Imagine se Galileu e outros tantos dispusessem da Internet no passado. Para as verdades da Igreja seria um transtorno imenso e para a Santa Inquisição um trabalho multiplicado. O anseio pela reforma de conceitos é natural da nossa herança grega, veio-nos da idéia de que só a mudança não muda. Tudo está em permanente transformação, diziam eles. Queiramos ou não. No mínimo é interessante que essa idéia pré-socrática nos pareça uma verdade contemporânea.

A quantidade de sites na Internet sobre ateísmo recebe críticas de muitos. Aparece citada como uma conspiração malévola, o mal dos novos tempos, uma praga da tecnologia ou coisas assim. Será? A Internet, como um meio generalizado de expressão nauseantemente democrático, ainda não pode ser avaliada. Essa feira livre das idéias borbulhantes é recente demais. Claro que isso assusta e irrita determinados segmentos da sociedade ainda não habituados à contestação. Mas, todos vão ter que se acostumar.

O ateísmo ganhou uma forma de expressão particular na Europa que preocupa os meios conservadores. Ateístas colocaram cartazes em ônibus e desenvolveram uma campanha publicitária desafiando abertamente a cultura religiosa. Vale lembrar que foi mesmo de lá, da Europa, que a fé cristã se irradiou para o mundo inteiro. O importante é se observar que, como um movimento, o ateísmo não se iniciou no novo mundo, sim no velho mundo porque essa, também, é uma velha questão.

Essas coisas antigas com cara de nova me fazem pensar que de alguma maneira andamos em círculo. Diz-se que o Homem tem duas naturezas: a divina e a terrena. Assim sendo, esse anseio por reformas deve atender a qual delas? A natureza terrena é que não há de ser. Vivemos num mundo cujas regras são claras, apenas nós fugimos a elas. Será que no fundo uma natureza é o diabo da outra?

O estado de não-crente é o estado natural do Homem. A crença não nasce com a gente, nos é incutida por terceiros. A religião tem se ocupado da tarefa de afastar o Homem do seu estado natural terreno para que nele prevaleça a sua natureza divina. É de se esperar que depois de quase dois milênios de repressão a natureza terrena buscasse nos não-religiosos um auxílio a sua existência.

O curioso nessa história é ver ou, pelo menos, ter a impressão de que uma das naturezas pode se aproveitar de algum modo da outra. Hoje, uma criança estranha quando um idoso diz que no tempo dele não havia televisão. A tecnologia vai-se incorporando a vida de tal modo que não nos damos conta dos seus efeitos em nosso pensamento. Isso é tão forte que a religião se viu constrangida a participar do coro em defesa do planeta. Algo impensável há cinqüenta anos. Antes parecia que Deus queria que destruíssemos o mundo. Será que Deus mudou de opinião?

Segundo os antigos gnósticos, o criador do Homem não é o mesmo criador do universo; se é que existe algum. Sem entrar no mérito da referida concepção, ela parece fazer algum sentido. Certa vez, ouvi um sujeito dizer que o Homem é o câncer do universo. Desconheço o motivo desta afirmação tão forte que ficou ecoando na minha mente. Entretanto, com o passar do tempo e as questões que foram se apresentado em função do assunto, vejo que esta afirmação persiste com seu aspecto furta cor, se justificando aqui e acolá.

"Ateu" é um termo que privilegia as discutíveis concepções religiosas e foi inventado para separar e não para unir coisa alguma. Ideologicamente separa os certos dos errados. Tanto aquele indivíduo que não se preocupa, quanto o que se ocupa em negar os argumentos sobre a existência de Deus, são considerados indistintamente ateus. Alguns cheios de pose se dizem penalizados dos ateus. Será que a não-crença compromete o poder de Deus ou o poder de quem?

Como o avanço da tecnologia nos meios de comunicação está mudando o modo de pensar no mundo, é bom reconhecê-lo no frigir dos ovos. Por mais chato que seja o ateísmo na Internet e por mais extremadas que sejam essas manifestações, devem ser encaradas como formas de expressão num processo irreversível que está em curso. Aqui no Rio de Janeiro o Carnaval já está atropelando o Natal na televisão. Êpa... Isso está me lembrando alguma coisa: Olha os gregos aí, geeente!