Assédio moral no ambiente de trabalho

 

O assédio moral, na especificidade em estudo, pode ser definido quando da ocorrência de situações humilhantes e constrangedoras imposta ao trabalhador por seu empregador, bem como por colegas de trabalho, que se traduz em perseguição, razão pela qual é classificada como constrangimento de cunho discriminatório, trazendo como consequência a sensação de exclusão e do convívio social no ambiente de trabalho. Tem natureza psicológica, pois atenta contra a honra e auto-estima do trabalhador.1 Esta é a representação do instituto do assédio moral, também denominado em alguns países de mobbing, bullying e harcèlement.

 

A discussão de forma intensificada sobre este assunto surgiu a partir das primeiras pesquisas científicas apresentadas sobre o tema que foram resultado do trabalho de profissionais da área de medicina e psicologia do trabalho. Dentre eles ganham destaque, cada um em seu momento, Heinz Leymann, alemão naturalizado sueco, o qual realizou estudos desta problemática abordando fatores como causas, condutas e efeitos do terror psicológico naquele país, onde ganha a terminologia de mobbing , e da francesa Marie-France Hirigoyen ao publicar sua pesquisa "Harcèlement Moral: la violence perverse au quotidien".2

 

No Brasil o assédio moral no trabalho teve sua pesquisa iniciada pela psicóloga Margarida Maria Silveira Barreto3, e já é discutido doutrinariamente, porém na legislação brasileira ainda não se observou grandes avanços, considerando a existência de proteção regulada para esta prática somente no serviço público, através de leis estaduais e municipais. O que se encontra nesse sentido é o disposto no art. 483, da Consolidação das Leis do Trabalho, que ao tratar da rescisão indireta do empregado, que demonstra a aplicabilidade de punição ao empregador que na relação de trabalho comete falta grave, especialmente o disposto na alínea “b” deste artigo, que trata do uso da autoridade do empregador ou de seus prepostos para com o empregado de forma excessiva, através de repreensões ou medidas disciplinares que vão aquém do senso comum, ou seja, é a desproporção da repreensão com o ato praticado pelo empregado, cuja repetição injustificada associada à desproporção evidenciam a perseguição, intolerância e implicância com o empregado, ensejando a rescisão do contrato de trabalho por culpa do empregador.

 

Segundo Marie-France Hirigoyen, “por assédio moral em um local de trabalho temos que entender toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se, sobretudo, por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho”.4

 

Passando-se ao exame das colocações acerca dos elementos integrantes do assédio moral no trabalho, tem-se dentre os termos que são colocados: “assediar” que se traduz no ato de importunar ou manter uma insistência impertinente em relação a algo; “moral” é algo intrínseco do ser humano no que tange a aspiração de respeito por parte das outras pessoas; “conduta abusiva” é assim caracterizada em razão de determinado comportamento de uma pessoa para com outrem, que ultrapassa os limites do senso comum no momento em que passa a agredi-lo; “vexame” significa sentimento de humilhação, que leva ao sentimento de vergonha, que causa desonra, rebaixamento moral ou timidez; “constrangimento” tem sentido de agir contra sua vontade, ser subjugado, forçado, oprimido; “autoridade hierárquica” é o poder de uma pessoa sob a outra, podendo advir de uma situação de direito público ou privado, legal ou contratual, no tema aqui abordado diz respeito ao empregador.

 

Segundo Marie-France Hirigoyen, no que diz respeito aos tipos de assédio moral no ambiente de trabalho poderão se apresentar como vertical descendente (que vem da hierarquia), vertical ascendente, o assédio horizontal (que vem de colegas), e o assédio misto. 5

 

A modalidade vertical é a ocorrência do assédio entre trabalhadores com grau hierárquico diferentes, daí a subdivisão em descendente e ascendente. O assédio moral vertical descendente é aquele que ocorre quando há um superior hierárquico em relação ao outro obreiro na relação de trabalho, quando este por condutas abusivas ou agressivas constrange seu subordinado. Já o assédio moral vertical ascendente ocorre quando os subordinados é que dão causa ao assédio moral, constrangendo assim seu superior, na maioria das vezes desacreditando-o como pessoa capaz de gerir uma equipe de trabalho.

 

O assédio moral no ambiente de trabalho, na modalidade horizontal é aquele que tem como agressor ou agressores, o obreiro com o mesmo grau de hierarquia do obreiro assediado, é chamado de horizontal em razão de estarem na mesma linha na relação de trabalho.

 

No assédio moral misto é quando da ocorrência do assédio moral no ambiente de trabalho em que estejam presentes as hierarquias verticais e horizontais, sendo necessário verificar neste caso o responsável principal pela prática do assédio.

 

Para que o assédio moral no ambiente de trabalho possa ser tratado como tal, é necessário que estejam presentes os elementos caracterizadores do mesmo que são resultado das dos estudos realizados neste campo, bem como as discussões jurídicas e doutrinárias que buscam por sua vez delimitar os elementos que caracterizam a prática do assédio moral, pois se assim não for, qualquer ocorrência de conflito nas relações de trabalho seriam levadas à Justiça do Trabalho, banalizando por sua vez a questão em litígio.

 

Dentre os elementos caracterizadores do assédio moral no ambiente de trabalho estão presentes: a existência do dano, a duração dos ataques, a potencialidade das agressões e a existência de danos psíquicos.

 

A existência do dano, onde a violência sofrida e sua dimensão deve abalar a honra e autoestima do trabalhador de forma a ferir sua honra, quando fica evidenciado que o obreiro foi tratado de forma desonrosa, através da qual foi desqualificado frente aos demais colegas de trabalho.

 

Segundo Candy Florencio Thome, na duração dos ataques, “diante da própria ideia de assédio, tem-se que uma certa duração no tempo faz-se necessária para sua configuração, mas o limite temporal será determinado conforme o caso concreto”6. Para Heinz Leymann é necessário que as ofensas sejam dirigidas a pessoa por repetidas vezes, por pelo menos uma vez por semana, estipulando um período mínimo de 6 (seis) meses de exposição constante de assédio 7. Certo é que ocorrendo um evento isolado de constrangimento ou humilhação, uma única vez, não é suficiente para que o assédio moral esteja caracterizado.

 

No que diz respeito à potencialidade das agressões é imprescindível que as supostas agressões sofridas sejam capazes de causar danos de natureza psicológica ao trabalhador se prolongadas no tempo, em razão de sua natureza constrangedora.

 

Em síntese, os elementos caracterizadores do assédio moral no ambiente de trabalho, visam desestabilizar emocionalmente o obreiro, tornando a convivência insuportável em seu ambiente de trabalho para que o mesmo sinta-se obrigado a deixar o emprego por não mais aguentar a situação a qual é submetido diariamente.

 

Partindo da premissa de que uma alegação necessita de sustentação do argumento para que lhe seja atribuída veracidade, o ônus probatório traduz-se na indicação de quem é o responsável na lide de provar o alegado, ou seja, a quem cabe o dever de produzir provas sobre o que se está alegando. O fato alegado pelo autor consubstancia-se em fato constitutivo do seu direito, tem-se que incumbe ao mesmo fazer prova de suas alegações (arts. 818 da CLT e 333, I, CPC). No assédio moral no ambiente de trabalho, o ônus da prova recai a pessoa que alegou ter sofrido assédio e que a conduta abusiva do empregador existira.

 

Para consubstanciar a existência do assédio moral no ambiente de trabalho é necessária a presença do nexo de causalidade, ou seja, quando identificado que o assédio ocorreu em razão da relação de emprego existente entre a vítima e seu agente, ou seja, quando comprovada a culpa do agente e o nexo causal entre o ato abusivo e o dano causado ao obreiro. E, em não havendo dúvida quanto ao abuso do poder diretivo, excedendo manifestamente os limites impostos pelo fim social, pelos bons costumes e disciplinar ao insultar o trabalhador/vítima diminuindo-lhes a autoestima, afetando sensivelmente a sua honra, comprovado estará a ligação causa e efeito.

 

Quanto ao dever de indenizar, estando provado que o trabalhador fora vítima de assédio moral, por meio da caracterização da prática repetitiva de atos que atentaram contra a sua autoestima, na medida em que é insultado no ambiente de trabalho, na presença de seus colegas, sendo discriminado, afetando sua dignidade, passa-se a verificação dos demais elementos caracterizadores da responsabilidade civil por danos, posto que esta dependa da observação dos seguintes requisitos: ato ilícito ou abuso de direito, existência de dano, culpa ou dolo do agente causador e nexo de causalidade entre o dano e a conduta ilícita ou abusiva.

 

Segundo Maurício Godinho Delgado o dano moral corresponde ao sofrimento humano dissociado de perda pecuniária, relacionando-se com a dor física ou psicológica injustamente causada à pessoa humana. 8

 

Por todo o exposto, verifica-se que o assédio moral nas relações de trabalho, desde que visivelmente verificado a sua ocorrência real, por práticas e condutas repetitivas e prolongadas, de forma ofensiva e humilhante, e estando presentes os requisitos ensejadores do mesmo, fica consubstanciada a existência da violência psicológica para com o trabalhador, de maneira que o obreiro faz jus à indenização para reparação do assédio moral sofrido, sendo esta medida considerada de natureza punitiva e também pedagógica, no intuito de tentar inibir o empregador na reincidência do assédio moral por parte do deste ou por sua culpa.

 

REFERÊNCIAS

 

CARVALHO, Nordson Gonçalves de. Assédio moral na relação de trabalho. 1 ed. São Paulo: Rideel, 2009.

 

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6 ed. São Paulo: LTR, 2007.

 

GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. 2 ed. rev. e at. São Paulo: Ltr, 2005.

 

HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. 11 ed. rev. e at. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009.

 

HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. 3 ed. rev. e at. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.

 

MELO, Nehemias Domingos de. Dano moral trabalhista. 1 ed. São Paulo: Atlas, 2007.

 

NASCIMENTO, Sonia Mascaro. Assédio moral. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

 

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 7 ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

 

THOME, Candy Florencio. O assédio moral nas relações de emprego. 2 ed. São Paulo: Ltr, 2009.

 

Vade Mecum Universitário de Direito/Anne Joyce Angher, organização. 4 ed. São Paulo: Rideel, 2008.

 

1 MELO, Nehemias Domingos de. Dano moral trabalhista. 1 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 91.

2 CARVALHO, Nordson Gonçalves de. Assédio moral na relação de trabalho. 1 ed. São Paulo: Rideel, 2009, p. 56-57.

3 BARRETO, Margarida Silveira apud CARVALHO, Nordson Gonçalves de. Assédio moral na relação de trabalho. 1 ed. São Paulo: Rideel, 2009, p. 58.

4 HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral a violência perversa no cotidiano. 11ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009, p. 65.

5 HIRIGOYEN, Marie-France. op. cit., p. 111-116.

6 THOME, Candy Florencio. O assédio moral nas relações de emprego. 2ed. São Paulo: Ltr, 2009, p. 39.

7 HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. 3ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, p. 30.

8 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6ed. São Paulo: LTR, 2007, p. 615.