"Aquele que fizer a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, irmã e mãe". (Mateus 12,50).


1 FUNDAMENTOS
A fraternidade denota a condição de entes vivos que provêm de um princípio comum, o que os coloca num mesmo patamar perante seus pares que, em suas afinidades, estão unidos de maneira analógica.
Para o grande padre capadócio, Basílio de Cesaréia (1998, p.52), numa visão cristã quanto ao ser humano: "O homem é um ser racional, criado por Deus, à imagem de seu criador". Deste conceito antropológico, depreende-se a Fraternidade Universal entre as criaturas, passando pela fraternidade cristã e, portanto, abrangendo a vida fraterna capuchinha.
No IV capítulo das Constituições dos Frades Capuchinhos (1997, p.68), intitulado: "Nossa vida em fraternidade", reza o número 84:
"Como irmãos dados por Deus uns aos outros e dotados de dons diversos, acolhamo-nos mutuamente, de coração agradecido. Por isso, onde quer que moremos, congregados em nome de Jesus, sejamos um só coração e uma só alma, procurando progredir em perfeição cada vez maior e, exercitemo-nos no amor divino e na caridade fraterna sem descanso, busquemos servir de exemplo uns aos outros e a todos, combatendo as próprias paixões e más inclinações".
A acolhida para com os irmãos, é conseqüente ato de caridade se conhecemos que Deus-Amor, criou-nos em Sua gratuidade. Neste alicerce a fraternidade é escada ascética que, na caridade, conduz os irmãos a Deus, que é Comunhão Trinitária.

2 FRATERNIDADE UNIVERSAL
Mais que preocupação ecológica, com a manutenção da vitalidade do planeta Terra, Francisco de Assis amou todos os entes criados que permanecem na bondade doada por Deus, pois esses trazem em si os vestígios do próprio Deus. É o que se manifesta no Cântico do Irmão Sol, composto pelo Seráfico Pai, como elucida a estrofe, em seguida:
"Louvado sejas meu Senhor,/ com todas as Tuas criaturas / especialmente, com o senhor irmão sol, / o qual é dia, e por ele nos alumias. / E ele é belo e radiante, / com grande esplendor, / de Ti, Altíssimo, é sinal" (FRANCISCO, 1999, p.242).
O Pobrezinho de Assis tem olhos purificados e sensíveis, numa perspectiva cristológica, vendo os sinais de Deus em Suas criaturas. Assim, na fraternidade universal as criaturas são nossas irmãs, porque também nós, pessoas humanas, também somos criaturas, porém as criaturas são bem quistas porque, ao seu modo, refletem atributos do próprio Deus. Daí assinala o papa Bento XVI, na exortação pós-sinodal Verbum Domini (2010, p. 20-21):
"É a própria Sagrada escritura que nos convida a conhecer o Criador, observando a criação (cf.: Sb 13,5; Rm 1, 19-20). A tradição do pensamento cristão soube aprofundar este elemento-chave da sinfonia da Palavra, quando, por exemplo São Boaventura ? que, juntamente com a grande tradição dos Padres Gregos, vê todas as possibilidades da criação no Logos ? afirma que ?cada criatura é palavra de Deus, porque proclama Deus?".
Convidados a vivermos a fraternidade universal, o primeiro motivo do respeito à criação não são as campanhas ambientais, no entanto, antes de tudo, é a sensibilidade e o respeito pelo Sagrado que é o traço de Deus mantendo a ordem cosmológica.

3 FRATERNIDADE CRISTÃ
O que constitui a fraternidade entre os discípulos de Jesus Cristo é a união na fé frutuosa que os fizeram participantes no mistério pascal do Senhor, mediante o sacramento do batismo. Assim escreve o apóstolo Paulo à comunidade de Roma (8,28-29):
"E nós sabemos que Deus coopera em tudo para o bem daqueles que são chamados segundo seu desígnio. Porque os que de antemão ele conheceu, esses também predestinou a serem conformes à imagem do seu Filho, a fim de ser Ele o primogênito entre muitos irmãos".
Participar conscientemente da comunidade dos discípulos de Jesus, de sua Igreja, deve ser um cotidiano assumir das relações fraternas, entre cristãos e de cristãos para com toda a humanidade. Relações fraternas, estas, redimidas no sangue do Cordeiro de Deus, que encontra seu anuncio no Evangelho; neste sentido o pensamento do fundador dos Frades Menores, em seu Testamento:
"Depois que o Senhor me deu irmãos, ninguém me mostrava o que deveria fazer, mas o próprio Altíssimo me revelou que eu deveria viver segundo a forma do Santo Evangelho" (FRANCISCO, 1999, p.130).
Francisco descobriu em seu itinerário de conversão a novidade, que é a fraternidade cristã, que entrelaça os discípulos de Jesus na Sua moral, que é o Amor doado no sacrifício da cruz.
Sempre nesta dimensão do amor cristão, que leva as pessoas humanas que o praticam a assumirem uma relação fraterna com todas as pessoas, Karol Wojtyla formulou, em linguagem filosófica de enfoque personalista cristão, o conceito de Norma Personalista:
"Esta norma, no seu conteúdo negativo, afirma que a pessoa é um bem, o qual não está de acordo com a utilização, tendo em vista que não pode ser tratada como objeto de uso, portanto como meio. Paralelamente aparece o conteúdo positivo da norma personalista: a pessoa é um bem tal que só o amor se relaciona com ela própria e plenamente" (WOJTYLA, 1982, p.38).
Assim, a autêntica fraternidade cristã, levará os cristãos a conhecerem e agirem com a convicção de que a pessoa humana só pode ser amada, nunca usada como meio, já que a pessoa é um fim em si mesma. Postura que não aceita as tendências neo-pagãs, como o utilitarismo e o hedonismo, impostos pela cultura mercadológica através dos meios de comunicação a serviço da indústria capitalista.
4 DESAFIOS À FRATERNIDADE CAPUCHINHA
Os Franciscanos Capuchinhos formam uma Ordem de irmãos menores consagrados a Deus, daqui se esclarece que a Fraternidade e a Minoridade são seus grandes valores assim como o foram para seu fundador, São Francisco, impulsionando-os, por uma fé frutuosa, a assumirem diversas missões na Igreja e no Mundo. Como irmãos em via de santidade, convictos ? por mais que, às vezes, a fraternidade seja um doloroso e purificador sacrifício para o impulso de auto-afirmação desses consagrados ? que "Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos. Aquele que não ama permanece na morte" (I João 3,14).
Não encontramos frades perfeitos nas fraternidades terrestres, no entanto se encontra irmãos com dons que devem ser disponibilizados, com liberdade e amor para o grupo dos irmãos que constituem a comunidade fraterna, os mesmos irmãos estão por vezes com fraquezas e vícios- espinhos que ferem e mortificam os demais irmãos que coabitam com estes na mesma fraternidade. Isto não é algo de anormal, anormal seria que os frades não buscassem incessantemente a conversão, pela penitência, acomodando-se a modos de vida neo-pagãs, ou seja, viciadas no mal, que também infecta o mundo atual. Também para a doença no espírito, bem mais que as doenças de ordens, física ou psíquica, a solicitude fraterna fenomeniza a caridade que leva à reconciliação com Deus, pois "Se um irmão cair enfermo, seja onde for, os demais irmãos não o deixem, sem designar um ou vários irmãos, se necessário, para que o sirvam como quereriam ser servidos"(FRANCISCO, 1999, p.41).
A fraternidade franciscana deve excluir as possibilidades que façam existir apegos ciumentos e imaturos entre os irmãos, já que são pessoas e, nunca objetos de propriedade de alguém. Os irmãos são livres, podem aconselhassem amistosamente ou corrigirem-se fraternamente, sempre em relações alicerçadas na liberdade e na caridade. De fato, esse modelo de vida fraterna é proposto como exemplo para a humanidade, assim influi o dever da autenticidade cristã.
Quanto às relações homem-mulher, no sentido fraterno; não é porque vivemos numa fraternidade conventual masculina ou, porque optamos pela virgindade consagrada, que nossa vida fraterno-afetiva, só pode se restringir aos co-irmãos ou aos leigos (homens), consagrados e clérigos; deve-se também relacionar-se de maneira fraterna com as irmãs, leigas e consagradas, de todas as idades, dado que não é fugindo da verdade do seu ser homem(com corpo, alma e espírito), que o irmão será casto, ao contrário , será puro de coração quando conhecer a verdade sobre si, vivendo-a com maturidade . Nesta perspectiva, ensina o Padre João Mohana(1997, p.61):
"A boa afetividade , por ser proveniente de Deus, exige nossa adesão, se não quisermos, repudiar a criação divina.
Atingida pelo pecado original, ela exige vigilância, porém jamais banimento. Jamais. E para vivenciá-la na forma de amizade, contamos com a graça do doador".
A fraternidade capuchinha deve manifestar-se como salutar afetividade que brota de uma fé autenticamente afetiva, de uma espiritualidade relacional com a Santíssima Trindade, que move o frade na santa operação do Espírito Santo.


5 CONCLUSÃO
Desse modo, a fraternidade capuchinha se origina na condição criatural de sermos filhos de Deus e mais, na dimensão cristológica de sermos filhos remidos no sangue do Filho. Daí o motivo de vivermos o desafio de uma fraternidade universal, com o olhar na manifestação do Sagrado, e a fraternidade humana num sentido pessoal, arraigado no Evangelho. Por isso, a vida capuchinha, tem como estandarte ser exemplo minorítico de fraternidade autenticamente cristã, para todas as pessoas humanas.

REFERÊNCIAS

BENTO XVI, Papa. Verbum Domini. São Paulo: Paulinas, 2010, 218p.
BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2006, 2206p.
CESARÉIA, Basílio de. Homília sobre Lucas 12; Homílias sobre a origem do homem; Tratado sobre o Espírito Santo. São Paulo: Paulus, 1998, 187p.
CONSTITUIÇÕES da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos: Com a Regra e o Testamento de São Francisco. Piracicaba: CCB, 1997, 152p.
FONTES Franciscanas I: São Francisco de Assis ? Escritos. Santo André: Ed. Mensageiro de Santo Antônio, 1999, 350p.
MOHANA, João. A vida afetiva dos que não se casam. São Paulo: Loyola, 1997, 107p.
WOJTYLA, Karol. Amor e Responsabilidade: Estudo ético. São Paulo: Loyola, 1982, 254p.