Assistência Social e a Cultura do Assistencialismo

Pretendo analisar brevemente três tópicos, quais sejam: (i) uma introdução à assistência social; (ii) a efetivação do direito à assistência social; e (iii) a cultura do assistencialismo.

A finalidade do presente texto é que reflitamos sobre a importância da efetivação dos direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1988, bem como sobre os cuidados necessários que o Estado, aqui configurado em seus três poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), deve observar para não instituirmos uma séries de medidas assistencialistas.

Pois bem, encontramos o direito à assistência social no artigo 6o da Constituição Federal de 1988, como “assistência aos desamparados”. Já segundo os artigos 203 e 204, está previsto que a assistência social será prestada “a quem dela necessitar” com recursos da Seguridade Social.

Assistência social, pois, não é caridade, é um direito.

E, vale lembrar, as normas de assistência social inserem-se no âmbito dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, consoante o artigo 3o da Constituição Federal de 1988.

Segundo José Afonso da Silva a assistência social rege-se pelos princípios: da supremacia do atendimento às necessidade sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica; da universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas; respeito à dignidade da pessoa humana, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade; igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais; divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas, e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão (tais princípios estão enumerados no artigo 4o da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, com fulcro constitucional no artigo 194, parágrafo único).

A natureza da assistência social, portanto, é direito fundamental da pessoa humana e dever do Estado, por meio da implantação de uma política de Seguridade Social que garanta o mínimo social. Trata-se de um conjunto de ações integrado para garantir o atendimento a quem precisar, sem a necessidade de qualquer contribuição por parte das pessoas assistidas.

Em suma, dentre as finalidades da assistência social estão: a universalização dos direitos sociais; conferir os meios para o enfrentamento da pobreza; garantir um padrão social mínimo; e propiciar condições para atender a contingências sociais.

Como fundamento, a assistência social compreende o princípio da igualdade material, com o fito de promover a igualização dos socialmente desiguais.

Acontece que nos deparamos com um problema muito comum. Considera-o, Paulo Bonavides,  o verdadeiro problema do direito constitucional de nossa época: descobrir como juridicizar o Estado Social, como estabelecer e inaugurar novas técnicas ou institutos processuais para garantir os direitos sociais básicos (consideramos a assistência social o direito social básico), a fim de torná-los efetivos.

É importante lembrar que a amplitude dos serviços e benefícios conferidos pela assistência social não é estreita, albergando (conforme o artigos 203 da Constituição de 1988) entre seus objetivos: “I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;  IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.”

É possível denotar, logo, como valores centrais da assistência social a dignidade da pessoa humana e a igualdade (material). Rememorando que ambos os valores expõem o entendimento de Kant de ser o homem um fim em si mesmo. 

Noutra palavras o homem é o valor fonte de todos os valores.

Destarte, é papel da assistência social conferir o mínimo vital (ou existencial) aos cidadãos mais pobres ou miseráveis, garantindo-lhes dignidade. Todavia, os recursos detidos pelo Estado são insuficientes para garantir tais direitos, efetivamente, a todos os necessitados.

Estamos a falar de um contexto social em que, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), cinco mil (5.000) famílias muito ricas (ou 0,001% do total de famílias do país), reúnem um patrimônio que representa 46% do Produto Interno Bruto (PIB). Ao passo em que, também, segundo o Instituto mencionado acima, 28,8% dos brasileiros vivem em pobreza absoluta (com menos de um dólar por dia), ou seja, 13,5 milhões de pessoas (para a Fundação Getúlio Vargas, o número passa para 28,8 milhões de pessoas).

Na seara do Poder Judiciário presenciamos, hodiernamente, a importância de ter o magistrado em mente o valor absoluto do ser humano, em respeito à sua dignidade.

Concordamos com Antonio Carlos Cedenho, ao afirmar que “a peculiaridade de cada caso concreto é que indicará se determinada prestação, relacionada à assistência social integra o mínimo existencial e deve ser garantida judicialmente”.

Conforme prelecionou categoricamente em sua obra “Diretrizes Constitucionais da Assistência Social” o autor supracitado: “O fim da sociedade não é um conjunto dos fins individuais, mas o bem comum do corpo social”. 

Com este postulado, procura o autor aclarar que o indivíduo quando se subordina ao grupo, encontra-se a si mesmo, e somente servindo ao indivíduo é que o grupo atinge sua finalidade.

É este o fundamento das diretrizes da Assistência Social.

De fato, não é possível conceber uma sociedade desigual como a nossa sem qualquer mecanismo ou critério de justiça distributiva. Faz-se mister atender aos anseios primordiais, mínimos, ou básicos dos cidadãos que nada possuem.

Tratam-se de cidadãos que não exercem a cidadania, pois não estão inseridos dentro de um contexto social desenvolvimentista: estão estagnados, sem perspectivas ou planos de médio ou longo prazo.

Aliás, vivem apenas pensando no hoje, quiçá no amanhã. 

É constitucional (e patente) a missão do Estado de trazer esses indivíduos de volta à sociedade.

Não obstante, conforme veremos adiante, é imperioso que as políticas públicas voltadas à assistência social não se desvirtuem, desaguando num mero assistencialismo.

Entendemos que saúde e educação são medidas imprescindíveis no âmbito da assistência social, e que não devem de forma alguma sofrer qualquer tipo de redução. Devem avançar constantemente.

Procuramos tecer, por outro lado, considerações a respeito do papel que se incumbiu o Estado brasileiro de distribuir benefícios de toda a sorte, com (fracos) critérios ou fiscalização débil, tais como as “diversas bolsas” que existem, principalmente, no âmbito estadual e federal. A intenção deste Estado não é implementar o princípio ético da redistributividade que rege a ideologia do Estado de Bem-Estar Social; sua finalidade é apenas distribuir.

Individualizada, ou seja, sem investimentos relevantes na educação e na saúde, essa política pública pouco contribui para a finalidade da assistência social.

E pior, ao invés de nos garantir os benefícios de uma sociedade menos desigual, apenas arraigará na sociedade brasileira uma cultura supérflua de “troca”, como presenciamos ao longo de nossa história, a troca do voto pela comida ou pelo dinheiro.

Na luta para sairmos do círculo vicioso da miséria, devemos lembrar da lição de Inocêncio Mártires Coelho, que nos advertiu ser o estômago o senhor de todas as decisões.

Ora, se adotarmos uma série de medidas rasas, de curto prazo, e de cunho eminentemente populista, prejudicaremos, no longo prazo, a sociedade como um todo.

E, nesse particular, não encontramos consonância com a própria dignidade da pessoa humana, pois passaremos a tratar as pessoas como votos tão somente.

A má implementação de uma política pública de assistência social que distribui benefícios (a proliferação indiscriminada das “bolsas”) trata os cidadãos como um meio e não como  fim, pois seu intuito é exclusivamente “manobrar uma massa de indivíduos”.

Faz-se, então, necessária a presença do Estado e da sociedade (de fato, da nação brasileira) para erradicarmos a miséria em terrae brasilis.

Defendemos um Estado e uma sociedade que proveem em situações de emergência, claro. Mas, e mais importante, que tenham como meta principal a inclusão desses mesmos indivíduos num círculo virtuoso, tirando-os da estagnação, removendo-os da letargia.

Esse esforço deve ser envidado pelo conjunto dos Poderes Públicos e pela sociedade brasileira, a fim de promover uma cultura de emancipação dos menos favorecidos, concomitantemente com a adoção de ações afirmativas e políticas sociais de inclusão para as diversas camadas sociais.

Tudo isso deve ser proporcionado, evidentemente, num ambiente econômico favorável para que tais cidadãos se emancipem, e sejam senhores dos seus destinos, não precisando mais depender de políticas de assistência social do Estado.

É nesse sentido que emerge a importância da inserção do primado do trabalho, constitucionalmente estabelecido na base da assistência social, como uma forma de garantir aos favorecidos dessa política pública a perenidade de seus frutos.