ASPECTOS DA TUTELA COLETIVA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ¹.

 

Aylla Gleyssa Muara dos Santos Silva²

Lanuza Fernandes Damasceno³

Roberto Almeida *

 

Sumário: Introdução; 1. Interesse Coletivo, Difuso e Individuais Homogêneos; 2. Legitimidade Ativa do Ministério Público nas Ações Coletivas; 3. Ações Principais, Cautelares e Individuais; 4. Princípio da Obrigatoriedade; 5. O Inquérito Civil e o Ministério Público; Conclusão; Referências.

 

RESUMO

 

O Código de Defesa do Consumidor possui como fundamento primordial controlar as ações abusivas dos fornecedores, e, portanto, ele permite a defesa do consumidor em larga escala, sendo que o consumidor poderá ser protegido através de ações coletivas e ações civis públicas. Assim, têm-se a consciência da fundamental importância das ações coletivas, sejam elas propostas pelo Ministério Público ou pelas Associações de Defesa do Consumidor. Partindo deste pressuposto, ser-se-á analisado neste Paper, os aspectos da Tutela Coletiva no Código de Defesa do Consumidor e suas principais funções relacionadas a cada capítulo.

Palavras-Chave: Ministério Público. Tutela Coletiva. Consumidor.

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

                   No Código de Defesa do Consumidor, foi de fundamental importância à previsão de legitimação do Ministério Público e das entidades de proteção ao consumidor para ingressarem com ações coletivas em busca da defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, que muitas vezes, carentes de informações, não têm condições de propô-las. Ensina Marques (2002), que o papel do Ministério Público é decisivo na proteção do consumidor, seja como órgão de conciliação, seja como legitimado para a ação civil pública, isto é, como órgão legitimado para propor a ação de controle em abstrato das cláusulas abusivas, conforme o § 4º do art. 512 do CDC.

                         Para que se possa adentrar ao objetivo principal deste Paper, vale ressaltar e adequar conceitos úteis. Deixando para trás as inúmeras possibilidades de conceituação do consumidor, atentaremo-nos para o conceito legal de consumidor que se encontra previsto no art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”, e por equiparação “a coletividade de pessoas ainda que indetermináveis tenham intervindo nas relações de consumo”.

                   A ideia de proteção dos interesses transindividuais preceituada no CDC faz com que surja uma tutela específica para aqueles consumidores que estão ligados por circunstâncias de fato, ou de uma relação jurídica base, devendo ser protegidos. Com estas breves palavras, serão analisadas as relações de consumo individuais, remetendo-as à ideia de defesa dos interesses coletivos e nos casos de relevância social, os interesses individuais homogêneos dos consumidores.

  1. 1.    INTERESSE COLETIVO, DIFUSO E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.

                   No que se refere aos direitos ou interesses coletivos, tem-se o artigo 81, parágrafo único, II do Código de Defesa do Consumidor preceitua:

Art 81: “ a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: “interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com parte contrária por uma relação jurídica base”.

                   Para Bruno Miragem (2012, p.539-540), são direitos cujo vínculo de identidade refere-se a uma relação jurídica básica existente antes da lesão ou ameaça de lesão a ser tutelada. No caso dos interesses ou direitos coletivos, uma vez que existe uma relação jurídica base que vincula a todos os titulares do direito a ser tutelado, percebe-se que os titulares destes direitos serão identificáveis e determináveis, uma vez que pertencerão a categoria ou grupo vinculado entre si, ou a parte contrária.

                   Direitos coletivos são direitos subjetivamente transindividuais, ou seja, sem titular determinado, e materialmente indivisíveis. Os direitos coletivos comportam sua ação no singular, inclusive para fins de tutela jurisdicional. Onde, embora indivisível, é possível conceber-se uma única unidade da espécie de direito coletivo. O que é múltipla e indeterminada é a sua titularidade e daí a sua transindividualidade. “ Direito coletivo” é designação genérica para as duas modalidades de direitos transindividuais: o difuso e o coletivo stricto sensu. É denominação que se atribui a uma espécie de categoria de direito material, nascida da superação, hoje indiscutível, da tradicional dicotomia entre interesse público e interesse privado.É direito que não pertence à administração pública e nem a indivíduos particularmente determinados. Pertence, sim a um grupo de pessoas , a uma classe, a uma categoria, ou à própria sociedade, considerada em sentido amplo ( ZAVASCKI 2005, p. 27). Quanto aos direitos difusos, o mesmo artigo supracitado, porém agora no inciso I, dispõe que:

“ I- interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os trans-individuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.”

                   É difuso o direito ou interesse que atinge número indeterminado de pessoas, ligadas por relação meramente factual. Assim, a indeterminação dos titulares seria a característica básica dos interesses difusos (HENDLER 2006, p,2).

                   Interesses difusos propriamente ditos compreendem interesses que não encontram apoio em uma relação-base bem definida, reduzindo-se o vínculo entre as pessoas a fatores conjunturais ou extremamente genéricos, a dados de fato frequentemente acidentais e mutáveis: habilitar a mesma região, consumir o mesmo produto, viver sob determinadas condições socioeconômicas, sujeitar-se a determinados empreendimentos, etc. Trata-se de interesses espalhados e informais à tutela de necessidades, também coletivas, sinteticamente referidas à qualidade de vida. E essas necessidades e esses interesses, de massa, sofrem constantes investidas, frequentemente também de massa, contrapondo grupo versus grupo, em conflitos que se coletivizam em ambos os pólos ( GRINOVER 1983,p. 284).

                   Em termos conceituais, os interesses difusos são interesses metaindividuais, que não tendo atingido o grau de agregação e organização necessários à sua afetação institucional junto a certas entidades ou órgãos representativos dos interesses já socialmente definidos, restam em estado fluido, dispersos pela sociedade civil como um todo, podendo, por vezes, concernir a certas coletividades de conteúdo numérico indefinido (MANCUSO2007 apud MIRAGEM 2012 p.539).

                   Por fim, os direitos individuais homogêneos são, simplesmente, direitos individuais subjetivos. A qualificação de homogêneos não altera e nem pode desvirtuar essa sua natureza. É qualificativo utilizado para identificar um conjunto de direitos subjetivos individuais ligados entre si por uma relação de afinidade, de semelhança, de homogeneidade, o que permite a defesa coletiva de todos eles. Para fins de tutela jurisdicional coletiva, não faz sentido, portanto, sua versão singular (um único direito homogêneo), já a que a marca da homogeneidade supõe, necessariamente, uma relação de referência com outros direitos individuais assemelhados. Nessa compreensão, é certa, uma pluralidade de titulares, como ocorre nos direitos transindividuais; porém, diferentemente desses (que são indivisíveis e seus titulares são indeterminados), a pluralidade, nos direitos individuais homogêneos, não é somente dos sujeitos (que são determinados), mas também do objeto material, que é divisível e pode ser decomposto em unidades autônomas, com titularidade própria. Não se trata, pois, de uma espécie de direito material ( ZAVASCKI 2005, p.28).  

 

  1. 2.    LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NAS AÇÕES COLETIVAS.

 

                   Buscar a tutela jurisdicional, faz-se necessário que o interessado possua legitimidade. O Código de Processo Civil, em seu artigo 6º, diz expressamente que ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei, ou seja, no ordenamento jurídico brasileiro cada interessado defende pessoalmente seus interesses. Para estar em juízo defendendo direito alheio é necessário expressa autorização legal. A legitimidade só pode ser analisada frente a um determinado ato, pois inexistiria legitimidade incondicionada para qualquer situação fática, ou seja, uma legitimidade ad causam e irrestrita.

                   Mediante isto, na defesa dos interesses coletivos e difusos, o Ministério Público tem ampla atuação. De acordo com lição de Hugo Nigro Mazzilli, a atuação do Ministério Público será cabível sempre que: “haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou pelas características do dano, ainda que potencial; seja acentuada a relevância social do bem jurídico a ser defendido; esteja em questão a estabilidade de um sistema social, jurídico ou econômico, cuja preservação aproveite à coletividade como um todo”.

                   A legitimidade da atuação do Ministério Público na defesa dos interesses transindividuais é dada pelo art. 127, da Constituição Federal, que diz expressamente: “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” e pelo art. 129, III, também da Constituição Federal, estabelece que “são funções institucionais do Ministério Público: (...) III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. Por não fazer menção aos interesses individuais homogêneos expressamente, criou-se controvérsia em torno da interpretação do artigo 129, III, CF.

                   Deve-se entender, entretanto, que o rol de atividades ali presente não é taxativo, de forma que a atuação institucional do Ministério Público pode ser complementada por diplomas legais, sem usurpação da competência do legislador constituinte. O STF pacificou a questão ao estabelecer que no gênero “interesses coletivos”, ao qual o art. 129, III, CF faz referência, se incluem os “interesses individuais homogêneos” cuja tutela, dessa forma, pode ser pleiteada pelo Ministério Público, desde que presente relevante interesse social, como pode ser observado no presente acórdão:

Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos. 4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas(RE 163.231/SP, Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 29-06-2001).

                   Parte da doutrina que entende não ser o Ministério Público ente legitimado para ingressar em juízo tutelando direito individual homogêneo, defende este posicionamento explicando que os direitos individuais são considerados divisíveis e titularizados por pessoas determinadas. O exercício do mesmo, quando de natureza disponível, deveria ficar a cargo de seu próprio titular. Exercer ou não este direito está inserido na esfera intangível da disponibilidade do indivíduo. Propor, o Ministério Público, demanda coletiva visando tutelar tais direitos, sem a expressa permissão de seus titulares seria usurpar direito alheio e desviar de suas funções constitucionalmente impostas (MORAES, 2011, p.08).

                   Ocorre que este entendimento não deve prosperar. Primeiro porque a tutela coletiva visa a ampliar o acesso à justiça, segundo porque as funções do Ministério Público foram ampliadas na nova ordem constitucional. No art. 127 da CF fora atribuído ao Ministério Público a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, não existindo no texto constitucional qualquer menção aos interesses individuais homogêneos. Acontece que a ausência da menção expressa ao interesse individual homogêneo na Constituição, não foi uma opção do constituinte em subtrair do Ministério Público a legitimidade para a sua defesa.

                   Na época em que fora elaborada a Constituição, o termo “interesses sociais” era utilizado de forma genérica para se referir a qualquer interesse social. Ademais o termo “direito individual homogêneo” começou a ser utilizado com a elaboração do Código do Consumidor. O art. 129, IX da CF autoriza a lei a conceder outras atribuições ao Ministério Público, além das enumeradas nos incisos antecedentes, desde que sejam compatíveis com suas finalidades institucionais. Por sua vez, o art. 82 do Código de Defesa do Consumidor confere legitimidade ao Ministério Público para ajuizar ações coletivas na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores (MORAES, 2011, p.08).

                   Assim, o Código de Defesa do Consumidor agiu em conformidade com a Constituição Federal, pois a defesa do consumidor, além de garantia fundamental (art. 5º, XXXII da CF) é matéria considerada de interesse social pelo art. 1º do CDC. Logo, se é função institucional do Ministério Público a defesa dos interesses sociais (art. 127, caput da CF), a atribuição dada ao Ministério Público obedece ao disposto no art. 129, IX da CF, pois a defesa coletiva do consumidor, no que tange a qualquer espécie de seus direitos (difusos, coletivos ou individuais homogêneos) é de interesse social.

                   Gregório Assagra de Almeida quando afirma “que basta que haja afirmação de direito difuso, coletivo ou individuais homogêneos, para que esteja legitimado o Ministério Público para agir, seja no campo jurisdicional seja no extrajurisdicional. É o que se extrai dos artigos 127, caput, e 129, II, III e IX, da CF”(ALMEIDA, 2003, p, 516). A opção do legislador foi clara em ampliar as linhas de atuação do Ministério Público, e, ampliar também, a proteção dos chamados direitos coletivos. Nada obstante a divergência doutrinária sobre o tema, o entendimento de que o Ministério Público é legitimado para a propositura de ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos, desde que eles tenham considerável expressão coletiva. Situação atual, em que se tem negado a atuação do Ministério Público, é aquela em que se discute a constitucionalidade ou legalidade de tributos (parágrafo único do art. 1º da Lei da Ação Civil Pública introduzido pela Medida Provisória 1984/2000).

               De acordo com doutrina e jurisprudência, o Ministério Público não possui legitimidade para ingressar em juízo defendendo a inconstitucionalidade de tributo incidente sobre pessoa jurídica que explora atividade com fins lucrativos, a despeito da repercussão coletiva desses direitos, pois engloba um número significativo de contribuintes. Neste caso, como o direito individual homogêneo detém expressiva repercussão econômica, os titulares desses direitos podem reivindicá-los individualmente, não havendo necessidade de amparo por parte do Ministério Público(MORAES, 2011, p.09).

                   Desde que não caracterize desvirtuamento dos fins institucionais do órgão estatal em referência, é possível estender a sua área de ação em defesa de interesses da sociedade. Não existe nenhuma incompatibilidade entre as funções institucionais previstas na Constituição Federal para o Ministério Público e a defesa dos direitos individuais homogêneos. (JUNIOR, 2008, p. 89).  

                   De acordo com Humberto Dalla Bernardina de Pinho, citado por Luiz Manoel Gomes Jr. pode ser útil apontar algumas situações fáticas onde se reconheceu a legitimidade do Ministério Público para a defesa de interesses individuais homogêneos: aumento das mensalidades escolares (súmula 643 do Supremo Tribunal Federal: “O Ministério Público possui legitimidade para promover ação civil pública cujo fundamento seja a ilegalidade de reajuste de mensalidades escolares.”).

                   Questões vinculadas ao programa de crédito educativo; nulidade de clausula de instrumento de compra e venda, inclusive proibindo sua utilização em contratos futuros; defesa de trabalhadores de minas que atuavam em condições insalubres; proteção do direito ao recebimento do salário mínimo por servidores municipais; aumento das mensalidades dos planos de saúde; ausência de discriminação das ligações interurbanas em apenas um único município; objetivando a regularização de loteamentos urbanos destinados a moradias populares (JUNIOR, 2008, p. 100)

                   Considerando o ponto de vista coletivo esses direitos obtêm nova abrangência, tornando-se indisponíveis, consequentemente legitimam a atuação do Ministério Público. Também é negada a legitimidade ao Ministério Público para ajuizar ação coletiva com o objetivo de beneficiar apenas uma pessoa. Neste caso a tutela individual seria mais vantajosa.

  1. 3.    AÇÕES PRINCIPAIS, CAUTELARES E INDIVIDUAIS.

 

                   As ações coletivas foram criadas antes mesmo da CF/1988, a qual de maneira inovadora positivou diversos direitos aos cidadãos. A Ação Popular, pela Lei 4.717/65, e a Ação Civil Pública, pela Lei 7.347/85, são os principais exemplos. Além de ratificar estes instrumentos a Carta Magna criou a modalidade coletiva do mandado de segurança e outorgou legitimação às entidades associativas para postular em juízo direitos de seus filiados (HENDLER 2006,p.2).

                   Ação Civil Pública é a denominação atribuída pela Lei nº 7.347 de 1985, ao procedimento especial por ela instituído, destinado a promover a tutela de direitos e interesses transindividuais. Compõe-se de um conjunto de mecanismos destinados a instrumentar demandas preventivas, reparatórias e cautelares de quaisquer direitos, interesses difusos e coletivos, nomeadamente “ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais” causados ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, à ordem econômica e à economia popular (art. 1º) (ZAVASCKI 2005, p.48).

                 Prevista originariamente, no projeto de 1984, para preservar o meio ambiente e bens ou valores artísticos, estéticos, históricos, turísticos e paisagísticos, a "Ação Civil Pública", ao ser instituída, se viu também destinada à defesa do consumidor, tendo, inadvertidamente, mantido o qualificativo "pública", que, diga-se de passagem, não lhe assenta em rigor científico. A "Ação Civil Pública" constitui, além de inegável progresso jurídico, relevante instrumento político, na medida em que, preservando bens e valores caros a segmentos significativos da coletividade, protege, ampara e defende a própria sociedade (TEIXEIRA 2002, p.22).

                   A denominação não está relacionada com a pretensão do direito material nela deduzida (que é, invariavelmente, uma das espécies de direito transindividual). Não diz respeito, tampouco, às providências de natureza processual que podem ser deduzidas como pedido imediato no processo. Trata-se de denominação relacionada com a legitimidade ativa. [...], a ação civil pública tem como titular ativo o Ministério Público ou outro ente eleito pelo legislador, a quem cabe tutelar, não direito próprio seu, e sim direito pertencente a uma coletividade indeterminada de pessoas (ZAVASCKI 2005, p. 50).

                   Através desta, assim como as outras ações descritas supra, rechaça-se igualmente o princípio tradicional da ação como um direito subjetivo para a defesa de direito próprio, eis que se atribuiu a órgãos públicos e privados o direito de postular em juízo em defesa de direitos não individuais stricto sensu (MEIRELLES, 1990 apud  HENDLER 2006,p.5).

                   No que diz respeito à Ação Popular, esta entrou em nosso constitucionalismo pela Carta Política de 1934, nela se mantendo até hoje, com um único intervalo, na vigência da carta de 1937, outorgada pelo Estado novo. E desde seus primórdios, duas de suas linhas estruturais se mantiveram praticamente inalteradas: a da legitimidade ativa ( invariavelmente atribuída a qualquer cidadão) e a da finalidade ( de pleitear a declaração de nulidade ou anulação dos atos lesivos ao patrimônio público) (ZAVASCKI 2005, p.69).

                   Para Arnaldo Rizzardo (2000), a Ação Popular, durante muito tempo, foi o único instrumento de tutela dos interesses coletivos. Conforme análise da Lei 4717/65, esta ação visa à correção do ato atentatório à coisa pública, pois o autor postula a correção da irregularidade da própria administração e a reparação do dano a esta porventura causado. Destaca-se que o direito por ela buscado não se restringe à subjetividade do seu autor, eis que é a ação inadequada para a garantia de pretensão de natureza individual.

                   A CF/1988, no art. 5º, LXXIII, fixa a dimensão do objeto desta, ao estabelecer que esse instrumento se destina a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Com esse objetivo, ela também assume caráter preventivo ou repressivo em defesa da atividade administrativa no trato com o patrimônio público (HENDLER 2006,p.3).

                   Outro instrumento importante para a tutela dos interesses coletivos é o mandado de segurança coletivo, o qual, embora não sendo amparado por lei específica, é de uso corrente, eis que detém aplicabilidade imediata pelo disposto no § 1º do art. 5º da CF/1988. Os requisitos necessários para a sua utilização identificam-se, em parte, com aqueles destinados à sua modalidade individual. Seu objeto também será a correção de ato ou omissão de autoridade que se afigure ilegal e ofensivo a direito líquido e certo do impetrante. Líquido e certo é o direito, que, de plano, pode ser provado, documental e convincentemente. Assim, impõe-se a sua impetração munida de prova pré-constituída (MOREIRA, 1996).

                   Quanto a legitimidade para propor ações coletivas de um modo gera, são legitimados os entes de direito público, como associações, ministério público, autarquias, fundações, sociedades de economia mista. Dentre as Ações Coletivas, a única que possui legitimação restrita é a Ação Popular, pois somente cidadão pode-se utilizar deste meio de impugnação. Com a Constituição Federal de 88, o Ministério Publico viu suas funções institucionais ampliadas e teve sua autonomia financeira e administrativa garantidas (MORAES, 2003,p.3).

                   De acordo com o artigo 127 caput da Constituição Federal, o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Tem-se também o art. 129, IX, CF, cabe ao Ministério Público, dentre suas funções institucionais, promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

  1. 4.    PRINCIPIO DA OBRIGATORIEDADE

                   O art. 5º da Lei n. 7.347/85 dispõe que a ação principal e a cautelar, “poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por associação”, nas hipóteses que especifica. Por sua vez, o art. 82 do Código do Consumidor apresenta semelhante rol de legitimados ativos para as ações coletivas, nele incluindo as entidades e órgãos da administração pública, direta ou indiretamente, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo próprio Código.

                   Na Lei n. 7.347, há várias referências ao dever ministerial de agir, primeiramente, no próprio caput do art. 5º, segundo o qual o Ministério Público e outros legitimados poderão propor a ação principal e a cautelar de que cuida a Lei da Ação Civil Pública. Compreendendo o inadequado “poderá” como um verdadeiro “deverá”, nele se encontra com toda a intensidade o dever de agir. Ideia esta de dever, reforçada no mesmo artigo, em seu § 1º, que fala na obrigatoriedade da intervenção ministerial no feito, quando já não atue como parte. Seu § 3º prevê o dever de o Ministério Público assumir a titularidade ativa, em caso de abandono pela associação legitimada. Por fim, no artigo 15 se fala no dever de promover a execução da sentença condenatória, imposto ao Ministério Público.

                   Por fim, o dever de agir não obriga, a propositura da ação pelo Ministério Público, sem quebra alguma do princípio da obrigatoriedade, possui todo um mecanismo de controle da não propositura da ação pelo Ministério Público. Primeiramente remetem-se de ofício os autos do inquérito civil ao Conselho Superior do Ministério Público, para reexame da decisão do órgão que propendeu pelo arquivamento (art. 9º e §§) e secundariamente, outro mecanismo seria o fato de inexistir legitimação exclusiva do Ministério Público para a ação civil pública. Tem ele apenas legitimidade concorrente (art. 5º da Lei n. 7.347/85, art. 3º da Lei n. 7.853/89, art. 1º da Lei n. 7.913/89 e art. 82 da Lei n. 8.078/90).

  1. 5.    O INQUÉRITO CIVIL E O MINISTÉRIO PÚBLICO.

 

                   Destinado a colher elementos necessários a servir de base à propositura da Ação Civil Pública pelo Ministério Público, não se caracteriza o inquérito civil como procedimento contraditório, sua função seria de carrear elementos de convicção para que o próprio órgão ministerial possa identificar ou não a hipótese propiciadora do ajuizamento da ação civil pública. Embora extremamente útil, não é o inquérito civil pressuposto necessário à propositura da ação, onde, havendo elementos necessários, a ação principal ou a cautelar podem ser propostas mesmo sem ele (ZANOTTI; SANTOS, 2013, p.165).

                   Não só o arquivamento do inquérito civil se sujeita ao controle, mas também, o arquivamento de peças de informação, ainda que não formalizadas em inquérito civil, deverá ser revisto pelo Conselho Superior do Ministério Público (§ 1º do art. 9º da Lei n. 7.347/85). De outro lado, mesmo que o arquivamento do inquérito civil ou das peças de informação tenha partido do procurador-geral de Justiça, deverá o Conselho Superior rever o ato de arquivamento praticado por qualquer órgão de execução do Ministério Público (art. 9º, caput, da Lei da Ação Civil Pública).

                   Criação da Lei n. 7.347/85, o inquérito civil foi depois acolhido pela própria Constituição da República (art. 129, III). A denominação busca estremá-lo do inquérito policial, cujas finalidades são distintas (art. 4º do CPP). Enquanto o inquérito civil se destina a colher elementos necessários a servir de base à propositura da ação civil pública pelo Ministério Público, o inquérito policial tem como escopo a comprovação da materialidade e da autoria do crime, para embasar o ajuizamento da ação penal pública (ZANOTTI; SANTOS, 2013, p.165). 

                   Embora extremamente útil, não é o inquérito civil pressuposto necessário à propositura da ação. Em havendo elementos necessários, a ação principal ou a cautelar podem ser propostas mesmo sem ele. Ao contrário do que ocorre atualmente com o inquérito policial, no inquérito civil o Ministério Público não requer ao Judiciário seu arquivamento, e sim o promove diretamente.

                   Por fim, o promotor cível profere um despacho ou uma decisão de arquivamento que será submetida automática e obrigatoriamente ao crivo do Conselho Superior da Instituição. Essa revisão exercida por um órgão colegiado é meio muito mais seguro de controle da atuação ministerial do que o do atual arquivamento do inquérito policial que está concentrado nas mãos de uma só pessoa, o procurador-geral de Justiça (art. 28 do CPP), que, nomeado pelo chefe do Executivo, não raro ainda detém, quase por caráter hereditário dominante, servil obediência aos interesses do governo.

                   É incorreto quando alguns doutrinadores afirmam que o Ministério Público, de forma inconstitucional, estaria a monopolizar o arquivamento do inquérito civil. O art. 9º da Lei da Ação Civil Pública cuida apenas da não propositura da ação civil pública pelo Ministério Público: em nada se atinge, nem se prejudica a possibilidade de os demais legitimados ativos ajuizarem a ação que o Ministério Público entendeu de não propor. Se a legitimidade fosse exclusiva para o Ministério Público, inconstitucionalidade haveria se a este coubesse à última palavra a respeito da não propositura da ação civil pública ou da ação coletiva.

                   Coisa diversa é o que ocorre quando se trata do ius puniendi, interesse este de que é titular o próprio Estado: em nenhuma inconstitucionalidade se incorre quando o próprio Estado, por seu órgão apropriado, resolve não propor a ação penal. Entretanto, na área cível, o interesse difuso é compartilhado por todos os lesados. Se a lei só conferisse legitimação ativa a uma única pessoa ou a um só órgão, e o legitimado ativo resolvesse não propor a ação, então ficariam sim sem proteção jurisdicional interesses coletivos ou difusos, agora com evidente lesão a princípio constitucional (CF, art. 5º,XXXV). Neste item, será feito a abordagem do dever de agir perante o Ministério Público.

CONCLUSÃO

 

                   O rol de atividades presentes no art. 129, III, CF, não é taxativo. A atuação institucional do Ministério Público pode ser complementada por diplomas legais, sem usurpação da competência do legislador constituinte. O STF pacificou a questão ao estabelecer que no gênero “interesses coletivos”, ao qual o art. 129, III, CF faz referência, se incluem os “interesses individuais homogêneos” cuja tutela, dessa forma, pode ser pleiteada pelo Ministério Público, desde que presente relevante interesse social (MORAES, 2011, p.11).

                   É permitido ao legislador infraconstitucional, desde que não caracterize desvirtuamento dos fins institucionais do órgão estatal em referência, estender a sua área de ação em defesa de outros interesses da sociedade, como é a hipótese dos interesses individuais homogêneos, desde que, considerados em suas quotas, ou parcelas, individualizadas, ou individualizáveis, não seja de valor econômico significativo e possuam relevante interesse social.

                   Isto posto, restringir a legitimidade ativa do Parquet para a defesa dos direitos ou interesses coletivos, em sua tríplice concepção legal, como é apresentado pelo art. 81, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor (difusos, coletivos e individuais homogêneos), seria acarretar prejuízo para a sociedade. Toda a doutrina e jurisprudência pátria caminham no sentido de se admitir a legitimidade ativa do Ministério Público nas ações coletivas para a defesa dos interesses individuais homogêneos, quando existir interesse social compatível com sua finalidade institucional (MORAES, 2011. p.11).

                  

 

 

 

 

 

 

 

 

                  

Referências:

 

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