constituição de 1943, todas as Cartas promulgadas posteriormente dedicaram um de seus capítulos à ordem econômica. Na Constituição atual o tema da ordem econômica e financeira é tratado no Título VII, dos art. 170 a 192.

De acordo com o artigo 170 da Constituição da República, temos que:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

"IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País."

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Percebe-se aí que a intervenção do Estado na ordem econômica justifica-se se e na medida da consagração dos valores assinalados no texto constitucional.                                          Assim, as atuações Estatais estariam divididas em dois campos básicos: as atividades próprias do Estado, que são os serviços públicos, e aquelas próprias dos particulares, mas que, dadas determinadas circunstâncias, poderia o Estado nelas intervir.    Celso Antônio Bandeira de Melo escreve em sua obra, com precisão, as duas searas adversas nas quais o Estado pode atuar, quais sejam, o “serviço público” e a “atividade econômica.” (MELLO, 1998. P. 433.)

No direito brasileiro, tem-se referida divisão estampada na nossa Constituição. É ela quem prescreve os dois tipos de atividades, abordando o tema no capítulo da ordem econômica e nas atribuições das competências estatais (art. 21, 205, 208, 23, 173, 175, etc.)            EROS Roberto Grau (2001,p.250), por sua vez, informa que:

 A constituição aparta hialinamente os dois tipos de atividades, enunciando, no artigo 173, as atividades que são próprias dos particulares e que o Poder Público só pode intervir em casos específicos, e no artigo 175, definindo que cabe ao Poder Público a prestação daquelas atividades que são serviços públicos. (GRAU, Eros Roberto. Constituição e Serviço Público. In Direito constitucional – Estudos em Homenagem a Paulo Bonavides. São PAULO: Malheiros. 2001. p. 250.)                                                                                                                    

Deste modo, quando o artigo 21 da CF prevê que "compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água", ele está prevendo uma atividade que, dada sua importância no momento político de elaboração da Constituição, foi tida como uma atividade primordial, necessária ao desenvolvimento da sociedade, indispensável à manutenção da dignidade da pessoa humana e, por isso, foi retirada do domínio dos particulares e foi entregue ao Estado, estando, o mesmo, obrigado a desempenhar esta atividade.

Isto porque, como prevê o artigo 175 da CF-88, compete ao poder público a prestação dos serviços públicos. Nossa Carta Constitucional apresenta um conjunto de atribuições à Administração Pública, caracterizando certas atividades como “serviços públicos”e retirando-as da esfera econômica que é de domínio dos particulares. No caso da nossa Constituição, tem-se que a mesma apresenta um grande número de atividades que se caracterizam por serviços públicos e que, portanto, são atribuições estatais. Isto é fruto da concepção de estado que originou a nossa Carta Magna, que era aquela concepção de estado intervencionista, o Estado do bem estar social. Assim, a nossa Carta apresenta um grande leque de atividades que estão fora do mercado, fora da área de atuação dos particulares, que são justamente aquelas atividades que se configuram em “serviço público”. São aquelas previstas nas atribuições de competência estatal. (BAZILLI, 1991. p. 16.)

Ainda segundo Bazzili (1991), a atual Constituição "traz diretrizes perfeitamente definidas a propósito da matéria”. Verdadeiramente, percebe-se com relativa clareza a demarcação dos dois campos básicos de atuação estatal. De um lado, estão previstas atividades que o Estado deve desempenhar, enquanto do outro lado, vê-se o resíduo, previsto no capítulo da Ordem Econômica, que são as atividades próprias dos particulares, nas quais o Estado só poderá se imiscuir quando ocorrerem os fatos previstos na hipótese de incidência da norma prevista no artigo 173 da CF.

Referida separação dos campos de atuação, um próprio do Estado, o outro próprio dos particulares, é que vai demonstrar a verdadeira natureza e conceito do que se chama “serviço público”, atividade que não pode ser confundida com aquela que o Estado desempenha como "Estado empresarial". (Idem)    

O chamado serviço público deve ser definido levando-se em consideração a Constituição Federal. É nela que se encontram as características básicas dessas atividades que, estando previstas como competências estatais, são regidas por um regime jurídico específico, que não se confunde com aquele que rege as atividades econômicas.

 3. Fomento

Para Maria Sylvia Zanella di Pietro, o Fomento “abrange a atividade de incentivo à iniciativa privada de utilidade pública” (DI PIETRO, 2003, p. 59), de forma que o “Estado deixa a atividade na iniciativa privada e apenas incentiva o particular que queira desempenhá-la, por se tratar de atividade que traz algum benefício para a coletividade” (Idem, 2002, p. 192). Esses estímulos variam, podendo ser fiscais, subvenções, financiamentos a juros facilitados ou até mesmo, de forma indireta, cessão de servidores públicos, permissão de uso de bens públicos, etc. Importante destacar que o simples fomento não vincula o Estado ao Particular a ponto de delegar o serviço público, mas de incentivar o exercício de atividades colaboradoras, paralelas, com fim similar.

DANIEL EDGARDO MALJAR, tratando do fomento e sua diferenciação do que seja serviço público, informa que:

(...) a diferença fundamental está em que o serviço público implica em uma prestação obrigatória a cargo do Estado, quer a realize direta ou indiretamente, constituindo, conseqüentemente, uma obrigação de fazer. Ao revés, o fomento não é de caráter obrigatório para o Estado, mas a sua realização traz sempre consigo uma obrigação de dar. Não há dúvidas que na atividade de fomento, quando, por exemplo, a Administração Pública confere uma subvenção a uma indústria privada, é o particular quem, colaborando com a Administração Pública, contribui para a satisfação das necessidades gerais. Daí se dizer que se trata de uma atividade indireta, precisamente porque não é prestada pela Administração Pública, mas sim pelo particular por ela apoiado. (MALJAR, Daniel Edgardo, Intervención del Estado en la Prestación de Servicios Públicos, Ed. Hammurabi, Buenos Aires, 1998, p. 283.)

CÉLIA CUNHA MELLO afirma que:

(...) o sujeito competente para fomentar não realiza diretamente nenhum ato para melhorar ou desenvolver o objeto fomentado, persuade outrem. (...) No serviço público, a lei confere ao ente público competência para prestá-lo, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, na forma do disposto no art. 175, do texto constitucional, ao passo que no fomento a competência atribuída legalmente ao ente estatal se restringe a conferir a ele poderes para adotar, discricionariamente, medidas promocionais que terminam por convencer outrem a fazer ou deixar de fazer algo. (MELLO, Célia Cunha. O Fomento da Administração Pública, Ed. Del Rey, Belo Horizonte, 2003, pp. 54-56. Na doutrina nacional)

 

 

Observe-se que, enquanto nos serviços públicos, a Administração, de modo direito e imediato, realiza as necessidades coletivas, no fomento elas são alcançadas de forma indireta e mediata, isto é, por meio de incentivo de certas atividades dos particulares. Cuida-se de uma intervenção do Estado nos domínios sociais e econômicos. Se a subvenção estatal, uma das principais técnicas do fomento, passar a ser de tal monta que a Administração Pública de fato se substitua ao particular, então já estaremos diante da prestação da atividade pela própria Administração Pública, podendo o particular eventualmente ser caracterizado como um delegatário atípico (OSCIP's, etc.) ou um ente terceirizado.

LUIZ JORDANA DE POZAS, preconizador da tríplice classificação das atividades administrativas em poder de polícia, serviços públicos e fomente, ensina que:

(...) este (fomento) se distingue da polícia porque, enquanto a polícia administrativa previne e reprime, ele protege e promove, sem fazer uso da coação; e se distingue do serviço público, em que a Administração Pública realiza de maneira imediata e com os seus próprios meios o fim perseguido, ao passo que o fomento se limita a estimular os particulares a que, eles próprios, voluntariamente, desenvolvam atividades econômicas que cumpram as finalidades da Administração. (POZAS, LUIS JORDANA DE. “ENSAYO DE UMA TEORÍA GENERAL DEL FOMENTO EN EL DERECHO ADMINISTRATIVO”, IN ESTUDIOS DE ADMINISTRACIÓN LOCAL Y GENERAL. HOMENAJE AL PROFESOR JORDANA DE POZAS, INSTITUTO DE ESTUDIOS DE ADMINISTRACIÓN LOCAL, MADRID, 1961, P. 42.)

Assim, a Administração age com vistas a proteger ou promover as atividades, estabelecimentos ou riquezas dos particulares que satisfaçam necessidades públicas ou consideradas de utilidade coletiva, sem o uso da coação e da prestação de serviços públicos.

O fomento decorre do principio da subsidiariedade, do qual por sua vez, decorre a idéia de que o Estado não deve concorrer com o particular ou desenvolver atividades que por este possam ser desempenhadas. No caso, o Estado deve apenas auxiliá-los, mediante, por exemplo, trepasse de recursos a serem aplicados em fins sociais, outorgas de títulos e renúncia de créditos fiscais.

 

4. Poder de Polícia

Como se aduz claramente na obra clássica de Hely Lopes Meirelles: "poder de polícia é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual” (MEIRELLES, HELY LOPES. DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO. 34. ED. SÃO PAULO: MALHEIROS EDITORES, 2008, P. 133). Esta definição transmite visivelmente a idéia de que o poder de polícia visa, justamente, interferir na esfera do interesse privado para salvaguardar o interesse público, restringindo direitos individuais.

Para Clóvis Beznos (1979), em sua obra “Poder de Polícia”, o poder de polícia é a atividade administrativa, exercitada sob previsão legal, com fundamento numa supremacia geral da Administração, que tem por objeto ou reconhecer os confins dos direitos, por meio de um processo, meramente interpretativo, quando derivado de uma competência vinculada, ou delinear os contornos dos direitos, assegurados no sistema normativo, quando resultante de uma competência discricionária, a fim de adequá-los aos demais valores albergados no mesmo sistema, impondo aos administrados uma obrigação de não fazer. (BEZNOS, CLOVIS. PODER DE POLÍCIA. 1ª EDIÇÃO. SÃO PAULO: REVISTA DOS TRIBUNAIS, 1979, P.79).

Para Meirelles (1997, p.128) o poder de polícia é:

a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o  uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade  ou do próprio Estado. Em linguagem menos técnica, podemos dizer que o poder de  polícia é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para  conter abusos do direito individual. Por esse mecanismo, que faz parte de toda a  Administração, o Estado detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional. (MEIRELLES, HELY LOPES DE. DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO. 32. ED. SÃO PAULO: MALHEIROS, 1997. P. 128.)

Uma das poucas definições de poder de polícia que se encontra prevista em legislação nacional está no Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966), em seu artigo 78, assim redigido:

[...] atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito interesse ou liberdade, regula prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de  interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à  disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas  dependentes de concessão ou autorização de Poder Público, à tranqüilidade pública  ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

A idéia de poder de polícia, embora consagrada no direito administrativo, conforme conceitos apresentados, comporta algumas dificuldades, em especial no que diz respeito a uma utilização indistinta do termo para diversos enfoques que se lhe pretenda indicar. Assim, observamos na distinção de BANDEIRA DE MELLO, acerca dos sentidos diversos do termo. Reconhece ele a existência, basicamente, de dois sentidos para o termo poder de polícia. Um amplo, que consistiria na atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos que indica o universo das medidas do Estado, abrangendo os atos legislativos que limitam atividades particulares prejudiciais ao bem comum, nos termos da distribuição constitucional de competência para legislar. Abarca, também, os atos normativos e concretos da Administração que concretizam a restrição à liberdade e à propriedade em favor da supremacia do interesse público.                                     De outro lado, tem-se o conceito restrito de poder de polícia, que abrange os atos do Executivo. São os atos regulamentares dos Chefes do Executivo, os atos regulatórios das demais autoridades administrativas e os atos concretos dos agentes públicos que integram o quadro de pessoal da Administração. Esta é a chamada polícia administrativa, a qual se refere a presente monografia. É, portanto, o conjunto de atos normativos e concretos da Administração Pública com o objetivo de impedir ou paralisar atividades privadas contrárias ao interesse público. Não se incluem aqui as limitações administrativas, pois estas são veiculadas por lei que não se insere no conceito restrito de poder de polícia, sendo ato do poder Legislativo.  

O poder de polícia, ou poder de polícia administrativa, em suma trata-se da prerrogativa que a Administração Pública tem de limitar o direito de liberdade, bem como a utilização dos bens particulares dos administrados, para que usufruam de seu patrimônio sem perder de vista os regramentos impostos para tanto.

Muito embora no Estado Democrático possa se admitir a prática constante da aquisição de bens, estes, antes de tudo, devem ser utilizados de forma a não prejudicar ou colocar em risco a coletividade. Assim, o Estado condiciona o uso da propriedade para atender ou preservar um interesse tido como relevante para o grupo social.

            Dessa forma, o interesse da coletividade é a pedra angular do exercício do poder de polícia pela Administração Pública.

            Com efeito, em todos os níveis da Administração Pública tem-se o poder de polícia, sendo que, a definição de quem será o responsável pela fiscalização será feita através de Lei. Todavia, cabe observar que os entes da Federação podem exercer concorrentemente o poder de polícia quando a competência para tanto permitir.

            Adverte-se que, conforme trata MELLO em seu já citado Curso de Direito Administrativo, o poder de polícia pode ser caracterizado como positivo ou negativo a depender apenas do ângulo pela qual se encara a questão. (MELLO, 2008, p. 822-823). No entanto, conforme o mesmo autor, na maior parte dos casos o poder de polícia tem um sentido realmente negativo na medida em que não pretende uma atuação do particular, mas ao contrário, visa uma abstenção por parte dos administrados. Mesmo naqueles casos em que exige-se a prática de um ato pelo particular, o objetivo é sempre uma abstenção: evitar dano proveniente do mau exercício de um direito individual. É preciso não confundir os meios com os fins e entender que o Poder Público tem como objetivo, ao ditar as normas de polícia, que os cidadãos não perturbem com o exercício de suas atividades os demais valores cristalizados pelo ordenamento jurídico. (DI PIETRO, MARIA SILVIA ZANELLA. DIREITO ADMINISTRATIVO. 10ªED. SÃO PAULO, 1999, P.98)

            Ora, deflui-se, então, que, em regra, o poder de polícia prescinde de um regramento estabelecido pelo Poder Público acerca da utilização de determinado bem ou serviço, para que na oportunidade da utilização do referido bem pelo administrado este não coloque em detrimento interesses da coletividade, quer praticando uma ação ou omissão.



[1] Nesse sentido: JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria Geral das Concessões de Serviço Público, São Paulo: Dialética, 2003, p. 20; CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 18ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p 287; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 20ª ed., São Paulo: Atlas, 2007, p. 88

[2] Conforme determina o art. 173, por exemplo, só pode o Estado diretamente explorar atividade econômica quando necessário aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, definidos em lei. Ainda o art. 174 prevê a atuação do Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica, na forma da lei, mediante o exercício de funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado