ASPECTOS CONSTITUCIONAIS DA SUCESSÃO DO COMPANHEIRO (NA UNIÃO ESTÁVEL) FRENTE À SUCESSÃO DO CÔNJUGE (NO CASAMENTO)

  Eduardo Cesar Vilar e Silva¹

 Miquemes Santos Barbosa²

 RESUMO

Este trabalho apresenta características da sucessão do companheiro e do cônjuge, bem como discorre, de maneira breve, o contexto histórico relativo à evolução sucessória no casamento e também na sucessão da união estável. Sua aplicação atual, tendo em vista o Código Civil Brasileiro de 2002. E por fim, verifica-se a posição doutrinária e jurisprudencial, cujo objetivo é a analise dos aspectos constitucionais, compreendido nos princípios, regras e normas que regem o tema e o possível desrespeito quanto às diversas formas existente de partilhas nas modalidades supracitada, disciplinada no Livro V (do direito das sucessões) da Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002.

Palavras-chave: Sucessão. Cônjuge. Companheiro. Constitucionalidade. Inconstitucionalidade.

 

ABSTRACT

 This paper presents characteristics of succession companion and spouse as well as discusses, briefly, the historical background on the evolution of succession in marriage and also in the succession law marriage. Its current application, in view of the Brazilian Civil Code of 2002. And finally, there is the doctrinal and jurisprudential position, whose goal is to analyze the constitutional aspects, understood the principles, rules and standards governing the issue and possible disrespect for the various forms of existing shares quoted for each modality, the disciplined book V (the law of succession) of Law 10,406 of January 10, 2002.

 
 

Keywords : Succession. Spouse. Companion. Constitutionality.

 __________________________

¹ Professor Especialista da Disciplina de Direito das Sucessões. E-mail: [email protected]

² Advogado desde 2014; formado pela Faculdade Martha Falcão em dezembro de 2013. E-mail: [email protected]

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.. 1

SÍNTESE DOS ASPECTOS GERIAS DA SUCESSÃO.. 2

EVOLUÇÃO DOS DIREITOS SUCESSÓRIOS NO CASAMENTO.. 3

EVOLUÇÃO DOS DIR. SUCESSÓRIOS NA UNIÃO ESTÁVEL.. 4

ASPECTOS CONST. E JURIS. DA SUC. DO COMPANHEIRO   5

CONCLUSÃO.. 6

REFERÊNCIAS.. 7

 1 INTRODUÇÃO

       

Vemos, a partir da Constituição Federal de 1988 que reconhece a união estável como entidade familiar e o Código Civil Brasileiro que recepcionou tal dispositivo e o equiparou ao regime da comunhão parcial de bens, salvo manifestem as partes em contrário, um notado crescente número de pessoas que passaram a viver em união estável em detrimento do casamento formal. Daí a importância da sociedade saber e conhecer as possíveis divergências inerentes ao casamento e a união estável, neste caso, especificamente, no que tange a sucessão.

No tocante à prática jurídica, é notória a importância a pesquisarmos quando questionamos o Artigo 1.790 do Código Civil, haja vista, a partir deste, vem à tona algumas divergências de direitos relacionados à sucessão entre cônjuge e companheiro, o que pode ferir alguns princípios constitucionais os quais devem ser averiguados mais tecnicamente.

Logo, faz-se necessário analisar os pontos levantados acima, sejam eles: disseminar a sociedade alguns conceitos e características da sucessão tanto do cônjuge quanto do companheiro e a importância de aprofundar nossos conhecimentos a respeito dos princípios constitucionais, tendo em vista que ao equiparar casamento (regime de bens) à união estável, deixou o legislador de dar mesmo tratamento quando disciplinou sobre sucessão com vista ao Artigo 1.790 do Código Civil.

 2 SÍNTESE DOS ASPECTOS GERIAS DA SUCESSÃO

 No que tange a sucessão, tem-se por conceito, em sentido restrito, como sendo o conjunto de normas que disciplinam a transferência de direito de uma pessoa a outra após a morte.

 “O direito das sucessões vem a ser o conjunto de normas que disciplinam a transferência do patrimônio de alguém, depois de sua morte, ao herdeiro, em virtude de lei ou de testamento (CC, art. 1.786). Consiste, portanto, no complexo de disposições jurídicas que regem a transmissão de bens ou valores e dívidas do falecido, ou seja, a transmissão de bens ou valores e dívidas do falecido, ou seja, a transmissão do ativo e do passivo do de cujus ao herdeiro”. DINIZ, 2012. p. 17.

 A Sucessão se dará: a título universal (gera a transmissão total dos bens) ou título singular (quando a transmissão se dá por um ou outro bem). Ocorre por deliberação da vontade (successio inter vivos) ou por determinação legal (causa mortis), onde ocorre a aquisição pelo(s) herdeiro(s) a título universal ou singular, do patrimônio do de cujus.

De acordo com nosso Código Civil, o direito das sucessões divide-se em: a) sucessão em geral, onde traça normas sobre a sucessão legítima e testamentária, relativas à transmissão, à administração, à aceitação, à renúncia, à petição da herança e aos excluídos da sucessão; b) secessão legítima, abrangendo a transmissão da herança, que se opera em virtude de lei, às pessoas constantes da ordem de vocação hereditária; c) sucessão testamentária, contendo disposições relativas à transferência de bens causa mortis por ato de última vontade; d) inventário e partilha, concernente às normas sobre o processo judicial ou administrativo, por meio do qual se descrevem os bens da herança, se lavra o título de herdeiro, se liquida o passivo do monte, se paga o imposto de transmissão causa mortis e se realiza a partilha dos bens entre os herdeiros.

Logo, para analisarmos os direitos inerentes à sucessão na união estável e no casamento, nos ateremos à sucessão causa mortis, especificamente, sucessão hereditária, que segundo Caio M. S. Pereira, é o modo de adquirir, a título universal ou singular, bens e direitos que passam de um sujeito que morre aos que lhe sucedem, isto é, passam a ocupar a sua situação jurídica, cuja matéria está disposta a partir do artigo 1.784 do Código Civil.

Neste caso a sucessão se perfaz com o inventário. Como visto anteriormente, este é o processo judicial ou administrativo pelo qual efetua a descrição dos bens da herança, lavra-se o título de herdeiro, liquida-se o passivo do monte, paga-se o imposto de transmissão causa mortis, e realiza-se a partilha dos bens entre os herdeiros.

 3 EVOLUÇÃO DOS DIREITOS SUCESSÓRIOS NO CASAMENTO

 No Direito Romano, os bens pertenciam ao varão. A mulher podia “herdar” os bens do marido, mas não dispor desses, ou seja, não tinha patrimônio próprio. Logo não participava da sucessão por morte do cônjuge varão. Porém, na última fase do Direito Romano, foi reconhecido à mulher direito à sucessão do marido, recolhendo a quarta parte em propriedade na falta de filhos, e em usufruto se os havia até o máximo de três, se esse número fosse ultrapassado o usufruto que teria direito o cônjuge sobrevive era reduzido.

No ordenamento brasileiro, antes da edição do Código Civil de 1916, o cônjuge herdava em quarto lugar na ordem de vocação hereditária, colocado depois dos colaterais. Mas com o advento da Lei nº 1.839, de 31 de dezembro de 1907 (denominada Lei Feliciano Pena ”senador-autor”), melhorando a condição hereditária do cônjuge, pois este passou a ser chamado em terceiro lugar e antes dos colaterais.

Mesmo direito foi concebido pelo Código Civil de 1916, onde estatuído, atribuindo à herança do cônjuge falecido, em seu art. 1611, se: I) ausência de descendente e ascendente; II) não estarem os cônjuges legalmente separados.

Com o advento do Código Civil de 2002, as mudanças foram consideráveis tendo em vista, principalmente, os art’s. 1.829 ao 1.832 que dispõe sobre o direitos sucessórios do cônjuge.

 Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

 Terá direito, o cônjuge sobrevivente, se casado sob o regime da comunhão parcial de bens (somente sobre os bens particulares do falecido), regime da participação final dos aquestos ou separação de bens e concorrer com descendentes, de acordo com o art. 1.832, quinhão igual ao que cabe a cada um dos descendentes.

 Exemplo: o de cujos deixou numa caderneta de poupança o montante de R$1.200.000,00 oriundos de depósitos feito há anos de parte de seu salário. O mesmo era casado com Maria e tinha 02 (dois) filhos: Logo, caberá a viúva Maria parte igual aos dos descendentes, ou seja, R$400.000,00 (quatrocentos mil reais) e herdarão os filhos, cada um, o valor de R$400.000,00.

 II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

 Aqui, terá direito o viúvo, se casado sob o regime da comunhão parcial de bens (somente sobre os bens particulares do falecido), regime da participação final dos aquestos ou separação de bens e concorrer com ascendentes, de acordo com o art. 1.832 parte final, parte não inferior a um quarto do total da herança.

 Exemplo:

a) o de cujos deixou uma fazenda avaliada em R$1.200.000,00. O mesmo era casado com Maria, não tinha filhos, mas tinha ascendente (pai e mãe). Logo, caberá a viúva Maria um terço do total da herança, ou seja, R$400.000,00. Pois, de acordo com o enunciado da primeira parte do Art. 1.837, quando concorrer o cônjuge com ascendentes de primeiro grau, tocar-lhe-á um terço da herança e herdarão os pais do falecido, parte referente a um valor de R$800.000.

 b) mesmo exemplo, porém só tem um ascendente vivo (mãe). Logo, herdará a mãe do falecido, parte referente a um valor de R$600.000, e caberá a viúva Maria 50% do total da herança, ou seja, R$600.000,00. De acordo com o enunciado da parte final do Art. 1.837, quando concorrer o cônjuge com apenas um ascendente de primeiro grau, tocar-lhe-á a metade da herança.

 c) mesmo exemplo, porém só ascendentes de segundo grau estão vivos (avós). Logo, herdarão os avós do falecido, parte referente a um valor de R$600.000, e caberá a viúva Maria 50% do total da herança, ou seja, R$600.000,00. Já que a parte final do Art. 1.837 nos informa que: caber-lhe-á a metade da herança se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau.

Art. 1.838. Em falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente.

Art. 1.839. Se não houver cônjuge sobrevivente, nas condições estabelecidas no art. 1.830, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau.

 III - ao cônjuge sobrevivente;

 Logo, na falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente.

 IV - aos colaterais.

 Nota-se, comparando com o antigo código civil, que o cônjuge passou da terceira classe hereditária a concorrer, em determinados casos, nas duas primeiras.

Permaneceu porém, a restrição na sucessão dos bens do falecido se o cônjuge já estiver separado judicialmente. Acrescentando ainda a separação de fato, há mais de dois anos, salvo a ressalva da parte final do artigo, ou seja, a convivência tenha se tornado impossível sem culpa do sobrevivente.

 Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.

 Independe de regime para garantir, ao cônjuge sobrevivente, o direito real de habitação ao imóvel destinado à residência da família.

 Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

 

Ficou evidente a evolução do direito sucessório em relação ao cônjuge, pois fez deste um herdeiro necessário, por ocasião do falecimento do outro, ao lado dos descendentes e ascendentes e permitiu concorrer com uns e outros, em propriedade, não mais mero usufruto, de acordo com disposto no Art’s. 1.845 e 1.846, que diz:

 Art. 1.845: São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

 Art. 1.846: Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.

 4 EVOLUÇÃO DOS DIREITOS SUCESSÓRIOS NA UNIÃO ESTÁVEL

 O Código Civil de 1.916, não reconhecia a união estável como entidade familiar, tampouco previa direitos sucessórios ao companheiro. Cujos direitos só começaram a ser recepcionados quando em 1994, foi promulgada a primeira Lei reconhecendo a União Estável – Lei n. 8.971/94.

Essa Lei estabelecia, em seu Art. 1º, que a companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele vivesse há mais de cinco anos, ou dele tivesse prole, poderia pedir pensão, enquanto não constituísse nova união e desde que provasse a necessidade. Igual direito e nas mesmas condições era reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva, de acordo com o parágrafo único do mesmo artigo.

E, finalmente, o direito dos companheiros de participar um da sucessão do outro, a saber: Art. 2º As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições: I - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujos, se houver filhos comuns; II - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujos, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes; III - na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança.

E mais, o direito do sobrevivente à metade dos bens deixados pelo autor da herança, quando resultantes de atividade em que tivesse havido a colaboração deste (qualidade de meeiro dos bens adquiridos, onerosamente, pelos companheiros, Art. 3º)

Já em 1996, foi promulgada a Lei n. 9.278, que regulamentou o §º 3 do Art. 226 da CF/88 e no Art. 2º estabeleceu direitos e deveres dos conviventes. Já no Art. 5º, disse que os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, eram considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito.

No tocante a sucessão, por falecimento de um dos conviventes a lei acresceu direito real de habitação, enquanto vivesse ou não constituísse nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família, de acordo com parágrafo único do Art. 7º.

Por fim, publicou-se o novo Código Civil, de 2002, que reafirmou através do artigo 1.723, o enunciado do artigo 226, §3º da CF/88. Equiparando, salvo contrato escrito entre os companheiros, às relações patrimoniais, ao do regime parcial de bens, em seu art. 1.725. E, tratou da matéria relativa à sucessão dos conviventes, no art. 1.790:

A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

 I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

 Exemplo: o de cujos deixou bens que custam R$200.000,00. Ele tinha uma união estável com Geisislaine da qual teve 03 (dois) filhos: Logo, herdarão os filhos do casal, cada um, o valor de R$50.000,00, e caberá a Geisislaine parte igual aos dos descendentes, ou seja, R$50.000,00.

 II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

Para entender como deve ser feita tal divisão, analisa-se os dizeres de Maria Berenice Dias: “Quando os herdeiros são filhos somente do autor da herança, eles recebem o dobro do companheiro sobrevivente, ou seja, ele faz jus à metade do que recebe cada um dos enteados. Para proceder à partilha, o jeito é multiplicar por dois o número de filhos e somar mais um, que é a fração do parceiro. Assim, se dois forem os filhos, a herança precisa ser dividida por cinco, recebendo cada filho duas partes e o companheiro uma parte”.

Vejamos: Se fossem 03 (três) os filhos. Multiplicaria por 2 (pois cada filho teria direito a duas partes) e some mais 1 (parte que caberia ao convivente). Teríamos: 3x2+1= 7 parte de um total “X”.  Cada filho recebe duas partes (2X) e o companheiro uma (1X).

 Exemplo: o de cujos deixou em bens um montante de R$210.000,00. Ele tinha uma união estável com Geisislaine e tinha 03 (dois) filhos fruto de outro relacionamento somente. Logo, caberá a Geisislaine 1X (R$210.000,00/7=R$30.000,00), R$30.000,00 e herdará cada um dos descendentes 2X, ou seja, R$ 60.000,00.

 III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

Exemplo:

a) o de cujos deixou um bem de R$150.000,00. Ele tinha uma união estável com Geisislaine e tinha 02 (dois) irmãos: Logo, caberá a Geisislaine 1/3 da herança, ou seja, R$50.000,00 e herdarão os irmãos, cada um, o valor de R$50.000,00.

b) o de cujos deixou bens no valor de R$150.000,00. Ele tinha uma união estável com Geisislaine e tinha 05 (cinco) irmãos: Logo, caberá a Geisislaine 1/3 da herança, ou seja, R$50.000,00 e herdarão os irmãos, cada um, o valor de R$20.000,00.

 Ou seja, do total da herança, herda o convivente 1/3, os outros 2/3 serão divididos entre os outros parentes sucessíveis, sejam quantos forem.

 IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

 Conforme discorre Maria Helena Diniz, ficou evidente que o companheirismo evoluiu, no sentido de conferir-lhe propriedade sobre os bens transmitidos, e não apenas direito reais limitados, a saber, usufruto e habitação, que tinham sido atribuídos pela legislação precedente.

Porém, quando for comparado aos direitos sucessórios atribuídos ao cônjuge percebemos distinções como, por exemplo, a classificação deste último em herdeiro necessário.

Outro fato importante que pode ser observado é de ter o legislador feito distinção entre os filhos do de cujos na hora de suceder. Pois os filhos comuns ficam numa posição inferior, no que tange ao montante de bens herdados, quando concorrem com o(a) companheiro(a), comparado aos filhos exclusivos do falecido.

E, ainda, foi o legislador omisso em relação às sucessões hibridas, ou seja, quando o convivente sobrevivente herdasse em concorrência com filhos comuns e filhos exclusivos do de cujus.  Há divergência doutrinaria de que forma deve ser feita tal divisão, mas grande maioria entende como certa a adoção dos critérios estabelecidos no inciso I do Art. 1.790 do CC.

  Exemplo: A falecida deixou bens num montante de R$200.000,00. Ele tinha uma união estável com Rubnilson da qual teve 02 (dois) filhos do casal e 02 (dois) filhos de outro relacionamento: Logo, herdarão os filhos (do casal e os outros), cada um, o valor de R$40.000,00 (R$200.000,00 / 5à a soma dos filhos e do convivente), e caberá a Geisislaine parte igual aos dos descendentes, ou seja, R$40.000,00.

 5 ASPECTOS CONSTITUCIONAL E JURISPRUDENCIAL DA SUCESSÃO DO COMPANHEIRO

 O novo Código Civil tratou da matéria relativa à sucessão dos conviventes no art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

 I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

 Mas o Código não inseriu os companheiros no rol dos herdeiros necessários, conforme se infere do art. 1.845, que tem a seguinte dicção:

"São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge".  Consequência disso é que, em não sendo o companheiro herdeiro necessário do parceiro, pode este deixar em testamento todos os seus bens a terceiros? Sem reserva da legítima?

 O companheiro que, por qualquer motivo, quisesse excluir o outro de sua herança, bastaria deixar em testamento todos os seus bens (bens particulares ou da meação), sem contemplá-lo. O mesmo não acontece com o cônjuge. Conforme se infere da disposição do arts. 1.845 e 1.846, o cônjuge sobrevivente concorre, agora, com os próprios descendentes, ou com os ascendentes do morto. Logo, que se tornou herdeiro legítimo do outro. Assim, como a legítima é a parte da herança reservada por lei aos herdeiros necessários (descendentes e ascendentes), não pode o marido, nem a mulher dela dispor livremente.

 Por outro lado há de ser observado o disposto no inciso III do art. 1.790, pois afirma que a companheira ou o companheiro, se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. Conclui-se que, ao contrário do cônjuge, que concorre somente com descendentes ou com ascendentes do de cujus, o companheiro concorre em todas as classes, até com a dos colaterais do quarto grau. Fato este que comprova a desigualdade de tratamento dado pelo legislador, ferindo princípio constitucional da igualdade e da dignidade da pessoa humana.  Este princípio é um dos ou quiçá o principal fundamento de nossa Carta Magna, o qual deve obrigatoriamente ser respeitado em todas as relações jurídicas, sejam elas públicas ou privadas, estando aqui incluídas as relações familiares.

Neste sentido, reconhecendo a inconstitucionalidade do inciso III, do art. 1.790:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. COMPANHEIRO SOBREVIVENTE. DIREITO À TOTALIDADE DA HERANÇA. PARENTES COLATERAIS. EXCLUSÃO DOS IRMÃOS DA SUCESSÃO. INAPLICABILIDADE DO ART. 1790, INC. III, DO CC/02. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 480 DO CPC. Não se aplica a regra contida no art. 1790, inc. III, do CC/02, por afronta aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e de igualdade, já que o art. 226, § 3º, da CF, deu tratamento paritário ao instituto da união estável em relação ao casamento. Assim, devem ser excluídos da sucessão os parentes colaterais, tendo o companheiro o direito à totalidade da herança. Incidente de inconstitucionalidade arguido, de ofício, na forma do art. 480 do CPC. Incidente rejeitado, por maioria. Recurso desprovido, por maioria". (TJRS, Agravo de instrumento n. 70017169335, Porto Alegre, Oitava Câmara Cível, Rel. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, julgado em 08/03/2007, DJERS 27/11/2009, pág. 38).

 Outro ponto a ser salientado é que o cônjuge sobrevivo, no que tange à herança do falecido, concorre somente aos bens onerosos, adquiridos na vigência do casamento. Mas qual é o procedimento em relação ao companheiro sobrevivo, uma vez foi omisso o legislador?

 Há ainda, ementas que sustentam a inconstitucionalidade de todo o art. 1.790 do CC, por trazer direitos sucessórios distintos entre o do companheiro, se confrontado com os direitos sucessórios do cônjuge, art. 1.829, a saber:

 "DIREITO SUCESSÓRIO. Bens adquiridos onerosamente durante a união estável Concorrência da companheira com filhos comuns e exclusivo do autor da herança. Omissão legislativa nessa hipótese. Irrelevância. Impossibilidade de se conferir à companheira mais do que teria se casada fosse. Proteção constitucional a amparar ambas as entidades familiares. Inaplicabilidade do art. 1.790 do Código Civil. Reconhecido direito de meação da companheira, afastado o direito de concorrência com os descendentes. Aplicação da regra do art. 1.829, inciso I do Código Civil. Sentença mantida. RECURSO NÃO PROVIDO". (TJSP, Apelação n. 994.08.061243-8, Acórdão n. 4421651, Piracicaba, Sétima Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Élcio Trujillo, julgado em 07/04/2010, DJESP 22/04/2010).

 No caso dos cônjuges, a Lei não estipulou detalhe (da onerosidade dos bens), conforme se infere do art. 1.829. Contudo vem sendo os julgados no sentido de compreender os bens adquiridos na constância da união estável, conforme se observa no julgado a seguir:

 “RECURSO ESPECIAL. DIREITO DAS SUCESSÕES. ARTS. 1.659, VI, E 1.790, II, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL. DISTINÇÃO ENTRE HERANÇA E PARTICIPAÇÃO NA SOCIEDADE CONJUGAL. PROPORÇÃO DO DIREITO SUCESSÓRIO DA COMPANHEIRA. EM RELAÇÃO AO DO DESCENDENTE EXCLUSIVO DO AUTOR DA HERANÇA. 1. Os arts. 1.659, VI, e o art. 1.790, II, ambos do Código Civil, referem-se a institutos diversos: o primeiro dirige-se ao regime de comunhão parcial de bens no casamento, enquanto o segundo direciona-se à regulação dos direitos sucessórios, ressoando inequívoca a distinção entre os institutos da herança e da participação na sociedade conjugal. 2. Tratando-se de direito sucessório, incide o mandamento insculpido no art. 1.790, II, do Código Civil, razão pela qual a companheira concorre com o descendente exclusivo do autor da herança, que deve ser calculada sobre todo o patrimônio adquirido pelo falecido durante a convivência, excetuando-se o recebido mediante doação ou herança. Por isso que  lhe cabe a proporção de 1/3 do patrimônio (a metade da quota-parte destinada ao herdeiro). 3. Recurso especial parcialmente provido, acompanhando o voto do Relator”. (REsp 887990 / PE RECURSO ESPECIAL 2006/0116550-5. STJ: T4 - QUARTA TURMA, 24/05/2011)

 Por outro lado, foi recebido pelo Supremo Tribunal de Justiça REsp, aonde o  recorrente  sustenta  ofensa  aos artigos 1º, inciso III, 5º, inciso I, e 226, § 3º, do Diploma Maior. Diz do dever de ser assegurado ao companheiro o direito à sucessão legítima, haja vista o artigo 1.837 do Código Civil. Assevera que, apesar de inexistir previsão  legal  acerca  do casamento  civil,  a  Lei  Maior  garante  a todos  a igualdade  e  a  dignidade. Salienta que a aplicação do referido artigo 1.790 viola os preceitos citados, padecendo, por conseguinte, de inconstitucionalidade. Recurso provido, todavia pendente de julgamento do mérito:

“UNIÃO ESTÁVEL – COMPANHEIROS – SUCESSÃO – ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL – COMPATIBILIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL ASSENTADA NA ORIGEM – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia acerca do alcance do artigo 226 da Constituição Federal, nas hipóteses de sucessão em união estável homoafetiva, ante a limitação contida no artigo 1.790 do Código Civil”. (RE 646721 RG, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 10/11/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-232 DIVULG 06-12-2011 PUBLIC 07-12-2011)

 Outro fato que sustenta a inconstitucionalidade do artigo 1.790 é por um simples motivo: o Código estaria adjetivando os filhos do morto, inciso I: filhos comuns e inciso II: filhos só do autor da herança, aquinhoando-lhes com partes diferentes. Portanto trata os filhos do de cujus desigualmente, segundo uma adjetivação implícita, o que é vedado constitucionalmente.

A CF/88, em seu art. 227, § 6º "Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação". Ou seja, deixou de classificar filhos pela maior ou menor pureza das relações sexuais, legais e afetivas de seus pais, quando outrora, os filhos eram vistos e classificados por uma escala social e jurídica direcionada a discriminar o descendente e a sua inocência, por conta dos equívocos ou ignorância de seus pais.

Há na Câmera dos Deputados Federais o Projeto Lei nº 276/2007 do Deputado Léo Alcântara - PSDB/CE, contudo arquivado, que busca dar nova redação ao artigo 1.790, passando a ter o seguinte teor (referido projeto absorveu o mesmo enunciado que discorria o Projeto Lei 6.690/2002):

 “Art. 1.790. O companheiro participará da sucessão do outro na forma seguinte:

I - em concorrência com descendentes, terá direito a uma quota equivalente à metade do que couber a cada um destes, salvo se tiver havido comunhão de bens durante a união estável e o autor da  herança não houver deixado bens particulares, ou se o casamento dos companheiros se tivesse ocorrido, observada a situação existente no começo da convivência, fosse pelo regime da separação obrigatória (art. 1.641);

II - em concorrência com ascendentes, terá direito a uma quota equivalente à metade do que couber a cada um destes;

III – em falta de descendentes e ascendentes, terá direito à totalidade da herança.

Parágrafo único. Ao companheiro sobrevivente, enquanto não constituir nova união ou casamento, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real  de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar”.(NR)

No entanto, como se vê, não traz as alterações que a sociedade anseia e principalmente, que respeite os princípios estatuídos em nossa constituição, mas traz melhorias, põe o companheiro na posição de herdeiro universal quando não houver ascendente e descendente, excluindo assim a concorrência com colaterais. No tocante a concorrência do companheiro com filhos do de cujus (descendentes) não há mais distinção entre filhos comum e exclusivo do autor da herança. Nesta mesma linha ensina Silvio de Salvo Venoso ao analisar o PL 6.690/2002:

“ Mantém-se a mesma situação que é de concorrência na herança do convivente e não herança propriamente dita. A diferença é sutil, sem maior alcance prático, mas o legislador persiste na mesma senda. Essa redação, no entanto, faz mais justiça e afina-se com o sistema anterior ao vigente Código. Veja que o companheiro concorrerá com os descendentes do morto, sejam seus ou não. Não se faz mais a distinção da redação do Código de 2002 quanto à origem da filiação” VENOZA, 2010. p. 153.

6 CONCLUSÃO

Vimos que o legislador ampliou os direitos sucessórios dos companheiros, pois estabelecer as regras tomando como referência os cônjuges, que se tornam herdeiros do de cujus, apesar deste último não estar inserido no rol de herdeiros necessários do Art. 1.845 do Código Civil, gerando polêmica, como por exemplo, acerca da parte disponível para testar. Esquecendo-se, por outro lado, dos filhos, cuja Constituição Federal proíbe qualquer discriminação, fato este evidenciado na leitura dos incisos I e II do Art. 1.790 do Código Civil.

            Observa-se ainda o que dispõe a Constituição Federal, de 1988, no parágrafo terceiro do artigo 226, que: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Essa é a norma constitucional entendida como marco importante no direito de família. Alavancando o crescente número de famílias que passaram a viver sob a égide desta proteção conferida pela CF/88, na medida em que equipara o companheiro ao cônjuge, vedando a discriminação. Assim é que já se tem como indiscutível, por exemplo, o direito do companheiro à pensão por morte do companheiro, bem como o do recebimento da indenização pelo seguro de vida, entre outros.

Ora, o Artigo 1.790, como se vê, restringe os direitos dos companheiros quando do falecimento do outro frente aos cabíveis ao cônjuge, posto que, se não houver descendentes e ascendentes, este último herda a totalidade dos bens, Art. 1.829, III, já o primeiro concorrerá com os colaterais até quarto grau (inciso IV do Art. 1.790). E ainda estabelece, nos casos previstos nos incisos I e II do Art. 1.790, diferenças entre os filhos comuns dos filhos únicos do de cujus.

Tendo por base a Constituição Federal, que equipara a união entre companheiros ao casamento, a questão que fica é: a diferenciação feita pelo Código Civil, com base nos fatos já expostos, não é discriminatória e, portanto, inconstitucional?

Ao nosso entender ficou evidente que sim, e espera toda sociedade que o legislador, consciente e com a brevidade exigida, aja, alterando os dispositivos confusos e a nosso ver inconstitucionais, de ordem a evitar grandes e inesperadas injustiças. 

7 REFERÊNCIAS:

 BRASIL, CÓDIGO CIVIL de 2002, site: http://www.planalto.gov.br/.../L10406.htm;

 BRASIL, CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL de 1988, site: http://www.planalto.gov.br/...constitui%C3%A7ao.htm;

 BRASIL, LEI No 8.971, DE 29 DE DEZEMBRO DE 1994, site: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8971.htm;

 BRASIL, LEI Nº 9.278, DE 10 DE MAIO DE 1996, site: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9278.htm;

 TARTUCE, Flávio. Da sucessão do companheiro: o polêmico art. 1.790 do CC e suas controvérsias principaisJus Navigandi, Teresina, ano 15n. 26813 nov. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/17751>. Acesso em: 10 maio de 2012.

DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, volume 6: direito das sucessões, 26ª Edição, São Paulo, Saraiva, 2012;

 PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instruções de Direito Civil, Volume VI Direito das Sucessões, 19ª Edição, Rio de Janeiro, Forense, 2012;

 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito das sucessões/Sílvio de Salvo Venosa. – 10. Ed. – Sãp Paulo: Atlas, 2010. – (Coleção direito civil; v. 7).