ASPECTOS LEGAIS DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Marcos Renato Melo de Freitas

Tárcis Rosa Silva

Matheus Castanheira

RESUMO

                        O presente trabalho tem o objetivo de levantar os principais aspectos sobre a desconsideração da personalidade jurídica. Avaliado sob os aspectos históricos, funcionais e práticos, objetiva enumerar as mais importantes questões acerca do tema, pontuando a visão dos principais doutrinadores. Assim, o escopo principal é demonstrar os limites que há na atuação da pessoa física no âmbito da pessoa jurídica, bem como na separação existente no âmbito das relações patrimoniais.

PALAVRAS CHAVE: Fraude. Insolvência. Sanção. Desconsideração. Separação patrimonial.

                                                      ABSTRACT

                                    This paper aims to raise the main aspects on piercing the corporate veil. Reviewed under the historical, functional and practical, objective list the most important questions about the topic, pointing out the vision of the major scholars. Thus, the main scope is to demonstrate that there are limits on the actions of individuals within the corporation as well as the separation within the existing property relations.

KEYWORDS: Fraud. Insolvency. Sanction. Disregard. Separation sheet.

 

I-                   INTRODUÇÃO

                                   A empresa possui imenso valor social e por isso, é fundamental  preservar sua existência enquanto estimuladora do desenvolvimento econômico e humano. No entanto, nem sempre esse instituto jurídico é utilizado com sua finalidade original. Por vezes, os sócios da empresa desviam a função principal da empresa, para manter interesses próprios agindo de forma fraudulenta e com abuso de direito.                                      Nesse sentido, a Desconsideração da Personalidade Jurídica vem para trazer de volta à empresa suas formas e objetivos primários através da desconsideração da autonomia patrimonial das empresas. Isso acontece quando é atribuído ao sócio a responsabilidade que seria imputada à sociedade, ou seja, desconfigura o patrimônio pessoal dos sócios para que eles respondam, apenas em determinados casos pontuais, pelo desvio de finalidade da sociedade jurídica.

                                    Assim, a intenção não é extinguir a pessoa jurídica, mas apenas evitar que ela seja utilizada de maneira indevida.

 

II – CONCEITO E FINALIDADE

Maria Helena Diniz define desconsideração da personalidade jurídica como ato pelo qual o Juiz deixa de considerar os efeitos da personalidade ou autonomia jurídica da sociedade em determinados casos concreto, a fim de impedir lesão a terceiros decorrentes dos atos de seus sócios e/ou administradores, senão vejamos:

Podemos afirmar que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica em sua essência visa proteger a sociedade daqueles que, dolosamente abusam da pessoa jurídica para cometer fraudes, abusos, desvio de finalidade, confusão matrimonial entre outros elencados pela doutrina para ferir direito de terceiros, Gladston Mamede nos ensina que é possível desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade nas hipóteses de dolo, fraude, desvio de finalidade e confusão patrimonial.

Da lição do Ilustre Doutrinador supra citado, pode-se afirmar, que a utilização da desconsideração da personalidade jurídica deve ocorrer apenas nas hipóteses supra citadas, ou seja, a partir do momento em que o titular de uma empresa (sócio ou administrador) utilizá-la em desconformidade com o fim a que se destina, passando a causar prejuízos a terceiro.

É cada vez mais comum nos depararmos com decisões judiciais impondo a desconsideração da personalidade jurídica para garantir os direitos de terceiros afetados por fraudes cometidas pelos responsáveis (sócio e/ou administradores) da pessoa jurídica, impondo aos mesmos que venham responder com seus bens particulares.

Importante frisar que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica não deve ser utilizado de forma banal, sendo mister sua utilização somente nos casos comprovados de fraude comprovada.

III – DOS PRESSUPOSTOS PARA CONCESSÃO DA DESPERSONALIZAÇÃO

Para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica é necessário salientar que a doutrina se divide em duas teorias, a Teoria Maior e a Teoria Menor Da Desconsideração Da Pessoa Jurídica.

A Teoria Maior da Desconsideração é a que prevalece no ordenamento jurídico brasileiro, sendo regra basilar que para a concessão da desconsideração é necessário que haja, não apenas, a insolvência para o cumprimento das obrigações, mas também, a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração) ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração). Oportuno salientar que na Teoria Maior, ou teoria subjetiva, o Juiz deve sempre fundamentar a decisão que entender que há fraude ou abuso de direito no caso concreto.

Por sua vez, a Teoria Menor da Desconsideração, foi recebida pelo ordenamento jurídico brasileiro restritamente no Direito do Consumidor (art. 28, § 5º, CDC) e no Direito Ambiental (art. 4º da Lei n. 9.605/1998) onde independente de culpa ou dolo pelo sócio e/ou administrador, ou mesmo desvio de finalidade ou confusão patrimonial basta somente a insolvência da pessoa jurídica para que a mesma seja desconsiderada, isto porque o risco empresarial não pode ser suportado por terceiro que contratou com a pessoa jurídica. Se baseia em critérios objetivos não há necessidade de fundamentação profunda.

 

IV – OBJETIVOS DA DESCONSIDERAÇÃO

Podemos então afirmar que o objetivo da desconsideração da personalidade jurídica é a suspensão momentânea da distinção entre a personalidade jurídica da empresa e o patrimônio dos sócios e/ou administradores para que o patrimônio particular destes responda pelos atos fraudulentos cometidos por estes.

Importante salientar que a desconsideração da personalidade jurídica não implica em dissolução ou desconstituição da sociedade, e sim desconsiderar sua personalidade por tempo suficiente para que o patrimônio do sócio e/ou administrador seja atingido para saldar a dívida advinda dos atos fraudulentos cometidos por estes em face de terceiros. Podendo a personalidade jurídica voltar a sua devida forma ao término do processo.

 

V DESCONSIDERAÇÃO X DESPERSONALIZAÇÃO

A desconsideração refere-se à ação do magistrado no sentido de estender os limites da pessoa jurídica para seus sócios evitando que estes usem a empresa como “escudo” para praticar fraudes e excessos. O desvio de função da sociedade comercial é o principal motivo para a desconsideração, haja vista que a separação patrimonial entre o sócio e a sociedade serviu como estratégia para a fraude e o abuso de direito. Seu intuito de preservá-la, protegê-la e somente em determinados casos pontuais, em função do mau uso pelos sócios, descaracterizá-la. Os efeitos de separação de patrimônio são apenas suspensos durante o tramite processual. Afora esses casos específicos, a pessoa jurídica continua a existir para todos os demais atos.

Na Desconsideração, prevalece o Princípio da Autonomia Subjetiva da Pessoa Coletiva, distinguindo a pessoa de seus sócios com a pessoa jurídica. No entanto essa distinção é afastada, provisoriamente e somente para um caso concreto. Já a Despersonalização, descaracteriza de forma permanente a entidade comercial, ou seja, a personalidade jurídica é destruída. Isso significa que a personalidade da pessoa jurídica é anulada definitivamente.

Portanto, o que diferencia os dois institutos é que a Desconsideração visa somente, dentro de um caso concreto, desvincular os limites da pessoa jurídica em relação às pessoas que atrás dela se escondem, enquanto na Despersonalização ocorre o término da atividade comercial de forma permanente, não produzindo mais efeito de personalidade.

Conforme ensina Rubens Requião, na Desconsideração não se objetiva anular a personalidade jurídica, mas somente desconsiderar no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica, em relação às pessoas e os bens que a representam.

Para a sociedade de forma geral, é importante manter a Pessoa Jurídica, pois a mesma possui papel fundamental na sociedade gerando empregos, aquecendo a economia, movimentando a nação em sua função social. Portanto, socialmente falando, não é interessante que ocorra a Despersonalização, mas apenas a Desconsideração nos casos concretos específicos.

 

VI – DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PESSOA JURÍDICA

Trata-se de uma Teoria recente, que se aplica no caso do sócio que se torna propositalmente insolvente, integrando todo seu patrimônio à sociedade a fim de prejudicar terceiros. Seu objetivo é passar a responsabilidade à pessoa jurídica dos atos dos seus sócios controladores. Caracterizada a fraude, é possível desconsiderar o patrimônio da empresa para que a empresa responda pelos débitos do sócio que comete fraude.  Para que ocorra, é preciso que se atenda aos mesmos requisitos, formas e finalidades da própria desconsideração.

Um dos principais efeitos é a quebra do princípio da autonomia patrimonial e o alcance dos bens patrimoniais da sociedade, ou seja, ao invés de alcançar o patrimônio do sócio para saldar as dívidas, alcança-se o patrimônio da empresa para saldar as dívidas do sócio.

Fábio Ulhoa Coelho define como desconsideração inversa da personalidade jurídica como sendo o afastamento do Princípio da Autonomia Patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio.

Os pressupostos para sua utilização são a caracterização do desvio de bens, a fraude, simulação ou abuso de direito por parte dos sócios que se utilizam da personalidade jurídica para transferir ou esconder bens particulares prejudicando os seus credores.

Além disso, esse artifício é muito utilizado no âmbito do Direito de Família, onde um dos cônjuges, no ato da aquisição dos bens, registra-os em nome da pessoa jurídica sob o seu controle, não os integrando assim à massa familiar. Ao se desconsiderar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, será possível responsabilizar esta pelo devido ao ex-cônjuge ou ex-companheiro do sócio, associado ou instituidor. O Superior Tribunal de Justiça também pacificou esse entendimento, sendo favorável à aplicação da desconsideração inversa.

VII – A DESCONSIDERAÇÃO NOS DIVERSOS RAMOS DO DIREITO

7.1 – DESCONSIDERAÇÃO E O CDC

O CDC preceitua no caput do seu artigo 28 que o juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do  consumidor,  houver  abuso  de  direito,  excesso  de  poder, infração  da  lei,  fato  ou  ato  ilícito  ou  violação  dos  estatutos  ou  contrato social. A desconsideração também será efetiva quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocada por má administração. É considerada a “Teoria Menor”, pois não exige a demonstração do requisito específico do abuso caracterizado pelo desvio de finalidade ou fraude.

No entanto, o referido artigo, não menciona a fraude, sendo que este é o principal fundamento na Teoria da Desconsideração. A relação entre o CDC e a Teoria da Desconsideração é o abuso de direito, sendo considerado um grande avanço à defesa do consumidor. Portanto, conclui-se que o artigo deste Código representou um inegável avanço em função da possibilidade de sua aplicação comparativa.

 

7.2 – DESCONSIDERAÇÃO E O DIREITO DO TRABALHO

No caso de execução trabalhista, há correntes doutrinárias que consideram possível a Desconsideração da Personalidade jurídica quando esgotada a possibilidade de localização de bem em nome da pessoa jurídica devedora no processo de execução, visto que, expedido o mandado de citação, não houve o pagamento e não foi encontrado bem para penhora. É preciso esclarecer que os sócios só respondem pelas dívidas da sociedade quando agem com excesso de poder ou de alguma forma ilícita e por isso são responsabilizados pessoalmente.

Quando se trata de firma individual não há distinção patrimonial entre a sociedade e o indivíduo.

 

7.3 – DESCONSIDERAÇÃO E O DIREITO TRIBUTÁRIO

O Art. 135 do Código Tributário Nacional prevê uma alternativa para os atos ilícitos dos representantes das empresas, tornando-os “pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei”. No entanto, a doutrina majoritária entende que a Desconsideração da personalidade jurídica exige a somatória do resultado almejado em prejuízo de terceiros com a conduta tipicamente fraudulenta e isso não está claramente disposto no artigo 135 do CTN, pois este não cogita o quesito de resultado fraudatório.

Além disso, o mesmo artigo elenca um número amplo de sujeitos passivos como os mandatários, prepostos, empregadores e outros quando da responsabilização pelos atos praticados com excesso de poder ou infração à lei e o mesmo artigo exige que a cobrança do tributo dirija-se contra a pessoa que cometeu o ilícito em face da pessoa jurídica. Existe uma exceção para este caso quando se trata de distribuição disfarçada de lucros aos controladores.

Pelo exposto, entende-se que deveria haver uma Lei discriminando todas as possibilidades de uso da despersonalização da pessoa jurídica no âmbito tributário, afim de não dar margens a interpretações duvidosas.

 

7.4 – DESCONSIDERAÇÃO NA LEI 9.605/98 – MEIO AMBIENTE

A Lei 9.605/98 que trata das sanções  penais e administrativas derivadas de condutas  e atividades lesivas ao Meio Ambiente, em seu Art. 4º menciona: “Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente”.

A desconsideração neste caso se dá com o objetivo de restaurar as funções preventivas, repressivas, recuperadora de determinados danos causados a fauna e flora e diferencia-se do âmbito civil, pois não se considera o critério fraude diretamente, mas sim a possibilidade de recuperar as reservas ambientais, com o alcance indenizatório chegando aos membros das pessoas jurídicas.

 

VIII- CONCLUSÃO

                                        A desconsideração da personalidade jurídica é voltada à proteção daqueles que se relacionam diretamente com a pessoa jurídica, a fim de evitar abusos e fraudes cometidos pelos sócios e/ou administradores desta. O Instituto da desconsideração da personalidade jurídica não deve ser utilizado de forma banal, ou seja, é necessário o preenchimento de requisitos subjetivos para sua aplicação ao caso concreto, bem como sua fundamentação deve ser fundamentada.

                                   Excepcionalmente a desconsideração da personalidade jurídica em determinados ramos do direito pode ser utilizada sem os requisitos subjetivos inerentes ao instituo, sendo eles o Direito do Consumidor e Direito Ambiental e seguem uma teoria própria, qual seja, teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica.

                                   Com essa obra, pretendeu-se introduzir o acadêmico ao vasto mundo da desconsideração da personalidade jurídica. Este é um trabalho voltado ao estudo, que tem por finalidade explanar em síntese um dos mais brilhantes institutos do ordenamento jurídico brasileiro.

 

IX- REFERÊNCIAS

BAHIA, Cleber Morais. Desconsideração da pessoa jurídica à luz da Lei 9.605/98. Disponível em: http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=201. Acesso em: 25 de agosto de 2012.

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DINIZ, Maria Helena, Dicionário Jurídico. Saraiva: São Paulo, 2004

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MAIA, Sr. Desconsideração da Personalidade Jurídica – Teoria Maior e Teoria Menor. Disponível em: http://direitoposto.blogspot.com.br/2010/05/desconsideracao-da-personalidade.html - Acesso em 26 de Agosto de 2012.

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CARDOSO, Lais Vieira. A desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário. Disponível em: http://jusvi.com/artigos/993. Acesso em: 25 de agosto de 2012.

Superior Tribunal de Justiça. Disponível em www.stj.gov.br