José Enéas Barreto de Vilhena Frazão.


SUMÁRIO: Introdução; 1. Origem do patrimônio histórico maranhense; 2. Da principiologia do Direito Ambiental aplicada à tutela do meio cultural; 3. Da tutela constitucional do meio ambiente natural e cultural e da aplicabilidade imediata dos dispositivos constitucionais à defesa do patrimônio histórico-cultural maranhense; 4. Algumas palavras acerca da tutela infraconstitucional do meio ambiente; 5. Das competências municipais no que diz respeito ao zelo pelo meio ambiente cultural e natural; Conclusão; Referencial Bibliográfico.


Resumo.
O presente desenvolvimento visa constituir uma abordagem acerca da tutela constitucional e infraconstitucional do bem ambiental, entendido este não somente como o meio natural, mas como também o meio artificial e o meio cultural, voltando-se mais especificamente para a tutela do patrimônio histórico-cultural ludovicense. Primeiramente, far-se-á um breve apanhado histórico, para então, destacar-se a importância da preservação do acervo histórico com o qual conta a cidade de São Luís, e então, adentraremos o âmbito jurídico da tutela do bem ambiental natural e cultural, discorrendo também sobre as competências municipais no âmbito da proteção do meio ambiente natural e cultural.

Palavras ? Chave.
Patrimônio cultural maranhense; Bem Ambiental; Tutela jurídica.

Introdução.

Pretende-se com o trabalho aqui desenvolvido, tecer algumas linhas acerca da tutela constitucional e infraconstitucional do bem ambiental, voltando-se esta abordagem para a questão da preservação do acervo histórico-cultural que compreende o centro histórico ludovicense. A capital maranhense possui um patrimônio histórico dentre os mais ricos, o seu centro histórico compreende uma área de 220 hectares de extensão, com cerca de 2500 imóveis já tombados pelo patrimônio histórico estadual, e cerca de 1000 deles já tombados pelo IPHAN.
Tamanha a relevância deste conjunto arquitetônico, parte deste acabou por ser declarado patrimônio mundial no ano de 1997. Dentre as edificações destacam-se os sobrados de até quatro pavimentos, nos quais em muitos dos casos o térreo era reservado para estabelecimentos comerciais, enquanto os pavimentos superiores eram ocupados por residentes.
As casa térreas, por sua vez, apresentam-se sob diversas configurações, como por exemplo a de "morada inteira", caso contasse com uma porta com duas janelas a cada lado, ou meia morada, caso tivesse somente uma porta lateral, com duas janelas. Há ainda os monumentos de maior notoriedade, como as igrejas do Desterro e do Rosário, o Teatro Arthur Azevedo e o palácio dos Leões, que abriga a sede do governo do estado.
De tudo que foi aqui colocado afere-se somente ínfima noção da importância, da grandeza e da riqueza do patrimônio histórico da cidade de São Luís. Proceder-se-á , a partir deste momento, à parcela deste trabalho que reserva-se ao apanhado histórico, também relevante ao desenvolvimento desta temática, para então passarmos à análise dos aspectos jurídicos da tutela deste patrimônio, tanto em âmbito constitucional, quanto em âmbito infraconstitucional, vasculhando a legislação ordinária.

1. Origem do patrimônio histórico-cultural maranhense: um breve apanhado histórico da origem da cidade de São Luís.

Apontam as investigações históricas que a cidade de São Luís teria surgido onde antes havia uma aldeia Tupinambá, conquistada pelos franceses no ano de 1612. Estes, comandados por Daniel de La Touche, Constituíram um forte e lhe deram o nome de São Luís, em homenagem a Luís XIII, rei da França entre 1610 e 1643.
Apesar de aliados aos nativos, os franceses foram expulsos pelos portugueses, comandados por Jerônimo de Albuquerque. A cidade, de fato, foi habitada por franceses e holandeses, no entanto, foi edificada já sob domínio dos portugueses, de onde surge a influência destes na arquitetura dos casarões e seus azulejos, que renderam á capital maranhense o apelido de "cidade dos azulejos", vindos estes em sua maior parte de Portugal, para realizar necessária adaptação das edificações ao clima local, bastante quente e úmido. Os azulejos ajudavam a impermeabilizar as fachadas dos prédios, além de refletir os raios solares intensos, característicos de regiões próximas ao equador.
Daí então a importância da preservação do acervo histórico de São Luís, por constituir-se em um conjunto de monumentos que ajudam a contar esta parte importante da história do Maranhão, devendo preservar-se não somente para o proveito das atuais gerações, como também para que as gerações vindouras possam usufruir desta pequena janela aberta ao passado.

2. Da principiologia do Direito Ambiental aplicada à tutela do meio cultural.

Os princípios, dentro de um sistema jurídico, constituem normas de hierarquia superior às demais normas, já que são estes que garantem a racionalidade do sistema, mantendo-o harmônico e influindo sobre todas as demais regras. São portanto, os alicerces fundamentais de qualquer sistema, e, no caso do Direito Ambiental, não poderia se dar de outra forma.
Trazendo a abordagem principiológica para o âmbito da temática proposta, poderíamos afirmar que conta o Direito Ambiental com princípios que versam sobre o caráter essencial da proteção do meio ambiente, não somente em seu aspecto natural como também do meio ambiente artificial. Importante doutrina apresenta princípio de grande pertinência à temática que nos propomos a tratar, a saber, o "princípio do respeito à identidade, cultura e interesses das comunidades tradicionais e grupos formadores da sociedade", como nos coloca Álvaro Luís Mirra:
Esse princípio decorre da previsão expressa no item 22 da declaração do Rio de 1992 sobre meio-ambiente e desenvolvimento e no art. 216 da Constituição Federal.
Quando se fala na proteção do meio ambiente, deve-se atentar para de que, para o Direito, o meio ambiente é não apenas o meio natural, como também o meio artificial (ou urbano), e ainda, o meio cultural.
[...] tanto quanto os sistemas biológicos, os grupos humanos sempre foram e continuam sendo afetados pelo processo de desenvolvimento da sociedade moderna. E a perda de idiomas e de outras manifestações culturais é considerada tão irrecuperável quanto a extinção de espécies biológicas.

Daí surge a necessidade da preservação dos monumentos urbanos que compreendem o patrimônio histórico da cidade de São Luís, que guardam consigo parte da história que, caso perdida com a sua degradação, dificilmente se recuperaria de forma plena.
Vale lembrar que os princípios que regem determinado ordenamento não podem ter origem simplesmente na construção doutrinária, devendo antes serem extraídos do próprio sistema. No caso do princípio que aqui mencionamos, podemos afirmar que este tem origem no próprio artigo 216 da carta magna, que dispõe acerca do entendimento do legislador constitucional acerca da abrangência do conceito de "patrimônio cultural brasileiro", objeto de tutela constitucional, e no próprio artigo 225 da Constituição Federal.
Não significa aqui relegar a segundo plano o papel da doutrina, longe disso, esta desempenha papel crucial no que tange à formulação dos princípios mesmos, atividade que envolve interpretação das normas de onde estes serão extraídos, e que deve ser realizada com certa cautela, como bem coloca Agostinho Ramalho Marques Neto, quando afirma que "fazer ciência implica em uma imensa responsabilidade social, pois o cientista não deve ser indiferente às conseqüências que o seu trabalho intelectual possa trazer para a sociedade" Não é difícil perceber a relevância social de construções doutrinárias no que tange ao âmbito do Direito Ambiental, especialmente no que tange à tutela do meio cultural.

3. Da tutela constitucional do meio ambiente natural e cultural e da aplicabilidade imediata dos dispositivos constitucionais à defesa do patrimônio histórico-cultural maranhense.

Parte-se, dente momento em diante, à análise dos aspectos constitucionais da tutela do meio ambiente. Segundo Ana Maria Moreira Marchesan, tem-se que:
A Constituição Federal de 1988 confere ao patrimônio cultural o tratamento que lhe era devido, assegurando proteção legal abrangente de bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, incluindo as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais e os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arquitetônico, paleontológico, ecológico e científico.

Como pode verificar-se das palavras da autora, em âmbito constitucional, pode-se afirmar já haver ampla tutela do bem ambiental cultural, não havendo este sido relegado a segunda importância. Como poderemos verificar logo em seguida, a carta magna garantiu ampla tutela ao meio ambiente.
O dispositivo constitucional que deve-se tratar primeiramente no decorrer da análise da matéria é, sem qualquer dúvida, o artigo 225 , que versa que "todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado", classificando o bem ambiental como "bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida", impondo ainda ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo, e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
A partir da análise do dispositivo supramencionado, podemos chegar a algumas conclusões no que diz respeito à preservação do patrimônio cultural maranhense. A primeira delas é que constitui dever não somente do poder público, como também da coletividade zelar pela sua integridade, já que como coloca Helita Barreira Custódio:
Para os fins protecionais, a noção de meio ambiente é muito ampla, abrangendo todos os bens naturais e culturais de valor juridicamente protegido, desde o solo, as águas, o ar, a flora, a fauna, as belezas naturais e artificiais, o ser humano, ao patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico, monumental, arqueológico [...] .

Outra conclusão é a de que o bem ambiental é bem de uso comum do povo, ou seja, deve-se preservar o patrimônio histórico ludovicense para que todos possam dele usufruir, o que se torna ainda mais imperativo diante do fato de se tratar de patrimônio mundial, devendo ser preservado em prol das presentes e futuras gerações.
Deve-se tratar ainda do artigo 216 da Constituição Federal, que dispõe sobre o patrimônio cultural brasileiro, e sobre o dever da proteção por parte do poder público e da coletividade de zelar por este patrimônio. Nicolau Dino de Castro e Costa Neto comenta o mencionado dispositivo:
[...] a Constituição da República estabelece, no art. 216, o dever do estado de proteger o patrimônio cultural brasileiro. O não cumprimento dessa prestação positiva se submete ao controle judicial, pois daí podem advir graves prejuízos, como por exemplo, a deterioração ou a destruição de bens revestidos de valor cultural.

O que muito já se colocou aqui é que é obrigação do poder público e da coletividade zelar pela integridade do meio ambiente natural e cultural. Não se trata de faculdade pela qual se possa optar por agir ou não neste sentido, há dispositivos constitucionais que dispõem acerca desta obrigação positiva.
No entanto, apesar de terem plena eficácia jurídica, muitas normas no âmbito do Direito Ambiental não chegam a lograr eficácia social, como verificamos nas palavras de Andreas Krell, quando afirma, citando o ilustre Miguel Reale:
Uma boa parte das leis ambientais brasileiras (ainda) não expressa um "querer coletivo" ou "inclinações dominantes no seio da coletividade (...), possuindo, desse modo, validade formal, mas não eficácia espontânea, e, conseqüentemente, só logra ser cumprida de maneira compulsória.

Foi exatamente prevendo esta situação que o constituinte incumbiu ao poder público, por meio do artigo 225, VI, o dever de promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública, para a preservação do meio ambiente. É inquestionável a pertinência da aplicação de tais medidas no âmbito prático para a preservação do centro histórico ludovicense, de modo que a conscientização geral é o primeiro passo para garantir a efetividade de qualquer medida estatal na proteção ao meio ambiente, já que não adiantarão em nata tais medidas se a coletividade não colaborar com a preservação do meio.

4. Algumas palavras acerca da tutela infraconstitucional do meio ambiente.

A respeito da tutela infraconstitucional do meio ambiente, podemos citar como principal instrumento normativo a lei 6.938/81, que dispõe sobre a política nacional de meio ambiente, seus princípios, fins e mecanismos.
A mencionada lei possui 21 artigos, dentre os quais se faz necessário destacar o artigo 2°, que versa que a política nacional de meio ambiente tem por objetivo a preservação, a melhoria e a recuperação da qualidade ambiental (abrangidos os ambientes naturais e artificiais), e ainda nos incisos VIII e IX, verifica-se que a PNMA envolve a recuperação de áreas degradadas e a proteção de áreas ameaçadas de degradação. Daí a imperatividade do zelo pelas edificações do centro histórico da cidade de São Luís, que deve envolver a recuperação e a prevenção de danos futuros.
Remetemos aqui rapidamente ao princípio da prevenção do Direito Ambiental, relevante por embasar a afirmação feita no parágrafo anterior:
De fato, a prevenção é preceito fundamental, uma vez que os danos ambientais na maioria das vezes são irreversíveis e irreparáveis [...].
Diante da impotência do sistema jurídico, incapaz de estabelecer, em igualdade de condições, uma situação idêntica à anterior, adota-se o princípio da prevenção [...].

O mencionado princípio da prevenção reforça a necessidade de observância aos incisos VIII e IX do Art. 2° e confere base sólida a tais dispositivos.

5. Das competências municipais no que tange ao zelo pelo meio ambiente cultural e natural.

Como podemos perceber em uma análise da legislação, cabe aos municípios promover o adequado ordenamento territorial, que pode ser atingido por diversas formas como o planejamento e controle do uso e da ocupação do solo urbano, como pode-se verificar na Constituição Federal, em seu artigo 30, VIII. Esta competência atribuída aos municípios também se encontra no âmbito a união, que possui a exclusiva competência para planejar e executar planos nacionais ou mesmo regionais de ordenação do território. Daí podemos verificar que cabe ao município de São Luís promover o planejamento da ocupação do solo de forma que a sua expansão não venha a prejudicar o patrimônio histórico de que aqui tratamos. Pode-se verificar por meio de noticias veiculadas pelos mais diversos meios que alguns dos casarões abandonados já vem sendo ocupados por famílias "sem teto", o que representa um perigo para essas famílias mesmas, já que o risco de desabamento é real, dado o estado de degradação de algumas edificações, e um risco ao próprio patrimônio histórico, que pode vir a ser prejudicado por essas ocupações.
Quanto à competência legislativa dos municípios, nos fala Heline Silvini Ferreira:
De acordo com o inciso I do art. 30 da Constituição, e competência municipal legislar sobre assuntos de interesse local. Percebe-se, dessa forma, que a competência legislativa exclusiva dos Municípios é pautada pelo interesse local, uma expressão de conteúdo indeterminado cuja compreensão é bastante subjetiva.

Bastante pertinentes as palavras da autora supramencionada, quando afirma ser bastante subjetiva a expressão "interesses locais", à qual se refere a Constituição Federal. Em verdade, constitui interesse nacional ou mesmo mundial a preservação do patrimônio histórico ludovicense, e não apenas local. No entanto, o interesse local também é facilmente perceptível quando coloca-se a questão do turismo histórico, fonte de empregos e renda produzidos em âmbito municipal. O patrimônio histórico, para constituir verdadeiro atrativo para o turista, deve se encontrar bem preservado, e por este motivo, cabe ao município legislar no sentido da tutela deste tão importante acervo histórico. Vale lembrar que, a Carta Magna também garante aos municípios competência para suplementar as normas federais e estaduais, no que couber, segundo o artigo 30, II. Isso significa que o município poderá preencher lacunas e suplementar normas federais e estaduais.

Conclusão.

Conclui-se do que foi ao longo deste desenvolvimento colocado que, é necessário extremo zelo pelo patrimônio histórico que representa todo o conjunto arquitetônico tombado do centro histórico da capital maranhense, já que, como já foi colocado, o dano ambiental na maioria das vezes é irreversível, e a perda desta parte da história maranhense representaria uma perda inestimável e lastimável para não somente o povo do Maranhão, como também para todo e qualquer brasileiro ou estrangeiro, que teria de se privar de conhecer uma importante parcela da história do país, para um além das páginas dos livros históricos.

Referencial Bibliográfico.

COSTA NETO. Nicolau Dino de Castro e. A proteção do patrimônio cultural em face da omissão do poder público. Em: Revista de Direito Ambiental. São Paulo. Revista dos Tribunais. Ano 13. N. 51. 2008.
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FERREIRA. Heline Silvini. Competências Ambientais. In. CANOTILHO. José Joaquim Gomes, LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. São Paulo. Saraiva. 2007.
FIORILLO. Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10° Ed. São Paulo. Saraiva. 2009.
MARCHESAN. Ana Maria Moreira. A proteção constitucional ao patrimônio cultural. Em: Revista de Direito Ambiental. São Paulo. Revista dos Tribunais. Ano 05. N. 20. 2000.
MARQUES NETO. Agostinho Ramalho. A ciência do Direito: Conceito, Objeto, Método. Rio de Janeiro. Renovar. 2001.
OLIVEIRA JÚNIOR. José Alcebíades. LEITE. José Rubens Morato. Cidadania Coletiva. Paralelo. 1996.
KRELL. Andreas J. Discricionariedade administrativa e proteção ambiental. O controle dos conceitos jurídicos indeterminados e a competência dos órgãos ambientais. Um estudo comparativo. Porto Alegre. Livraria do Advogado. 2004.