Atualmente, o recrudescimento da globalização e da aplicação de políticas neoliberais, gerando o aumento da competição e da busca pela eficiência a qualquer preço, toma um lugar de destaque no campo do trabalho.
A valorização do trabalho em equipe assume um valor secundário. O individualismo cada vez mais exacerbado reduz as relações afetivas e sociais no local de trabalho, acarretando uma série de atritos, não somente entre as chefias e os subordinados, como também entre os próprios subordinados
É nesse contexto que o assédio moral tem encontrado campo fértil para se desenvolver cada vez mais.
O assédio moral é um fenômeno caracterizado pela repetição ao longo do tempo de práticas vexatórias e constrangedoras dirigidas a uma determinada pessoa por um ou vários indivíduos, trazendo-lhe sentimentos de humilhação e interiorização. No entanto, essa espécie de destruição moral não é recente, existe desde sempre, do ambiente familiar ao ambiente do trabalho
O assédio moral se manifesta tanto na vida privada como no próprio ambiente de trabalho. Na família pode ocorrer tanto entre casais como na relação entre pais e filhos, sendo freqüentemente negada e banalizada, reduzida a uma simples relação de dominação. De acordo com a estudiosa francesa MARIE-FRANCE HIRIGOYEN:
Esse processo só se torna possível à excessiva tolerância do parceiro, tolerância esta encontrada, na maior parte das vezes, em uma lealdade familiar que consiste, por exemplo, em reproduzir o que um dos pais viveu, ou então na aceitação de um papel de pessoa reparadora para o narcisismo do outro, uma espécie de missão, na qual ela teria que se sacrificar.
O assédio moral no ambiente de trabalho caracteriza-se por ser uma conduta abusiva, de natureza psicológica, intentada por um superior hierárquico, ou não, contra a dignidade psíquica do trabalhador, de forma repetitiva e prolongada, expondo-o a situações humilhantes e constrangedoras, visando destruir a sua auto-estima, levando-o a demitir-se ou, até mesmo, ao suicídio.
Trata-se de uma tortura psicológica, destinada a destruir a auto-estima do empregado, forçar sua demissão ou apressar sua dispensa através de métodos que resultem em sobrecarregá-lo com tarefas inúteis, sonegar-lhe informações e fingir que ele não existe ou é invisível. Tem origem em um processo de destruição psicológica, constituído de maquinações hostis, evidentes ou camufladas. Pode nascer como algo inofensivo e propagar-se insidiosamente
A conduta do agressor deve ser capaz de constranger a vítima, trazendo-lhe sentimentos de humilhação, inferiorização, afetando essencialmente a sua auto-estima.
Normalmente, são atitudes como ridicularizações, ataques à sua vida privada, boatos, jogos de subentendidos que todos compreendem, mas contra os quais é quase impossível de se defender, obrigação de desempenho de atividades claramente superiores ou inferiores à sua capacidade, etc.
É freqüente a instigação, pelo empregador, de um isolamento voluntário do assediado, fazendo com que, após algum tempo, ele desista da idéia de fazer parte do grupo e, sponte sua, procure o isolamento, como forma de se proteger das agressões. Isso reforça a idéia de que aquele indivíduo não se integra bem à coletividade, contribuindo para o agravamento do problema.
Para que se possa caracterizar o assédio moral é necessário que a violência seja regular, sistemática e que dure no tempo, uma vez que, sendo este fenômeno de natureza psicológica, muito dificilmente um ato esporádico trará lesões psíquicas à vítima.
Não há limites fixados para a duração, em regra, o arco temporal deve ser suficiente para que cause um impacto real na vítima, apto para trazer-lhe lesões físicas e/ou psíquicas.
A aplicação jurídica do ato de assédio moral vem em legislação pioneira da Noruega, que, em sua regulamentação trabalhista, de 1977, proíbe o assédio em geral.
A legislação trabalhista brasileira não contempla, de forma específica, o assédio moral nas relações individuais e coletivas trabalhistas. No entanto, há algumas leis estaduais e municipais que tratam do fenômeno no âmbito do serviço público. Dentre as leis editadas sobre o assunto, destacam-se a Lei 13.288/01, do Estado de São Paulo, e a Lei 3.921/02, do Estado do Rio de Janeiro, que tratam da temática no âmbito da administração pública estadual, a Lei 1.163/00, de Iracemópolis (SP), a Lei 189/02, de Natal (RN), e a Lei 11.409/02, de Campinas (SP), que vedam o assédio moral no âmbito das respectivas administrações públicas municipais.
Existem, ainda, tramitando no Congresso Nacional, diversos projetos de lei pretendendo a normatização legal reguladora do fenômeno, dentre os quais citam-se: a) Projeto de lei federal de reforma do Código Penal, sobre assédio moral, de iniciativa de Marcos de Jesus, Deputado Federal pelo PL-PE; b) Projeto de lei sobre assédio moral no âmbito da Administração Pública Federal, de iniciativa de Rita Camata, Deputada Federal pelo PMDB - ES; c) Projeto de lei federal de reforma do Código Penal, sobre coação moral, de coordenação do Deputado Federal Inácio Arruda, PCdoB ? CE
Não obstante a pendência de aprovação no Congresso Nacional de lei expressa e específica regulamentadora por inteiro desta relevante questão social, a legislação vigente no País tem permitido ao Poder Judiciário, quando provocado, a entrega da prestação jurisdicional.
Por meio de uma interpretação sistemática tem sido possível extrair da ordem jurídico-trabalhista uma série de dispositivos legais, objetivando a adequação da solução legal para o assédio moral, entre eles podemos citar:
a) dispensa indireta
Dispensa indireta é o término do contrato de trabalho por decisão do empregado tendo em vista justa causa que o atingiu e que foi praticada pelo empregador.
Cabe ao empregado provar em juízo os motivos alegados na demanda trabalhista em que resolve o contrato por justa causa patronal (art. 818, CLT; art. 333, I, CPC).
O assédio moral pode ser enquadrado nas seguintes hipóteses legais da dispensa indireta:
a) a exigência de serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato (art. 483, a);
b) o tratamento pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo (art. 483, b);
c) perigo de mal considerável (art. 483, c).
Vale ressaltar que, apesar de alguns dos comportamentos configuradores do assédio moral poderem ser enquadrados em alguma das alíneas do art. 483 da CLT, capazes de autorizar a rescisão indireta, tal solução não resolve o problema e, de certa forma, favorece o assediador, pois o que este deseja é ver-se livre da vítima. E, autorizada a rescisão indireta, seu objetivo estará alcançado. O mesmo ocorre se optar por transferir a vítima.
A rescisão indireta do contrato de trabalho é o fato que finda a relação trabalhista, resolve o contrato de trabalho, caracterizada pela culpa exclusiva do empregador, ou seja, a "[...] rescisão indireta ou dispensa indireta é a forma de cessação do contrato de trabalho por decisão do empregado em virtude da justa causa praticada pelo empregador (art.483 da CLT)" (MARTINS, 2001, p.334).
A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu Art. 483, elenca um rol exemplificativo de situações capazes de ensejar a rescisão indireta das quais se pode destacar: "Art. 483. O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama".
O respeito mútuo, além de socialmente necessário, é algo que deve ser cumprido pelas partes contratantes, pois:
[...] a obrigação contratual do empregador de respeitar os direitos trabalhistas, além da personalidade moral de seu empregado e os direitos relativos à sua dignidade, e vice-versa, cuja violação implicaria na infração dos ditames contratuais e das leis trabalhistas, ensejando o direito do empregado à indenização correspondente, além da legitimação do direito obreiro de resistência, que se consuma com a recusa ao cumprimento de ordens ilícitas (RUFINO, 2006, p.35).
Porém, para a proteção de direitos dos empregados, não existe nenhuma lei no âmbito federal capaz de determinar sanção para esta prática, no entanto:
[...] a prática do assédio moral gera conseqüências jurídicas para o ofensor e, também, para a vítima, pois, muito inexista no âmbito trabalhista nacional uma lei específica sobre o fenômeno, o empregador deverá delimitar sua conduta em outras regras de proteção jurídica, que impõem o "dever-se" nesta relação, o qual, se violado, ensejará a respectiva sanção. (RUFINO, 2006, p.91)
E para efetivo cumprimento desta obrigação de dever ser, é que se deve fazer uso da analogia para que se possa estabelecer sanção, para evitar-ser esta conduta.
É Portanto fundamental que as bases materiais que sustentem o pedido da rescisão indireta do contrato de trabalho sejam bem correlacionadas com o art. 483 CLT, pois a legislação vigente não possuí matéria exclusiva que regule essa demanda jurisdicional.