ASPECTOS CONTROVERTIDOS DA CURATELA: Interferência excessiva do curador na livre disposição do corpo do curatelado.[1]

 

Raíssa Reis Pereira[2]

Anna Valéria de Miranda Araújo Cabral Marques[3]

 

Sumário: Introdução; 1. Conceito de Curatela; 2. A proteção do principio da dignidade da pessoa humana no curatelado; 3. A esterilização do curatelado, uma forma de proteção? ; Conclusão; Referência.

 

 

 

RESUMO

O presente artigo visa abordar os aspectos legais da curatela, onde menciona as características desse instituto bem como a função do curador. Busca ainda fazer um estudo acerca do principio da dignidade da pessoa humana, e a sua efetiva proteção ao curatelado, abordando ainda aspectos controvertidos do mecanismo de esterilização em pessoa deficientes, fazendo uma critica a atuação excessiva do curador na livre disposição do corpo do curatelado.

 

 

 

PALAVRAS-CHAVE: Curatela; Dignidade da Pessoa Humana; Esterilização.

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

A origem do instituto da Interdição está, no direito romano. A lei as XII Tábuas já designava normas a respeito da incapacidade, ou invalidades. A partir do modelo iniciado no modelo romano, a interdição teve diferentes formas de se desenvolver em diferentes países, sendo em alguns deles tratados especificamente pela Lei.

O crescente avanço da população a importância da manutenção da dignidade da pessoa humana, gerou novas discussões a cerca do instituto da interdição.

Portanto, o oportuno trabalho tem o intuito de esclarecer do que se trata a curatela, analisar os aspectos jurídicos da mesma, no sentindo de abordar qual o liame em que o curador passar da função de manter o zelo, a guarda e administração dos bens de uma pessoa declarada incapaz e passa a interferir nos direitos subjetivos do curatelado, esses de defender o que lhe é próprio, e em regra é indispensável.

1. CONCEITO DE CURATELA

 

A curatela é a responsabilidade atribuída pelo Juiz a uma pessoa que seja capaz de proteger, zelar, guardar, orientar e administrar os bens de um individuo declarado judicialmente incapaz.

A curatela, em sua figura básica, visa a proteger a pessoa maior, precedente de alguma incapacidade ou de certa circunstância que impeça a sua livre e consciente manifestação de vontade, resguardando-se, com isso, também, o seu patrimônio, como se dá, na mesma linha de curadoria.(GAGLIANO;PAMPLONA FILHO,2011,p.718)

Ao curador é obrigado a prestar caução bastante, quando o juiz exigir, e prestar contas. “Podendo alienar bens imóveis somente mediante prévia avaliação judicial e autorização do juiz.” (GOLÇALVES,2011, p. 440)

 A curatela apresenta características relevantes, seus fins são assistências; tem caráter eminentemente publicista; tem, também caráter supletivo da capacidade;  é temporária, perdurando somente enquanto a causa da incapacidade se mantiver ( cessada a causa, levanta-se a interdição) ; a sua decretação requer certeza absoluta da incapacidade. (GAGLIANO;PAMPLONA FILHO,2011,p.718)

O caráter publicista sucede do fato de ser dever do Estado zelar pelo interesse do incapaz. “No entanto esse dever é delegado a pessoa capaz e idôneas, que passam a exercer um múnus público a serem nomeadas curadoras. A certeza da incapacidade é obtida por meio de um processo de interdição.”( GOLÇAVES, 2011, p. 650).

 A curatela deve ser requerida quando a pessoa não puder mais manifestar sua vontade ou gerenciar a sua própria vida de forma independente. De acordo com o art.  1.767 do Código Civil, são sujeitos a curatela:

I - aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade; III - os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos; IV - os excepcionais sem completo desenvolvimento mental; V - os pródigos.

 

Mais a frente, já no artigo  1.779 trata também da curatela dos nascituros e como inovação prevê a possibilidade de interdição do enfermo, ou portador de deficiência física. O artigo 1768 do Código Civil prevê quem pode requerer a curatela, sendo esses: “I - pelos pais ou tutores; II - pelo cônjuge, ou por qualquer parente; III - pelo Ministério Público.”

Assim, qualquer dessas pessoas apontadas pelo artigo pode promover a ação. “Ao decretar a interdição, o juiz nomeará um curador. Podendo a curatela ser legítima ou dativa.” (GOLÇAVES, 2011, p. 652)

Sendo legitima, será os legitimados do artigo 1.775,

 o cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou de fato, é, de direito, curador do outro, quando interdito;§1o Na falta do cônjuge ou companheiro, é curador legítimo o pai ou a mãe; na falta destes, o descendente que se demonstrar mais apto;§ 2o Entre os descendentes, os mais próximos precedem aos mais remotos.

E sendo dativa, estão no § 3º do art 1.775 do Código Civil; “na falta das pessoas mencionadas neste artigo, compete ao juiz à escolha do curador.”

2. A PROTEÇÃO DO PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO CURATELADO

 

Como abordado, o instituto da curatela tem a função de cuidar, olhar e velar, por esse deficiente. A curatela é essencial, e inexoravelmente está atrelada aos chamados direitos fundamentais inerentes a todo ser humano, exemplo deles são, os direitos fundamentais à existência, à vida, à integridade física e moral, bem-estar, liberdade e igualdade.

Porém não tão menos importante, e, diga-se de passagem, essencial e intrínseco ao bem-estar de qualquer ser humano seja ele, deficiente ou não, é o principio constitucional da dignidade da pessoa humana. Ingo Sarlet define este principio como

a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano.(2002.p.62)

Em tese, o principio da dignidade humana é, “um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito.” (MORAES, 2005. p.128)

Portanto, é importante ressaltar que o tema diz respeito aos direitos da personalidade e aos direitos coletivos e difusos, tanto relativamente à saúde pública, quanto no campo dos direitos da pessoa portadora de deficiência, este o curatelado, onde por força de uma incapacidade física ou mental, julgam não ter estes o direito a efetiva proteção, a tutela da sua dignidade física, humana. E por muitas vezes, quem faz este juízo de valor, é o curador, que por achar que está incumbido da função de proteger a pessoa e o reger ou administrar seus bens, também decide dispor sobre o corpo do curatelado como se seu fosse.

Vale ressaltar que, a proteção desse instituto é de suma importância para a vida do curatelado, pois, como afirma recente julgado,

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE CURADOR - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES - INCAPAZ (PORTADOR DE SÍNDROME DE DOWN) VIVENDO EM CONDIÇÕES PRECÁRIAS SOB A CURATELA DO IRMÃO, USUÁRIO CONTUMAZ DE "CRACK" - PROVAS ROBUSTAS CARREADAS AOS AUTOS - VEROSSIMILHANÇA DA ALEGAÇÃO E PERIGO DE GRAVE LESÃO CONFIGURADOS. Agravo provido. 1. Levando-se em consideração o poder geral de cautela conferido ao juiz, deve a tutela jurisdicional, em situações gravosas como a presente, ser imediata e efetiva, sob pena de se ofender o princípio da dignidade da pessoa humana, o qual, indubitavelmente, se sobrepõe a princípios processuais e formais, como o do contraditório. 2. Uma vez plenamente preenchidos os requisitos necessários, não refoge à ação de destituição de curador a possibilidade de se lhe atribuir a antecipação de tutela pleiteada na inicial, inclusive sem a ouvida da parte contrária (no caso, o atual curador).(4548136 PR 0454813-6, Relator: Ivan Bortoleto, Data de Julgamento: 23/04/2008, 12ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 7610)

3. A ESTERILIZAÇÃO DO CURATELADO, UMA FORMA DE PROTEÇÃO?

 

Trata-se aqui de uma discussão, onde um curador, que se diz responsável pelo seu curatelado, que quer esterilizar, para que não tenha mais filhos, ou seja, o “ato de empregar técnicas especiais, cirúrgicas ou não, no homem e na mulher, para impedir a fecundação.” (HENTZ, 2004)

É importante ressaltar, para o fato da sexualidade de pessoas deficientes, pois, muitas vezes a família, prefere não tocar neste assunto, achando que estará preservando a intimidade desse deficiente, e então é claro que “que a falta de informação correta e dada de forma natural é um dos grandes empecilhos para que os deficientes mentais possam expressar a totalidade de sua sexualidade.” (RIBAS, 1985, p. 193)

É claro que, para o curador,

esterilizar é mais cômodo e oferece garantia de "tranqüilidade" para a família ou responsável no sentido de não precisar se preocupar em "vigiar" a vida sexual da portadora de doença ou deficiência mental e, se o planejamento familiar,per si, suscita várias controvérsias mesmo abalizado no livre arbítrio, a situação aqui em análise torna-se revestida quase de uma crueldade quando levado a confronto com os direitos da personalidade. (BERVERVANÇO, 2009)

Portanto, vale ressaltar que as várias pessoas que possuem deficiência física ou doença mental guardam a possibilidade de decisão sobre constituir família, procriar, exercitar como lhe aprouver à afetividade. Não tendo esse papel, o curador, de decidir sobre o futuro íntimo e familiar do curatelado, pois,

  a decisão sobre ter ou não filhos é do âmbito de pessoa maior e capaz sobre si mesma e como tal, está fundada no Direito da Personalidade [...] o interessado deve ter acesso à informação fidedigna sobre o uso de todos os métodos anticoncepcionais, com suas vantagens e desvantagens e, no caso de esterilização voluntária, ter conhecimento da irreversibilidade e riscos da intervenção cirúrgica. (BERVERVANÇO,2009)

Assim sendo, o curador designado em processo de interdição, representará o incapaz em juízo, porque a ele compete a função de assistir o curatelado quanto a sua pessoa e reger a administração de seus bens. Existirá, claramente, a manifestação do Poder Judiciário sobre o tema que, repita-se, entende-se, apenas poderá deferir o pedido de esterilização depois de comprovada utilização e/ou ineficácia dos meios científicos disponíveis para a contracepção (a não ser em casos de risco para a saúde e vida da pessoa portadora de deficiência), em programa de planejamento familiar voltado para elas. Assim, estar-se-á reverenciando as conquistas científicas, princípios de bioética, o direito de cidadania da pessoa portadora de deficiência e o direito de personalidade delas. (BERVERVANÇO, 2009)

Urge salientar jurisprudência, que reafirma o que foi anteriormente dito, onde fere diretamente o principio da dignidade humana e ofende o direito que o curatelado tem de poder ter filhos, protegendo o incapaz, onde segue

Alvará - Realização de vasectomia em interdito, requerida por sua mãe e curadora - Interdito portador de  retardo mental leve, que o incapacita a reger seus bens, mas lhe dá discernimento para os demais atos da vida civil - Interdito e companheira, com a qual já tem uma filha, favoráveis à medida - Companheira que não pode mais ter filhos e nem se submeter à esterilização, sob risco de morte - Medida sem caráter de eugenia - Indeferimento a ofender direito fundamental da pessoa de optar por não mais ter filhos, por razões objetivas - Indeferimento que, a pretexto de proteger o incapaz, lesa seus interesses - Recurso provido, para deferir o pedido de alvará. .(5322654800 SP , Relator: Fábio Quadros, Data de Julgamento: 07/08/2008, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/09/2008)

Concluindo, a esterilização do curatelado, do incapaz, sem a devida consonância com os requisitos, e sem atentar para a proteção do incapaz, servindo assim por mera garantia de tranqüilidade para o curador, não pode ser realizada.

 

CONCLUSÃO

 

A curatela era instituída curatela era estabelecida com a finalidade de proteger os doentes mentais e os pródigos, não estando esses em condições de responder devido a enfermidade ou deficiência.

 A Constituição Federal de 1988 representou um marco jurídico no que diz respeito as garantias e direitos fundamentais das pessoas naturais. Prevendo por meio do inciso 1º, inciso III, o principio da dignidade da pessoa humana, que se funda na construção de outros princípios.

Já o Código Civil, assegura o direito da personalidade que garante a todo ser humano o direito à integridade física, assim como a integridade intelectual e moral. O Bem- estar são direitos fundamentais, e integram o conteúdo do principio da dignidade humana, que deve ser viabilizado aos usuários da curatela.

O mais importante para os casos que envolvem esse tema, além do sucesso da aplicação das normas é a inteira informação para todos os envolvidos nesses casos, da curatela.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIA

 

BEVERVANÇO, Rosana Beraldi. A esterilização. Disponível em:  http://www.ampid.org.br/Artigos/EsterilizacaoPDeficiente.php Acesso em 08 nov 2010.

 

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume VI: Direito de Familia. São Paulo: Saraiva, 2011.

 

 

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro 6:direito de família 7º ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

HENTZ, André Soares. Esterilização humana aspectos legais, éticos e religiosos. Disponivel em: http://jus.com.br/revista/texto/6544/esterilizacao-humana Acesso em: 08  nov 2010

MORAES, Alexandre de. Curso de Direito Constitucional. 5ª Ed, São Paulo, Editora Atlas S.A, 2005.

RIBAS, João B. Cintra. O que são pessoas deficientes. São Paulo: Brasiliense, 1985.

http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/3204218/apelacao-civel-ac-5322654800-sp-tjsp

SARLET, Ingo Wolfgang. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e os Direitos Fundamentais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.



[1] Paper apresentado á disciplina, Direito de Família e Sucessões da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

[2] Aluna do 6º período do Curso de Direito, da UNDB

[3] Professora Mestre, orientadora.