INTRODUÇÃO

 

A longa ascensão da ciência permitiu o desenvolvimento de tecnologias num impressionante grau de complexidade e sofisticação, fazendo com que os pesquisadores conheçam os mecanismos íntimos do corpo humano e possibilitem uma maior longevidade ao ser humano (ZORZO, 2004).

Dessa forma, a doença passou a ser vista como um inimigo, passando a ser perseguida pelo ideal utópico de eliminá-la. Os estudiosos desconsideram os sutis aspectos psicológicos e espirituais da doença e impedem a consciência de que sua inexistência completa é quase totalmente incompatível com o processo de vida.

O resultado existencial último é, evidentemente, a morte, no entanto, como todas as outras questões filosóficas e existenciais, a questão da morte é evitada. A falta de espiritualidade que se tornou característica da nossa moderna sociedade tecnológica, reflete-se no fato de os profissionais da saúde, à semelhança da sociedade como um todo, negar a morte. Dentro do âmbito mecanicista da ciência, a morte não pode ser qualificada. A distinção entre uma boa morte e uma morte infeliz não tem sentido, a morte consiste, simplesmente, na paralisação total da máquina-corpo e, apesar de ser um tema tão antigo quanto o existir do homem, ainda está presente com questionamentos a serem respondidos (CAPRA, 1997; ZORZO, 2004).

Tendo em vista as múltiplas dimensões que envolvem o fenômeno da morte e do morrer, este artigo objetivou apresentar uma reflexão sobre a tanatologia e sua interface histórica, cultural e tecnológica.

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES

 

            Tanatologia ou ciência da vida e da morte é uma palavra de origem grega, derivada de duas palavras: Tanathos, o Deus da morte e logia, ciência ou estudo. Portanto, é a Ciência da Morte e do Morrer. Inicialmente a tanatologia preocupava-se com o doente terminal, aquele hospitalizado, depois passou a preocupar-se também com a família deste doente, com os profissionais médicos e da área da saúde e com todos aqueles que, de uma maneira, ou de outra, estejam relacionado com ele. Hoje a tanatologia estuda a representação da morte no psiquismo humano e as perdas diárias, isto é, as pequenas mortes, para que enfim, o homem entenda o que é chamado de “a perda maior” (SOTAMIG, 2007). Essa ciência é considerada tão antiga quanto à própria humanidade, pois o homem, destacando-se os filósofos antigos, sempre buscou desvendar os mistérios que envolvem o antes e o depois de sua existência (D’ASSUMPÇÃO, 2003).

Os Egípcios propõem uma vida voltada para a preparação adequada da morte. Fascinados pelos grandes mistérios, criam as primeiras escolas de iniciação onde são reveladas as leis da criação do universo através dos princípios herméticos. O primeiro registro de sabedoria espiritual é o Livro Egípcio dos Mortos, que descreve os processos de “morte migratória” ao mundo dos deuses para os iniciados, e de reencarnação, afim de aperfeiçoamento, para o homem (D’ASSUMPÇÃO, 2003; ROTTENSTEIN, 2007).

Entre 3.000 e 500 a.C, tem-se a civilização hebraica, adepta do monoteísmo. Nesta época, os povos Védicos introduzem a idéia de reencarnação como a possibilidade de renascerem em locais mais favoráveis (D’ASSUMPÇÃO, 2003).

O Cristianismo surgiu em torno do ano 30 d.C com os ensinamentos de Jesus Cristo. Uma nova visão se espalha com pujança entre os povos pagãos do Império Romano. Prega um Deus único e misericordioso e promete a bem-aventurança no além ao alcance de todos (D’ASSUMPÇÃO, 2003, ROTTENSTEIN, 2007).

No período da Idade Média (século V ao XV), a morte era tida como domada, vista com pouca dramaticidade, fazia parte do convívio familiar, era individualizada e vivida em público. Nos séculos XV e XVI, o homem começou a acreditar na vida após a morte, valorizando os bens materiais e os sentimentos egocêntricos, começou a desejar o adiamento da morte para que pudesse desfrutar o que a vida proporcionava (SPÍNDOLA; MACEDO, 1994; POLES; BOUSSO, 2006).

Na Era Industrial, século XIX a XXI, a sociedade desenvolve um poder tecnológico e científico, que distancia o homem do respeito aos ciclos naturais e da percepção do próprio corpo. A medicina faz progressos que recuam o limite da morte, a sociedade tem dificuldades em lidar com os limites e a morte começa a ser considerada como inimiga e vivenciada com angustia (COMBINATO; QUEIROZ, 2006).

Portanto, a morte que estava presente na sala de visita na idade média, desloca-se para o hospital e, em alguns casos, para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Em um ambiente isolado, com janelas fechadas, luz artificial, temperatura constante mantida pelo ar condicionado e equipamentos técnicos, os profissionais da saúde realizam procedimentos altamente sofisticados com pacientes que se encontram em situações limite entre a vida e a morte (COMBINATO; QUEIROZ, 2006)

            Esse sentimento de poder é refletido no consumismo exacerbado dos produtos industrializados em detrimento da manufatura, na publicidade e no marketing enfatizando a “cultura da necessidade do ter” onde o homem aprende a querer ser dono de tudo que for possível adquirir (D’ASSUMPÇÃO, 2003). Esse paradigma, segundo Zuben (1998) não nos ensina a arte de morrer. Tudo é feito para esconder a morte e viver sem pensar nela como um projeto, como se o nosso único projeto fosse constituído de eficiência no fazer e ter, em busca de uma felicidade material que com o tempo percebemos não ser suficiente.

Esses aspectos e contextos nos levam aos seguintes questionamentos: Por que viver? O que faremos, no espaço de tempo de vida que nos resta, para encontrar um sentido de vida mais abrangente, antes que a morte venha nos buscar? Zuben (1998) explica que a vida e a morte são dimensões de um mesmo processo, é dialética, a morte faz parte da vida - “Você não morre por estar doente, mas porque está vivo” e o Morrer, “inicia-se com o nascer” complementa D’Assumpção (2003).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Assim como o nascer, a morte faz parte do processo de vida do ser humano. É algo extremamente natural do ponto de vista biológico, mas, caracterizado, principalmente, pelos aspectos simbólicos, ou seja, pelo significado ou pelos valores que ele imprime às coisas. Refletir sobre a tanatologia e suas interfaces, nos traz subsídios que permitem reconhecer que a articulação entre as crenças, saberes e práticas acerca da vida e da morte podem ser contempladas, em diversos momentos de discussões, que envolvem o cuidar em sua essência. 

Todavia, é necessário que essas articulações não finalizem em si só, mas que sejam construídas com a participação do paciente, da família, dos profissionais de saúde e da própria sociedade organizada.

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Cutrix, 1997. 445p.

 

COMBINATO, Denise Stefanoni; QUEIROZ, Marcos de Souza. Morte: uma visão psicossocial.  Estud. psicol. (Natal) v.11 n.2 Natal maio/ago. 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-294X2006000200010&script=sci_arttext.

 

D’ASSUMPÇÃO, Evaldo A. Tanatologia: Ciência da Vida e da Morte. In: ______ Tanatologia e Bioética. Anais do 1º Congresso Brasileiro de Tanatologia e Bioética. Belo Horizonte-MG, 2003.

 

POLES, Kátia; BOUSSO, Regina Szylit. Compartilhando o processo de morte com a família: a experiência da enfermeira na UTI pediátrica. Rev. Latino-Am. Enfermagem. v.14, n.2, Ribeirão Preto Mar/Apr, 2006.

 

ROTTENSTEIN, Annie.  O sentido da vida e da morte através dos tempos. 2007. Disponível em: <http://www.amart.com.br/images/annie/OSENTIDO.doc>

 

Sociedade de Tanatologia de Minas Gerais (SOTAMIG). O que é Tanatologia? Disponível em: <http://www.sotamig.com.br/>

 

SPÍNDOLA, Thelma; MACEDO, Maria do Carmo dos Santos. A morte no hospital e seu significado para os profissionais. Rev Bras Enfermagem, v. 47, n. 2, p. 108-17, 1994.

 

ZORZO, Juliana Cardeal da Costa. O processo de morte e morrer da criança e do adolescente: vivências dos profissionais de enfermagem. Dissertação (mestrado). Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto. Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, 2004.

 

ZUBEN, Newton Aquiles Von. Questões de Bioética: Morte e Direito de Morrer. Sorocaba: 1998. Disponível em: < http://www.fae.unicamp.br/vonzuben/morte.html>.