Resumo:

 

Durante muitos anos houvera uma luta incessante contra a censura. Entusiastas ganharam as ruas em prol da liberdade de expressão. Artistas sofreram com a violência daqueles que desejavam calar a população independente da profissão. Jornalistas eram privados de sua criatividade ficando limitados a escrever somente o que interessava a uma minoria política. Com o passar do tempo a batalha pareceu ter sido ganha, entretanto, hodiernamente ocultada por inúmeras ações de indenização a censura tem aos poucos ressurgido das cinzas.

 

Palavras-chave: Liberdade de manifestação; Censura; Indenizações; Dano moral.

 

 

1. Introdução

           

Em 05 de outubro de 1988 foi promulgada nossa Carta Magna, o símbolo maior de um Estado Democrático. Almejando assegurar que a população exerça seus direitos sociais e individuais, afiançando a liberdade, a justiça, dentre outras garantias constitucionais, sua redação fora voltada para defender os interesses do povo.

Nessa vertente e em consonância com o tema aqui proposto, tem-se o inciso IX do artigo 5º, o qual prevê ser “livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” e o inciso XIII versando ser “livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” (Constituição Federal/2005). Entretanto, diante de alguns fatos recentes ocorridos com determinados humoristas, a letra da lei retro transcrita revela-se negligenciada.

Não é mistério que uma anedota para ser engraçada tem que envolver situações pitorescas e ou estereótipos. Longe de qualquer defesa a intolerâncias, preconceitos e ou discriminações, o conteúdo desse trabalho está plenamente voltado para a manifestação de idéias em prol do entretenimento sadio.

Todavia, está se tornando demasiadamente comum que algumas vítimas da própria autopiedade utilizando do judiciário, busquem vigorosamente ressuscitar a censura. E pior, considerável parcela da população ao ler notas dos folhetins passou a acreditar piamente que humor e ofensa se misturam.

2. Incompreensão de ideias

O crescente número de ações indenizatórias em decorrência de suposto dano moral causado por humoristas é preocupante. Tomar como pessoal uma situação hipotética verbalizada com o intuito único de entreter, é a mais pura falta de discernimento entre o real e a fantasia. Achar que uma piada direcionada ao público em geral, sem qualquer especificação de pessoa, pode incitar atos contrários aos direitos individuais é assinar o atestado de incompreensão e falta de interpretação racional de idéias.

Pelo “andar da carruagem” não causará espanto se a qualquer momento surgir um político apresentando um projeto de lei onde a pauta será que para fazer gracejo envolvendo: advogados, deverá passar pelo crivo da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB; assombração, a Federação Espírita Brasileira – FEB será a responsável por literalmente manifestar a respeito; a fauna, imprescindível a autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA; aos políticos, as charges deverão ser aprovadas pelo Congresso Nacional; e por ai segue. Seria “cômico e não fosse trágico”.

Prosseguindo, ao que pese boa parte das estórias truanescas referirem ao intelecto das loiras, não se vislumbra qualquer ligação científica concernente à cor dos cabelos e a inteligência que possa gerar a suposição de bullying por uma cogitável condição adversa daquelas. A intenção há que ser avaliada antes de registrarem-se absurdas condenações ao ato e seu respectivo praticante. Valendo-se das loiras, se as citações engraçadas sobre estas fossem realmente vexatórias as tinturas com específica cor para cabelos encalhariam nas prateleiras das lojas, porém, o que se nota pelas ruas é totalmente o oposto.

Essa colocação é meramente exemplificativa e com o fim de esclarecer que nem tudo é ofensivo. Dentro de ambientes descontraídos e voltados principalmente para situações humorísticas não é assertivo censurar o dom do profissional do humor ao ponto de impingir-lhe uma penalidade financeira. 

3. Dano moral ou autoperseguição?

Por pura falta de capacitação para tal não se almeja no presente desbravar os mistérios da psique humana relacionados à auto-estima de cada um. Entretanto, uma análise jurídica do evento social aflorado sob a forma das incontáveis expectativas de auferimento de lucro por suposto dano moral, poderá ser exposta com certa tranqüilidade.

Primeiramente é valioso ressaltar que para configurar dano mister a existência de uma ação que viole de maneira ilícita o direito de outrem. Assim dispõe do Código Civil Brasileiro no seu artigo 186. Atinente ao dever de reparação, a norma está insculpida no artigo 927 do mesmo Codex.

Diante da redação legal é curioso aventar onde revelaria a ilicitude em uma apresentação humorística? Partindo da premissa que o profissional do humor não se valeria  de sua arte para designadamente atingir, por exemplo, desafetos pessoais, como julgar a intenção deste e se efetivamente seu ato cômico afetaria de forma negligente, imprudente e ou ofensiva, um terceiro ou a coletividade? É muito peculiar essa questão.

Define Maria Helena Diniz (DINIZ/1984), in Curso de Direito Civil, vol. 7, ed. Saraiva, 1984, que “... o comportamento do agente será reprovado ou censurado, quando, ante circunstâncias concretas do caso, se entende que ele poderia ou deveria ter agido de modo diferente". Qual o papel do humorista senão aproveitar situações do cotidiano e parodiar? 

Existir um comportamento diverso de tal profissional equivaleria a impedir o exercício de sua profissão, que, aliás, é garantido pela Constituição Federal mencionada logo na introdução. As criações no mundo da comédia não devem ser rebaixadas à categoria de injúria direcionada, melhor crer que nenhum roteirista, dentro perspectiva do bom senso, seria inoportuno ao ponto de comprometer sua carreira em prol de um insulto gratuito.

Em analogia preciosa a contribuição do doutrinador Hirigoyen:

“(...) é necessário, portanto, distinguir a comunicação verdadeira e simétrica, mesmo que gerada na esfera de um conflito, daquela comunicação perversa, subliminar, sub-reptícia, composta de subterfúgios, porque esta é uma das armas usadas pelo agressor para atingir sua vítima: "junção de subentendidos e de não-ditos, destinada a criar um mal-entendido, para em seguida explorá-lo em proveito próprio" (HIRIGOYEN/2001. P. 117).

Inconcusso que em certas circunstâncias o comediante pode exceder por empolgação e acabar por gerar um constrangimento, entretanto, não parece que haja premeditação pela maioria dos artistas em ultrajar seu público. As pessoas têm desenvolvido um instinto de autoperseguição tão apurado que até para elogiar alguém é complicado, pois se exalta a beleza toma-se por assédio sexual e se usa da franqueza vira dano moral.

Cada um sabe o que vai dentro de si agora exigir que o mundo inteiro adivinhe a despeito de possíveis frustrações, incômodos íntimos, traumas, é um tanto quanto singular. E mais, tumultuar o já sobejamente assoberbado judiciário com ações temerárias não é nada razoável. Resolva-se a síndrome de vítima no psicólogo com terapia e não mediante enriquecimento ilícito.

Conforme esclarecido no artigo “Requisitos para caracterização do dano moral” cuja transcrição de um trecho segue abaixo, há que ser respeitadas certas regras com o fim de restar configurado o famigerado dano.

(...) “Para a configuração do dano moral, com seus aspectos preventivo e pedagógico, faz-se necessária a demonstração dos seguintes pressupostos: a) ação ou omissão do agente; b) ocorrência de dano; c) culpa e d) nexo de causalidade. Somente haverá direito a indenização por danos morais, independentemente da responsabilidade ser subjetiva ou objetiva, ser houver um dano a se reparar, e o dano moral que pode e deve ser indenizado é a dor, pela angústia e pelo sofrimento relevantes que  cause grave humilhação e ofensa ao direito de personalidade. Atualmente vemos a banalização do instituto do dano moral, principalmente e sede de juizados especiais, onde qualquer simples discussão, qualquer espera em uma fila, qualquer fato que sequer foge a normalidade, que quando muito se caracterizam como mero constrangimento, geram ações de indenizações por danos morais sem fundamento, e algumas dessas ações são julgadas procedentes sem a aferição dos requisitos essenciais da responsabilidade civil e do próprio dano moral”.

Em divulgada decisão de nossos Tribunais interessante a matéria publicada sob o título “Não reconhecido dano moral por divulgação de notícia em programa humorístico de rádio”, que informa entre outras considerações:

“O direito à livre expressão é tutelado pela própria Constituição Federal, devendo haver punição apenas para aquelas pessoas que, no exercício da liberdade de manifestação do pensamento, atuem com dolo ou culpa, causando violação a direitos ou causando prejuízos a outros. Com base nesse entendimento, os Desembargadores da 6ª Câmara Cível do TJRS mantiveram sentença que considerou improcedente o pedido de indenização por danos morais a homem que pleiteava indenização pela veiculação de notícia em programa humorístico de rádio”.

 

Na mesma vertente apropriada a leitura do apontamento a seguir, o qual retrata bem a opinião proclamada nesse artigo.

O uso do nome fictício Yara em programa de humor não gera direito a indenização por danos morais, independentemente dos comentários feitos. O entendimento é da 2ª Vara Cível de Taguatinga, que negou pedido de indenização em ação movida contra a Rede Globo por uma mulher chamada Yara. Ela alegou que foi ofendida em quadro do programa humorístico, Zorra Total. A autora do pedido foi condenada a pagar custas e honorários advocatícios, fixados pela juíza do caso em R$ 400,00. Cabe recurso. A mulher alegou que no programa Zorra Total, transmitido em rede nacional e também pela Globo Internacional, no dia 2/4/11, no quadro intitulado "...Dorinha acha que está sendo traída por Darcênio...", o nome Yara foi usado e relacionado com uma pessoa de reputação e conduta duvidosas. Segundo ela, "....as mulheres que guardam o prenome Yara ficaram com suas honras maculadas...", ao verem o nome relacionado à traição e a adjetivos pejorativos como vagaranha e égua de casco e cela. Apontou o ato ilícito e a necessidade de fixação de indenização compensatória não só para ela, mas para todas as Yaras ofendidas. 

A Globo contestou a ação. Afirmou que em momento algum do programa humorístico mencionou diretamente a autora. Acrescentou que o Zorra Total tem cunho exclusivamente humorístico e de sátira e que busca transformar os fatos do cotidiano em piadas, sem objetivo de humilhar ou constranger quem quer que seja. 

A juíza esclareceu que o dano moral é uma lesão personalíssima e inerente aos atributos da personalidade, como prevê o artigo 5º, inciso X. “Nessa conjuntura, toca à requerente alinhavar todos os pressupostos da responsabilidade civil aquiliana, demonstrando a conduta culposa da ré, o resultado lesivo e o liame de causalidade a uni-los”, afirmou. De acordo com ela, a Globo não teve o objetivo de macular o nome da autora, nem atingir sua honra ou imagem. Sobre as outras Yaras que porventura tenham se sentido ofendidas, a juíza explicou que caberia ao MP o encargo de pleitear danos morais em caráter plural e não à autora. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-DF.

Enfim, ser individualmente motivo de piada por alguém ou um grupo que premeditada e intencionalmente o humilha dista bastante do conceito de humor aqui defendido. Em mão contrária se sentir deprimido por algo mencionado em um programa humorístico, por alguém que sequer te conhece, vai além de dano moral passando para o claro sentimento de autoperseguição.

4. Considerações Finais

 

É com pesar que é presenciada a mitigação de uma das qualidades mais valiosas do brasileiro, o senso de humor.  Juntamente a esse fato a liberdade de expressão e de exercício da profissão de humorista também sofre represálias.

Ratifica-se que não é objetivo das palavras retro arrazoadas ampararem quaisquer tipos de discriminações, preconceitos, etc. Almejam sim simploriamente desmistificar a confusão entre humor e ofensa. E mais, elucidar que o judiciário não é terapeuta e que enriquecimento ilícito não sana conflitos íntimos e pessoais, isso extrapola as funções dos magistrados.

Infelizmente não foi possível adicionar ao presente trabalho uma decisão apenas em ação proposta por alguém do povo cujo objeto é a mera indenização pelo dano moral oriundo de atos desonestos de uma minoria de políticos mal intencionada. A realidade da corrupção não conseguiu o que a ficção do humor lamentavelmente desencadeou, o ressurgimento da censura.

Se a mesma indignação demonstrada nos meios de comunicação e processos contra os comediantes e suas sátiras fosse materializada no judiciário em desfavor aos atos de improbidade, talvez a parte mais sensível da sociedade voltasse a ser mais espirituosa e menos vítima dos próprios fantasmas. Censura ao que merece censura.

 

Referências Bibliográficas

BRASIL, Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. 35ª ed., atualizada e ampliada. Saraiva São Paulo. 2005.

CAHALI, Yussef Said. Código Civil, Código de Processo Civil, Código Comercial, Constituição Federal, Legislação, civil, processual civil e empresarial. 14ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. . Vol. 7, ed. São Paulo: Saraiva, 1984.

HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 2001. P. 117. Disponível em: http://www.assediomoral.org/site/biblio/MD_02.php. Acesso em 07 de novembro de 2013, às 10h:39m.

JUNIOR, Nelson Nery, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil comentado. 8ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p.1173/1174.

JUNIOR, Nelson Nery, NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

MICHAELIS. Dicionário Escolar Língua Portuguesa. 3ª ed. Editora Melhoramentos. São Paulo. 2011.

Não reconhecido dano moral por divulgação de notícia em programa humorístico de rádio. Disponível em: http://tj-rs.jusbrasil.com.br/noticias/100045074/nao-reconhecido-dano-moral-por-divulgacao-de-noticia-em-programa-humoristico-de-radio. Acesso em 07 de novembro de 2013, às 10h:50m.

Requisitos para caracterização do dano moral. Disponível em: http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/9799-9798-1-PB.pdf. Acesso em 07 de novembro de 2013, às 11h:10m.

Uso de nome fictício em Zorra Total não gera indenização. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-jul-27/globo-nao-indenizar-uso-nome-ficticio-programa-humor. Acesso em 07 de novembro de 2013, às 14h:17m.