Autor: Ítalo Reis Brown.

1 Introdução

O presente artigo tratará de um importante instituto do direito das coisas, qual seja: a posse. Citar-se-á, aqui, as principais características do instituto e buscar-se-á discorrer a cerca das formas de aquisição possessória.
Explanar-se-á, em seguida, a defesa da posse, discorrendo-se sobre as situações de ameaça, turbação e esbulho dessa, e a cerca das ações judiciais ínsitas à resolução legal dessas situações.
Por fim, explanar-se-á sobre as hipóteses de manutenção e reintegração da posse, evidenciando-se os aspectos legais que fundamentam a defesa da posse.


2 Considerações sobre a posse

A posse é um instituto jurídico que vige desde a época do Direito Romano, e foi adaptada a nossa cultura jurídica, tornando-se controversa em relação a sua origem etimológica. O certo é que desde os Romanos podemos notar que a posse difere da propriedade, nos dizeres de Caio Mário Pereira (2006, p. 17):

Sem embargo dos diferentes entendimentos, em todas as escolas está sempre em foco a idéia de uma situação de fato, em que uma pessoa, independentemente de ser ou não ser proprietária, exerce sobre a coisa poderes ostensivos, conservando-a e defendendo-a.

Desta forma notamos que a posse produz alguns efeitos jurídicos, independentes da propriedade, destarte, uma pessoa mesmo não sendo proprietária da coisa tem direitos sobre ela, caso esta esteja em sua posse.
Caio Mário da Silva Pereira (2006, p. 17) faz uma ressalva:

Nem todo estado de fato, relativamente à coisa ou à sua utilização, é juridicamente posse. Às vezes o é. Outras vezes não passa de mera detenção, que muito se assemelha a posse, mas que dela se difere na essência, como nos efeitos

Historicamente há duas escolas que conceituam a posse, a escola de Savigny (subjetivista) e a escola de Ihering (objetivista).
Silva (2008, p. 03) conceitua a teoria subjetivista:

A posse é o poder de dispor fisicamente da coisa, com ânimo de considerá-la sua e defendê-la contra a intervenção de outrem. Encontram-se, assim, na posse dois elementos: um elemento material, o corpus, que é representado pelo poder físico sobre a coisa; e, um elemento intelectual, o animus, ou seja, o propósito de ter a coisa como sua, isto é, o animus rem sibi habendi.


Esta teoria, como exposto, possui dois elementos, o corpus e o animus, desta forma para configurar a posse, estes dois requisitos devem estar intrínsecos na relação entre o "possuidor" e a coisa.
Na teoria objetivista, Von Ihering dispensa o animus rem sibi habendi, desta forma a pessoa não necessita ter a vontade de ser dono da coisa para configurar a posse, basta que esta proceder como procede habitualmente o proprietário e estará configurada a posse, como nos mostra Caio Mário Pereira (2006, p. 20):

O elemento psíquico, animus, na teoria objetivista de Ihering não se situa na intenção de dono, mas tão somente na vontade de proceder como procede habitualmente o proprietário ? affectio tenendi ? independentemente de querer ser dono.

2.1 Aquisição da posse

A posse pode ser adquirida a partir de uma relação inter vivos, como na compra e venda, doação, dação em pagamento, aluguel, etc., causa mortis,
através de herança, legado, ou por vias judiciais, através da arrematação, adjudicação, partilha em inventário.
Distingue-se em duas formas possíveis o modo de aquisição da posse, podendo esta ser feita de modo originário ou derivada, o modo originário traduz uma relação de fato entre a coisa e a pessoa, na qual houve uma apropriação da coisa, sem a participação de um proprietário anterior, de acordo com Caio Mário, a apreensão da coisa é um exemplo de posse originária. Na posse derivada há uma relação de vontade entre duas pessoas, desta forma já uma relação preexistente entre a coisa e um proprietário, por já haver uma relação jurídica esta passa a ser derivada, a compra e venda é um exemplo de posse derivada (PEREIRA, 2006).

2.2 Ameaça, perturbação e espólio da posse

A posse, como já exposto, é formada pelo corpus e pelo animus, desta forma para se manter a posse é essencial que haja estes dois elementos, para configurar a perda da posse é necessário que um destes elementos intrínsecos a posse desapareça, desta forma pode haver a perda da posse com a perda material da coisa, ou com a perda do animus de ser proprietário.
Hipóteses de perda da posse:
- pela perda da propriedade da coisa
- pela destruição da coisa
- pela posse de outrem
- pelo abandono da coisa
- pela tradição
- através de constituto possessório
- quando a coisa é proibida de ser comercializada
Ressalta-se que em cada uma dessas formas independe qual o elemento que deixou de existir, animus ou corpus.
Além da efetiva perda, a posse pode ainda sofrer interferência de terceiro, que passa a "utilizá-la" concomitantemente com o possuidor, é a hipótese de turbação da posse.
Há ainda a hipótese de justa ameaça de esbulho (perda) ou turbação (perturbação) da posse, casos esses que, embora não haja ainda a efetiva lesão, pode-se comprovar a sua iminência.

3 Da proteção da posse

A posse, segundo as lições de Silvio Rodrigues, é a relação fática estabelecida entre pessoa e coisa que gera efeitos no campo jurídico. Dentre esses efeitos, encontra-se a proteção possessória (RODRIGUES, 2007).
Ao possuidor da coisa é legitimado o direito à manutenção do estado de fato em que se encontra a posse, seja ou não o proprietário, até que se determine o estado de direito.
Nesse sentido, Rodrigues define proteção possessória asseverando que essa "consiste na outorga de meios de defesa da situação de fato, que aparenta ser uma exteriorização do domínio" (RODRIGUES, 2007, p. 52).
Corroborando tal ensinamento, sobre a proteção possessória, Venosa (2007, p. 103-104) esclarece:

Os meios de defesa da posse constituem, na verdade, mais do que efeito, sua própria essência. De nada valeria o estado de fato e a aparência sem eles. Pelos meios de defesa, protege-se a posse contra qualquer ato que signifique ameaça ou violação dessa relação entre a pessoa e a coisa. O ordenamento enseja que cesse a ameaça ou que se restitua a coisa àquele que dela se viu despojado. O processo possessório visa manter o estado de fato até que se, se for necessário e conveniente, se declare o estado de direito.


A proteção possessória pode dar-se, como bem preleciona Silvio Rodrigues, de forma direta ? através da legítima defesa da posse e desforço imediato; ou indireta ? por meio das ações possessórias, quais sejam: ação de manutenção da posse, ação de reintegração da posse e interdito proibitório (RODRIGUES, 2007, p. 53).

3.1 Ações possessórias

A proteção possessória é "materializada" por meio da legitimidade conferida ao possuidor da coisa de ingressar com ações específicas às situações fáticas de ameaça, turbação ou espólio da posse.
Maria Helena Diniz, nesse viés, preleciona: "O possuidor tem o poder de invocar os interditos possessórios, ou seja, de propor ações possessórias, quando for ameaçado, molestado ou esbulhado em sua posse, para repelir tais agressões e continuar na posse." (DINIZ, 2007, p. 83)
Tais ações são, essencialmente, as de manutenção, próprias às situações de turbação da posse; de reintegração, inerente aos casos de esbulho; e de interdito proibitório, cujo objeto é a defesa da posse contra ameaças. (RODRIGUES, 2007)
Faz-se mister rememorar que ? também legais, embora não se dêem de forma indireta, por intermédio do judiciário ? são ainda formas diretas de proteção da posse, quais sejam: a legítima defesa e o desforço imediato.
Sobre a tal possibilidade de defesa direta, aduz Rodrigues (2007, p. 52):

Em regra a, a defesa do direito violado ou ameaçado se faz mediante recurso ao poder Judiciário. Todavia, o legislador, temendo que a proteção judiciária por sua menor celeridade não possa, por vezes, atingir sua finalidade, excepcionalmente faculta à vítima a possibilidade de defender-se diretamente, com seus próprios meios, contanto que obedeça aos requisitos legais.12

Assim, é imprescindível, afim de que reste legitima a auto-tutela ? defesa direta da posse ? que sejam observados alguns requisitos, quais sejam:

I ? Que ela se faça logo, isto é, a reação deve seguir incontinenti à agressão, pois a existência de um intervalo conduz à presunção de que a vítima poderia recorrer ao poder competente, para solicitar socorro ou remédio; ademais, a reação tardia mais se assemelha a uma vingança, mais parece uma nova agressão do que um ato de defesa.
II ? A reação deve limitar-se ao indispensável para o alcance do objetivo colimado; ou melhor, os meios empregados devem ser proporcionais à agressão, pois, caso contrário, haverá excesso culposo. Assim, se o possuidor, reagindo contra a invasão de seu terreno, deita fogo ao prédio ali levantado e o faz algum tempo após, seu ato não pode ser considerado legítimo, não só por inoportuno, como por excessivo. (RODRIGUES, 2007, p. 53)


A hipótese de legítima defesa configura-se quando a posse é ameaçada, enquanto que a de desforço imediato, se torna possível quando já houve a perda da posse.(DINIZ, 2007,p. 106)

3.1.1 Manutenção da posse

A ação de manutenção da posse cabe às situações em que reste configurada a turbação da posse. O possuidor não chega a perder a posse da coisa, mas tem seu "domínio" prejudicado pela intervenção de terceiro.
Preleciona Diniz (2007, p. 84):

A ação de manutenção de posse é o meio pelo de que se pode servir o possuidor que sofrer turbação a fim de se manter na sua posse (CC, art. 1.210, 1° parte, e CPC, arts. 926 a 931), receber indenização dos danos sofridos e obter a cominação da pena para o caso de reincidência (CPC, art. 921) ou, ainda, se de má-fé o turbador, remover ou demolir construção ou plantação feita em detrimento de sua posse.

Segundo Guimarães (2007, p. 196), a turbação consiste em:

Ato externo ou fato material que impede ou atenta contra a o exercício da posse pelo seu legítimo possuidor. É positiva quando o turbador invade imóvel, ocupando-o parcial ou totalmente, não desapossando o legítimo possuidor, porém praticando atos sem o seu consentimento; e negativa, quando o intruso impede que o possuidor do terreno dele se utilize livremente, lavrando-o, fazendo construções(CPC: arts. 926 e 927, II)

3.1.2 Reintegração da posse

As ações de reintegração de posse dá-se quando já houve a efetiva perda ? esbulho ? da posse pelo possuidor legítimo.
Diniz explana: "A ação de reintegração de posse é movida pelo esbulhado, a fim de recuperar posse perdida em razão de violência, clandestinidade ou precariedade". (DINIZ, 2007, p. 87)
Esbulho é, segundo as lições da autora,

[...]é o ato pelo qual o possuidor se vê despojado da posse, injustamente, por violência, por clandestinidade e por abuso de confiança. De maneira que é esbulhador: estranho que invade casa deixada por inquilino; o comodatário que deixa de entregar a coisa dada em comodato findo o prazo contratual; o locador de serviço, dispensado pelo patrão, que não o restitui a casa que recebera para morar.(DINIZ, 2007, p. 87)


3.1.3 Interdito Proibitório

A ação de interdito proibitório é a ação própria à defesa de posse ameaçada. É uma modalidade defensiva de proteção, visto que dá-se antes que reste configurada intervenção real de terceiro, seja turbando, seja esbulhando efetivamente a posse.
Preleciona, a esse respeito, Diniz (2007, p. 91):

Interdito proibitório é a proteção preventiva da posse ante a ameaça de turbação ou esbulho, prevista no artigo 1.210, 2° parte, do Código Civil, segundo o qual o possuidor que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segue da violência iminente.19


4 Conclusão
A posse é um significativo instituto do nosso ordenamento jurídico e sua defesa é imprescindível para que reste possível a concretização da paz social.
Frente a essa realidade o legislador pátrio cuidou de legitimar a garantia da posse de forma a possibilitar que quaisquer intervenções de terceiros possam ser repelidas pelo legítimo possuidor da coisa.
Assim, restam disciplinadas as devidas providências a ser tomadas em casos de ameaça, perturbação e perda efetiva da posse; cada uma delas devidamente suportadas por ações judiciais específicas a cada uma das respectivas hipóteses e fundamentadas no ordenamento jurídico brasileiro.


Referências
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 4. Direito das Coisas. Ed. 22°. SP: Saraiva, 2007.
GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Compacto Jurídico. SP: Rideel, 2007.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. IV. Direitos Reais. Ed. 19°. RJ: Forense , 2006.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito das Coisas. Vol. 5. Ed. 28°. SP: Saraiva, 2007.
SILVA, Ricardo Gomes da. Direito das Coisas - Posse. 2008. In: Internet: Cola da Web. Disponível em: >> http://www.coladaweb.com/direito/posse.htm<<. Acesso em: 10.11.2008.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Ed. 7°. SP: Atlas, 2007.