Esclarecimento (AUFKLÄRUNG) é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude. Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do Esclarecimento.

Se por um lado, Kant via com entusiasmo a necessidade de esclarecimento, por outro ele não se iludia quanto à situação da época, difícil de se fazer entender em um momento de transição onde imperava a mediocridade e a menoridade como regra geral.
Relacionando ao tempo atual, nesse momento de virada de século e de milênio, em que profundas mudanças alteram a ordem do tempo e do espaço, têm-se a sensação de desconforto, angústia e ansiedade nesse período de transição. Também agora há a desconfiança de não se estar devidamente preparado para o choque das modificações estruturais que terão de acontecer. Os sinais desse novo tempo podem ser encarados como necessidade de esclarecimento, ou seja, busca de maior participação das pessoas no processo de evolução social, realizando um projeto na sociedade, atuando para a modernidade.
A emancipação dos níveis de ignorância, o misticismo e a superstição dos séculos anteriores ao XV, foram dissipados com a modernidade, a qual se estruturou em torno de ideais e padrões racionais. O conceito de subjetividade modificou-se, e, a partir daí, o homem moderno passou a ser sujeito de seu destino, que assume sua história de forma livre e racional. O conhecimento técnico-científico permite a esse homem moderno dominar a natureza e melhorar as condições de vida da sua espécie. Os ideais de Modernidade ocasionam o nascimento de organizações sociais, políticas e econômicas, criando sistemas capazes de elaborar um projeto novo para um novo mundo. No entanto, os mecanismos para trazer a modernidade trouxeram, ao lado das consideráveis aquisições de progresso técnico e desenvolvimento, um cientificismo desproporcional com a formação desse elemento humano. Entre todos os responsáveis pelo desequilíbrio, a universidade vem se revelando a maior culpada, na Modernidade, diante da tarefa de produzir conhecimento e difundi-los à sociedade em forma de benefícios práticos.

1. Aspectos filosóficos: pragmatismo x análise lógica

Entre as tendências filosóficas que hoje são aplicadas ao ensino, de modo geral, e especialmente no ensino de redação, duas correntes influenciaram as linhas que se dedicam atualmente ao treinamento e prática: o pragmatismo e a análise lógica.
Filósofos dos Estados Unidos desenvolveram uma proposta geral que se caracteriza por estabelecer a práxis humana, os efeitos concretos colhidos na vida, como o critério básico para a verdade. William James (1842–1910), o mais famoso representante do pragmatismo defendeu a idéia de que as teses filosóficas estão diretamente ligadas à práxis humana. Ele conclui que os resultados da conduta e da experiência concreta do homem apresentam-se como o melhor critério para estabelecer a adequação ou a inadequação de uma teoria. As características básicas do pragmatismo, expostas nas palavras do próprio James são:

O método pragmático é, primariamente, um método de assentar disputas metafísicas que, de outro modo, se estenderiam interminavelmente. É o mundo um ou muitos? - Predestinado ou livre? Eis aqui noções, quaisquer das quais podem ou não ser verdadeiras para o mundo; e as disputas em relação a tais noções são intermináveis. O método pragmático nesses casos é tentar interpretar cada noção traçando conseqüências práticas respectivas. Que diferença prática haveria para alguém se essa noção de preferência àquela outra fosse verdadeira? Se não pode ser traçada nenhuma diferença prática qualquer, então as alternativas significam praticamente a mesma coisa, e toda disputa é vã. Sempre que uma disputa é séria, devemos estar em condições de mostrar alguma diferença prática que decorra necessariamente de um lado, ou o outro está correto.

James explica o significado do termo pragmatismo e cita Charles Peirce (1878) que o introduziu pela primeira vez na Filosofia:

... para desenvolver o significado de um pensamento, necessitamos apenas determinar que conduta está apto a produzir: aquilo que é para nós o seu único significado. E o fato tangível na raiz de todas as nossas distinções do pensamento, embora sutil, é que não há nenhuma que seja tão fina ao ponto de não resultar em alguma coisa que não seja senão uma diferença possível de prática. Para atingir uma clareza perfeita em nossos pensamentos em relação a um objeto, pois precisamos apenas considerar quais os efeitos concebíveis de natureza prática que o objeto pode envolver - que sensações devemos esperar daí, e que reações devemos preparar. Nossa concepção desses efeitos, seja imediata, seja remota, é, então, para nós, o todo de nossa concepção do objeto, na medida em que essa concepção tenha afinal uma significação positiva.

James, apoiado em Peirce, explica a importância do pragmatismo para enfrentar as disputas filosóficas submetendo-as ao teste de traçar conseqüências concretas. Para James, a função da filosofia pragmática é achar que diferença fará para mim e para você, em instantes definidos, se esta fórmula do mundo ou aquela outra for verdadeira. Ele garante que não há nada de novo no pragmatismo e argumenta: Sócrates foi adepto dele, Aristóteles empregou-o como método. Locke, Berkeley e Hume contribuíram também através dele. O pragmatismo, na concepção de William James, representa uma atitude perfeitamente familiar em Filosofia, que é uma atitude empírica, e a representa tanto na forma radical, quanto na contradição, em relação ao que já tenha assumido alguma vez.
O pragmatismo afasta-se da abstração e da insuficiência das soluções verbais dos sistemas fechados e pretensões ao absoluto e às origens. Volta-se para o concreto, o adequado, os fatos, a ação, o real e o poder. Aposta no temperamento empírico e vê com desconfiança o temperamento racionalista. Faz oposição ao dogma, à artificialidade e à pretensão de finalidade na verdade, enfatizando a liberdade, as possibilidades da natureza e as características reais subjetivas.
Em oposição a essa corrente há a tendência da Escola da Análise Lógica, que entre seus principais representantes tem os pensadores Bertrand Russel (1872) e Alfred Whitehead (1861). Eles defendem uma postura científica para a Filosofia, renunciando a toda investigação de caráter religioso. Valorizam os métodos racionais como instrumento na conquista da verdade e acreditam que se pode aproximar da verdade, desde que o filósofo procure cultivar um espírito de isenção, sem dogmatismos prévios que influenciem suas conclusões.
Russel expõe alguns conceitos sobre a sua visão filosófica:

A Filosofia, durante toda a sua história, tem se constituído de duas partes misturadas inarmonicamente; de um lado, uma teoria sobre a natureza do mundo; de outro, uma doutrina ética ou política quanto à melhor maneira de se viver. O fato de não se haver conseguido separar as duas com suficiente clareza foi a origem de muito pensamento confuso. Os filósofos, desde Platão a William James, permitiram que suas opiniões quanto à constituição do universo fossem influenciadas pelo desejo de edificação moral; sabendo, como supunham, quais as crenças que tornariam os homens virtuosos, inventaram argumentos, com freqüência muito sofísticos, para provar que tais crenças eram verdadeiras. De minha parte, diz Russel, reprovo esta tendência, baseado tanto em razões morais como intelectuais. Moralmente, um filósofo que emprega sua competência profissional para qualquer outra coisa, que não seja a busca desinteressada da verdade, é culpado de uma espécie de traição.

A meu ver, tanto o Pragmatismo quanto a Análise Lógica comportam-se como métodos científicos, com uma diferença: o primeiro admite as verdades como possibilidades, enquanto o segundo considera-se infalível na busca de uma verdade, com base na lógica, que poderá ser aplicada a todas as esferas das atividades humanas.
Em se tratando de educação democrática, como se pretende na modernidade; acredito que o pragmatismo cumpra mais a sua tarefa de romper barreiras, principalmente no ensino de redação, cujas características principais são a interdependência e interrelação com outras disciplinas.

2 Aspectos históricos: cultura geral x especialização (intuição x razão)

Se as concepções de Platão e Aristóteles foram mantidas, no seu conteúdo básico, durante o período medieval, é na modernidade que a crítica ao conhecimento imediato adquire impulso. Se no período clássico o SER dava base ao conhecimento, hoje há uma nova perspectiva: a razão humana é que fundamenta o mundo. A esse imediatismo, o filósofo Immanuel Kant se opôs, como também se opôs à obviedade do conhecimento. Essas noções têm destaque em sua obra, Crítica da Razão Pura (1770) ao definir as fontes do conhecimento, Kant esclarece a sua concepção (de conhecimento) como sendo conceitual:
A razão funda o conhecimento no trabalho do conceito e não na intuição imediata:
Intuição e conceitos constituem pois, elementos de todo o nosso conhecimento, de tal modo que nem conceitos sem uma intuição de certa maneira correspondente a eles nem intuição sem conceitos podem fornecer um conhecimento.

Hansen (1995), ao tratar sobre o óbvio na academia e seus riscos, afirma:

Vivemos, ao final do século XX, um momento paradoxal da humanidade: se por um lado os avanços técnico-científicos e as relações sociais se tornam complexas, por outro lado, nunca o ser humano se viu tão apático frente aos desafios que surgem.

Hansen cita Platão e Aristóteles para conceituar o óbvio, faz várias reflexões sobre essa questão com base na filosofia, até chegar na definição kantiana (o conhecimento filosófico é o conhecimento racional a partir de conceitos). Hansen conclui o seu texto lançando três desafios à academia no sentido de repensar sua estrutura. O primeiro é o da superação da sua neutralidade com a história e de sua função como aparelho ideológico; o segundo, o resgate da perspectiva construtiva do conhecimento e a ênfase à universalidade e pluralidade do conhecimento através do caráter intersubjetivo de sua construção.
Nesse sentido, o conhecimento produzido na universidade deve ser resultado de intercâmbio de vários segmentos sociais e o pluralismo acadêmico o pretexto para a produção do conhecimento com base interdisciplinar onde não haja lugar para antagonismos, disputas, e as divergências sejam sempre enfrentadas com equilíbrio, como sugerem as leis, projetos e propostas dos currículos de ensino do país, em cada época, durante toda a história da educação brasileira.

3. Aspectos legais do ensino e Modernidade: uniformidade x diversidade

Para configurar o aspecto legal da luta por qualidade no ensino, faz-se necessária uma breve retrospectiva das leis de ensino adotadas no Brasil, da década de 60 até agora. As LDB’s 4.024/61, 5.692/71 e a 9.394/96 refletem as características e anseios de cada momento da história da educação brasileira, a partir da idéia de unificação das diretrizes do ensino nacional.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação que vigora desde 1996 propõe uma nova perspectiva para o ensino brasileiro, marcada pelo ideal da globalização e da inovação tecnológica, apontando para a necessidade de tornar-se capaz de preparar as pessoas para enfrentar o impacto do novo contexto mundial.
A Nova LDB está pautada no princípio da tolerância dos diferentes modelos institucionais para desenvolver a tarefa educacional. Ela acata o pluralismo e a criatividade como meios de resgatar a filosofia da educação nacional, abrindo espaços para os que tenham propostas viáveis para melhoria da qualidade do ensino. Desse modo, ela encara um problema de duas faces: uma de mudança e outra de desafio. Em primeiro plano, a LDB provoca uma mudança de mentalidade na relação entre professores e fenômeno de ensino do país. Em segundo, ela impõe um desafio aos envolvidos com a educação, incitando-os a fazer mudanças, sem receitas, mas com regras para entrar no jogo do pragmatismo, ideologia e poder da sociedade.
Diante disso, adaptando as questões levantadas por Hansen (1998:93) porque me atingem diretamente, considero a minha caminhada até aqui e penso como será minha atuação daqui para frente como estudiosa, professora e pesquisadora. Estou preparada para assumir uma nova mentalidade no tocante à educação? Tenho clareza dos problemas que constituem o momento hoje vivido e das possíveis tendências que despontam para a fronteira do século XXI? Conheço os limites e potenciais para participar da comunicação que está sendo construída? Estou disposta a superar meus equívocos pessoais na minha atuação no meio universitário, a ponto de compor projetos coletivos para melhoria da qualidade acadêmica da instituição em que estou inserida?
Essas questões a que busco responder no decorrer do texto, trazem implicações e provocam polêmicas, quanto à sua essência, se fossem estendidas a todos os docentes. Por isso a universidade passou a ser alvo de críticas e desconfianças, tanto pela crescente burocratização dos serviços administrativos, quanto pelo aumento de mecanismos de controle que resultam em atendimento ineficiente e morosidade, incompatíveis com os processos sociais em desenvolvimento que a modernidade exige.
Quanto ao papel dos docentes, dois problemas se apresentam: a dicotomia professor/pesquisador e o papel do professor cumpridor de tarefas, repassador de conteúdos. Um outro problema que se relaciona com o cientificismo da Modernidade é a exclusão das disciplinas consideradas obsoletas, uma desvalorização da área de Humanidades (Filosofia, Sociologia, Psicologia) que provocam três perdas: descaso tanto na disponibilidade de recursos quanto na participação nas decisões político acadêmico-administrativas das universidades; autodesprezo das disciplinas que se descaracterizaram assumindo outros métodos de investigação; e a queda da demanda pela área de Humanidades na graduação, tanto pela pouca procura quanto pela diminuição de oferta das disciplinas dessa área.
Em se tratando do estudo da língua, principalmente no que se refere à redação, a ausência das disciplinas que ajudam o estudante a pensar melhor, a tecer argumentos e a refletir em torno de sua ação, tem contribuído para que o trabalho com textos não tenha ainda conseguido preparar um produtor/leitor autônomo e competente.
Para que a universidade cumpra o seu papel, busco em Kant o conselho segundo o qual ela deve ousar saber para resgatar o seu espaço, mudando a mentalidade da sociedade com coragem de inovar como instância de produção, difusão e discussão do saber.
Com o objetivo de colocar em debate o papel da universidade Leonardo Prota (1987:157) discute a questão da busca de modelos alternativos e diversificados para o Ensino Superior. Ele considera ser esse o caminho capaz de conduzir a uma união de esforços para identificar as causas dos fenômenos da não-correspondência do trabalho da universidade às expectativas da sociedade. Diz ele:
... a existência da multiplicidade de modelos de Universidade, ao mesmo tempo em que estão unidos pela idéia básica de que sua função transcende as exigências do mercado de trabalho, embora não as desconheça, porquanto mantém compromissos com outros valores...

... Estes estão naturalmente vinculados à diversidade de tradições culturais, mas englobam o estímulo à busca da verdade, o empenho expresso de formar elite, a primazia do saber desinteressado como critério relevante na pesquisa científica, o afã de promover a difusão cultural e ainda o preparo para o exercício da cidadania.

Para esse preparo, Prota (1987:175) sugere a busca de um modelo alternativo visando o tipo de universidade que abdique da uniformidade e, paralelamente, reexamine a questão da profissionalização, de acordo com as necessidades. O próprio MEC insiste em um modelo único e a idéia de formulação de modelos diversificados perde sua força. A esse respeito Prota também insiste: ... a diversificação só seria possível se as próprias universidades aderissem à idéia e a discutissem com toda a liberdade e a máxima amplitude.
Assim, para que as universidades brasileiras mereçam o título, precisam estar em conformidade com as exigências e padrões oficiais, estruturadas a partir de escolas tradicionais de grande prestígio; universidades surgidas para atender à demanda crescente, sobretudo nos centros urbanos; universidades surgidas para atender a uma aspiração regional; e, ainda, universidades do interior e capital dos estados menores, nascidas da regionalização e demanda de profissionais dos seus cursos.
Para se criarem projetos alternativos, Prota acredita que a comunidade universitária seja capaz de idéias inovadoras que estimulem a pesquisa dos vínculos que deve estabelecer com o mercado de trabalho.

4. Aspectos metodológicos: produto x processo

Atualmente, há muitas propostas acerca do ensino da redação escolar, fundamentadas na Lingüística Textual, nas estratégias da Análise do Discurso, nas interpretações da Semiótica, nas pesquisas da Sociolingüística e nas especulações da Lingüística Aplicada. Todos esses trabalhos trazem marcas da Pragmática e da Análise Lógica, mesmo que uns com características do criticismo de Kant, outros da pragmática de James e ainda outros da lógica de Russel, e da análise de Greimas e Peirce. Todos com uma só preocupação: resolver problemas que envolvem as dicotomias objetividade/subjetividade, uniformidade/diversidade, unidade/variedade, racionalidade/ sentimento, produto/processo.
Tanto professores quanto psicólogos, pedagogos e estudiosos de Lingüística mostram–se preocupados com o ensino da redação, pelos diversos métodos que ela comporta e pelo caráter interdisciplinar que ela possui. Em diversas universidades brasileiras intensificam-se os debates, seminários, simpósios e discussões acerca do assunto. Várias correntes da Análise do Discurso, da Semiótica e da Lingüística Textual trazem suas contribuições para que, no interior da escola, sejam aproveitadas todas as oportunidades de explorar a capacidade de expressão oral e escrita dos alunos, sem uma preocupação de polemizar mas de contribuir.
Com características bastante parecidas com as da Estilística, as da Semântica e as da antiga Filologia, aparece agora a Crítica Genética, também com interesse em dar sua contribuição, auxiliando na análise e interpretação de textos (autores/alunos) através do estudo dos mecanismos de produção, investigação e acompanhamento dos seus processos de criação. A redação aqui passa a ter sentido de algo que não se fecha, algo que está sempre em processo e não como texto definitivo.
Também trabalhos como os de Adílson e Beatriz Citelli, Geraldi, Brandão, e Micheletti, coordenados por Lígia Chiappini, trazem um novo horizonte aos profissionais da Língua Portuguesa para criar seus próprios projetos, Aprendendo e ensinando com textos de alunos, com textos didáticos e paradidáticos e com textos não escolares; são pistas para ousar saber, como diz Kant. São linhas que conduzem melhor um profissional pelo relato de experiências concretas do que as instruções determinadas por decretos, geralmente concebidas por especialistas distanciados da realidade da escola brasileira e das necessidades dos alunos.
Acerca de textos e sua aplicação, Van Dijk discute os problemas fundamentais da cognição, discurso e interação, ligados à compreensão, recordação, sumarização e produção (construção, armazenagem, conhecimentos da memória) buscando um modelo estratégico de processamento de discurso, análise semântica e episódios da análise até chegar às estruturas das notícias da imprensa. Esse modelo, em si, já pressupõe uma prática metodológica para o trabalho com textos.
Também a Análise do Discurso introduz, no domínio dos estudos da linguagem, o tema da história, do poder, da ideologia e das condições dos processos discursivos. Pêcheux, representante dessa linha na França, considera a Semântica ponto modal em que a Lingüística tem a ver com a Filosofia e as Ciências das formações sociais. Ele desenvolve em sua obra, a partir de uma concepção discursiva semântica, uma reflexão: crítica sobre a produção de conhecimentos científicos e a questão da prática política. Essa é outra área que vem trazendo propostas auxiliares para estudo de textos, com aplicabilidade no ensino.
Com outra abordagem, Carlos Vogt (1980), professor de Semântica Lingüística na Universidade de Campinas, reuniu artigos e ensaios sobre o problema da significação em língua natural, com o objetivo de tratar a questão das relações entre linguagem, pragmática e ideologia e os seus princípios lingüísticos, propondo a elaboração de uma macrossintaxe para explicar a alteridade constitutiva da significação e os mecanismos de combinação dos enunciados do discurso.
Além dessas propostas, que considero metodológicas, existem as pesquisas investigatórias em sala de aula, com apoio da Lingüística Aplicada, representadas pelos trabalhos de Almeida Filho (1984), Cavalcanti (1989), Moita Lopes (1996) e Kleiman (1989) que muito vêm contribuindo para efetivar mudanças no ensino de Língua Portuguesa no Brasil.
Considerada como área de investigação aplicada, mediadora e interdisciplinar, a Lingüística Aplicada está centrada na solução de problemas do uso da linguagem, que tem um foco na linguagem de natureza processual, que colabora com o avanço do conhecimento teórico e utiliza métodos de investigação de natureza positivista e interpretativista. No entanto, nem todos que se dedicam à pesquisa em Lingüística Aplicada seguem o mesmo caminho. Uns auxiliam aspectos teóricos de outras disciplinas, outros elaboram modelos teóricos de especulação e ainda outros utilizam seus modelos para explicar os problemas da prática do uso da linguagem, investigando-os, de modo empírico, para apresentar soluções como é o caso deste meu trabalho que se enquadra nessa última posição, cuja perspectiva investigatória parte do trabalho desenvolvido em sala de aula e das suas influências e repercussões no processo/produto do ensino de textos.
A respeito desses aspectos metodológicos do ensino de redação, Geraldi (1996) discute seus problemas e propõe a construção de um novo modo de ensinar/aprender. Ele cita três grandes contribuições que podem ser retiradas da pesquisa lingüística contemporânea para o ensino da língua materna: a forma de conceber a linguagem e de definir seu objeto (a língua); o enfoque diferenciado da questão das variedades lingüísticas e a questão do discurso, materializado em diferentes configurações textuais.
Na sua proposta, Geraldi enfatiza os níveis de análise pragmática e discursiva, com um programa não convencional realizado através de atitudes de reflexão que partem do uso da língua e no interior deste uso, para os aspectos lingüísticos a ele ligados, para depois retornar à prática lingüística na compreensão e na produção de textos próprios, na oralidade e na escrita.
Em Porto Alegre, Rehfeldt (1981), em seu trabalho Por uma gramática do texto, apresentou também uma proposta para o ensino da Língua Portuguesa destinada à formação de professores, especialmente aos da área de Letras, que considero muito importante para uma reflexão sobre a prática do ensino de redação no 1º, 2º e 3º graus, no sentido de buscar alternativas para ensinar gramática com base em textos. Rehfeldt, primeiro provoca uma reflexão sobre a crise no ensino da língua; depois destaca os tópicos centrais que envolvem leitura, redação e aquisição do desenvolvimento da linguagem; e, por último, apresenta os fundamentos teóricos e práticos que evidenciam o modo como as pessoas chegam ao domínio das estruturas lingüísticas, das mais simples às mais complexas.
Com a intenção de contribuir também com o profissional de texto, ou seja, os que trabalham com produção de textos, no ensino ou no seu cotidiano, Gabriel Perissé (1996), poeta, tradutor e professor, relata sua experiência com as palavras e propõe uma forma de encarar com realismo o desafio de escrever profissionalmente com esforço e criatividade. Para Perissé:
Ler, pensar e escrever são três ações que se complementam. Quem lê melhor pensa mais claramente e escreve com mais espontaneidade e disciplina. Quem pensa melhor escreve mais rapidamente e lê com mais profundidade. Quem escreve melhor lê mais intensamente e pensa com mais paixão e equilíbrio.

Perissé não aconselha receitas ou macetes, mas sempre voltar a aprender a ler, a pensar e a escrever, como ações simultâneas ao próprio viver. Ele destaca a importância do rascunho, das marcas do processo de elaboração e registro dos esforços da criação como meios que possibilitam a autocrítica. Concordo com Perissé e acrescento: está aí uma razão para acatar as propostas anteriormente citadas por priorizarem essas três ações (ler, pensar e escrever) e um forte pretexto para buscar apoio na Crítica Genética a fim de testemunhar os processos de criação dos alunos durante o seu percurso de aprendizagem do ler, pensar e escrever.

5. Aspectos didático-pedagógicos: ensinar a aprender x aprender a aprender

Antes de querer ensinar redação, todos os professores que trabalham com a disciplina de Língua Portuguesa deveriam conhecer como seus alunos aprendem, como constróem seus textos e como fazem as substituições de conceitos à medida que aprendem. De modo geral, são poucos os professores de língua materna, especialmente de redação, que escrevem seus próprios textos. Geralmente, as aulas são extraídas de obras de Técnicas de Redação, das quais, muitas vezes, nem são citadas as fontes para os alunos, começando por aí o desprestígio para com quem escreve, apesar de se privilegiar o que está escrito.
Vários autores participam dessa postura de que todos estão em fase de aprendizado: professores e alunos, se se considerar essa aprendizagem como processo. O difícil ainda é conscientizar o professor de que ainda há muito que aprender e que, ao chegar ao ponto desejado, para a vida isto passa a ser apenas o ponto de partida.
Landsmann (1998), em seus estudos acerca dos processos evolutivos da linguagem escrita, adotou uma linha de descrição e análise com base na perspectiva de educadores, professores da pré-escola e do ensino básico que acreditam aplicar em sala de aula um conjunto de idéias surgidas da sua participação em cursos de reciclagem. A partir das reflexões desses professores, ela tentou destacar as principais contribuições didáticas deduzidas das pesquisas psicológicas realizadas sobre o desenvolvimento da escrita e da linguagem escrita.
Pelas sugestões de trabalho, outras idéias foram desencadeadas e multiplicadas pelos docentes. Apresentando uma fundamentação psicolingüística e empírica das sugestões didáticas, Landsmann definiu em seu trabalho os diversos aspectos alcançados pelo saber escrever a partir do conhecimento das características formais do sistema de escrita até a compreensão do seu uso com vários propósitos. Além de abordar o tema dos efeitos da escrita no desenvolvimento do indivíduo, ela também explica o que é possível fazer graças à escrita e como todos são afetados por ela enquanto usuários e nascidos em uma comunidade que sabe escrever. Em seu livro Aprendizagem da leitura (p.9), Landsmann afirma:

... Há cerca de quinze anos, o desenvolvimento do escrever e do escrito deixou de ser uma disciplina escolar, tornando-se objeto de exploração de psicólogos e psicolingüistas. Durante a década de 1970, foram realizados numerosos trabalhos na Europa, EUA e América Latina, tentando resolver as perguntas sobre como é que as crianças aprendem a ler e a escrever, e não como é que são ensinadas. A suposição básica da qual esses trabalhos partem é a de que as crianças em uma comunidade que utiliza a escrita não podem permanecer indiferentes à sua existência e, portanto, ‘constróem conhecimento’ sobre ela, antes mesmo que algum adulto decida ensinar-lhe sistematicamente. É surpreendente que, cada vez que nos dirigimos a um grupo de professores que não conhecem esses dados da pesquisa psicológica e perguntamo-lhes como é que as crianças aprendem a escrever, eles respondem descrevendo a metodologia que utilizam para ensinar.

Lansdmann, a meu ver, tem razão quando afirma que os professores confundem o como ensinar e o como aprender como se o conhecimento só pudesse partir deles e jamais do aluno. Por isso, vejo que os caminhos da aprendizagem espontânea diferem das várias metodologias tradicionalmente utilizadas para ensinar a ler e a escrever. Nesse sentido, vários estudos empíricos dedicados à psicogênese da escrita, na América Latina, superaram limitações epistemológicas e postulados teóricos nos quais se fundamentaram, como ocorreu com os trabalhos piagetianos.
Tanto estudantes universitários de psicologia evolutiva, de psicolingüística e didática da língua, como profissionais da educação têm incluídos nos programas dos seus cursos o tema: desenvolvimento da linguagem escrita, o que não existia há seis ou sete anos. Contudo, mesmo sabendo que o conhecimento se constrói apesar do aluno e do professor, considero que, como docente da língua materna, tenho obrigação moral de incentivar meus alunos para a escrita e de conscientizá-los quanto à questão da incapacidade ou intencionalidade, cujo caráter é mais social do que individual.
Ainda, a respeito das reflexões dos docentes que servem como sistematização da postura pedagógica utilizada para ensinar a escrever, Landsmann (1998:38-40) apresenta um elenco de coincidências entre as opiniões dos professores:
l. O escrever não é considerado apenas uma habilidade motora, mas um conhecimento complexo;
2. não se considera necessário (nem possível) separar o aprender a escrever do escrever;
3.escrever e ler são consideradas atividades diversas, cada uma com suas particularidades. Aprender a escrever não é conseqüência de aprender a ler, nem vice-versa;
4.o escrever é considerado tanto uma atividade individual quanto um produto de interação grupal;
5. distingue-se entre uma ordem de ensino e uma ordem da aprendizagem.


Analisando essa constatação, acredito que ainda falta aos professores o conhecimento de como os alunos aprendem a ler, escrever e interpretar, e a preocupação de captar o que eles já sabem em termos de linguagem escrita, porém, sem esquecer que seu dever social, perante a sociedade, é ajudá-los a chegar ao que ainda não sabem, estimulando-os a irem além do que sabe o próprio professor.
Se, no 1º grau, a preocupação tem sido com crianças que não sabem desenhar as letras e combiná-las para constituir palavras e frases, no segundo a ênfase ainda vem sendo dada à dificuldade dos adolescentes em produzir textos sem erros de ortografia e sem desvios das regras gramaticais. No curso superior, o que sempre se questiona é a incapacidade do estudante de argumentar sem clichês nem redundâncias ou de expressar suas idéias com completude e de forma coerente e polida. Por isso, é coerente afirmar que os aspectos didático-pedagógicos envolvidos no saber escrever equivalem a conhecimentos de diferente conteúdo, modalidade, nível e meios de simbolização gráfica do sistema da escrita (representações).
Essas representações participam de uma concepção geral da gênese do conhecimento, relacionadas com a bagagem biológica, com as interações com o meio e com o trabalho interno das necessidades das representações já adquiridas.
É nessa última posição que o meu trabalho se enquadra porque descreve a mudança e o progresso da representação, além de analisar e explicar os processos de produção de que o aluno lança mão na hora de expressar por escrito, de algum modo, suas idéias, na busca de mostrar qualidade no seu texto.
A prática de ler manuscritos cheios de rasuras de composições escolares, leva-me a considerar que, ao produzir textos, o aluno regula a sua atividade de organização conforme o conhecimento adquirido desde seu planejamento até a execução da tarefa de escrever. Quando se trata de escrever um texto, algumas restrições são impostas pelo próprio produtor quanto ao conteúdo, gênero e controle. A avaliação está implícita no rascunho, nas rasuras, nas tentativas de convencer, cujas marcas de hesitação e substituição revelam onde o professor deve entrar com sua atuação. É chegada a hora do diálogo, da troca de experiências para se aprender a aprender, buscando opções de estilo, expressão e combinando regras para controle numa perspectiva de interação.
Depois da avaliação de um manuscrito de aluno é que começa o planejamento do professor e a atualização do seu programa de ensino de redação. Digo isto, pelas experiências solitárias, buscando resolver problemas de composição escrita, reconhecendo ter vivido algo idêntico, sempre que me deparo com problemas de texto; percebendo só mais tarde que, muitas vezes, ao começar a escrever, uma idéia traz outra e ocorre o perigo de não se conseguir dizer por escrito o que se pretende. De repente, são expressas idéias que, de modo algum, se haviam previsto. Assim, posso crer na existência de um conjunto de processos que influem no desenvolvimento da escrita: o de criação de argumentos sem controle do produtor; o de difundir idéias já conhecidas do criador; o de criar idéias sobre um assunto determinado; e o de criar argumentos de colaboração para a realização do texto, que, nem sempre garante a qualidade esperada pelo criador, podendo, às vezes, até desvirtuá-lo.
Mesmo não aceitando a teoria do dom para a escrita, nem a da maior capacidade nem a da inspiração, acredito que a mudança do processo de apresentar o conhecimento para o de transformar o conhecimento depende da intervenção do professor, porém, de forma interativa sem o ranço da troca do desvio pelo padrão ideal.
Para transformar o conhecimento no ensino de redação, a postura didático–pedagógica deve enfatizar cada resultado como parte de um processo contínuo em que a produção de textos figure em diversas etapas de criação: estruturação e reestruturação; construção, desconstrução e refacção; além de considerar o texto como produto em construção, pronto a ser revisitado, analisado e não como obra definida, visto que é objeto de estudo (professor/aluno) e não encomenda de uma editora. Partindo dessa idéia, proponho cinco etapas que considero alcançar todo o processo de produção de texto: criação de idéias, pesquisa em outras fontes, escolha e determinação do tema, manuscrito ou texto preliminar e a revisão do texto.
Quanto à idéia de revisão do texto, esta pode ser iniciada na pré-escola, a partir dos pseudo–textos das crianças, passando pelos rascunhos das composições escolares do 1o e 2 o graus até os manuscritos e fichamentos dos estudantes universitários.
Voltando a tratar da psicogênese da escrita, assunto em moda a partir dos anos 70, apesar da existência dos trabalhos soviéticos (Luria, Vigotsky, Leontiev e outros) com quase cinqüenta anos, alguns preconceitos tiveram que ser rompidos até a década atual (1990), em relação a se considerar a escrita como objeto de estudo psicológico, dependente do desenvolvimento mental e biológico.
Em conseqüência das tentativas de aplicação das teorias da aprendizagem, a questão entre ensinar a aprender e aprender a aprender possui marcas que mesclam um modelo que é resultado dos vários métodos de ensino que ainda vigoram nas escolas. E, em se tratando de como o aprendiz constrói suas idéias, os trabalhos de estudiosos anglo–saxões e de pesquisadores piagetianos trazem valiosas contribuições que, de algum modo, auxiliam os professores de redação a aceitar que, em termos de ensino da linguagem escrita, todos estão em processo de aprendizagem.
Na concepção dos anglo–saxões, a preocupação é encontrar e descrever as regularidades nas produções do sujeito que aprende; na visão piagetiana, a primazia é descrever as circunstâncias do aprendizado ou desempenho dos adultos nessa aprendizagem, além de pressupor uma metodologia fundamentalmente baseada em situações experimentais e entrevistas clínicas, enquanto os primeiros baseiam-se essencialmente em técnicas de observações.
Segundo Lívia Suassuna (1998) três preconceitos epistemológicos foram rompidos para que os lingüistas ousassem analisar todos os aspectos da linguagem escrita. m deles era o de origem comportamental; o segundo, de origem piagetiana; o terceiro, de origem lingüística, inicialmente se ocupando da oralidade.
Em relação ao aprendizado da escrita, a partir dos anos 80, vários aspectos didáticos e pedagógicos vêm sofrendo transformações, oscilando entre a metodologia do ensinar a aprender (didática uniforme de preparação de professores de 1o e 2o graus) das instituições de ensino que acreditam em uma matriz para ensinar e a pedagogia do aprender a aprender (propostas interdisciplinares dos Parâmetros Curriculares Nacionais) dos cursos de capacitação que enfatiza a diversidade com base no dialogismo.
Essa segunda postura, que norteia este trabalho, defende os princípios construtivistas da teoria piagetiana em que o sujeito é ativo e busca aprender. Nenhum conhecimento começa do zero e todo conhecimento, mesmo convencional, deve ser construído pelo sujeito que o adquire. Esses postulados, no âmbito da escrita, implicam considerar que o sujeito não espera ser ensinado, pois a escrita faz parte do seu meio. Para conhecer esse sujeito e o que ele conhece sobre a escrita é preciso que se estude o desenvolvimento de ambos (sujeito-escrita), e, ao estudar o desenvolvimento, considerar e entender as modificações das regras do sistema que podem ser realizadas pelo sujeito.
De modo geral, é possível reconhecer que os resultados das pesquisas de origem sul-americana foram os que mais se aprofundaram na compreensão da psicogênese da escrita. Também a contribuição da Psicologia e da Lingüística no início das teorias de aquisição da escrita, promoveram a recuperação do tema psicológico, tornando-a não só uma disciplina escolar, mas um domínio do desenvolvimento aceito pela Didática e pela Pedagogia.

BIBLIOGRAFIA
HANSEN, Gilvan Luis. A universidade e os desafios de uma nova mentalidade. In: A universidade em debate. Londrina: EDUEL, 1998.
JAMES, William. O que significa o pragmatismo. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Tradução de Jorge Caetano da Silva e Pablo Rubén Mariconda).
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. 3ª ed. Lisboa: Fundação Galouste Gulbekian, 1994. (Tradução do original alemão: Kritk der Reinen Vernunt por Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão).
PEIRCE, Charles. Como tornar claras nossas idéias. In: Popular Science Monthly, 1978.

____________. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1977.


PROTA, Leonardo. Um novo modelo de Universidade. São Paulo: Convívio, 1987.
PROTA, Leonardo. A Universidade em debate. Londrina: Editora da UEL, 1998.
RUSSEL, Bertrand. História da Filosofia Ocidental. São Paulo: Nacional, 1982. V. 3; p. 389-391.