ASSESSORIA JURÍDICA E A CRIAÇÃO DE NOVOS DIREITOS*

O movimento social das quebradeiras de coco babaçu

 

 

Anna Letícia Santos Alves de Berredo Martins**

 

SUMÁRIO: Introdução; 1 Assessoria jurídica: comunicação com a sociedade;1.1 Aextensão universitária e a responsabilidade social; 1.2 O pluralismo jurídico: do positivismo ao diálogo crítico; 2 Movimentos sociais: para uma garantia ao direito às diferenças; 2.1 O movimento das quebradeiras de coco babaçu;2.2 Acultura jurídica liberal do poder judiciário: um entrave às ações coletivas; 3 Conclusão.

RESUMO

 

Apresenta-se a diferença entre assistência jurídica e assessoria jurídica, em que esta última representa um diálogo com a comunidade para a construção de conhecimento. Analisa-se a extensão universitária enquanto instrumento de assessoria jurídica, conceito, características e importância social a partir de uma visão democrática do fazer universidade. Faz-se uma relação entre assessoria jurídica e pluralismo jurídico a partir de uma análise crítica do direito. Apresenta-se os movimentos sociais, enfocando o movimento das quebradeiras de coco babaçu como instrumentos de criação de novos direitos. Faz-se uma reflexão da cultura jurídica liberal do poder judiciário como empecilho às demandas coletivas.

Palavras-chave: Assessoria jurídica. Pluralismo. Movimentos sociais. Quebradeiras de coco babaçu.

INTRODUÇÃO

O presente artigo científico tem por objetivo investigar a importância da assessoria jurídica prestada pelas universidades em projetos de extensão para a criação de novos direitos nos movimentos sociais. A multiplicação de grupos sociais com uma identidade coletiva organizados em movimentos sociais, nas últimas décadas, é uma realidade que merece total atenção não só dos estudiosos, sociólogos, mas principalmente do Estado, pois é para ele que esses grupos reivindicam direitos fundamentais, muitos dos quais já positivados, mas que não são respeitados ou precisam de um olhar mais crítico e humano.

Para tal estudo, dividimos o trabalho em dois momentos complementares. O primeiro tratará da assessoria jurídica como aprimoramento da assistência jurídica, estabelecendo as diferenças entre esse dois instrumentos de realização do direito na (da) comunidade, em especial para aquelas que necessitam de informação e não possuem condições de por si mesmas baterem às portas do judiciário. Analisaremos também o papel da extensão universitária na realização do diálogo entre universidade e sociedade e na prestação da assessoria, para que as teorias e leis apreendidas em sala de aula sejam efetivadas na práxis, possibilitando às comunidades a construção de um conhecimento crítico próprio para que elas mesmas possam reivindicar seus direitos. Tentaremos relacionar o tema, também, com o pluralismo jurídico, pois a partir de uma problematização e intercâmbio de conhecimentos e experiências é possível criar novos direitos que não emanam do Estado.

No segundo momento, abordaremos os movimentos sociais, como e porque eles surgiram e a luta dos mesmos para garantir seus direitos. Em especial trataremos do movimento das quebradeiras de coco babaçu, um movimento de identidade coletiva que luta para garantir as suas práticas sociais e o livre acesso aos babaçuais, já que essas palmeiras representam o sustento para as famílias das quebradeiras de coco. Por fim faremos uma crítica ao poder judiciário com base no estudo de Eliane Junqueira à cultura jurídica liberal desse locus de resolução dos conflitos sociais, pelos obstáculos que ele representa para as ações coletivas.

1 ASSESSORIA JURÍDICA: comunicação com a sociedade

No ensino jurídico, a extensão é executada principalmente através da assistência, método tradicionalista que visa diminuir os litígios, baseado na concepção monista, em que apenas o Poder Judiciário pode ser solucionador – assistência judiciária – ou com a utilização de qualquer meio de resolução dos litígios, que podem ser inclusive extrajudiciais, esta chamada de assistência jurídica. Na Constituição Federal de 1988, porém, houve uma união entre os dois tipos de assistência, assim o inciso LXXIV do artigo 5° refere-se à assistência jurídica integral, sem fazer a distinção presente nos manuais.

No Direito há o predomínio da assistência jurídica que surge imersa a preconceitos, pois “acredita-se na superioridade do conhecimento universitário, o que, conseqüentemente leva à invasão cultural e à supressão do diálogo” (FURMANN, 2008, p. 6), ou seja, o saber universitário, em especial o jurídico por ser um instrumento de dominação acaba se impondo como verdade absoluta, intimidando os leigos no assunto e a questionar ou a buscar outra forma de suprir suas necessidades. Sem diálogo, o que há – e quando há – é a transmissão de idéias para um novo receptáculo e a imposição das idéias acadêmicas sobre as do senso comum.

A partir das críticas ao modelo chamado por Paulo Freire de assistencialista, começou-se a desenvolver um método que pudesse fazer o conhecimento chegar através do diálogo entre universidade e sociedade, é com esse propósito que surge a assessoria, que procura obter o conhecimento crítico através da simbiose entre as experiências acadêmicas e as populares.

A assessoria seria, então, um caminho para a democratização do Direito, e nesse percurso muitos autores acreditam que o primeiro passo é a simplificação da tão rebuscada linguagem jurídica. Pois, apesar de toda a beleza das expressões jurídicas recheadas de termos latinos, sabemos que o vocabulário do brasileiro, em geral, não é muito extenso, e que diminui especialmente quando são retirados termos tão preciosos e, por que não dizer, tão exteriores a nossa língua, dessa forma a linguagem acaba distanciando o direito da população.

Além da simplificação do discurso jurídico a assessoria tem como princípios trabalhar o coletivo em detrimento do individualismo, já que ações coletivas podem ter mais força que as isoladas. A assessoria trabalha com a participação ativa da população, de forma que nenhuma parte seja superior a outra. A negação do dogmatismo, do tecnicismo e do positivismo jurídico refletem a idéia de que não podemos ter uma concepção monista do direito, mas que devemos olhar o direito como fruto da sociedade, independente de ter origem estatal ou não, e que não pode ficar distante da realidade social,[1] por isso a importância do pluralismo jurídico que acaba se tornando um meio mais rápido de se atender às novas necessidades da sociedade.

1.1 A extensão universitária e a responsabilidade social

Basear a ciência, a arte e a tecnologia nas prioridades regionais, estando sensível a problemas e apelos locais para que possa ajudar através de suas atividades; participar de movimentos sociais que busquem minimizar as desigualdades sociais do país; fortalecer a educação básica; colaborar na construção e difusão dos valores da cidadania; ser encarada como trabalho social que visa à transformação do meio são, desde 1987, os princípios que regem a extensão universitária, que surgiu para que a universidade pudesse interagir mais com a população. (PLANO NACIONAL DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA, 2000-2001, p. 3-4). Fazendo o conhecimento ultrapassar limites dos prédios universitários e preparando seus profissionais de forma mais humana, mais sensível à sociedade, para que assim tivéssemos um saber menos coisificado, sem que fossem tratados como produtos embalados, prontos para serem vendidos por seus operadores.

No final da década de 80, tomados pelo sentimento democrático pós-ditadura em que a cidadania era objeto das novas idéias, o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras conceituou a extensão universitária como um “processo educativo, cultural e científico que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre Universidade e Sociedade. [...] [é] a oportunidade de elaboração da práxis de um conhecimento acadêmico” (PLANO NACIONAL DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA, 2000-2001, p. 5).

 Entretanto, o conceito de extensão ainda é tema de algumas divergências, pois alguns autores não acham esta expressão adequada para a interação entre universidade e sociedade. Paulo Freire, por exemplo, dizia que havia um equívoco no uso do termo extensão, pois a palavra dá uma certa limitação e hierarquização ao processo. Em seu livro Extensão ou comunicação?, Freire faz uma relação entre extensão e seus possíveis significados e entre estes mostra que o termo pode estar relacionado à superioridade do conteúdo de quem estende, à inferioridade dos que recebem, ao mecanicismo nas ações de quem estende e ao messianismo e à invasão cultural, pois o conteúdo acaba sendo levado, acaba se sobrepondo aos conhecimentos dos receptores e esses acabam descartados.

Parece haver uma imposição tácita em a população aceitar as idéias advindas com a extensão e é nesse ponto que Paulo Freire critica, pois, ainda que ele acreditasse nas boas intenções dos adeptos dessa idéia, ele não admitia que isso fosse considerado uma ação educativa, para ele esta é uma ação domesticadora. Por isso, defende uma “estrutura horizontal”, em que o intercâmbio de conhecimentos impere, em que todos os sujeitos sejam mestres e aprendizes simultaneamente, pois “o sujeito pensante não pode pensar sozinho; não pode pensar sem a co-participação de outros sujeitos no ato de pensar sobre o objeto. [...] É o ‘pensamos’ que estabelece o ‘penso’ e não o contrário.” (FREIRE, 1992, p. 66). É a comunicação entre universidade e sociedade que faz com que, efetivamente, exista o acesso ao saber.

As críticas de teóricos como Freire, apesar de não terem conseguido a mudança do termo extensão, fizeram com que fosse importado o espírito da comunicação quando é falado entre os princípios ditados no final da década de 80 que a universidade não pode se imaginar dona de um saber pronto e acabado e que se deve fazer com que a sociedade, cujos problemas são parte da pesquisa acadêmica, seja considerada parte do conhecimento como sujeito.

A universidade tem um comprometimento com a sociedade, e é através da extensão universitária e da assessoria jurídica que educação, cultura, comunicação e transformação acontecem. De que serve o conhecimento, as teorias, as leis se elas não podem ser aplicadas na realidade? O acadêmico, em especial o acadêmico de direito, tem uma responsabilidade para com a sociedade, bem como a universidade não pode se isolar dos problemas sociais.

O diálogo deve iniciar dentro da sala de aula com uma rearticulação da relação aluno/professor, sufocando de vez o abismo que a não muito tempo atrás existia entre esses dois sujeitos, educandos e educadores simultaneamente. Assim, a responsabilidade começa de cada um, do sujeito moral/pensante que se preocupa com o outro que está do lado e que se coloca no papel de transformador, inovador dos velhos ditames e das injustiças.

1.2 O pluralismo jurídico: do positivismo ao diálogo crítico

Para concretizar o novo paradigma universitário e uma visão democrática da extensão universitária é necessário abandonar os velhos moldes do positivismo jurídico e das demais correntes tradicionalistas, e adotar uma postura crítica do direito, este observado como instrumento de dominação, mas também como libertação quando ligado a um verdadeiro sentimento do que seja justo. Criticar o direito não apenas quanto ao seu teor metafísico, quanto à forma ou à validade, mas repensar o que seria o próprio direito e a justiça.

O acesso à justiça não significa apenas ter acesso ao Poder Judiciário, pois cairíamos numa equivocada equiparação da justiça a uma das funções do Estado, reduzindo-a a um órgão que em não raras vezes estrangula esse conceito. Como diria Wolkmer:

Explicitou-se que a cultura jurídica brasileira é marcada por uma tradição monista de forte influxo kelseniano, ordenada num sistema lógico-formal de raiz liberal-burguesa, cuja produção transforma o Direito e a Justiça em manifestações estatais exclusivas. Esta mesma legalidade, quer enquanto fundamento e valor normativo hegemônico, quer enquanto aparato técnico oficial de controle e regulamentação, vive uma profunda crise paradigmática, pois vê-se diante de novos e contraditórios problemas, não conseguindo absorver  determinados conflitos coletivos específicos do final do século XX.(2001, p. 96-97)

Essa forma de atuação do direito se deve em muito ao Positivismo Jurídico, dogmático e atado às estruturas legais, que ao excluir qualquer fonte exterior ao direito acaba afastando a possibilidade de a sociedade interagir como sujeito pensante do processo elaborador do direito. Nesse aspecto é perigoso adotar como fonte jurídica apenas o que foi positivado, sob pena de o direito não acompanhar as transformações da sociedade. É por esse motivo que o pluralismo jurídico ganha força, pois “é preciso romper com o formalismo jurídico que impõe o primado dos aspectos formais em detrimento do conteúdo da norma. O Direito não pode ser apenas normatividade posta, como prescreve o Positivismo.” (OLIVEIRA, 2003, p.19)

Com os novos movimentos sociais, reivindicadores dos novos direitos, surgiu uma forma de responder aos problemas dos órgãos jurídicos estatais, seja quando relacionado ao tempo do processo, à imparcialidade do juiz ou  à eficácia, esses movimentos dão uma dinamicidade maior ao direito, pois conseguem resolver sem a utilização do Poder Judiciário questões de maneira alternativa. O pluralismo jurídico resgata essa ponte que a assessoria jurídica também defende de fazer a participação da sociedade mais ativa na elaboração dos direitos.

2 MOVIMENTOS SOCIAIS: para uma garantia ao direito às diferenças

 

Os movimentos sociais surgiram para especificar a luta em comum de determinados tipos de pessoas. Havia na Inglaterra os sindicatos que tinham a missão de defender os direitos dos operários, entretanto, dentre esses trabalhadores havia grupos sociais diferentes com histórias de vida e interesses que iam além daqueles gerais, defendidos pelos sindicatos. Talvez o maior exemplo seja a questão do trabalho das mulheres, que, por não ter seus interesses específicos como prioridades dentro do sindicato acabam se unindo a outros setores da sociedade para pugnar por essas questões especiais. Não chega a ser uma ruptura, mas uma especificação daquele interesse genérico para atender com mais eficácia os direitos dos grupos sociais diferenciados.

É importante destacar que os integrantes de movimentos sociais “embora não haja homogeneidade absoluta nas suas condições materiais de existência, são momentaneamente aproximados e assemelhados” (ALMEIDA, 1994, p. 23), ou seja, um movimento social não é composto apenas dos quilombolas ou das mulheres de uma determinada fábrica, mas também de pessoas e entidades que se mobilizem e que tenham um certo apresso por aquela questão, dessa forma podem participar igrejas, empresas e ONGs, estas últimas são mais famosas por suas atuações sociais, “sem representar necessariamente categorias profissionais ou segmentos de classe, tais grupos têm se  organizado em consistentes unidades de mobilização” (Ibid.)

Geralmente, os movimentos sociais estabelecem-se das lutas das minorias por seus direitos. No Brasil, especialmente na região Norte, as questões mais defendidas dizem respeito à ecologia e à disputa de terras, é nesse contexto que se encaixa o movimento das quebradeiras de coco babaçu, no Meio-norte. Assim como ocorre no mundo com todos os outros movimentos das minorias, as quebradeiras enfrentam grandes resistências, especialmente dos fazendeiros, mas seu movimento fortalece –se à medida que se juntam em ações coletivas pela garantia de seus direitos.

2.1 O movimento das quebradeiras de coco babaçu

O problema da universalidade das políticas públicas realizadas pelo Estado, “levando à constituição do reino de um único direito, que mais tem servido para ‘apagar’ as diferenças existentes do que para garantir o direito às diferenças”, levaram as quebradeiras a se organizarem em um movimento para protestar pelo direito de acesso às palmeiras de babaçu, das quais tiram seu sustento. Bem como lutar pela proteção das matas devido ao uso destrutivo da maioria dos fazendeiros que derrubam as árvores para a criação de pastagem e siderúrgicas das áreas em que as palmeiras se encontram.

O encobrimento nos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais também contribuiu para a formação do movimento, já que os trabalhadores e trabalhadoras rurais eram homogeneizados em uma única identidade, divididos entre aqueles que tinham direito à terra e os que não tinham. Além disso, por se tratarem de mulheres, estavam em posição desfavorecida nos sindicatos, um espaço primordialmente masculino, deixando-as mais excluídas ainda. Outro problema é que as quebradeiras reivindicavam por um direito secundário ao direito de roça pretendido pelos sindicatos, que era o extrativismo vegetal.2

A atividade extrativista é essencialmente realizada por mulheres, não esquecendo que elas também recebem a ajuda de alguns homens e de crianças. Como dizem as quebradeiras, do babaçu tudo se aproveita: da folha, que chega a 20 metrosde altura pode-se fazer telhados, cestas e outros objetos artesanais; do caule, adubo e estrutura de construção; da casca do coco produz-se carvão para os fugareiros; do mesocarpo faz-se o mingau para as crianças; da amêndoa extrai-se o óleo útil na alimentação, na produção de combustíveis e de sabonetes. Assim, o babaçu é indispensável para a sobrevivência das famílias das quebradeiras, sendo a palmeira mais importante que a terra para elas.3

Portanto há uma inversão, ou melhor, um conflito com o direito da propriedade privada, pois o que as quebradeiras querem é, principalmente, o acesso aos babaçuais e não a terra, em contrapartida os fazendeiros protestam o direito que eles têm dos recursos que fazem parte de suas propriedades e que eles não são obrigados a permitirem que essas mulheres “invadam” suas terras para extrair o babaçu.

Entretanto, o que deve ser observado é que o fato da palmeira de babaçu ser mais importante que a terra em si corresponde a uma prática social quanto ao uso do recurso que é de fundamental importância para o sustento das quebradeiras e suas famílias.4 Ninguém é dono dessa ou daquela palmeira, e está em jogo um direito muito mais importante que o direito de propriedade, que é o direito à vida, além do princípio da dignidade da pessoa humana. O problema é que o ordenamento brasileiro valoriza mais a propriedade do que a vida como pode ser observado na diferença de rigorosidade dada às penas que atentam ao patrimônio e os que atentam à vida. O nosso direito é patrimonialista, característica herdada desde os tempos de colônia quando o rei de Portugal se dizia, e realmente o era, dono do Brasil.

Outros obstáculos enfrentados pelas quebradeiras são a “quebra de meia”, em que elas deveriam repassar metade do que foi colhido aos donos das terras; o barracão, em que elas deveriam entregar tudo nas mãos do proprietário, de acordo com as imposições que ele estabelecia. Quando as quebradeiras não aceitavam vender ou trocar tudo que colhiam por mercadoria única e exclusivamente com o dono da terra, elas eram proibidas de extrair naquela propriedade.5

Devido a todas essas dificuldades elas começaram a se organizar, criando associações como a ASSEMA (Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão), não governamental, sem fins lucrativos, cuja função é promover a melhoria de vida das pessoas que sobrevivem do coco babaçu. Foi fundada em 1989 por lideranças municipais de Esperantinópolis, Lima Campos, São Luís Gonzaga do Maranhão e Lago do Junco, apoiando aproximadamente 1.500 famílias em atividades de geração de renda, agricultura familiar e preservação dos babaçuais.6

Também criaram o MIQCB (Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu) que conta com os estados do Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins. Elas também lutam para a aprovação em nível nacional da lei do babaçu livre, proposta pela deputada federal Terezinha Fernandes (PT/MA) em 2003, que garante a essas trabalhadoras o livre acesso aos babaçus. Portanto, a luta das quebradeiras de coco babaçu para garantir seus direitos mostra a importância dos movimentos sociais para a efetivação da justiça, ainda mais em um estado Democrático de Direito, cujos princípios basilares muitas vezes são esquecidos pelas relações de domínio das classes mais abastadas.

2.2 A cultura jurídica liberal do poder judiciário: um entrave às ações coletivas

Ao fazer um diagnóstico do poder judiciário brasileiro que procura descobrir por quais motivos ele não funciona, se é que um dia ele já funcionou, Eliane Junqueira traça dois tipos de crise: a conjuntural e a estrutural. A primeira atribui problemas operacionais ao aparelho judicial, como o excesso de burocracia e formalismo, o acúmulo de processos e congestionamento das varas, a corrupção, a má formação dos profissionais e falta de capacidade técnica e a insuficiência de recursos materiais e financeiros. A solução para essa perspectiva era solucionar esses problemas operacionais, criando os Juizados Especiais de Pequenas Causas, que não corresponderam às expectativas.7

Para a segunda, não se pode aceitar o que propõe a perspectiva conjuntural, pois o “Estado moderno retira sua legitimidade do fato de apresentar-se à sociedade como uma instituição arbitral e neutra que garante e aplica um determinado quadro legal [...]” (JUNQUEIRA, 1993, p. 98). A explicação correta é que o poder judiciário é burocrático, patrimonialista, burguês e liberal, sua deficiência está na estrutura, nas relações clientelistas e desiguais por critérios sociais e econômicos.

Segundo a cultura jurídica liberal, prevalece o individualismo, ou seja, a probabilidade da resolução das causas coletivas é infinitamente inferior se for comparado a uma causa individual. É o que acontece explicitamente nas questões que envolvem a posse de terra, pois quem ganha as ações em noventa e nove por cento dos casos são os proprietários. Há uma seletividade na ordem jurídica observada principalmente no direito processual civil que tem como pressupostos a igualdade e a individualidade das partes, o oposto do que ocorre nos conflitos coletivos com organizações estatais ou privadas, pois as partes são desiguais e não individualizadas, havendo sempre a subordinação da parte mais fraca perante a mais forte, por questões políticas e/ou econômicas.8

Assim, devido a essa individualização de preceitos liberais, e características patrimonialistas, burguesas e burocráticas de ordem histórica, a efetivação dos direitos dos movimentos sociais é por vezes dificultada, quase impossível – mas não deve ser – como aduz Eliane Junqueira, “apesar de nosso poder judiciário ser ‘operacionalmente ineficiente’, ‘socialmente elitista’ e ‘politicamente dependente’, a ‘crise’ do aparelho judicial não deriva dessas disfuncionalidades, mas sim do caráter liberal da cultura jurídica dominante.” (JUNQUEIRA, 1993, p. 104).

3 CONCLUSÃO

 

Após o estudo, concluímos que os movimentos sociais desempenham um papel muito importante na sociedade, pois eles lutam pelos direitos de grupos sociais com identidades e problemas próprios que não podem ser universalizados nos sindicatos, como ocorreu com as quebradeiras de coco babaçu. Estas travam uma luta diária para ter o livre acesso aos babaçuais, superando dificuldades impostas pelos fazendeiros, siderúrgicas e pelo próprio Estado.

O babaçu representa vida para milhares de famílias no interior do Maranhão, Pará, Tocantins e Piauí, pois dele tudo se aproveita. Corresponde a uma prática social pela valorização da palmeira e não da terra, devendo, assim, ser respeitado o trabalho dessas mulheres sofredoras, mas guerreiras, bem como do recurso que utilizam para tirar seu sustento.

Entretanto, esses movimentos sociais ainda precisam superar muitos obstáculos, necessitando de pessoas que se prestem a uma análise crítica e humana dos mesmos. Um passo importante é a assessoria jurídica realizada nas universidades através dos projetos de extensão, que buscam um diálogo com a comunidade, transmitindo e recebendo conhecimento, experiência e cultura.

Informar as pessoas que participam desses movimentos, para que elas próprias possam correr atrás de seus direitos é responsabilidade da universidade, do acadêmico, em especial do estudante de direito, pois é ele que utilizando o conhecimento doutrinário das leis e propedêutico poderá criticar o direito posto, o monismo, o tecnicismo, as injustiças.

giving advice and creating legal rights
the movement of coconut babaçu breakers

It shows the difference between legal assistance and legal advice in that the latter represents a dialogue with the community for the construction of knowledge. An analysis of whether the university extension as an instrument of legal advice, concept, characteristics and social importance from a democratic vision of how university. It is a relationship between legal advice and legal pluralism from a critical analysis of the law. It presents the social movements, focusing on the movement of coconut babaçu breakers as instruments of creating new rights. It is a reflection of the liberal legal culture of the judiciary as obstacle to collective demands.

 
Keywords: Legal advice. Pluralism. Social movements.  Coconut babaçu breakers.

 

REFERÊNCIAS

 

ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Universalização e localismo: movimentos sociais e crise dos padrões radicionais de relação política na Amazônia. [ S. l.: s.n.], ano IV, n.3, maio 1994.

 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

Fórum de Pró-Reitores de EXTENSÃO das Universidades Públicas Brasileiras. Plano Nacional de Extensão Universitária. atual. Natal, 2000-2001. Disponível em: < http://www2.unifal-mg.edu.br/extensao/files/file/colecao_extensao_univeristaria/colecao_extensao_universitaria_1_planonacional.pdf> Acesso em: 25 mai 2008

FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 10. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

 FURMANN, Ivan. Novas tendências da extensão universitária em Direito: da assistência jurídica à assessoria jurídidica. [S. l: s. n.]

 JUNQUEIRA, Eliane Botelho. A sociologia do direito no Brasil: introdução ao debate atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1993.

 OLIVEIRA, M. C. S. Serviço de apoio jurídico – SAJU: a práxis de um direito crítico. Salvador, BA:UFBA, 2003.

 SHIRAISHI NETO, Joaquim. Crise nos padrões jurídicos tradicionais: o direito em face dos grupos sociais portadores de identidade coletiva. Disponível em: http://conpedi.org/manaus/arquivos/Anais/Joaquim_Shiraishi_Neto.pdf. Acesso em: 20 jun 2008.

 WOLKMER, Antonio Carlos. 3. ed. rev. e atual. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. São Paulo: Alfa Omega, 2001.

 www.assema.org.br.

 www.tvcultura.org.br

 

 

 

 

 

 



* Paper elaborado para obtenção de nota na disciplina de Sociologia do Direito.

** Aluna do 3º período do curso de Direito da UNDB.

[1] FURMANN, op. cit. Passim.

2 SHIRAISHI NETO, 2008, p. 3-4.

4 SHIRAISHI NETO, 2008, p. 4.

6 Cf. www.assema.org.br

7 JUNQUEIRA, 1993, p. 91-94.

8 Ibidem, p. 104-105.