Assédio Moral No Ambiente do Trabalho

Tiago Henrique Gomes da Silva Barbosa


RESUMO

 Este trabalho parte da análise de dano, especificando o dano moral para, posteriormente, tratar do dano nas relações do trabalho. Para tanto, diferencia-se a relação de trabalho da relação de emprego. Abordando diretamente o assunto, conceitua-se assédio moral, apresentam-se os requisitos para a sua configuração e demonstram-se as formas mais comuns de sua manifestação, estabelecendo, por fim, uma relação direta entre o assédio moral e o princípio da dignidade da pessoa humana. Posteriormente, estudam-se os envolvidos no assédio moral para, então, com os conceitos apreendidos, classificar as espécies de assédio moral (vertical descendente, vertical ascendente, horizontal e misto) e relatar as principais consequências do assédio moral para os envolvidos, especialmente para a vítima. Por último, apresenta-se o conceito de responsabilidade civil e estuda-se a responsabilidade civil no Direito de Trabalho, especialmente no surgimento do dano moral no ambiente laboral, tendo, por exemplo, o assédio moral como fato gerador.

 

Palavras-chave: Assédio moral. Dano moral no trabalho. Responsabilidade civil no Direito do Trabalho.

 

1 INTRODUÇÃO    

 

O presente trabalho destinar-se-á a abordar, de forma sucinta, a figura do assédio moral no ambiente de trabalho. Trata-se de um tema que atrai cada vez mais estudiosos (juristas, psicólogos, médicos, sociólogos), em virtude da sua grande incidência nos dias atuais.

Para a compreensão do tema, tomar-se-ão emprestados conceitos de dano e dano moral, relação de trabalho e relação de emprego, responsabilidade civil, dignidade da pessoa humana, entre outros.

O trabalho terá como partida o estudo genérico da ocorrência dos danos pessoais (patrimoniais e morais), para, posteriormente, caracterizar-se o assédio moral como um fator causador de dano moral (e também muitas vezes dano patrimonial) no Direito do Trabalho.

Observar-se-á, também, os diversos enfoques conferidos ao assunto em comento, tratando-se, especificamente, de seu conceito, dos requisitos para a sua configuração, das formas de manifestação, das espécies, das consequências.

Há diversos motivos que ensejam a captação da atenção dos profissionais para o assédio moral, vez que na atual era da globalização a concorrência profissional se intensifica, a busca pela informação e pela constante qualificação profissional se mostra imperiosa, o tempo para o lazer e para as atividades pessoas diminui, tudo em prol do crescimento das organizações visando a um progresso contínuo.

O assédio moral acaba por apresentar-se, em regra, como consequência das novas exigências do sistema econômico e ataca, de forma indiscriminada (observando-se alguns fatores de pré-disposição, como se verificará ao longo deste trabalho), os indivíduos presentes nas organizações, em especial o trabalhador empregador, sua maior vítima.

Essa violência sutil traz variadas e gravosas consequências, razão pela qual deve ser estudada e analisada, para permitir ao operador do Direito (e a outros profissionais, de ciências afins), a partir de sua melhor compreensão, a proposta de medidas que coíbam a sua prática (o que, no entanto, não é o enfoque deste trabalho).

Apenas com o aprofundamento do estudo sobre o assédio moral será possível combatê-lo, partindo-se da conscientização dos indivíduos acerca das condutas que o configuram e do desestímulo à sua prática, a fim de se proporcionar aos trabalhadores em geral um meio ambiente do trabalho adequado e saudável.

 

 

2 DANO MORAL

 

2.1 Conceito de dano

 

O homem é um ser social, ou seja, que vive juntamente com outros de sua mesma espécie, em constante movimento, sempre estabelecendo relações na busca pela própria subsistência e, com isso, criando mecanismos para o seu próprio progresso e o do grupo do qual faz parte.

Isso porque já nos primórdios da humanidade o ser-humano percebeu que para garantir a própria sobrevivência e, ainda, a possibilidade de uma existência mais longa e/ou menos árdua era premente a necessidade de trabalhar em conjunto, cooperar, conviver com os demais de sua espécie, à busca de objetivos comuns, tornando mais eficientemente a consecução de objetivos individuais.

Das noções de convivência e busca de objetivos comuns, tomou forma a necessidade de estabelecimento de limites, regras, normas de condutas, para trazer segurança a todos os indivíduos, na medida em que estas regras impediam – ou ao menos se destinavam a impedir – as lesões e ameaças injustas a qualquer membro do grupo, as quais representavam risco à sobrevivência e bem-estar de todos os demais.

Dos diversos mecanismos de controle social surgidos desde então, o Direito é o que mais invade, por assim dizer, a esfera de liberdade dos indivíduos, vez que além de estabelecer normas de “dever-ser”, estabelece, para garantir a sua eficácia, consequências práticas àqueles que não seguem os seus pressupostos, desde mecanismos de coação e cumprimento forçado de seus preceitos a medidas de caráter punitivo.

Em síntese, o objetivo principal das regras de “dever ser” ditadas pelo Direito – tendo-se como base o ordenamento jurídico próprio de cada grupo social – é evitar a ocorrência de dano, e quando este ocorrer apesar dos esforços para afastá-lo, garantir a sua reparação, a recuperação do “status quo ante” (ou do que lhe for mais próximo), para atender a objetivos individuais e, ainda, promover a pacificação social.

Ressalte-se que para o Direito dano é tudo aquilo capaz de trazer redução de um bem jurídico da vítima, seja este bem jurídico patrimonial (cujo valor econômico pode ser auferido objetivamente) ou moral (subjetivo), este último tratando-se de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a honra, a imagem, a liberdade, etc. (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 71).

Portanto, o Direito, quando volta sua atenção para os danos e os comportamentos que os provocaram (ou com potencialidade de provocá-los) preocupa-se com aquelas situações de maior lesividade, nas quais os prejuízos sofridos pela vítima, lesionada, afetarão bens jurídicos, ou seja, situações nas quais os prejuízos (intempéries sofridas) – estarão além de meros infortúnios decorrentes da convivência com seus pares.

O dano pode ocorrer de diversas formas, sendo certo, apenas, que com a sua ocorrência sobrevém prejuízo, maior ou menor, àquele que o sofreu, podendo esse prejuízo ter reflexos no patrimônio da vítima e/ou em sua psique.

Acerca dos danos que sobrevém ao patrimônio material / econômico da vítima, ensina Cavalieri Filho (p. 71):

O dano patrimonial, como o próprio nome diz, também chamado de dano material, atinge os bens integrantes do patrimônio da vítima, entendendo-se como tal o conjunto de relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis em dinheiro. Nem sempre, todavia, o dano patrimonial resulta da lesão de bens ou interesses patrimoniais. Como adiantes veremos, a violação de bens personalíssimos, como o bom nome, a reputação, a saúde, a imagem e a própria honra, pode refletir no patrimônio da vítima, gerando perda de receitas ou realização de despesas – o médico difamado perde a sua clientela –, o que para alguns autores configura o dano patrimonial indireto.

Ainda seguindo os preceitos do professor Cavalieri Filho (p. 72), tem-se que o dano material subdivide-se em dano emergente (quando importa efetiva e imediata diminuição do patrimônio da vítima) e lucro cessante (quando importa a perda ou diminuição do ganho futuro, esperável, resultando em diminuição efetiva do patrimônio futuro da vítima) e sempre é suscetível de avaliação econômica objetiva.

Todavia, há casos, como já dito anteriormente, em que o dano não recai sobre o patrimônio material da vítima, mas sobre seu patrimônio imaterial, insuscetível de avaliação econômica. Nesses casos, está-se diante do chamado “dano moral”.

 

2.2 Dano moral

 

A Constituição Federal de 1988, também conhecida como “Constituição Cidadã” traz, em seu artigo 1º, inciso III, a “dignidade da pessoa humana” como um dos fundamentos do Estado brasileiro.

Logo após, em seu artigo 5º, trata dos chamados “direitos individuais e coletivos”, entre os quais figuram os “direitos da personalidade”, tais como: o nome, a liberdade, a intimidade, a honra etc.

A proteção à dignidade da pessoa humana e aos direitos da personalidade revela a preocupação do legislador constitucional com direitos pertencentes ao patrimônio imaterial da pessoa, os quais também são suscetíveis de lesão, a qual gera o denominado “dano moral” ou “dano imaterial”.

Nesse sentido, ensina o professor Cavalieri Filho que o dano moral ocorre sempre que há violação do princípio da dignidade da pessoa humana ou de um dos direitos da personalidade, podendo ou não este fato causar dor ou sofrimento na vítima, como nos casos, por exemplo, de ocorrência de dano moral a vítimas incapazes de percepção da agressão ao seu patrimônio imaterial (e, portanto, não vulneráveis ao sofrimento que esse conhecimento provoca), como no caso de crianças em tenra idade, portadores de doenças mentais ou doentes em estado vegetativo ou comatoso (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 80).

Ainda nessa linha de raciocínio, já ensinava o professor Washington de Barros Monteiro, seguindo linha de pensamento do professor Carlos Alberto Bittar, que o dano moral decorre, em regra, de lesão a direito da personalidade, emergindo, portanto, do próprio ato que gera a ofensa (MONTEIRO, 2003, p. 482).

É certo, porém, que na grande maioria dos casos de configuração do dano moral, há a imputação à vítima de grande sofrimento psíquico, o qual se manifesta, por exemplo, em sentimentos de dor, vexame, angústia, humilhação.

Todavia, com a aceitação pacífica em nosso ordenamento jurídico da possibilidade de ocorrência do dano moral (exclusivamente ou cumulado a dano material), afigura-se fundamental destacar que assim como o dano moral – como lesão a direito da personalidade e/ou à dignidade da pessoa humana – pode ocorrer sem a existência de intenso sofrimento que o acompanhe, também é possível a ocorrência de sofrimento psíquico decorrente de fato e/ou situação que não configure o dano moral.

O professor Cavalieri Filho (p. 80) discorre com maestria acerca do tema:

Nessa perspectiva, o dano moral não está necessariamente vinculado a alguma reação psíquica da vítima. Pode haver ofensa à dignidade da pessoa humana sem dor, vexame, sofrimento, assim como pode haver dor, vexame e sofrimento sem violação da dignidade. Dor, vexame, sofrimento e humilhação podem ser consequências, e não causas. Assim como a febre é o efeito de uma agressão orgânica, a reação psíquica da vítima só pode ser considerada dano moral quando tiver por causa uma agressão à sua dignidade.

Constata-se, então, que nem todo fato causador de dor e sofrimento configura-se como dano moral, mas somente àqueles que decorrerem de qualquer forma de agressão a um direito da personalidade e/ou, de forma mais abrangente, de uma violação ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Esse entendimento exclui, portanto, o mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada, os quais estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do dia-a-dia dos indivíduos, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo, sob pena de, com entendimento diverso, banalizar-se o dano moral, dando ensejo a ações judiciais motivadas por meros e triviais aborrecimentos da vida cotidiana (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 84).

Em síntese, portanto, considera-se dano moral aquele decorrente de violação a direito da personalidade ou à dignidade da pessoa, em regra capaz de causar intenso sofrimento psíquico e abalo psicológico da vítima, os quais diferem daqueles decorrentes de meros aborrecimentos do cotidiano. Trata-se de lesão que não afeta diretamente o patrimônio material da vítima e é, portanto, insuscetível de avaliação econômica.

O dano moral pode ter origem em violações ocorridas nos mais diversos ambientes de convivência social, tais como na escola, na organização esportiva, no grupo religioso, em eventos culturais e de lazer, em manifestações na mídia, por meio de comunicação não verbal (sinais, símbolos, imagens, obras arquitetônicas e de arte).

Algumas vezes, inclusive, o dano moral origina-se de manifestação camuflada sob a égide da liberdade de expressão, também direito de personalidade assegurado aos indivíduos, mas que encontra limite quando esbarra em outros direitos também passíveis de lesão. Nesses casos, a solução é adotar critérios de proporcionalidade no equilíbrio entre os direitos individuais protegidos.

Atualmente, também se tem notado a possibilidade de surgimento do dano moral nas relações de trabalho, resultado de violações surgidas no ambiente profissional, com características próprias e com possibilidade de provocar danos muito específicos em suas vítimas, com consequências que extrapolam o ambiente laboral.

 

 

3 DANO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

 

            Como já analisado, o dano pode ocorrer tanto ao patrimônio material quanto ao patrimônio imaterial da vítima. Também não há como determinar a existência de grupos sociais completamente protegidos de sua ocorrência.

            Hodiernamente, com a preocupação crescente não só com a produtividade do homem, mas também com o seu bem-estar social, têm-se tornado comum a percepção de danos surgidos no ambiente profissional, não importa o vínculo de trabalho que une vítima e empresa ou vítima e agressor.

           

            3.1 Relação de trabalho e relação de emprego

 

            Antes de analisar as formas de ocorrência do dano nas relações de trabalho, insta salientar as principais diferenças trazidas pela lei brasileira no que tange às relações de trabalho e às relações de emprego.

            Primeiramente, adverte-se que a legislação brasileira, particularmente as leis trabalhistas brasileiras, não logrou êxito em definir e diferenciar, de forma sistemática, as relações de trabalho das relações de emprego.

            Isso porque não há, por exemplo, padronização na utilização de expressões que se referem a cada uma das relações (de trabalho e de emprego) na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

            Amauri Mascaro Nascimento (p. 147) resume bem o problema quando fala da utilização inadequada das expressões “contrato de trabalho” e “relação de emprego” como expressões sinônimas:

A primeira observação refere-se à amplitude de ambas as expressões quanto à palavra “trabalho”. Na verdade, melhor seria, para dar uma ideia precisa da figura que estamos estudando, falar não em contrato de trabalho, mas em contrato de emprego, como já propôs o jurista José Martins Catharino, e em lugar de relação de trabalho seria mais próprio dizer relação de emprego. O vértice do direito do trabalho não é todo trabalhador, mas um tipo especial dele, o empregado. Há vários outros tipos de trabalhadores que não estão incluídos no âmbito de aplicação do direito do trabalho. Não há uma definitiva orientação quanto aos tipos de trabalhadores sobre os quais o direito do trabalho deve ser aplicado. Predomina o entendimento segundo o qual o trabalho que deve receber a proteção jurídica é o trabalho subordinado. O trabalhador subordinado típico é o empregado. A CLT é basicamente uma Consolidação das Leis dos Empregados. A Justiça do Trabalho é uma Justiça dos Empregados. Portanto, esse esclarecimento se faz necessário. A expressão “contrato de trabalho” não dá a noção exata do objeto a que se refere, da mesma maneira que a expressão “relação de trabalho” merece idêntica crítica. (destaques no original)

            Pode se compreender, sem considerar a forma de utilização dessas expressões na CLT, que “relação de trabalho” trata-se de expressão ampla, a qual abrange não somente a relação de emprego propriamente dita – “contrato Individual de Trabalho é o acordo, tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego” (CLT, art. 442) – mas, também, todas as demais formas de relações de trabalho.

            Nessa linha de conceituação, “relação de trabalho”, aqui entendida como aquela derivada de “contrato individual de trabalho” corresponderia, em sentido estrito, à relação de emprego; e, em sentido amplo, a toda e qualquer forma de relação de trabalho, incluindo a relação de emprego.

            Para, contudo, diferenciar as relações de emprego das demais relações de trabalho, deve-se observar o que prescreve o art. 3º da CLT, in verbis: “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.

            Da definição de empregado trazida pelo citado dispositivo, observam-se os seguintes requisitados para a configuração da relação de emprego: pessoa física; não-eventualidade na prestação de serviços; dependência; pagamento de salário. Há ainda um último requisito, previsto no art. 2º da CLT (que traz a definição de empregador): a prestação pessoal de serviços.

            O primeiro requisito (pessoa física) prevê que será empregado pessoa natural e nunca pessoa jurídica (cujos contratos são firmados à luz do Direito Civil). Isso porque “a proteção da lei é destinada ao ser humano que trabalha, à sua vida, saúde, integridade física, lazer. Não é preciso ressaltar que esses valores existem em função da pessoa natural. Não são bens jurídicos tuteláveis nas pessoas jurídicas” (NASCIMENTO, A., 2009, p. 163).

            O segundo requisito (não eventualidade da prestação de serviços) prevê que os serviços deverão ser prestados com regularidade, de forma habitual, com continuidade, o que não necessariamente implica a prestação de serviços diariamente:

[...] No contrato de trabalho, há a habitualidade, regularidade na prestação dos serviços, que na maioria das vezes é feita diariamente, mas poderia ser de outra forma, por exemplo: bastaria que o empregado trabalhasse uma vez ou duas por semana, toda vez no mesmo horário, para caracterizar a continuidade da prestação de serviços. Muitas vezes, é o que ocorre com advogados que são contratados como empregados para dar plantão em sindicatos duas ou três vezes por semana, em certo horário, em que a pessoa é obrigada a estar naquele local nos períodos determinados. Às vezes, isso é o que ocorre com os médicos. A CLT não usa a expressão trabalho cotidiano, diário, mas mostra continuidade, habitualidade. (Sérgio Pinto Martins, p. 128)

            O terceiro requisito (dependência), habitualmente tratado pelos estudiosos como “subordinação” – cuja origem pode ser do latim sub (baixo) ordine (ordens), ou seja, estar sob as ordens de outrem (MARTINS, 2008, p. 129) – é o que diferencia os trabalhadores empregados dos trabalhadores autônomos, visto que não há subordinação entre estes últimos e seus empregadores; lembrando que a CLT é aplicável a empregados e não a trabalhadores autônomos.

            Ainda sobre a subordinação, Sérgio Pinto Martins (p. 129-131) afirma a existência de várias espécies, nem todas obrigatórias e/ou exclusivas da relação de emprego (ou mesmo de qualquer relação de trabalho): econômica (dependência do salário); técnica (dependência de determinações técnicas sobre o trabalho); moral (obrigação do empregado para com o empregador de cooperar para a consecução dos fins da empresa); social (o empregado dependeria socialmente do empregador para a realização de seus compromissos sociais); hierárquica (forma de organização na empresa); jurídica (o empregado está subordinado ao empregador em razão do contrato de trabalho e da lei); objetiva (modo da realização da prestação de serviços pelo empregado); subjetiva (o empregado está sujeito a ser dirigido pelo empregador); estrutural (o trabalhador está inserido na forma própria de organização da empresa); direta ou imediata (em relação ao empregador); indireta ou mediata (verificada com o tomador de serviços, conforme Súmula 331 do TST); típica (é a inerente ao contrato de trabalho); e atípica (pertinente a outros tipos de contrato).

            Amauri Mascaro Nascimento (p. 164) relata, ainda, a criação pela doutrina italiana da figura da “parassubordinação”, para os casos, por exemplo, do vendedor e do representante comercial autônomo, “situações híbridas, nas quais a atividade está situada numa fronteira entre a subordinação e a autonomia”.

            O quarto requisito é o pagamento de salário, que se apresenta como a contraprestação a que faz jus o empregado pela prestação de serviços realizada. Nesse ínterim, urge ressaltar, por exemplo, que o trabalho voluntário, prestado nos termos da Lei n.º 9.608, de 18 de fevereiro de 1998, não gera vínculo de emprego.

            O quinto e último requisito para a caracterização da relação de emprego é a pessoalidade, ou seja, a obrigação que tem o empregado de prestar os serviços para os quais foi contratado pessoalmente, sem a possibilidade de se fazer representar por outra pessoa.

            São espécies de trabalhadores que não se confundem com empregados (embora alguns apresentem características semelhantes a estes) as seguintes: o estagiário; o trabalhador voluntário; o trabalhador avulso; o trabalhador temporário; o trabalhador eventual; o trabalhador autônomo; o cooperado; o sócio administrador; entre outros.

 

3.2 Dano moral nas relações de trabalho

           

            Não importa qual seja a relação de trabalho existente, o vínculo que une os envolvidos, haverá sempre a possibilidade de ocorrência de dano, de lesão a um bem jurídico do trabalhador, vez que em todo e qualquer ambiente social podem surgir conflitos, individuais ou coletivos, os quais têm a potencialidade de provocar agressões aos direitos de outrem.

            No entanto, afigura-se importante considerar as diferenças existentes entre o empregado e os demais trabalhadores – e mesmo entre os diferentes tipos de empregados, como o empregado em domicílio, o empregado rural, o empregado aprendiz – porque os danos são oriundos de um conjunto de fatores determinados pelas situações de fato; se estas se diferenciam, diferenciam-se também suas consequências.

            Guilherme Guimarães Feliciano apresenta, por exemplo, como formas de violência específica (causadoras de grave e diferenciado dano), o trabalho forçado (e/ou em condição análoga à condição de escravo) como uma “violência contra a liberdade e a dignidade do trabalhador”, e o trabalho infanto-juvenil proibido como uma “violência contra a pessoa em formação” (FELICIANO, 2006, p. 69-77).

            Abordando de forma mais completa o tema, Paulo Eduardo V. Oliveira afirma que o dano à pessoa pode ocorrer em todos os momentos da relação de trabalho, quais sejam: na fase pré-contratual, na celebração do contrato de trabalho, na execução do contrato de trabalho, na extinção do contrato de trabalho e, até mesmo, na fase pós-contratual.

            Portanto, ainda na fase de negociação, em que se analisa a possibilidade de realização do contrato de trabalho, não estão os envolvidos imunes à ocorrência de dano e, se feridos em sua dignidade ou em qualquer de seus direitos da personalidade, estará presente o dano moral.

            Como exemplos de fatos possivelmente causadores de dano na fase pré-contratual, Oliveira cita a invasão da intimidade do candidato ou a quebra injustificada das negociações após situações que façam qualquer das partes (especialmente o candidato) a crer na existência de um compromisso – de lealdade – na assinatura (em se tratando de contrato de trabalho escrito, o que não é obrigatório) do contrato de trabalho e no início das atividades laborais (p. 138-142), o que pode gerar dano tanto moral quanto patrimonial.

Na primeira situação, Oliveira declara de forma bastante acertada que “na fase seletiva há oportunidade para ferir-se a intimidade, exigindo-se informações que nada têm que ver com a função oferecida” (p. 138).

Sobre isso, discorre o professor Marcus Vinícius Lobregat (p. 89-92), citando, inclusive, trabalho de João Carlos Casella (Proteção à Intimidade do Trabalho, in “Direito e Processo do Trabalho, Estudos em Homenagem ao Prof. Octavio Bueno Magano (Estêvão Mallet e Luiz Carlos Amorim Robortella – coordenadores), São Paulo: LTr, 1996, p. 485):

Como se sabe, na fase pré-contratual, busca o empregador obter o maior número de informações acerca do candidato a um posto de trabalho na empresa, o que é bastante natural, em face das exigências do atual cenário econômico. Nesta etapa, “o empregador procura selecionar seus empregados verificando suas aptidões profissionais. Daí submeter o candidato a entrevistas, testes, exames, questionários, antes de admiti-lo”.

Todavia, essa investigação tem limites que não podem ser transpostos, sob pena de violação da lei e/ou da intimidade do trabalhador, uma vez que o referido professo deve “cingir-se às informações necessárias, com razoabilidade e pertinência ao fim colimado (...). Vale dizer, pode-se perquirir sobre a experiência pregressa do empregado, sua capacitação profissional e condições para desempregar o cargo, dados pessoais comuns (filiação, naturalidade, data de nascimento, estado civil, filhos, etc.), comprovação de regularidade da inscrição perante o órgão fiscalizador da profissão, quando for o caso, dentre outras com esse escopo”.

Não se cercando das cautelas respectivas, pode o empregador – na fase pré-contratual – ensejar a ocorrência de dano moral derivado de:

a) Atos Discriminatórios

[...]

b) Exame Grafológico

[...]

c) Questionamentos Acerca da Vida Pessoal e de Opiniões Pessoais

            Também é possível a ocorrência de dano no momento da celebração do contrato de trabalho, ressaltando-se que o contrato de trabalho pode ser contraído tanto verbalmente (expressa ou tacitamente) quanto por escrito.

            A esse respeito, podem ser citados como exemplos de fatos causadores de danos (morais e/ou patrimoniais) na fase de celebração do contrato de trabalho, os seguintes: não cumprimento (seja pelo empregado ou pelo empregador) de promessa de contrato firmada em contrato preliminar de trabalho; não realização do contrato de trabalho quando do advento de cláusula suspensiva pré-determinada (mais uma vez, tanto pelo empregado quanto pelo empregador), como, por exemplo, acordo de contratação do jovem advogado após a aprovação no exame da ordem; resolução do contrato de trabalho mesmo sem o advento da cláusula resolutiva (que por acordo entre as partes seria o único motivo a ensejar-lhe a rescisão); utilização de contrato de trabalho em desacordo com o que a lei prevê para o caso concreto (por exemplo, contrato de estágio para o exercício de função de gerência); e simulação de contrato de experiência (OLIVEIRA, 2001, p. 143-149).

            Postergando para análise futura as possibilidades de ocorrência do dano durante a fase de execução do contrato de trabalho, tendo em vista a sua complexidade e o objetivo específico deste trabalho, observa-se também a possibilidade, muito comum, de ocorrência de dano no momento de extinção do contrato de trabalho.

            Marcus Vinícius Lobregat (p. 104-112) cita como causas ensejadoras da ocorrência de dano no momento de extinção do contrato de trabalho (sem excluir a possibilidade de existência de outras causas, menos comuns) as seguintes: informações desabonadoras ou inverídicas sobre o trabalho prestado pelo empregado; anotação do motivo da despedida em CTPS; comunicação de abandono de emprego em Órgãos de Imprensa; “cumprimento” de aviso prévio em casa; despedimento arbitrário ou sem justa causa (quando não fundado na inadequação funcional ou comportamental do empregado ou nas necessidades da empresa); desligamento com caráter discriminatório; entre outras.

            Vale ressaltar que até mesmo na fase pós-contratual é possível a ocorrência de dano em situações derivadas das relações de trabalho como, por exemplo: na difamação do empregado; na inclusão do nome do empregado nas chamadas “listas negras” (com o nome dos ex-empregados que moveram ações contra seus ex-empregadores); na utilização de ofensas e informações pessoais lesivas à intimidade do ex-empregado em juízo; na não-obediência, pelo empregado, de cláusula de não-concorrência, durante a sua vigência (OLIVEIRA, 2001, p. 172-178).

            Discorrendo, agora, sobre os danos surgidos durante a execução do contrato de trabalho, ressalte-se, antes de tudo, que tais danos (patrimoniais e/ou morais, mas mais especialmente estes últimos) pode se manifestar das mais variadas formas.

            Mais especificamente sobre os danos nas relações de emprego, disserta Paulo Eduardo V. Oliveira (p. 150):

O contrato de trabalho cria direitos e obrigações recíprocas, implicando uma situação correlata de poder organizacional do empregador e de subordinação a este poder, por parte do empregado.

Examinando as obrigações e o poder com seu objeto e seus limites, tem-se a possibilidade de verificar como do descumprimento das obrigações, ou da exorbitância no exercício do poder, ocorrem danos pessoais.

Todavia, nem todo descumprimento de obrigação implica, necessariamente, dano pessoal.

            Citando outros doutrinadores, (José Alberto Couto Maciel. “O trabalhador e o dano moral”. In Síntese Trabalhista. São Paulo: Revista dos Tribunais, maio de 1995, p. 8 / Arnaldo Lopes Süssekind. “Tutela da personalidade do trabalhador”. In Revista LTr, São Paulo, vol. 59, maio de 1995, p. 595 / Pinho Pedreira. “A reparação do dano moral no direito do trabalho”. In Revista LTr, ano 55, n. 5, maio de 1991, p. 45), Oliveira explica, ainda, mais especificamente sobre os danos morais nas relações de trabalho:

O contrato de trabalho, sendo de caráter sucessivo, oferece múltiplas ocasiões de incidência de dano pessoal, que hoje são objeto de maior atenção.

José Alberto Couto Maciel, ao abordar o tema sob enfoque, comenta:

“O trabalhador, como qualquer outra pessoa, pode sofrer danos morais em decorrência de seu emprego, e acredito até que de forma mais contundente do que as demais pessoas, uma vez que seu trabalho é exercido mediante subordinação dele ao empregador, como característica essencial da relação de emprego. Ora, o empregado, subordinado juridicamente ao empregador, tem mais possibilidade do que qualquer outro de ser moralmente atingido, em razão dessa própria hierarquia interna em que se submete à sua direção, a qual o vê, na maioria das vezes, como alguém submisso às suas ordens, de forma arbitrária. Em boa hora nosso direito constitucional evoluiu para integrar no País o dano moral, e nenhum campo é tão fértil para amparar tal direito como o direito do trabalho, no qual a subordinação deve ser respeitada, sob pena de abuso moral e consequente ressarcimento.”

A par das situações já descritas anteriormente, outras ainda podem ocorrer na execução do contrato de trabalho, gerando, igualmente, direito à reparação decorrente de danos pessoais.

Nesse sentido, é valiosa a lição de Arnaldo Lopes Süssekind, ao afirmar:

“O quotidiano da execução do contrato de trabalho, com o relacionamento pessoal entre o empregado e o empregador, ou aqueles a quem este delegou o poder de comando, possibilita, sem dúvida, o desrespeito dos direitos da personalidade por parte dos contratantes. De ambas as partes – convém enfatizar –, embora o mais comum seja a violação da intimidade, da vida privada, da honra ou da imagem do trabalhador.”

Pinho Pedreira, por sua vez, aborda outros aspectos também relevantes a esse respeito, apontando:

“Enquanto ‘nas contratações privadas’ se acham normalmente em jogo valores econômicos e como exceção podem ser afetados bens pessoais dos contratantes, geralmente de forma indireta, no contrato de trabalho o trabalhador, pela situação de dependência pessoal em que se encontra, arrisca permanentemente seus bens pessoais mais valiosos (vida, integridade física, honra, dignidade etc.). (...)

Conforme os princípios morais, o empregador há de responder pelos danos morais que cause se por seu dolo ou culpa lesam-se esses interesses ou bens não patrimoniais. Para que proceda à reparação, o dano deve ter entidade suficiente para afetar a personalidade do trabalhador em qualquer de suas manifestações.”

            É certo que as relações de trabalho são relações humanas como outras quaisquer e, por isso, são sujeitas a conflitos, algumas vezes derivados de sentimentos não perceptíveis, por exemplo, pelo agressor, mas que afeta os que estão ao seu redor, às vezes concentrando-se em pessoas específicas, escolhidas consciente ou inconscientemente como vítimas.

            Mas nem por isso devem esses comportamentos ser admitidos jurídica e socialmente, vez que são muito gravosas as suas consequências.

4 ASSÉDIO MORAL

 

            São muitos os danos que podem surgir nas relações de emprego e nas relações de trabalho em geral. Esses danos são patrimoniais e/ou morais, sendo o dano moral o mais lesivo, vez que afeta a dignidade e os direitos da personalidade dos indivíduos.

            Dentre as formas de ocorrência do dano moral, a que mais encontra destaque no estudo das relações trabalhistas atualmente é o assédio moral:

Para contextualizar a importância do tema em estudo, vale mencionar as palavras de Hádassa Ferreira (Hádassa Dolores Bonilha. Assédio moral nas relações de trabalho. Campinas: Russel, 2004, p. 37):

“Pode-se afirmar, sem medo de errar, que o assédio moral nas relações de trabalho é um dos problemas mais sérios enfrentados pela sociedade atual. Ele é fruto de um conjunto de fatores, tais como a globalização econômica predatória, vislumbradora somente da produção e do lucro, e a atual organização do trabalho, marcada pela competição agressiva e pela opressão dos trabalhadores através do medo e da ameaça. Esse constante clima de terror psicológico gera, na vítima assediada moralmente, um sofrimento capaz de atingir diretamente sua saúde física e psicológica, criando uma predisposição ao desenvolvimento de doenças crônicas, cujos resultados a acompanharão por toda a vida”.

            Ainda nessa linha de raciocínio, declara Maria Aparecida Alkimin (p. 37-38):

Diante disso, podemos afirmar que a relevância jurídica do assédio moral é cristalina, pois essa prática contamina o ambiente de trabalho, violando a garantia constitucional de um meio ambiente do trabalho sadio e equilibrado, além de agredir a dignidade da pessoa humana do trabalhador, atingindo seus atributos pessoais, tais como, imagem, saúde, liberdade, intimidade, honra e boa fama, ingressando na seara do dano moral; enfim, concluímos que o assédio moral viola direitos e garantias fundamentais, tutelados pelo ordenamento jurídico constitucional (CF/88, art. 5º, inc. X).        

Haja vista a importância de análise mais apurada do problema, deve-se partir, portanto, para a conceituação de assédio moral, definindo-o como possível, ressaltando as suas principais características e diferenciando-o de outras formas de violência moral no ambiente do trabalho, as quais seguem também exemplificadas.

 

4.1 Conceito de assédio moral

 

            Ainda não há, no Direito brasileiro, um consenso acerca do que vem a ser o assédio moral. Diversas são as definições trazidas pela doutrina, jurisprudência e leis estaduais e municipais.

Observa-se o seguinte:

O assédio, o assédio sexual, a lesão à intimidade, a lesão à imagem e a lesão à honra no trabalho podem ser considerados espécies de um gênero denominado medidas de constrangimento no ambiente de trabalho. Elas implicam comportamentos diferentes por parte do sujeito que pratica o ato constrangedor [...]. Porém, todas as medidas de constrangimento no trabalho possuem uma única finalidade: causar dano à moral e à dignidade ínsita à pessoa do trabalhador e, no limite, forçar que a vítima peça demissão. (NASCIMENTO, S., 2009, p. 1)

Portanto, diversas são as formas de constrangimento no ambiente de trabalho, sendo o assédio moral apenas uma espécie dessas formas desse constrangimento, razão pela qual deve-se tentar uma definição o mais completa possível, para evitar interpretações indevidas, o que, contudo, afigura-se de difícil realização, vez que se trata se assunto apenas recentemente abordado pelos estudiosos, juristas e psicólogos.

Nesse sentido, relata a psicóloga Marie-France Hirigoyen (p. 16):

Se me parece importante definir com precisão, é que, transcendendo a compreensão imediata do termo, é necessário, para uma tomada de posição, precisar o campo de ação, seja com vistas a uma punição das ocorrências, seja para a adoção de uma prevenção eficaz. Até o momento, os estudiosos desse tema não conseguiram chegar a um denominador comum sobre uma definição pertinente o bastante, pois esse fenômeno pode ser abordado de diferentes maneiras, de acordo com o ponto de vista adotado, e interessa a vários especialistas (médicos, sociólogos, juristas...), que utilizam linguagens e modos de pensar diferentes.

Para o psiquiatra, interessam há muito tempo as consequências desse tipo de atitude maldosa sobre a saúde e a personalidade das vítimas. O eco com que nosso primeiro livro foi recebido permitiu-nos recolher outros testemunhos e puderam ser aprofundados nossos conhecimentos sobre o tema. São poucas as outras agressões que causam distúrbios psicológicos tão graves a curto prazo e consequências a longo prazo tão desestruturantes. No momento, clínicos gerais e psiquiatras não sabem identificar de forma adequada a especificidade desse tipo de violência e os respectivos sintomas decorrentes. Os médicos do trabalho, lidando há muito tempo com esse tipo de situação, nem sempre sabem como proteger as vítimas.

Os juristas, por sua vez, tentam encontrar uma definição, livre tanto quanto possível de qualquer subjetividade para que sejam classificadas penalmente esses processos violentos. [...]

Como se observa, grande é a dificuldade de conceituar o assédio moral, não somente pelos poucos estudos já produzidos sobre o tema, mas também pela abordagem diferente adotada por cada profissional, em cada área do conhecimento.

Diversas são as definições existentes e, como já dito, diversos são os profissionais que se ocupam dessa definição. No Brasil, o interesse parte de juristas doutrinadores, juízes (em decisões proferidas), do legislador (a legislação de alguns estados e municípios brasileiros traz definições sobre o tema; no âmbito federal, ainda não vigora lei que trate claramente do assunto), de psicólogos e de outros profissionais.

O certo é que o assédio moral não pode ser bem definido apenas utilizando-se dos conhecimentos de uma só área, como a jurídica, por exemplo, mas deve, pelo contrário, valer-se de todo o conjunto de conhecimentos das áreas afins, como as da psicologia, psiquiatria, medicina, medicina do trabalho, sociologia, sob pena de um esvaziamento, esgotamento irresponsável do problema.

A título de exemplo, vale citar a definição de assédio moral trazida pela lei municipal n.º 1.163, de 24 de abril de 2000, de Iracemápolis, São Paulo:

Art. 1º [...]

Parágrafo único. Para fins do disposto neste lei considera-se assédio moral todo tipo de ação, gesto ou palavra que atinja, pela repetição, a autoestima e a segurança de um indivíduo, fazendo-o duvidar de si e de sua competência, implicando em dano ao ambiente de trabalho, à evolução da carreira profissional ou à estabilidade do vínculo empregatício do funcionário, tais como: marcar tarefas com prazos impossíveis; passar alguém de uma área de responsabilidade para funções triviais; tomar créditos de ideias de outros; ignorar ou excluir um funcionário só se dirigindo a ele através de terceiros; sonegar informações de forma insistente; espalhar rumores maliciosos; criticar com persistência; subestimar esforços. (Iracemápolis. Lei municipal n. 1163/2000. Disponível em: http://www.assediomoral.org/site/legisla/SPiracemapolis.php. Acesso em)

A definição mais aceita atualmente (e mais completa) é a de Hirigoyen, a seguir:

[...] o assédio moral no trabalho é definido como qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.

Qualquer que seja a definição adotada, o assédio moral é uma violência sub-reptícia, não assinalável, mas que, no entanto, é muito destrutiva. Cada ataque tomado de forma isolada não é verdadeiramente grave; o efeito cumulativo dos microtraumatismos frequentes e repetidos é que constitui a agressão. Este fenômeno, no início, pode ser comparado com o sentimento de insegurança existente nos bairros, resumido no termo “incivilidade”. Com a continuação sistemática, todas as pessoas visadas se sentem profundamente atingidas. (destaques no original, p. 17).

Depreende-se da definição acima que nem todas as agressões morais no ambiente de trabalho caracterizam o assédio moral, mas somente aquelas que preencherem alguns requisitos específicos.

 

4.2 Requisitos para a configuração do assédio moral

 

Do conceito trazido acima, compreende-se que para a sua caracterização, o assédio moral deve apresentar os seguintes requisitos: conduta abusiva contra indivíduo no ambiente de trabalho; repetição ou sistematização dessa conduta; ameaça à permanência da pessoa no emprego e/ou à sua integridade física e/ou psíquica no ambiente laboral.

O primeiro requisito, o da conduta abusiva contra indivíduo no ambiente de trabalho não possibilita uma definição rígida, visto que qualquer ação ou omissão considerada abusiva, que afete a dignidade da pessoa e um de seus direitos da personalidade pode ser indício de ocorrência do assédio moral.

Tratam-se, em regra, de condutas degradantes, humilhantes, que afetam a autoestima da vítima e a sua satisfação no emprego, além de muitas vezes causar a degradação da imagem da vítima perante os demais.

Maria Aparecida Alkimin (p. 49) fala sobre a caracterização dessas condutas degradantes e de suas causas principais:

Não podemos mencionar ou descrever uma conduta/ação típica para caracterizar o assédio moral, pois este pode ser realizado mediante qualquer conduta imprópria e insuportável que se manifeste através de comportamentos, palavras, atos, escritos, capaz de ofender a personalidade e dignidade, com prejuízos à integridade física e psíquica do empregado, criando condições de trabalho humilhantes e degradando o ambiente de trabalho, além de colocar em perigo o emprego.

Dentre as várias causas que geram a conduta assediante, podemos mencionar várias: deficiências na organização do trabalho, precariedade de comunicação e informação interna, corrida pela competitividade e lucratividade, ausência de uma política de relações humanas, rivalidade dentro do setor, gerenciamento sob pressão para forçar a adaptação e a produtividade, inveja, ciúmes, e até mesmo a perversidade inerente a muitas pessoas.

O segundo requisito para a caracterização do assédio moral é o da repetição ou sistematização da conduta assediante, ou seja, da existência de conduta assediante que se prolongue no tempo e/ou adotada de forma já padronizada, sistemática.

Ora, o assédio moral nada mais é do que uma forma de violência à pessoa, mas não uma violência comum. Sua lesividade maior talvez se deva ao fato de essa violência manifestar-se, muitas vezes, de forma sutil, enraizada na organização, no ambiente laboral.

Algumas vezes, uma conduta degradante do agressor pode, por si só, provocar danos à vítima, mas, nesse caso, outras formas de violência já estariam caracterizadas, como um dos crimes contra a honra (injúria, difamação ou calúnia) ou uma lesão a outro direito da personalidade.

Mas para a configuração do assédio moral, exige-se que essa conduta ocorra de forma repetida ou sistemática e, assim, não somente aquelas condutas capazes de provocar lesão imediata configurariam o assédio moral, também os ataques aparentemente inofensivos que com o passar do tempo acabam por afetar a vítima, mudando o conceito que ela tem de si mesma e/ou criando um ambiente hostil, quase insuportável de se viver.

Para que a conduta degradante e humilhante se caracterize como assédio moral, casuisticamente, não se pode apresentar como fato isolado, portanto, o comportamento, gestos, palavras e atos direcionados contra o assediado e que visam desestabilizá-lo, afetando sua dignidade e direitos de personalidade, devem ser praticados de forma reiterada e sistemática, ou seja, com uma certa frequência.

Logo, não caracteriza o assédio moral um conflito temporal no ambiente de trabalho, tão menos uma agressão pontual partida do superior hierárquico ou colega de serviço, posto que, no conflito, há interesses contrapostos, preponderando o binômio ataque-resistência, nada impedindo que pela repetição, uma das partes ceda e passe a ser vítima do assédio moral; ao passo que no caso da agressão pontual, esta esgota-se em si mesma, não implicando perseguição ou discriminação na relação de trabalho. (ALKIMIN, 2008, p. 51)

Ressalte-se, ainda, que não há regra para que se considere a reiteração da conduta, bastando para tanto a sua habitualidade, que se verificará no caso concreto, da análise da conduta e de seus efeitos.

O terceiro requisito para a configuração do assédio moral é a ameaça à permanência da pessoa no emprego e/ou à sua integridade física ou psíquica no ambiente laboral.

Essa é a característica mais importante do assédio moral, vez que fala não somente da existência de condutas reiteradas com potencialidade de causar dano, mas da existência de um dano real, geralmente de natureza psicológica, que provoca grande sofrimento na vítima.

As condutas assediantes geralmente afetam a vítima de tal forma que sua permanência no emprego torna-se insuportável. O objetivo do agressor (consciente ou inconsciente) é, em regra, eliminar a pessoa da organização e, na grande maioria dos casos, a vítima desenvolve doenças psicossomáticas resultantes da agressão contumaz.

4.3 Formas de manifestação do assédio moral

 

O assédio moral pode manifestar-se de diversas formas, desde que presentes os seus requisitos específicos já abordados. Pode manifestar-se, inclusive, tanto na prática de condutas comissivas quanto nas omissivas. São diversas as suas causas e pode ocorrer não importando a posição de agressor e vítima na organização da empresa.

O assédio moral como forma abusiva e antiética de degradar o ambiente de trabalho, afetando a saúde, dignidade e autoestima do empregado, manifesta-se através de conduta comissiva ou omissiva; entretanto, como dito, o assediador encobre a agressão psicológica de forma sutil, mascarando a intenção maldosa.

Há várias formas de manifestação do assédio moral com o objetivo de vexar, constranger, inferiorizar e humilhar a vítima, que vão desde comportamentos e atitudes concretas como, por exemplo, tratar com rigor excessivo, atribuir tarefas inúteis, degradantes ou superiores à capacidade intelectual ou física do empregado, rebaixamento funcional, invasão da privacidade e intimidade, divulgando questões pessoais ou sujeitando o empregado a revistas e controles exagerados, injúrias, calúnias, críticas, ironias, humilhações e discriminações reiteradas em público, inatividade forçada, agressão verbal ou física etc., até falta de comunicação (conduta omissiva) no intuito de isolar a vítima e afastá-la da organização do trabalho, ou comunicação não-verbal e gestos (suspiros, olhar e ignorar a presença da vítima, erguer de ombros, mímicas, risinhos etc.). (ALKIMIN, 2008, p. 71)

Não há meios de prever – ou descrever – todas as condutas degradantes possíveis de caracterizar o assédio moral. Contudo, são muitos os autores que se ocupam de exemplificá-las para uma melhor compreensão do tema, poucas variações havendo a respeito do que pode ou não ser considerada uma conduta assediante.

A psicóloga Marie-France Hirigoyen (p. 108-109) traz lista de exemplos de atitudes hostis capazes de configurar o assédio moral. A lista, mais extensa, auxilia uma maior compreensão do tema.

 

 

Tabela: Exemplos de condutas configuradoras do assédio moral

LISTA DE ATITUDES HOSTIS

 

1)            Deterioração proposital das condições de trabalho

  • Retirar da vítima a autonomia.
  • Não lhe transmitir mais as informações úteis para a realização das tarefas.
  • Contestar sistematicamente todas as suas decisões.
  • Criticar seu trabalho de forma injusta ou exagerada.
  • Privá-la do acesso aos instrumentos de trabalho: telefone, fax, computador...
  • Retirar o trabalho que normalmente lhe compete.
  • Dar-lhe permanentemente novas tarefas.
  • Atribuir-lhe proposital e sistematicamente tarefas inferiores às suas competências.
  • Atribuir-lhe proposital e sistematicamente tarefas superiores às suas competências.
  • Pressioná-la para que não faça valer seus direitos (férias, horários, prêmios).
  • Agir de modo a impedir que tenha promoção.
  • Atribuir à vítima, contra a vontade dela, trabalhos perigosos.
  • Atribuir à vítima tarefas incompatíveis com sua saúde.
  • Causar danos em seu local de trabalho.
  • Dar-lhe deliberadamente instruções impossíveis de executar.
  • Não levar em conta recomendações de ordem médica indicadas pelo médico do trabalho.
  • Induzir a vítima ao erro.

 

2)    Isolamento e recusa de comunicação

  • A vítima é interrompida constantemente.
  • Superiores hierárquicos ou colegas não dialogam com a vítima.
  • A comunicação com ela é unicamente por escrito.
  • Recusam todo contato com ela, mesmo o visual.
  • É posta separada dos outros.
  • Ignoram sua presença, dirigindo-se apenas aos outros.
  • Proíbem os colegas de lhe falar.
  • Já não a deixam falar com ninguém.
  • A direção recusa qualquer pedido de entrevista.

 

3)    Atentado contra a dignidade

  • Utilizam insinuações desdenhosas para qualificá-la.
  • Fazem gestos de desprezo diante dela (suspiros, olhares desdenhosos, levantar de ombros...).
  • É desacreditada diante dos colegas, superiores ou subordinados.
  • Espalham rumores a seu respeito.
  • Atribuem-lhe problemas psicológicos (dizem que é doente mental).
  • Zombam de suas deficiências físicas ou de seu aspecto físico; é imitada ou caricaturada.
  • Criticam sua vida privada.
  • Zombam de suas origens ou de sua nacionalidade.
  • Implicam com suas crenças religiosas ou convicções políticas.
  • Atribuem-lhe tarefas humilhantes.
  • É injuriada com termos obscenos ou degradantes.

 

4)    Violência verbal, física ou sexual

  • Ameaças de violência física.
  • Agridem-na fisicamente, mesmo que de leve, é empurrada, fecham-lhe a porta na cara.
  • Falam com ela aos gritos.
  • Invadem sua vida privada com ligações telefônicas ou cartas.
  • Seguem-na na rua, é espionada diante do domicílio.
  • Fazem estragos em seu automóvel.
  • É assediada ou agredida sexualmente (gestos ou propostas).
  • Não levam em conta seus problemas de saúde.

 

4.4 Assédio moral e a dignidade da pessoa humana

 

É importante, antes de adentrar a esfera do assédio moral como afronta ao princípio da dignidade humana, mencionar que o direito ao trabalho está estampado, como um direito social, no art. 6º da Constituição Federal.

Sobre o tema, leciona Pedro Lenza (p. 839):

Trata-se, sem dúvida, de importante instrumento para implementar e assegurar a todos uma existência digna, conforme estabelece o art. 170, caput. O Estado deve fomentar uma política econômica não recessiva, tanto que, dentre os princípios da ordem econômica, destaca-se a busca do pleno emprego (art. 170, VIII).

 

A busca do pleno emprego, elencada na Constituição Federal como sendo um dos princípios da ordem econômica, está intimamente ligada ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, pois não há meios de se alcançar o primeiro sem o respeito ao segundo.

A dignidade da pessoa humana está escancarada no art. 1º, III, da Constituição Federal como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e, principalmente, como um princípio fundamental.

Alexandre de Moraes (p. 128) conceitua da seguinte forma a expressão dignidade da pessoa humana:

A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

 

Pela explanação identifica-se a importância do princípio da dignidade da pessoa humana como um dos pilares do ordenamento jurídico brasileiro e, por essa razão, é imprescindível destacar sua incidência nas relações de trabalho, sejam elas individuais ou coletivas.

Corroborando com o entendimento, Marcelo Novelino (p. 347) assim exalta a dignidade da pessoa humana:

Dentre os fundamentos do Estado brasileiro, a dignidade da pessoa humana possui um papel de destaque. Núcleo axiológico do constitucionalismo contemporâneo, a dignidade da pessoa humana é o valor constitucional supremo que irá informar a criação, a interpretação e a aplicação de toda a ordem normativa constitucional, sobretudo, o sistema de direitos fundamentais.

 

Por essa razão, pode-se concluir que a configuração do assédio moral em uma relação de trabalho está amplamente relacionada à afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Reforçando ainda mais a força do princípio em tela, Marcelo Novelino (p. 350) o conceitua com uma tripla dimensão normativa:

I. um postulado normativo interpretativo, quando atua como diretriz a ser observada na criação, interpretação e aplicação das demais normas;

II. um princípio, por impor aos poderes públicos a proteção da dignidade e a promoção dos valores, bens e utilidades indispensáveis a uma vida digna (mínimo existencial); e

III. uma regra, a qual determina o respeito à dignidade, seja pelo Estado, seja por terceiros, no sentido de impedir o tratamento de qualquer pessoa como um objeto, quando decorrente de uma expressão do desprezo por aquele ser humano.

 

Desta sorte, muito embora o assédio moral, em suma, tenha origem em uma relação de trabalho e, portanto, no direito do trabalho, é impossível não analisar, de forma sistêmica, sua incidência no campo do direito constitucional.

Portanto, não há que se olvidar da interrelação entre o princípio da dignidade da pessoa humana quando da análise do assédio moral; este, quando existente, tem desdobramentos negativos e contrários aos princípios constitucionais basilares do ordenamento jurídico – não só ao próprio princípio da dignidade da pessoa humana, mas, também, aos princípios de ordem social e econômica, como a busca do pleno emprego de forma digna.

 

            5 ESPÉCIES E CONSEQÜÊNCIAS DO ASSÉDIO MORAL

 

Como já explanado, o assédio moral pode manifestar-se de diversas formas e em diversas situações. Não importa, também, qual a posição dos indivíduos na organização: qualquer pessoa pode ser agressora ou vítima de assédio moral.

 

5.1 Assédio moral: agressor, vítima e demais envolvidos

 

Assim como são analisadas as causas do assédio moral, alguns autores trazem características comuns aos envolvidos, com o objetivo de traçar um perfil de agressor e vítima.

A existência desse perfil traz a ideia de que uma mesma pessoa pode, em momentos diversos da vítima e em organizações (laborais) diferentes, exercer o mesmo papel (agressor ou vítima), devido a uma predisposição fundada em características de sua personalidade.

Sobre essas teorias, Hirigoyen afirma (p. 219):

Muitas vezes foi perguntado se existiria um perfil psicológico que predestinaria à posição de vítima. Reafirmamos que qualquer um pode ser vítima de assédio moral; contudo, os agressores e as testemunhas incrédulos continuam a atribuir este tipo de problema somente às pessoas frágeis ou portadoras de uma patologia particular, vítimas natas de alguma maneira.

Se não existe um perfil psicológico específico para as pessoas que são assediadas, existem incontestavelmente, como acabamos de ver, contextos profissionais nos quais o assédio moral transita mais livremente. Existem também situações em que as pessoas correm maior risco de se tornar visadas.

A mesma autora (p. 219) afirma que “um salariado corre mais risco de ser visado quando sua maneira de ser ou parecer pode desestabilizar uma pessoa ou o equilíbrio de um grupo”.

Nesse ínterim, Hirigoyen (p. 219-226) apresenta os seguintes fatores de risco para se tornar uma vítima de assédio moral:

  • Pessoas atípicas (diferentes do restante do grupo, por característica física, de personalidade etc.);
  • Pessoas excessivamente competentes ou que ocupam espaço demais;
  • Os que resistem à padronização;
  • Os que fizeram as alianças erradas ou não têm a rede de comunicação certa;
  • Os assalariados protegidos (proteção legal);
  • Pessoas menos “produtivas”;
  • Pessoas temporariamente fragilizadas;
  • Vítima inocente (existência, no caso, da procura por um “bode expiatório”.

Ressalta, ainda, que alguns fatores podem predestinar a uma defesa pior da vítima, agravando o problema e/ou permitindo que se instale, tais como (p. 228-237): baixa autoestima; necessidade exacerbada de reconhecimento; pessoas que se dedicam muito ao trabalho; os sensitivos (indivíduos tímidos, hiperemotivos, sensíveis e frequentemente ansiosos).

Embora muito se fale, também, da existência de um perfil de agressor, o mais correto seria compreender que não se trata da existência de indivíduos que de qualquer forma seriam assediadores (salvo no caso de pessoas perversas, o que é mais raro), mas sim de indivíduos que se tornaram assediadores em virtude de determinadas circunstâncias, considerando, é claro, que certas características de cada pessoa podem torná-las mais predispostas à adoção dessa conduta.

Nesse sentido, explana Hirigoyen (p. 247-248):

[...] Contudo, como dissemos, não era preciso separar o mundo em duas partes, de um lado os mal-intencionados perversos e do outro as vítimas inocentes. Mesmo sem má-fé todos nós podemos, em determinados contextos e diante de certas pessoas, adotar atitudes perversas. O que se transforma num problema não é o indivíduo propriamente dito, mas um certo tipo de comportamento que, sim, precisa ser denunciado.

Por outro lado, já ouvimos dizer às vezes que, se no mundo do trabalho existem perversos narcisistas, é apenas excepcionalmente, pois, de um modo geral, os assediadores são apenas vítimas de um sistema que os estaria levando a maltratar os outros. De alguma maneira, se eles maltratam é porque estão sendo maltratados pelo sistema. A realidade parece mais complexa e não pode ser estudada unicamente no nível da empresa.

[...]

O objetivo do assédio é controlar e dominar oponente, usurpando seu território psíquico. Não se trata da descarga de agressividade de um indivíduo submetido a excesso de estresse ou a condições de trabalho adversas. Não é uma perda de autocontrole, mas, ao contrário, é uma vontade de dominar o outro.

[...]

Nossa experiência com estas situações nos conduz a dizer que, se certos contextos podem ser desestabilizantes para todo mundo, qualquer um pode se tornar assediador. Certos perfis psicológicos estão mais predispostos. Outros conseguem resistir, provavelmente porque seus valores morais são mais sólidos. (destaque nosso)

Por fim, ressalte-se que o comportamento dos demais envolvidos (expectadores) também pode ter relevância na caracterização e na manifestação do assédio, pois pode, por exemplo, encorajar e estimular o comportamento do agressor e/ou aumentar a situação degradante da vítima e seu comportamento submisso.

 

5.2 Espécies de assédio moral

 

Relembre-se que o assédio moral não escolhe a posição dos indivíduos na organização da empresa para a sua ocorrência. Embora na maior parte dos casos o agressor seja superior hierárquico da vítima (pela presença maior de condições / fatores de risco para o assédio moral), também há casos em que o assédio parte de colegas de trabalho, de subordinados e, inclusive, de pessoas diversas, que ocupam diferentes posições na hierarquia da organização.

 

5.2.1 Assédio moral vertical descendente

 

O assédio vertical descente é aquele cujo agressor é um superior hierárquico da vítima. Trata-se da hipótese mais comum de assédio moral, em virtude das condições naturais de subordinação e dependência em que a vítima se encontra e da posição de poder do agressor.

Entretanto, sob a roupagem do exercício do poder de direção, os detentores do poder – empregador ou superior hierárquico – visando uma organização do trabalho produtiva e lucrativa, acabam por incidir no abuso de poder, adotando posturas utilitaristas e manipuladoras através da gestão sob pressão (onde se exige horários variados e prolongados, diversificação de função, cumprimento a todo custo de metas etc.). Notadamente o superior hierárquico, que se vale de uma relação de domínio, cobranças e autoritarismo por insegurança e medo de perder a posição de poder, desestabilizando o ambiente de trabalho pela intimidação, insegurança e medo generalizado, afetando o psiquismo do empregado, e, consequentemente sua saúde mental e física, além de prejudicar a produtividade com a queda no rendimento do empregado afetado pela situação assediante ou pelo absenteísmo.

Assim, os detentores do poder se valem de manobras perversas, de forma silenciosa, visando excluir do ambiente aquele que representa para si uma ameaça ou para a própria organização do trabalho, praticando manobras ou procedimentos perversos do tipo recusa de informação ou comunicação, desqualificação e/ou rebaixamento, isolamento, excesso de serviço com metas absurdas e horários prolongados. (ALKIMIN, 2008, p. 44-45)

Ressalte-se, contudo, que para a caracterização do assédio moral descendente, não é imperioso que o superior detenha poder de direção sobre o empregado, mas apenas que esteja hierarquicamente acima da vítima na organização da empresa, de forma a poder lhe fazer exigências e/ou causar-lhe problemas por sua influência.

Por fim, insta salientar que podem haver diferenças no assédio moral praticado por superior hierárquico, conforme relata Hirigoyen (p. 112-113):

Alguns autores distinguem diversos subgrupos no assédio que vem da hierarquia:

– O assédio perverso, praticado com o objetivo puramente gratuito de eliminação do outro ou valorização do próprio poder;

– O assédio estratégico, que se destina a forçar o empregado a pedir as contas e assim contornar os procedimentos legais de dispensa;

– O assédio institucional, que é um instrumento de gestão do conjunto do pessoal.

Estas classificações nos parecem excessivamente rígidas, pois devem ser feitas distinções muito mais sutis. Os superiores hierárquicos que assediam um subordinado nem sempre o fazem de maneira perversa [...]. E, por outro lado, será que não podem ser considerados “perversos”, ou pelo menos cínicos, certos tipos de gerenciamento [...].

 

5.2.2 Assédio moral vertical ascendente

                                                                                       

Embora muito menos comum, também pode ocorrer o assédio moral vertical ascendente, que é aquele praticado pelos subordinados contra um superior (na grande maioria dos casos, praticado por vários agressores ao mesmo tempo).

Ressalte-se que “o assédio moral de um superior por um ou vários subordinados não é levado em consideração e, no entanto, pode ser do mesmo modo destrutivo” (HIRIGOYEN, 2009, p. 114).

Geralmente, a vítima não sabe como se defender e, quando ciente da agressão (que nem sempre é percebida), não encontra meios de denunciá-la. Os resultados, em regra, são a perda do emprego ou cargo e o grande sofrimento da vítima, afetada principalmente em sua autoestima (especialmente com a degradação de sua autoimagem profissional).

De acordo com Hirigoyen (p. 116), podem-se distinguir diversas formas de assédio moral vertical ascendente, como: a falsa alegação de assédio sexual (com o objetivo de atentar contra a reputação de uma pessoa e desqualificá-la definitivamente) e as reações coletivas de grupo (a cumplicidade de todo um grupo para se livrar de um superior hierárquico que lhe foi imposto e que não é aceito).

 

5.2.3 Assédio moral horizontal

 

O assédio moral horizontal é aquele praticado por colegas de trabalho, indivíduos que possuem a mesma posição hierárquica da vítima na organização da empresa.

O assédio moral praticado por colega de serviço, tal como o praticado pelo empregador ou superior hierárquico, contamina o ambiente de trabalho, tornando-o degradante, hostil, ofensivo e violador dos direitos de personalidade do ofendido.

[...]

Sem dúvida, não apenas as condições de trabalho e fatores ambientais nocivos à saúde e bem-estar do empregado prejudicam a satisfação e qualidade de vida no trabalho, também as relações interpessoais defeituosas e envenenadas interferem para contaminar o ambiente de trabalho e torná-lo impregnado de práticas humilhantes, vexatórias, por parte de colega de serviço que, no intuito de assediar o colega de trabalho pratica grosserias, brincadeiras maldosas, ofensas verbais de natureza sexual ou não, enfim, hostilizando e humilhando o colega de toda forma, em manifesto desrespeito à sua individualidade e dignidade. (ALKIMIN, 2008, p. 46-47)

Na maioria dos casos, esse tipo de assédio é provocado por inveja, ciúmes, excesso de competitividade, medo de ser “passado para trás” pelo colega de serviço, interesse em promoção a cargo superior etc.

 

5.2.4 Assédio moral misto

 

O assédio moral misto é aquele praticado, ao mesmo tempo, por pessoas que ocupam dentro da organização da empresa níveis hierárquicos diferentes em relação à vítima como, por exemplo, o assédio praticado ao mesmo tempo por colegas de serviço (assédio moral horizontal) e por superior hierárquico (assédio moral vertical descendente).

Ademais, como alerta Hirigoyen (p. 114), são raros os casos de assédio moral horizontal que não são seguidos também pelo assédio vertical descendente, que se manifesta pela omissão da chefia ou do superior hierárquico à conduta degradante imposta pelo agressor.

 

5.3 Consequências do assédio moral

 

Não importa qual seja a espécie de assédio moral sofrida pela vítima (vertical descendente, vertical ascendente, horizontal ou misto), as consequências podem sempre ser devastadoras, tanto de ordem prática e financeira (perda do emprego, dificuldade de recolocação profissional etc.) quanto de ordem física ou psicológica.

Também o agressor sofrerá (ou deverá sofrer) consequências em virtude da prática do assédio moral, que variarão conforme a sua posição na hierarquia da empresa em relação à vítima.

 

5.3.1 Consequências do assédio moral para o agressor

 

Quanto o sujeito ativo do assédio moral for o empregador observa-se, por exemplo, a caracterização das hipóteses que ensejam a rescisão indireta previstas no art. 483 da Consolidação das Leis do trabalho.

Nesse sentido, ressalte-se a explanação de Maria Aparecida Alkimin (p. 89):

O assédio moral se traduz em prática degradante e humilhante, atingindo a dignidade humana da pessoa do trabalhador; outrossim, impede um meio ambiente do trabalho sadio e equilibrado (CF, art. 225) e é capaz de tornar insuportável a continuidade da relação de emprego, em razão da grave violação pelo empregador ou pelo preposto deste das obrigações contratuais trabalhistas.

Sob o prisma das obrigações contratuais, todas as atitudes, gestos, comportamentos, palavras caracterizadoras do assédio moral se enquadram nas hipóteses tipificadas no art. 483 da CLT, consubstanciando grave violação patronal das obrigações legais e contratuais, além de violar o dever geral de respeito à dignidade e intimidade do trabalhador, legitimando a despedida indireta por justa causa ou falta grave do empregador.

O empregador também poderá sofrer consequências imediatas decorrentes da prática do assédio moral no ambiente do trabalho (seja o agressor o próprio empregador ou terceiro), tais como a queda da produtividade e a excessiva rotatividade de mão de obra.

Já para o empregado assediante (seja a vítima um superior hierárquico ou colega de serviço), a principal consequência será a possibilidade de caracterização da justa causa para a dispensa do empregado, uma vez preenchidos os elementos caracterizados previstos no art. 482 da CLT.

Em alguns casos, além de ensejar a responsabilização civil do agressor, o assédio moral também poderá ensejar a sua responsabilização penal, se praticada alguma conduta penalmente tipificada como, por exemplo, as condutas caracterizadoras dos crimes contra a honra e dos crimes contra a liberdade sexual, previstas, respectivamente, nos artigos 138 a 145 e 213 a 216-A do Código Penal.

 

5.3.2 Consequências do assédio moral para a vítima

 

Apresenta-se indubitável que a vítima do assédio moral poderá ser acometida – e em regra o será – de grande sofrimento físico e/ou psíquico, além dos prejuízos econômicos e profissionais que poderá sofrer.

A vítima injustamente atingida em sua dignidade e personalidade de homem e trabalhador suporta significativas perdas, passando a viver no ambiente de trabalho tenso e hostil, em constante estado de incômodo psicofísico, capaz de gerar distúrbios psicossomáticos, refletindo em desmotivação, stress, isolamento e prejuízos emocionais de toda ordem, comprometendo sua vida pessoal, profissional, familiar e social.

[...]

O assédio moral gera sofrimento psíquico que se traduz em mal-estar no ambiente de trabalho e humilhação perante os colegas de trabalho, manifestando o assediado sentimento e emoção por ser ofendido, menosprezado, rebaixado, excluído, vexado, cujos sentimentos se apresentam como medo, angústia, mágoa, revolta, tristeza, vergonha, raiva, indignação, inutilidade, desvalorização pessoal e profissional, que conduzem a um quadro de depressão com total perda da identidade e dos próprios valores, com risco de suicídio. (destaque no original, Alkimin, p. 83)

Nesse sentido, Hirigoyen (p. 158-182) apresenta as principais consequências do assédio moral, subdividindo-as em consequências específicas físicas (o estresse e a ansiedade, a depressão e os distúrbios psicossomáticos), em consequências do traumatismo (estresse pós-traumático, desilusão e reativação das feridas) e em consequências específicas do assédio moral (a vergonha e a humilhação, a perda do sentido, modificações psíquicas e defesa pela psicose).

Todas essas consequências importam grande sofrimento à vítima e alteram a sua forma de ver o mundo, o trabalho e a si mesma, podendo, em muitos casos, causar danos irreparáveis, razão pela qual o assédio moral é considerado uma forma de violência grave, que deveria ser banido do meio ambiente do trabalho.

 

 

6 RESPONSABILIDADE CIVIL NO ASSÉDIO MORAL

 

A responsabilidade civil pode ser verificada em vários ramos do direito. Para compreender um pouco melhor a abrangência desse instituto e conseguir visualizar sua aplicação no direito do trabalho, principalmente no que tange ao assédio moral, fundamental é conhecer sua origem e conceituação.

 

6.1 Conceito, origem histórica e evolução da responsabilidade civil

 

Basicamente, pode-se dizer que a responsabilidade civil surge no momento em que determinado indivíduo comete um ato ilícito, que pode ter incidência nos campos administrativo, civil e penal, independentemente. Da prática desse ato, surge a obrigação de reparação.

Francisco Amaral (p. 545) assim define a responsabilidade civil:

Em sentindo amplo, tanto significa a situação jurídica em que alguém se encontra de ter de indenizar outrem quanto a própria obrigação decorrente dessa situação, ou, ainda, o instituto jurídico formado pelo conjunto de normas e princípios que disciplinam o nascimento, conteúdo e cumprimento de tal obrigação. Em sentido estrito, designa o específico dever de indenizar nascido de fato lesivo imputável a determinada pessoa.

 

Para reforçar a compreensão do instituto, faz-se necessário explicar que a ocorrência do fato lesivo, mencionada por Francisco Amaral, corresponde ao ato ilícito, qual seja: ato contrário ao ordenamento jurídico.

É importante salientar, nesse momento, que ato contrário ao ordenamento jurídico não é tão somente aquele que ataca a legislação, mas também aquele que contraria os bons costumes, a moral ou a ordem pública.

Historicamente, pode-se perceber, ainda que de forma rudimentar e primitiva, a reparação do dano moral no Código de Hamurabi (século XIII a.C.), que tinha por princípio básico a garantia do mais fraco. Marcus Vinícius Lobregat (p. 59-60) traz de maneira clara essa evidência histórica:

À época, o Código estabelecia uma ordem social baseada nos direitos do indivíduo, sobre os quais continha ideias bastante claras e demonstrava a preocupação de Hamurabi em conferir ao lesado uma reparação equivalente ao dano que sofreu, sendo certo que as ofensas pessoais restavam reparadas na mesma classe social e à custa de ofensas idênticas, consoante se infere dos parágrafos 196, 197 e 200 do referido Código:

“Parágrafo 196. Se um awilum destruir um olho de um (outro) awilum destruirão seu olho.

“Parágrafo 197. Se quebrou o osso de um awilum: quebrarão o seu osso.

“Parágrafo 200. Se um awilum arrancou um dente de um awilum igual a ele arrancarão seu dente”.

 

A reparação do dano moral também pode ser verificada, em uma linha de evolução, nas Leis de Manu, na Lei das XII Tábuas, no Alcorão, na Bíblia, na Grécia e em Roma.

Já no Brasil, o instituto foi consagrado de forma clara e definitiva com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que trouxe ao ordenamento jurídico a possibilidade real de reparação do dano moral:

Art. 5º, X. São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

 

Com o Código Civil de 2002, houve novo avanço legislativo quanto ao estudo do dano moral, pois o art. 186 do referido estatuto trouxe a possibilidade de reparação de dano meramente moral:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

 

Como pode-se perceber pelos recentes dispositivos analisados (Constituição Federal de 1988 e Código Civil de 2002), o instituto da responsabilidade civil ainda é bastante discutido nos tribunais brasileiros, pois a reparação do dano moral invade uma área extremamente delicada. Muitas vezes, pelo grau de subjetividade do dano moral, é tormentosa, para o magistrado, a tarefa de se auferir a lesividade do dano e a justa reparação, o que acarreta em notória insatisfação dos sujeitos principais de uma relação processual.

 

 

 

 

6.2 Responsabilidade contratual, extracontratual, subjetiva e objetiva

 

Para melhor entender o instituto ora trabalhado, faz-se fundamental reconhecer a origem da responsabilidade, que pode ser contratual, extracontratual, subjetiva ou objetiva.

A responsabilidade contratual surge de um descumprimento voluntário ou involuntário de uma obrigação contratual, ou seja, de uma obrigação definida em contrato.

A responsabilidade extracontratual, bem definida no art. 186 do Código Civil, abrange a situação em que um indivíduo, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, viola direito e causa dano a outro indivíduo. Tal responsabilidade está presente nos arts. 186 a 188 e 927 a 954 do Código Civil.

A responsabilidade subjetiva tem como elementos o fato (ou conduta), o dano (ou prejuízo), o nexo causal e a culpa.

O fato é caracterizado tanto por ação como por omissão, basta tão somente que o ato seja ilícito.

O dano nada mais é que a lesão causada a um indivíduo. Caso o dano seja de origem material, temos o dano material (patrimônio de um indivíduo). Caso o dano atinja os direitos de personalidade de um indivíduo, temos o dano moral.

O nexo causal, como o próprio nome diz, é a relação de causalidade entre a conduta e o resultado, que pode ser caracterizado, como explicado anteriormente, por uma ação ou omissão.

A culpa é a não observação de um dever de conduta. Caso o indivíduo atue propositalmente, ou seja, com a intenção de alcançar o resultado (gerar o dano), verifica-se a forma dolosa (ação voluntária). Caso o indivíduo atue com negligência, imprudência ou imperícia, verifica-se a forma culposa.

Portanto, a ocorrência da responsabilidade subjetiva está vinculada à existência de quatro elementos: fato, dano, nexo causal e culpa.

Já a responsabilidade objetiva surge com base na teoria do risco, que tem por fundamento a ideia de que todo dano deve ser reparado.

Sergio Cavalieri Filho (p. 136) explica da seguinte forma a teoria do risco:

Na busca de um fundamento para a responsabilidade objetiva, os juristas, principalmente na França, conceberam a teoria do risco, justamente no final do século XIX, quando o desenvolvimento industrial agitava o problema da reparação dos acidentes de trabalho. Risco é perigo, é probabilidade de dano, importando, isso, dizer que aquele que exerce uma atividade perigosa deve-lhe assumir os riscos e reparar o dano dela decorrente. A doutrina do risco pode ser, então, assim resumida: todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação de causalidade, dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa do responsável, que é aquele que materialmente causou o dano.

 

Com isso, a responsabilidade objetiva acaba por não reconhecer o elemento culpa, sendo necessário para a reparação a configuração dos elementos fato, dano e nexo causal.

O ordenamento jurídico pátrio acabou por reconhecer, nos ditames do Código Civil de 2002, a responsabilidade objetiva como exceção, pois a não verificação do elemento culpa abarcaria um sem-número de problematizações ao próprio ordenamento.

Desta sorte, é possível afirmar que a responsabilidade civil subjetiva é a adotada pela maioria da doutrina e pelo ordenamento jurídico brasileiro. Entretanto, vale destacar que há hipóteses específicas, em lei, de utilização da responsabilidade objetiva em nosso sistema.

 

6.3 Responsabilidade civil no Direito do Trabalho

 

Como já explanado em tópico específico, a dignidade da pessoa humana está intimamente ligada ao dano moral originado de uma relação de trabalho. Para compreender o instituto da responsabilidade civil no Direito do Trabalho, é essencial relembrarmos a importância do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, pois não há espaço no Direito do Trabalho para situações contrárias à dignidade do ser humano, seja ele empregado ou empregador.

Seguindo a esteira de raciocínio de Amauri Mascaro Nascimento, o dano moral no Direito do Trabalho tem como efeito três causas principais: a agressão moral, o assédio sexual e o assédio moral, objeto principal do presente estudo.

Restringindo-se ao objeto do estudo, é possível afirmar: caso o empregador ou o empregado pratique assédio moral, restará configurado o dano moral, o que enseja a possibilidade de uma justa reparação; neste ponto, consegue-se perceber a incidência do instituto da responsabilidade civil nas relações de trabalho.

 

6.3.1 Assédio moral e dano – Quantum indenizatório

 

O dano ao empregado ou empregador, originário de uma situação caracterizada como assédio moral é de extrema subjetividade, fato que que acaba por gerar sensível celeuma em torno da prova do assédio moral para a apuração do efetivo dano.

Maria Aparecida Alkimin (p. 113), subsidiada por Jorge Pinheiro Castelo, assim define tal problematização:

O assédio moral é uma violência invisível, e o dano moral proveniente do assédio moral, como bem coloca Jorge Pinheiro Castelo, “não é algo passível de ser objetivamente demonstrado, já que estamos tratando de fenômenos relacionados às vivências do indivíduo. Mas, nem por isso, deixa de produzir efeitos concretos”.

 

Por óbvio que uma prática tão espúria como o assédio moral é capaz de produzir efeitos concretos, ou seja, danos em diversas searas da vida de um indivíduo (familiar, profissional, pessoal etc.) e, por essa razão, a apuração do quantum indenizatório amolda-se como uma tarefa bastante difícil.

Decisão acertada sobre o tema foi proferida pelo TRT da 3ª Região no Recurso Ordinário 00514-2007-074-03-00-0, de relatoria do Desembargador convocado Rodrigo Ribeiro Bueno:

Fixação do valor da indenização de danos morais – Critérios. A indenização por dano moral não é o preço da dor, que nenhum dinheiro paga. O dinheiro serve, tão somente, para mitigar, para consolar, para estabelecer certa compensação causada pelo ofensor ao ofendido. A fixação do valor pecuniário da indenização, por dano moral, serve para atingir resultados próprios: compensação a um e sancionamento a outro. Assim, são indicados alguns critérios para esta quantificação: extensão do fato inquinado; permanência temporal; intensidade; antecedentes do agente, situação econômica do ofensor; e razoabilidade do valor.

 

Como bem salienta a decisão, a indenização não paga o preço da dor, razão essa que obriga o julgador a se ater a critérios específicos de quantificação, quais sejam: extensão do fato inquinado; permanência temporal; intensidade; antecedentes do agente, situação econômica do ofensor; e razoabilidade do valor.

Desta sorte, é imprescindível para uma idônea instrução processual a análise adequada do assédio moral no caso concreto para a melhor apuração do dano e da consequente justa reparação (indenização).

 

 

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O presente trabalho abordou o assédio moral no ambiente do trabalho, preocupando-se em inserir o assédio moral no contexto dos fatos causadores de dano (patrimonial e, principalmente, moral).

Isso porque, como se observou anteriormente, o assédio moral constitui um fenômeno novo, resultado da globalização e da frequente – e por que não se dizer frenética – busca pela informação, principalmente no ambiente laboral, no qual a competitividade tem sofrido grande aumento com o passar dos anos.

Atualmente, a incidência do assédio moral é bastante comum, podendo até ser considerado uma consequência natural da forma de organização de algumas empresas e/ou de algumas profissões.

Consequentemente, tão rápido quanto o seu surgimento (ou descoberta da sua existência) está sendo a sua banalização, sua aceitação como “normal” do cotidiano laboral.

Essa visão do tema deve ser banida, tendo em vista as devastadoras consequências à vítima do assédio. É cediço que novas leis e novos projetos de leis (destinados ao combate do assédio moral) têm surgido, mas isso “por si só”, não apresenta eficácia para a eliminação do problema.

Faz-se necessário, acima de tudo, uma maior conscientização de TODOS os indivíduos sobre o assunto, empregados e empregadores, médicos e juristas, psicólogos e sociólogos, professores e estudantes.

O combate ao assédio moral em todas as suas formas de manifestação e de todas as espécies (assédio vertical descendente, assédio vertical ascendente, assédio horizontal e assédio misto) passa pela conscientização para, depois, encontrar respaldo na responsabilização dos envolvidos.

A responsabilização dos agressores no assédio moral deve ser efetiva, de modo a inibir a continuidade das condutas lesivas e a desestimular a sua prática pelos demais.

Essa responsabilização deverá dar-se não somente na esfera trabalhista, como também na esfera civil (indenização pelo dano moral sofrido) e, até mesmo, na esfera penal (talvez com a tipificação de novas condutas destinadas a coibir a prática abusiva).

Dessa forma, busca-se a eliminação dessa forma de violência da modernidade, vez que a mera informação e formação moral provaram, ao longo dos tempos, serem insuficientes para impedir o homem de ferir os seus pares, causando-lhes danos das mais diversas espécies.

Já não restam dúvidas de que as lesões injustas causadas pela prática do assédio moral constituem ataque direto à dignidade da pessoa humana. E, uma vez desprovido o homem de sua dignidade, nada mais lhe resta, tornando-se inócuas todas as demais garantias asseguradas pelo ordenamento jurídico.

 

 

REFERÊNCIAS

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