Introdução

Neste estudo, pretendemos apresentar algumas das principais características temáticas e formais da poesia de patativa do Assaré.

Optamos por desenvolvê-lo em cinco tópicos: 1.Biografia e obra, 2.Os traços de oralidade, 3.Indicadores de uma poesia popular, 4.A construção da identidade sertaneja e 5.Os níveis da poesia de Patativa do Assaré.

O primeiro tópico Biografia e obra se reparte em dois. Primeiro são apontados alguns momentos marcantes de sua biografia; em seguida, apresentaremos seus livros publicados, destacaremos seus poemas mais conhecidos e alguns títulos de CDs e discos de canções com composições suas.

Em Os traços de oralidade, apresentaremos algumas marcas que revelam a natureza oral da poesia de Patativa do Assaré.

O tópico Indicadores de uma poesia popular irá discorrer e buscará na poesia de Patativa algumas características que a qualificam como essencialmente popular.

Posteriormente, em A construção da identidade sertaneja, tentaremos esclarecer amaneira e de quais recursos se utiliza o poeta para construir a identidade em suas poesias.

Por fim, no tópico Os níveis da poesia de Patativa do Assaré, dividiremos suas composições em grupos, de acordo com o grau de utilização do poeta. Tais grupos chamaremos aqui de níveis.

É importante salientar que as idéias apresentadas neste estudo referem-se as características mais evidentes do poeta. Outros estudos com grande força em detalhes, com análises mais específicas e de diferentes perspectivas não só nos foram úteis, como também constituem material valioso àqueles que se interessam em debruçar-se sobre a obra do poeta.


Biografia e obra

No dia 5 de março de 1909, nasce Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, num sítio em Serra de Santana, distante três léguas do município de Assaré. Filho do casal de agricultores Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da Silva , Patativa já cedo experimentou da difícil vida do sertão nordestino, ficando cego muito cedo e perdendo seu pai aos 8 anos de idade. Acaba o menino tendo que ir trabalhar ao lado do irmão mais velho para sustentar a família.

Aos doze anos de idade começa freqüentar a escola, mas demora apenas alguns meses nesta. Isto, no entanto, já é suficiente para o menino virar um voraz devorador de livros. Aos dezesseis anos de idade ganha da mãe uma pequena viola. A partir daí passa a cantar seus repentes e apresentar-se em pequenas festas da cidade.

O apelido de Patativa é adquirido pela comparação que se faz entre o jovem e um pássaro típico da região, aos vinte anos de idade. Neste período, começa a viajar por algumas cidades do Nordeste em apresentações.

E daí por diante Patativa só ver crescer sua fama. Cantores como Fagner e Luis Gonzaga transformaram seus versos em música; livros são publicados com suas poesias; vemos o nome de Patativa sendo divulgado nos meios de comunicação. E o poeta tem seu talento consagrado ao ganhar vários prêmios e títulos por suas obras.

Em 8 de julho de 2002, na sua cidade natal, Patativa do Assaré morre vítima de uma pneumonia.

Patativa teve os seguintes livros publicados:

-Inspiração Nordestina;

-Inspiração Nordestina: Canto do Patativa;

-Cante lá que Eu Canto Cá;

-Ispinho e Fulô;

-Balceiro . Patativa e Outros Poetas do Assaré;

-Cordéis: Aqui tem Coisa;

-Biblioteca de Cordel: Patativa do Assaré;

-Balceiro 2.Patativa e Outros Poetas do Assaré.



Vale ressaltar que esta lista mencionada acima abrange publicações com poemas exclusivos de Patativa do Assaré. O poeta terá poesias suas em muitas outras publicações, ao lado outros poetas populares.

Aqui estão alguns dos mais conhecidos poemas de Patativa:



-A triste partida;

-Cante lá que eu Canto de Cá;

- Coisas do Rio de Janeiro;

-Meu Protesto;

-Mote/ Glosas

-Peixe;

-O poeta da Roça;

-Apelo dum Agricultor;

-Se existe Inferno;

-Vaca Estela e Boi Fubá;

-Você se Lembra?

-Vou vorá.



E muito do talento de Patativa do Assaré encontra-se em discos e CDs:



-Poemas e Canções, 1979.

-A terra É Naturá, 1981.

-Canto Nordestino, 1989.

-85 Anos de Poesia, 1994.

-85 Anos de Poesia, 1997.





Os traços de oralidade



Patativa do Assaré, apesar de ter inúmeros poemas publicados, não escrevia nenhum deles. Com habilidade inacreditável de memorização, o poeta decorava todos seus poemas. Todos os versos que hoje podemos ver são graças ao trabalho de outras pessoas que se empenharam em transcrever os poemas do poeta, seja ouvindo diretamente do poeta, seja através de gravações. Deste modo, a poesia patativana é fortemente marcada pela oralidade.

Um primeiro elemento que evidencia esta oralidade é o próprio poeta. Como comentamos acima, Patativa não escreve sua poesia, só as recita. E mesmo nas transcrições de seus versos, percebemos certa busca em se preservar as marcas de sua pronúncia:



" Canto as fulô e os abroio

Com todas coisa daqui:

Pra toda parte eu óio

Vejo um verso bulí

Se as vêz andando no vale

Atrás de curá meus male

Quero repará pra serra

Assim que eu óio pra cima

Vejo um diluve de rima

Caindo inriba de min"

(Cante lá que eu canto cá)



Vemos no trecho acima algumas palavras transcritas de acordo com a pronúncia do poeta.

Outro traço que revela a oralidade da poesia patativana é seu caráter circunstancial e passageiro. Por toda a vida, Patativa realizou improvisações, um gênero cuja elaboração da poesia se dá num curtíssimo espaço de tempo. De acordo com Debs ( p.24, 2000): " É freqüente que o poeta, após perguntar o nome e algumas informações sobre as pessoas que vêm vê-lo, improvise um pequeno poema no qual traça um retrato de seu visitante, apesar da cegueira..." .E bastava um simples tema, que o poeta era capaz de desenvolver um extenso poema a partir daquele mote.É principalmente no início de sua carreira que Patativa se dedica a este gênero, geralmente em festejos em pequenas cidades, em festas de casamento, aniversários, etc. Por causa desta realidade muitas poesias de Patativa não chegarão ao nosso conhecimento, por não terem sido transcritas.

Analisando a produção do poeta, muitos outros elementos reforçam nossa tese a respeito desta oralidade. Até mesmo no título de suas produções isto nos é exposto, pela função conativa da linguagem aí presente. Temos por exemplo, interrogações como em "Você se lembra?, ou em " Dotô me conhece?, destinação em "Aos poetas clássicos", " À minha esposa Belinha" e "Ao leitor", e interpelação do ouvinte como em "Cante lá que eu cante cá". Do mesmo modo, é comum nos seus primeiros versos a abundante presença do aspecto discursivo: Temos a indagação em "Querem saber quem eu sou" ( Aqui Tem Coisa), temos a forma de oração em " Quero que me dê licença para minha história contá" (Cante lá que eu cante cá) e ainda a saudação em " Boa noite, home e menino e muié deste lugá? (Inspiração Nordestina).









Indicadores de uma poesia popular



Um primeiro indicador a revelar a essência popular da poesia de Patativa do Assaré esta nas temáticas abordadas pelo poeta. Com efeito, é de predominância notória temas como o ciclo religioso, o messianismo, a descrição do difícil vida nordestina, caatinga, migrações, secas inundações, a submissão do camponês em relação ao fazendeiro, a política nordestina. Estes temas estarão em poemas como " A triste partida" , " O padre Henrique e o dragão da maldade", e muitos outros.

Descobrimos também a presença de personagens tradicionais do sertão do sertão: o vaqueiro, o agricultor, o fazendeiro, o caçador, o caboclo. Além disso, vemos a presença de animais familiares típicos como o cavalo, o jumento, o burro, o boi, o galo, o cachorro. E ainda a forma como muitos personagens são nomeados de forma tradicional e popular na poesia de Patativa: temos o Zé Geraldo, tendo o segundo nome em referência ao pai; o Zé da Ana, recebendo o segundo nome em referência à mãe; e a Ciça do Barro Cru, em referência à profissão.

Está presente na poesia de Patativa uma face educativa. Suas palavras visam instruir e transmitir valores morais. Estes valores morais tão empregados pelo poeta, no entanto, não se baseiam em princípios teóricos; provém de gerações anteriores e da experiência vivida. A concepção de mundo na concepção de Patativa pode ser qualificada como humanística ou cristã, bem própria da cultura nordestina:



" Deus quando o mundo criou

ordenou a paz comum

e com amô ensinou

o devê de cada um

os home pra trabaiá

um ao outro respeita

e a boa estrada segui...

e os bicho irracioná

promode se alimentá

produzi e reproduzi"

(O meu livro)



Estes mesmos valores serão difundidos por muitos outros cordelistas nordestinos.

Como agricultor que foi, Patativa não esquece o descaso político em relação à condição do sertanejo. Patativa foi poeta político, reivindicou a reforma agrária:



A bem de nosso progresso

Quero apoio do congresso

Sobre um reforma agrária

Que venha por sua vez

Libertar o camponês

Da situação precária

( Eu quero)



E deste modo, Patativa não é só voz, é grito que reivindica melhoras ao Nordeste. Nele há anseios e esperanças de um povo que experimenta na tez as mazelas de uma região sofrida.





A construção da identidade sertaneja



Ao analisarmos a poesia de Patativa do Assaré, deparamo-nos, ao primeiro contato, com uma preocupação por parte do poeta em construir uma identidade sertaneja. E veremos que tal traço será uma constante em toda sua poesia. Para tal fim, o poeta buscará retratar não só a língua, os personagens e o cotidiano do mundo rural, mas também as aspirações sociais, as insatisfações políticas e econômicas.

É traço marcante nesta identidade a predominante interpelação de uma vida sofrida em uma terra castigante. Vejamos:



" Berra o gado impaciente

Reclamando o verde pasto,

Desfigurado e arrasto

Com o olhar penitente

O fazendeiro, descrente

Um jeito não pode dar

O sol ardente a queimar

E o vento forte soprando,

A gente fica pensando

Que o mundo vai se acabar"

(Cordel)



É possível também perceber na linguagem do poeta um vasto repertório de termos que refletem fielmente este doloroso penar sertanejo: " olhar de penitente, sol ardente, triste sorte, pobre gente, pobre nordestino, tanta miséria, desumano patrão, sem sossego, vida cansada".

Patativa foi, segundo Tavares Júnior (p.8,1999) " Homem totalmente integrado à terra e visceralmente unido ao seu irmão sertanejo, cioso das tradições e dosa valores cultivados no sertão, conhecedor de costumes e do modo de ser de seu povo..." . Fica assim evidente que o poeta grita as dores que também o afligem, porque ele é personagem do contexto que lhe serve de inspiração.

A identidade sertaneja é assegurada também por um jogo de oposição encontrado na poesia de Patativa. Por isso dizemos que a poesia é dicotômica. O eu-lírico por muitas vezes recorre a um jogo que opõe valores, costumes, conhecimentos, regiões, etc.



" Ao dinheiro, ele opõe a felicidade; assim, em ?Ser Feliz? ele ressalta que a felicidade ?nasceu na simplicidade sem ouro, sem lar nem pão?. Opõe os bens materiais à riqueza interior : ?Dentro da minha pobreza, eu tinha grande riqueza?( A morte de Nana) e fustiga aqueles que são escravos dos bens materiais em detrimento do respeito aos valores humanos..."

( Debs, p.34, 2000)



Como vemos, o poeta preocupa-se em formar a imagem do sertanejo como um ser que não carece de bens materiais para manter sua felicidade.

Este efeito dicotômico o eu-lírico consegue também através de sistemas de negações:



" Você teve inducação,

Aprendeu munta ciênça,

Mas das coisa do sertão

Não tem boa esperiença

Nunca fez uma paioça

Nunca trabalhou na roça,

Não pode conhecê bem,

Pois nessa penosa vida

Só quem provou da comida

Sabe o gosto que ela tem

(Cante lá que eu canto cá)



Além disso, é típica da poesia de nosso poeta a visão dicotômica no plano espacial. Com efeito, o eu-lírico estabelece essa distinção cidade/sertão, Nordeste/Sul:



"Distante da terra

tão seca mais boa

sujeito a garoa

a lama e o paul

é triste se ver

um nortista tão bravo

viver sendo escravo

na terra do Sul

(A triste partida)



E deste modo a identidade é construída por um sistema de diferenciação, em que o homem do sertão é explicado a partir da oposição com outros elementos.







Os níveis da poesia de Patativa do Assaré



Patativa possui um total de 525 composições documentadas. Nestas composições, encontraremos muitos dos recursos formais aplicados na literatura canônica, desde o tipo de estrofes até os esquemas rítmicos. Para fins de melhor análise, organizamos suas composições tendo como critério os tipos de estrofes:



Forma fixa (Soneto): 48; Forma fixa( Quadrinha): 71; Mistas : 10; Irregulares: 7; Quarteto: 56; Sextilha: 41; Septilha: 5; Oitava: 16; Décimas: 271;



Tais poemas poderão se dividir em três grupos que aqui chamaremos de níveis, tendo como critério o grau de utilização pelo poeta. O nível 1 é composto pelas formas menos utilizadas; no nível 2 encontramos formas com uma ocorrência intermediária; e no nível 3 estão as formas mais utilizadas pelo poeta:



Nível 1 - Mistas : 10; Septilha: 5; Irregulares: 7; Oitava: 16:



Nível 2 - Sextilha: 41; Soneto: 48; Quarteto: 56; Quadrinha: 71;



Nível 3 - Décimas: 271;





































Conclusão





Patativa do Assaré sentiu já cedo as situações que a sua poesia canta. Nos versos, encontrou caminho para expor as dores e alegrias suas, de seu povo e de sua terra.

E nessa tarefa alcança destaque e passa a ser conhecido em todo o país. Tem livros publicado e até mesmo a música serve-se de suas composições.

Sua poesia será fortemente marcada pela oralidade, pelo aspecto popular e por uma identidade sertaneja.

Além disso, Patativa, poeta que não escreve, produz poesias em diversos formas poéticas e utiliza-se dos mais diversos recursos próprios da literatura erudita.

Figura já consagrada, patativa , no entanto, não recebe a atenção devida por parte das instituições. Com uma poesia tão recente e tão rica, Universidade e escola ainda não exploram devidamente o que ocorre em abundância na obra do poeta. É preciso uma maior valorização do talento e da obra desse nosso artista, um artista por natureza.

























































Referência Bibliográfica





ASSARÉ, Patativa do. Cordéis. Fortaleza: EUFC, 2002.

ASSARÉ, Patativa do. Cordel: Patativa do Assaré. São Paulo: Hedra, 2000.

ANDRADE, Cláudio Henrique Sales. Aspectos e Impasses da Poesia de Patativa do Assaré. 2008. 302 f. Tese ( Doutorado em Literatura). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.