Era a primeira vez que Laura saía do Brasil. Fora selecionada entre os colegas da empresa para fazer um treinamento na matriz, na Alemanha. Estava radiante. Ficaria hospedada em um luxuoso hotel e passaria os dias tendo aulas teóricas e práticas na sede e nos laboratórios da empresa. Parecia um sonho.

            Ao desembarcar do avião, uma van a esperava. Era a última da turma a chegar e alguns colegas já estavam impacientes com a demora, apesar de todos saberem que Laura chegava da América Latina e sua bagagem demorava um pouco mais que as outras para ser vistoriada. Ao entrar na van cumprimentou a todos polidamente e sentou-se ao lado do motorista, um rapaz jovem e alto.

            Laura sentia-se exausta. Foram muitas horas de voo.  Tudo o que ela queria era tomar um bom banho e dormir, mas a primeira atividade era um jantar de confraternização. O objetivo era todos se conhecerem e conhecerem também os professores. Rapidamente, Laura fez o check-in no hotel, tomou um banho, se arrumou e chegou ao saguão antes do horário marcado. Não queria passar aos colegas a impressão de que era sempre a última.

            O restaurante, assim como o hotel, era luxuoso. “Se a empresa não estivesse pagando, eu jamais entraria num restaurante assim”, pensou Laura, maravilhada com o serviço.

“Quem é a brasileira?” – perguntou alguém no grupo. “Sou eu”, respondeu Laura, curiosa em saber o porquê do interesse. Um senhor de aproximadamente sessenta anos, alto e bem apessoado aproximou-se dela e apresentou-se como o Diretor Regional da América Latina. Seu nome era Günter. Sentou-se ao lado esquerdo de Laura e os dois conversaram muito durante o jantar. Só não conversaram mais porque Laura tornou-se rapidamente o centro das atenções. Sua inteligência, simpatia e o fato de ser brasileira conquistaram a todos. Laura achou graça quando perguntaram se ela sabia sambar e ela acabou prometendo ensiná-los a sambar antes do término do treinamento.  Laura fez amizade com a mulher que estava sentada ao seu lado direito, uma belíssima e simpática mexicana.

Ao retornarem para o hotel e se despedirem, Günter perguntou qual era o apartamento de Laura. Ao notar a indisfarçável expressão de estranhamento e surpresa no rosto de Laura, ele desculpou-se e perguntou se poderia telefonar-lhe depois. Laura disse que estava exausta, mas sim, poderia ligar. E deu o número do apartamento. Ao entrar, Laura viu-se passando duas voltas na fechadura. Pegou o programa do treinamento e viu que Günter daria aulas somente nos dois primeiros dias. Alívio! Poderia ser apenas uma impressão, mas sentiu-se assediada.  Sentiu que não podia cometer qualquer grosseria com o Diretor Regional da América Latina da empresa – isso significaria sua ruína!

De qualquer maneira, Laura não recebera qualquer telefonema naquela noite. No dia seguinte, topou com Günter no saguão do hotel. “Gostaria de acompanhá-la no café da manhã, mas tenho que preparar os últimos detalhes da aula de hoje” – desculpou-se Günter. Laura apenas sorriu um sorriso amarelo.

A aula fora ótima. Laura entendeu muito bem porque Günter era o Diretor Regional da América Latina. Conhecia profundamente os problemas da região e traçou todas as estratégias para o sucesso da empresa multinacional no território latino. No dia seguinte, teriam a aula prática sobre o novo produto que a empresa lançaria simultaneamente na América Latina, nos Estados Unidos e na Europa. Ao final do dia, todos combinaram de jantar.  Laura e Concépcion, a mexicana com quem fizera amizade, sentaram-se próximas novamente. As duas e Suzie, a enviada dos Estados Unidos, fizeram os trabalhos em grupo do dia juntas e aproveitaram o jantar para acertar os últimos detalhes do relatório que deveriam entregar no dia seguinte.  Dessa vez, o jantar foi em um restaurante mais simples, próximo ao hotel, de forma que os trajetos de ida e volta foram feitos a pé. No retorno ao hotel, Günter aproximou-se das três mulheres. Quando Laura deu por si, ela e Günter haviam se destacado do grupo e andavam a vários passos a frente dos demais.

“Vamos jantar amanhã? Mas só nós dois” – disse Günter. Laura disse que sim, que seria um prazer. “Vou levá-la para comer boulette e tomarmos o melhor vinho alemão.” Laura sorriu sem graça. Günter continuou: “Adoro as mulheres brasileiras. Principalmente brasileiras bonitas, elegantes e inteligentes como você, Laura.” – e piscou o olho direito. Laura corou e baixou os olhos. Não sabia o que fazer, já que Günter era hierarquicamente superior a ela. Laura entendeu que Günter tinha aquela impressão de que todas as mulheres brasileiras são desfrutáveis. “Velho safado”, pensou Laura. “Custava tratar-me com respeito e profissionalismo?” “Você prefere vinho branco ou vinho tinto? Tinto é ideal para o prato que vamos comer!” – insistiu Günter. “Eu gosto de vinho tinto” – respondeu Laura secamente.

Entraram no hotel. Laura pegou o cartão de entrada de seu quarto e disse a Günter: “Preciso esperar Concépcion e Suzie para concluirmos nosso relatório para amanhã. Obrigada pela companhia e pelo convite.” – disse Laura, enquanto despedia-se de Günter com um distante aperto de mãos. Não entraria sozinha com aquele homem no elevador em hipótese alguma: àquela altura, ele já a devorava com os olhos.

Laura ficou esperando as duas colegas e entrou com elas no elevador. Estava no mesmo andar de Concépcion e ficaram conversando um pouco no corredor. Quando entrou em seu quarto, trancou bem a porta. O telefone tocou. Era Günter, convidando-a para tomar um drink no bar do hotel. Laura agradeceu o convite e disse que precisava terminar sua parte do relatório para o dia seguinte. “Prometo não dar qualquer tarefa para vocês amanhã. Quero-a com tempo para nosso jantar.”

Laura desligou o telefone e foi estudar a aula dada durante o dia. Não conseguia relaxar. Ficou assistindo TV até tarde. Não conseguia dormir. Tinha que pensar em uma estratégia para faltar ao jantar do dia seguinte. Foi quando ouviu um barulho estranho. Parecia que estavam abrindo a porta. Laura acendeu as luzes e constatou aliviada que o barulho vinha do apartamento ao lado. Fechou os olhos, tentou dormir, mas além de estar atormentada com sua sorte, o casal que acabara de chegar fazia amor vigorosamente. Quando silenciaram, Laura estava mergulhada em seus pensamentos e não conseguiu dormir. A última vez que olhou no relógio eram quatro horas da madrugada. Depois disso, adormeceu.

Chegou um pouco atrasada na aula. Estava com a cara péssima, o olhar cansado, com olheiras. Perguntaram o que havia acontecido e Laura contou a tórrida noite de amor dos vizinhos. Um colega alemão disse que havia um cassino próximo ao hotel e certamente tratava-se de alguém com sorte no jogo. “E, pelo visto, no amor também” – pensou Laura intimamente. Após as apresentações dos relatórios, foram para o laboratório da empresa, onde passaram toda a tarde. Ao retornarem ao hotel, Laura conseguiu esquivar-se de Günter. Entrou em seu quarto e o telefone tocou. Ela tinha certeza que era Günter e decidiu não atender. O telefone insistia em tocar e Laura resolveu atender, com medo de Günter ir até lá. “Desculpe-me a demora em atender. Estava no banheiro, acho que comi alguma coisa que não me fez bem” – disse Laura. Günter perguntou o que ela tinha. “Vômitos” – respondeu Laura, com um cínico sorriso nos lábios. “Acho que é melhor não sair, porque estou sentindo que já vou passar mal de novo”. Deixou o telefone cair e correu para o banheiro. Deu um tempinho e depois deu descarga. Voltou ao telefone. Günter ainda estava na linha. “Desculpe-me, precisei correr... Bem, acho que teremos que deixar o jantar para outro dia. Não estou acostumada com tantas salsichas e molhos que vocês têm por aqui.” Günter disse que entendia. Desejou-lhe melhoras e desligou o telefone.

Laura sentiu-se aliviada mas, por outro lado, estava insegura quanto a seu futuro. Afinal, dispensara o Diretor Regional da América Latina e isso teria algum preço. “Os outros dias aqui serão melhores, porque o Günter vai embora amanhã.” – pensou. Laura sabia que, no mínimo, seria “colocada na geladeira” na empresa depois que retornasse ao Brasil. Naquela cultura machista, em que poucas mulheres eram bem-sucedidas profissionalmente, Laura lutava para se destacar na carreira, sem perder sua dignidade. Além de primar por manter-se sempre qualificada tinha, constantemente, que administrar situações indesejadas e constrangedoras como aquela.

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Brasília, 21 de abril de 2010.