Ivanildo Severino da Silva*

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Marcelo Henrique de Sousa Torres** Orientador

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Após acompanhar o sofrimento vivdo por alguns colegas oriundo da opressão de seus chefes na empresa em que trabalhavam, resolvi escrever sobre este "câncer" que há muito assola as relações trabalhistas. O assédio moral é tão pernicioso e destruidor quanto quaisquer outros problemas sob os quais a sociedade hodierna está mergulhada. No entanto, este merece destaque por afetar diretamente a dignidade do trabalhador, (muitas vezes pai/mãe de família) que tira dele o seu sustento e de seus filhos. Não podemos calar a tamanha estupidez. Nem podemos nos exaurir de cobrar dos nossos representantes instrumentos legais necessários a erradicação de mal que afeta a dignidade do trabalhador e o impede de isufruir os direitos e garantias constitucionais.

1. Introdução

Nas relações trabalhistas da sociedade hodierna, a violência psicológica, o constrangimento e a humilhação têm sido os ingredientes básicos para a definição do quadro de assédio moral inerente às relações humanas, especialmente, na seara das relações laborativas (patrão x empregado). Nas últimas décadas, porém, a conduta começou a ser estudada, denunciada e, finalmente, coibida e punida.

Estudos inter e multidisciplinares, envolvendo as áreas de Psicologia, Medicina, Medicina do Trabalho, Administração de Empresas, Direito e outros tornaram possível, de certa forma, delinear e conceituar o assédio moral. E, por se tratar de fenômeno comum no ambiente de trabalho, já são muitos os casos que chegam à Justiça Trabalhista.

Criou-se, mesmo muito recente, a concepção de que o trabalho não pode separar o homem do seu valor ético, no qual se devem estabelecer as bases da dignidade e valores sociais do trabalhador, levando-se em consideração não só os rendimentos desse, como também aquele que fez com que os resultados fossem possíveis.

No mundo globalizado, entretanto, algumas empresas, por intermédio das políticas gerenciais e de ações de seus prepostos, estão ferindo os princípios mais fundamentais do trabalhador os quais foram consagrados constitucionalmente.

Tais violações são decorrentes da competição selvagem em busca do maior lucro e, é nesse contexto, que a ocorrência do assédio moral se torna rotineira no ambiente de trabalho, através das pressões por resultados e críticas permanentes aos trabalhadores.

Um grande universo jurídico tem voltado à atenção para esse fenômeno que, apesar de ser antigo, só ganhou espaço em estudos científicos no final do século passado, especialmente após a divulgação dos resultados das pesquisas feitas no âmbito da psicologia do trabalho pelo sueco Hein Leynamm em 1996 e, posteriormente, pela francesa Marie-France Hirigoyen, em 1998, os quais constataram e tornaram públicas as conseqüências devastadoras do assédio moral.

Portanto, com o intuito de se melhor entender esse "câncer social" que muitas vezes, arruína vidas profissionais e reduz, consideravelmente, a qualidade e a quantidade da produtividade de inúmeros setores trabalhistas, se pensou na elaboração deste trabalho.

Didaticamente, a pesquisa que alicerçou este artigo, realizou-se através do método exegético jurídico, tendo como base o estudo teórico na doutrina que discute sobre tal questão, consulta a artigos e revistas on line e análise da legislação pertinente para o levantamento de dados consistentes sobre o problema em xeque.

Estruturalmente, este trabalho configura-se em pontos considerados importantes para a compreensão e aprofundamento da temática em análise. Primeiramente, se discute sobre o que seja o assédio moral, resultado de práticas cotidianas no mundo do trabalho que podem causar diversos estragos psicossociais às vítimas.

No ponto seguinte se evidenciam as proposições legislativas e jurisprudenciais pátrias aplicadas atualmente como remédio jurídico aos problemas gerados por práticas assediadoras. E, finalmente, nas considerações finais, se discute resumidamente e se propõe sugestões inerentes a prevenção e ao combate a práticas tão danosas ao trabalhador brasileiro.

2. Assédio Moral

Uma das pioneiras na pesquisa sobre o tema foi a psicanalista Marie-France Hirigoyen que definiu o assédio moral como sendo "toda e qualquer conduta abusiva que é manifestada notadamente por comportamentos, palavras, atos, gestos, que podem causar danos à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, colocando em risco o emprego desta ou degradando o clima de trabalho". (HIRIGOYEN, 2003, p. 213).

Em outras palavras e, em se tratando do mundo do trabalho, assédio moral é a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comum em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes, dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a reduzir o seu ritmo e qualidade laboral e ou até desistir do emprego.

O comportamento, as palavras, os atos e os gestos a que Hirigoyen (2005) se refere são, na verdade, os meios pelos quais as agressões psicológicas se manifestam no ambiente de trabalho. A constante violência do agressor se exterioriza de maneira tal que a vítima entra em um processo de desestabilização emocional, capaz de destruí-la psicologicamente.

Por seu turno, a pesquisadora e médica do trabalho Margarida Barreto explicou, no Fórum Social Mundial realizado no ano de 2005, que o assédio moral "é uma violência contra as condições de trabalho, à intimidade, à privacidade e à dignidade do trabalhador" (BARRETO, 2001, p. 15), configurando violação aos direitos mais fundamentais desse.

Assim, o assédio moral geralmente decorre de algum conflito e enseja situações humilhantes, tendentes à degradação das condições de trabalho, por meio de condutas negativas tanto de um superior em relação a um subordinado (assédio vertical descendente), quanto de um subordinado ao superior (assédio vertical ascendente), como também de um colega em desfavor de outro do mesmo nível hierárquico (assédio horizontal).

A manifestação do opressor é de permanente menosprezo e constrangimento da vítima e pode ter início com insinuações em que a vítima consente e terminar com ataques múltiplos e perigosos à honra e à moral dessa. A violência pode ser sutil, com olhares de desprezo, suspiros, recusa de comunicação; ou de maneira mais direta: fixar metas inatingíveis, delegar tarefas inúteis ou estranhas a sua atividade, dentre outras.

Importante salientar que determinadas empresas concretizam essa opressão moral por meio das políticas estratégicas adotadas, tais como: exigir que as empregadas não engravidem durante o contrato de trabalho, perseguir os empregados sindicalizados e/ou líderes sindicais, demitir ou ameaçar de demissão as vítimas de doenças ocupacionais ou de acidentes de trabalho em razão de sua condição/limitação física.

Portanto, se percebe que as agressões psicológicas trazem graves conseqüências, não só ao íntimo da vítima, como também no desenvolvimento de sua atividade laboral. O indivíduo perde a auto-estima, o equilíbrio e a confiança no trabalho, tendendo a alterações abruptas de personalidade, o que ocasiona, no mais das vezes, o pedido de demissão. Em decorrência disso, a própria produtividade da empresa é posta em risco, pelo excesso de faltas, perda da motivação e diminuição da operatividade da vítima frente ao constante assédio.

Cite-se que há mais de uma década, a OIT elaborou um levantamento com diversos países desenvolvidos e identificou que 12 milhões de trabalhadores na União Européia já vivenciaram situações vexatórias no ambiente de trabalho. A pesquisa aponta distúrbios da saúde mental relacionados às condições de trabalho em países como Finlândia, Alemanha, Reino Unido, Polônia e Estados Unidos.

No Brasil, a pesquisa liderada por Margarida Barreto (2001), identificou as conseqüências à saúde dos empregados do Banco Santander, durante a privatização e compra do Banespa, em razão das novas políticas de gestão adotadas, entre elas o Plano de Demissão Voluntária e da agressão psicológica proporcionada pelos gerentes das agências.

3. Legislação e Jurisprudência pátrias

Em decorrência das conseqüências gravosas ocasionadas pelo assédio moral, tanto para o profissional em si, quanto para a produtividade da empresa como um todo há uma tendência legislativa emergente, visando coibir a prática da coação moral, através da punição dos agressores.

Os Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo foram os pioneiros, na adoção de normas específicas sobre o assédio moral, com a aprovação das Leis nº. 3.921/2002 e 12.250/2006, respectivamente. No âmbito municipal, essa tendência tem-se propagado cada vez mais e vários municípios de São Paulo, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Paraná e Rio Grande do Norte já aderiram ao movimento, adotando leis que vedam a agressão psicológica.

Elucide-se que diversos projetos de lei pertinentes ao tema estão tramitando no Congresso Nacional, entre eles o projeto de lei federal nº. 5.970/01 que propõe a alteração do artigo 483 e a inserção do artigo 848–A na CLT, no sentido de fixar coação moral como hipótese de rescisão indireta em favor do empregado e estabelecer indenização à vítima pelos danos provocados. Há ainda o projeto de lei federal nº. 4.742/01 que propõe a tipificação do assédio moral como crime no Código Penal Brasileiro.

Dessa maneira, baseado no princípio da analogia, o Judiciário tem reiteradas vezes aplicado às disposições constantes no art. 848 da CLT nos casos de Rescisão Contratual Indireta, uma vez que o trabalhador (parte menos favorecida na lide) não pode correr o risco de ter o seu direito cerceado por falta de uma legislação que o ampare e que garanta os seus legítimos e reais direitos.

No entanto, apesar de ainda não haver norma trabalhista específica sobre o tema, sabe-se que o dever de indenizar a vítima do assédio moral no ambiente de trabalho está alicerçado pela Constituição Federal de 1988, que consagrou no artigo 1º os "valores sociais do trabalho" como fundamento do Estado Democrático de Direito, bem como, tornou inviolável a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, no artigo 5º, inciso X, assegurando o direito à indenização pelos danos experimentados em decorrência de sua violação.

Vale salientar que, de acordo com os artigos 186 e 187 do Código Civil Brasileiro, o empregador responde pelos atos praticados por seus prepostos, sendo dele o dever de indenizar a vítima de assédio moral, ainda que o agressor seja seu colega de trabalho. Acrescente-se que, sendo a empresa titular do poder diretivo, a mesma deve zelar pela sua organização técnica e boa ordem, impedindo a prática da agressão psicológica, sob pena de ser responsabilizada objetivamente por isso.

A jurisprudência tem pacificado o entendimento acerca da responsabilidade objetiva do empregador em indenizar a vítima de assédio moral, especialmente após o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª região ter, pela primeira vez, condenado o empregador a indenizar o empregado a título de danos morais, em decorrência da coação moral praticada no ambiente de trabalho, conforme ementa:

ASSÉDIO MORAL – CONTRATO DE INAÇÃO – INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – A tortura psicológica, destinada a golpear a auto-estima do empregado, visando forçar sua demissão ou apressar sua dispensa através de métodos que resultem em sobrecarregar o empregado de tarefas inúteis, sonegar-lhes informações e fingir que não o vê, resultam em assédio moral cujo efeito é o direito à indenização por dano moral, porque ultrapassa o âmbito profissional, eis que minam a saúde física e mental da vítima e corrói a sua auto-estima. No caso dos autos, o assédio foi além, porque a empresa transformou o contrato de trabalho em contrato de inação, quebrando o caráter sinalagmático do contrato de trabalho, fonte de dignidade do empregado. (TRT, 17ª Reg. – RO 1315.2000.00.17.00-1 – Ac 2276/2001 – Rel. Juíza Sônia das Dores Dionízio).

4. Considerações Finais

O assédio moral, conforme exposto, está comprovadamente presente no ambiente de trabalho, sendo considerado um problema enfrentado em todas as repartições públicas e privadas. E em todas as partes do mundo, independentemente da situação econômica, financeira e social dos envolvidos.

As pesquisas realizadas sobre o tema demonstram as conseqüências gravosas e tendentes à degradação das condições de trabalho, apontando como solução a adoção, por parte dos empregadores, de medidas preventivas do abuso, tais como palestras e campanhas com combate ao assédio moral, mal que a muito assola e desqualifica a rendimento de um sem número de profissionais em suas atividades trabalhistas e que podem interferir negativamente, também em suas atividades cotidianas, principalmente no seio familiar.

No que se refere ao papel precípuo do legislador, se evidencia a urgência da criação ou ao menos, da aprovação dos projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional Brasileiro para garantir efetivamente que os operários tenham aliada às garantias constitucionais, uma legislação mais robusta na defesa dos interesses inerentes ao combate de práticas morais assediadoras.

Por último, se assentou na titularidade dos poderes da empresa e no seu dever de manutenção das condições de trabalho, os motivos de sua responsabilização frente à agressão moral praticada por prepostos ou colegas de trabalho no meio laboral, fundamentando essa questão no Código Civil Brasileiro e na Constituição Federal de 1988, demonstrando ainda a tendência legislativa e jurisprudencial sobre essa temática.

Do exposto, é patente a necessidade do Direito, enquanto mecanismo de controle social ser acionado, para prevenir, através da coercibilidade, e, bem como, punir, quando comprovada prática do assédio moral, em todas as suas formas, seja por meio de condutas negativas tanto de um superior em relação a um subordinado (assédio vertical descendente), seja de um subordinado ao superior (assédio vertical ascendente) e, ainda, de um colega em desfavor de outro do mesmo nível hierárquico (assédio horizontal), almejando a pacificação dos conflitos e o restabelecimento da harmonia social, como requisitos indispensáveis ao desenvolvimento do trabalho humano, conforme o Princípio da Dignidade Humana, consagrado na Constituição Federal de 1988.

O assédio moral é, portanto, uma violência contra as condições de trabalho, à intimidade, à privacidade e à dignidade do trabalhador, devendo o Poder Judiciário ser acionado sempre que flagrante o desrespeito à regularidade das relações de trabalho, preservando o equilíbrio no ambiente de trabalhado, para viabilizar a consecução dos fins esperados, aumento da produtividade, satisfação dos clientes, patrão, trabalhadores e desenvolvimento social, pois toda a sociedade ganha com o estabelecimento de uma relação saudável na seara trabalhista.

Referências

BARRETO, Margarida. Uma jornada de humilhações. São Paulo: Fapesp; PUC, 2000. Disponível em <http://www.ilo.org/public/spanish/bureau/inf/pr/2000/37.htm.> Acesso 07 nov. 2009.

________. Violência Moral no Banespa. Pesquisa realizada em parceria com a AFUBESP. São Paulo, 2001.

FEIJÓ, Carmem. Matéria especial: assédio moral na justiça do trabalho. Documento eletrônico. Disponível em <http://tst.gov.br/destaqueassediomoral.pdf> Acesso em 06 nov. 2009.

HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio Moral: a violência perversa do cotidiano. 7 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.

NERY JUNIOR. Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

RIBEIRO, Schirlei Azevedo. Relato sobre assédio moral no Fórum Social Munidial – 2005. Disponível em <http://www.nesc.ufrj.br/assediomoral/-

noticias/fsm2005061108.htm.> Acesso 21 set. 2009.



* Pedagogo, Especialista em Gestão Integradora: Coordenação e Supervisão Educacional e Graduando do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN – Campus de Natal – Núcleo de Nova Cruz.

** Advogado militante, Pós-Graduado em Direito Civil e Empresarial e Professor de Direito Civil e Direito do Trabalho da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.