1. DEFINIÇÃO DE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

Nessa matéria, encontramos a influência do elemento tempo no âmbito do direito. No direito romano primitivo, as ações eram perpétuas e o interessado a elas podia recorrer a qualquer tempo. A idéia de prescrição surge no direito pretoriano, pois o magistrado vai proporcionar, às partes, determinadas ações capazes de contornar a rigidez dos princípios do jus civile.

Assim, dentro do instituto da prescrição, o personagem principal é o tempo. Por dois modos, ele vai interferir nas relações jurídicas. Por um lado, o legislador vai deferir, à pessoa que desfruta de um direito por extenso período de tempo, a prerrogativa de incorporá-lo ao seu patrimônio: neste caso nos deparamos com a prescrição aquisitiva, ou seja, usucapião. Por outro, vai determinar que o indivíduo que deixou de exercer uma ação que resguardava seu direito subjetivo perca a prerrogativa de utilizá-la: aqui temos a prescrição extintiva. Embora a aquisitiva e a extintiva se alimentem do mesmo elemento tempo, têm natureza diversa, já que o legislador pátrio tratou da extintiva na Parte Geral do Código Civil (CC), e da aquisitiva, na Parte Especial, dentro do Direito das Coisas.

Trataremos sobre a prescrição extintiva, que segundo Beviláqua (RODRIGUES, 2002, p. 324), “é a perda da ação atribuída a um direito e de toda sua capacidade defensiva, devido ao não-uso delas, em um determinado espaço de tempo”.

Já a decadência, que tem um capítulo específico no CC-02, é também chamada de caducidade, ou prazo extintivo, e trata-se do direito outorgado para ser exercido em determinado prazo, e caso não for exercido, extingue-se.

Quando se idealizou o instituto da prescrição, a ciência jurídica tinha por finalidade impedir que pretensões não exercidas durassem eternamente, causando ameaça permanente ao devedor. Tal cenário geraria uma insegurança muito grande sobre a sociedade. A fundamentação do art. 189 do Código Civil diz que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os art. 205 e 206”.

Na decadência, o prazo nem se interrompe, nem se suspende (CC, art.207), corre indefectivelmente contra todos, e não pode ser renunciado (CC, art.209). Já a prescrição pode ser interrompida ou suspensa, e é renunciável, resultando somente de disposição legal. Assim, a decadência resulta da lei, do contrato e do testamento.

Na doutrina, a maneira mais usual de distinguir os dois institutos é a que diz respeito da origem da ação. Na prescrição, a ação surge no momento em que o direito subjetivo de alguém foi violado. Na decadência, juntamente com o direito. Por isso, a maioria dos doutrinadores profere que, com a prescrição, se perde a ação e não o direito e, com a decadência, o próprio direito. Por exemplo, prescreve em um ano a ação do segurado contra o segurador, ou de um contra o outro (CC, art.206, I), após a violação do direito. Já o art. 178 discorre que decai, em quatro anos, o direito de pleitear a anulação do negócio ilícito anulável, quer dizer, o direito de pedir anulação de um ato jurídico eivado de vício de consentimento (a ação de anulação surgiu junto com o direito) caduca em 48 meses.

O Conselho da Justiça Federal pronunciou-se sobre o assunto em seu Enunciado n◦ 14: “O início do prazo prescricional ocorre com o surgimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo. O art. 189 diz respeito a casos em que a pretensão nasce imediatamente após a violação do direito absoluto ou da obrigação de não fazer.”

Não é técnico, portanto, dizer que a prescrição extingue a ação. Caso o credor de dívida prescrita ajuíze a demanda, o juiz poderá conhecer de ofício deste óbice, mas haverá resolução do mérito, conforme o art. 269, IV, do CPC, fazendo coisa julgada material e impedindo nova propositura. Logo, o direito de ação foi exercido, mas com uma resposta negativa do Estado. É mais adequado entender o fenômeno não como a extinção de uma pretensão, mas como o surgimento de uma exceção (na verdade, objeção, pois o juiz deve pronunciá-la de ofício conforme o parágrafo único do art. 112 apta a eliminar pretensão do credor).

Quando tratamos de direitos potestativos, percebemos que não há maneira de se imaginar uma violação a esses direitos. O titular não espera nenhuma prestação da outra parte, podendo apenas constituir, desconstituir ou modificar uma relação jurídica. A outra parte fica apenas aguardando a decisão, sem nada poder fazer, num “estado de sujeição”. Se não há como violar tais direitos, é certo que deles não deflui nenhuma pretensão. É por esse motivo que, na decadência, o que causa insegurança na sociedade não é a pretensão, é o próprio direito que já nasce com período de validade para ser exercido, o que explica porque os prazos decadenciais nascem junto com o direito protegido.

Segundo Maria Helena Diniz, são diferenças básicas entre decadência e prescrição:

“1) A decadência extingue o direito e indiretamente a ação; a prescrição extingue a ação e por via oblíqua o direito; o prazo decadencial é estabelecido por lei ou vontade unilateral ou bilateral; 2) O prazo decadencial é estabelecido por lei ou por vontade unilateral ou bilateral; o prazo prescricional somente por lei; 3) A prescrição supõe uma ação cuja origem seria diversa da do direito; a decadência requer uma ação cuja origem é idêntica à do direito; 4) A decadência corre contra todos; a prescrição não corre contra aqueles que estiverem sob a égide das causas de interrupção ou suspensão previstas em lei; 5) A decadência decorrente de prazo legal pode ser julgada, de oficio, pelo juiz, independentemente de argüição do interessado; a prescrição das ações patrimoniais não pode ser decretada pelo magistrado; 6) A decadência resultante de prazo legal não pode ser enunciada; a prescrição, após sua consumação, pode sê-lo pelo prescribente; 7) Só as ações condenatórias sofrem os efeitos da prescrição; a decadência só atinge direitos sem prestação que tendem à modificação do estado jurídico existente” (DINIZ, 2001, apud GAGLIANO; FILHO, 2010, p. 508).

  1. SUSPENSÃO E INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO

Enquanto a prescrição se suspense por força de disposição da lei em casos determinados e, ao reiniciar seu curso, o prazo anteriormente transcorrido aproveita ao devedor, a interrupção é o ato deliberado do credor pelo qual torna sem efeito o prazo já transcorrido.

2.1 CAUSAS QUE IMPEDEM OU SUSPENDEM

A legislação prevê diversas causas impeditivas e suspensivas da prescrição. Segundo Maria Helena Diniz (2003, p. 341), as causas impeditivas da prescrição são as circunstâncias que impedem que seu curso inicie, e as suspensivas, as que paralisam temporariamente o seu curso; superado o fato suspensivo, a prescrição continua a correr, computado o tempo decorrido antes dele. Os artigos 197, I a III, 198, I e 199, I e II, todos do CC, estabelecem as causas impeditivas da prescrição.

As causas impeditivas da prescrição se fundam no status da pessoa, individual ou familiar, atendendo razões de confiança, amizade e motivos de ordem moral.
Primeiramente não corre prescrição no caso dos cônjuges, na constância do matrimônio. A propositura de ação judicial por um contra o outro seria fonte de invencível desarmonia conjugal. É provável que a influência do cônjuge impedisse seu consorte de ajuizar a ação, que no qual, se extinguiria pela prescrição (CC, art.197, I). Também não há prescrição no pátrio poder do filho sobre influência dos pais, que o representam quando impúberes e o assistem quando púbere. Não sendo certo deixar que preservem seus direitos, se vissem os filhos obrigados à ação judicial, sob pena de prescrição (CC, art.197, II). Ademais não corre prescrição entre tutela e curatela. O tutor e o curador devem zelar pelos interesses de seus representados, sendo que a lei suspende o curso da prescrição das ações que uns podem ter contra os outros, para evitar que descuidem dos interesses, quando conflitarem com esses (CC, art.197, III).

Outro exemplo de impedimento da prescrição é o art. 198, II, no qual a mesma não corre contra os ausentes do Brasil em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios. Assim, se vencer um titulo do qual é credor o embaixador do Brasil em Paris, a lei não permite que contra ele se inicie o curso da prescrição, pois “sua inércia em não promover a cobrança do titulo não se atribui à sua negligência, mas ao fato de estar ocupado com serviços da pátria” (GAGLIANO; FILHO, 2010, p. 335).

         2.2 CAUSAS QUE INTERROMPEM

         Os casos de interrupção envolvem, em regra, uma atitude deliberada do credor. Para Maria Helena (2003, p. 339), as causas que interrompem a prescrição são as que inutilizam a prescrição iniciada, de modo que o seu prazo recomeça a correr da data do ato que a interrompeu ou do último ato do processo que a interromper.

         O artigo 202 do Código Civil apresenta seis atos que interrompem a prescrição. Os cinco primeiros (RODRIGUES, 2002, p. 339) dependem da iniciativa do credor e o derradeiro a dispensa, por supérflua, em virtude do reconhecimento induvidável da relação jurídica do devedor.

         O primeiro caso que interrompe a prescrição ocorre através do despacho do juiz, ainda que incompetente (CC, art. 202, I). O despacho que a ordena e não a citação propriamente dita, é que interrompe a prescrição. Todavia, sua eficácia fica dependendo de a citação efetuar-se no prazo determinado pela lei.

         A segunda hipótese que interrompe a prescrição é através do protesto nas condições do primeiro inciso (CC, art.202, II). Quando a lei diz: “nas condições do inciso anterior”, entende-se que o legislador está se referindo ao protesto judicial e não ao protesto comum de título cambial. Esta solução, no começo, incerta na Jurisprudência, foi contestada em julgado unânime da 1ª Turma do Suprem Tribunal Federal (DINIZ, 2003, p. 339).

         Da mesma forma, interrompe o lapso prescricional a apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores (CC, art. 202, IV). Aqui também se revela a solércia do credor, interessado em defender sua prerrogativa. Sendo um exemplo, a hipótese se configura quando o devedor faz pagamento por conta da dívida, solicita ampliação do prazo, paga juros vencidos, outorga novas garantias, e outros.

         O curso da prescrição ainda se interrompe por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor (CC, art. 202, V). Ainda aqui se encontra um preceito pouco expressivo que talvez não merecesse, por supérfluo, figurar na lei.

         E finalmente, interrompe a prescrição qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe o reconhecimento do direito pelo devedor (CC, art. 202, VI). Aqui se prescinde de um comportamento ativo do credor, sendo este, desnecessário dado o procedimento do devedor. Se este reconhece, inequivocamente, sua obrigação, seria estranho que o credor se apressasse em procurar tornar ainda mais veemente tal reconhecimento.

         Nesses primeiros incisos do art.202, a solércia precisa manifestar-se através de uma das maneiras enumeradas. Caso isso ocorra, a prescrição se interrompe para reencetar seu curso no minuto seguinte ao da interrupção. A prescrição interrompida também pode correr da data do último ato do processo para interromper (CC, art.202, parágrafo único). O artigo 203 mostra que a prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado, sendo que o 204 do CC determina que a interrupção por um credor não aproveita aos outros; e a interrupção operada contra o co-devedor, ou seu herdeiro, não prejudica aos coobrigados. A interrupção por um dos credores solidários aproveita aos outros; sendo como, a interrupção efetuada contra o devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros (CC, art. 204, parágrafo primeiro). A interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudica os outros herdeiros ou devedores, somente quando se tratar de obrigações e direitos indivisíveis (CC, art.204, parágrafo segundo). A interrupção produzida contra o principal devedor prejudica o fiador (CC, art.204, parágrafo terceiro).

 

  1. OS PRAZOS PRESCRICIONAIS

         Definido por Maria Helena Diniz (2003, p. 347) como “o espaço de tempo que decorre entre seu termo inicial e final”, o prazo da prescrição tem sua regra geral no artigo 205, sendo que a prescrição ocorre em dez anos quando a lei não tenha fixado prazo menor. Este, por sua vez, é o prazo máximo da prescrição.

         Caso o Código Civil não tenha previsto outro prazo, o mencionado vale para todos os casos de prescrição, de modo que, ou a lei impõe um prazo menor, ou a ação prescreve dentro do tempo mencionado no artigo 205.

         Já o artigo 206 contempla várias ações e fixa-lhes um prazo diferente de prescrição, que começa de um e vai até cinco anos, atribuído a muitas ações. Prescreve no prazo de um ano a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a consumo no próprio estabelecimento, para o pagamento da hospedagem ou dos alimentos (CC, art. 206, I); em dois anos a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem; no prazo de três anos a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos (CC, art.206, I); em quatro anos a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas; e por fim, prescreve em cinco anos a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular (CC, art.206, I).

  1. REFERÊNCIAS
  1. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. 20. ed. rev. aum. São Paulo: Saraiva, 2003.
  1. GAGLIANO, Pablo Stolze, e FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.  
  1. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 38 ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
  1. OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. O Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001.
  1. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Parte Geral. 32 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.