Cayo Casalino Alves[1]

A admissibilidade dos recursos está diretamente subordinada ao atendimento, pelo recorrente, a determinado pressupostos recursais previstos em lei e classificados pela doutrina em dois grupos: a) Subjetivos ou intrínsecos, os quais compreendem: A legitimação; O interesse; A capacidade; A representação; b) Objetivos ou extrínsecos, abrangendo a; A recorribilidade do ato; A regularidade formal do ato; A adequação; A tempestividade; O depósito; As custas e os emolumentos.

No presente trabalho será abordado o pressuposto recursal Objetivo/Extrínseco, mais precisamente, o depósito recursal previsto no Artigo 899, §1º, CLT.

O presente tema tem como escopo analisar o pressuposto como exigência de depósito recursal para a parte que não é beneficiária da justiça gratuita, geralmente a empresa, para ter assegurado o acesso a Instância Superior, a fim de ter revista uma sentença desfavorável. 

A exigência de depósito recursal está prevista no Artigo 40 da Lei 8.177/91[2], referido depósito tem como característica a garantia do Juízo, esse é o entendimento dado pela doutrina. Nas palavras de Carlos Henrique Bezerra Leite[3]: “O depósito recursal constitui mera garantia do juízo, evitando, assim, a interposição temerária ou procrastinatória de recursos. Ressalta-se, por oportuno, que a exigência do depósito consagra, substancialmente, o princípio da isonomia real, sabido que o empregador é, via de regra, economicamente superior ao empregado”.

Estando certo que, o Reclamante é a parte hipossuficiente na relação de emprego, sendo assim, a norma jurídica visa equilibrar a relação do empregado e empregador, busca-se uma maior proteção jurídica ao empregado tendo em vista a inferioridade econômica frente ao empregador.

Neste sentido argumenta Mauro Schiavi[4] ao falar de Protecionismo temperado ao trabalhador: “Autores há que denominam o presente princípio de protetor visto sob o aspecto processual ou instrumental, princípio da compensação de desigualdades, princípio da isonomia sob o aspecto real ou substancial, considerando que o trabalhador, como regra, é o litigante mais fraco no Processo do Trabalho”.

A Constituição Federal/ 88 é garantista, o seu Artigo 5º vem contemplar essa norma, visando igualar as pessoas de uma forma geral: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”

Citado Artigo, se encontra no TÍTULO II Dos Direitos e Garantias Fundamentais, os quais são divididos dentre outros de direitos individuais, cuja terminologia é usada na Constituição para exprimir o conjunto dos direitos fundamentais concernentes à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade[5].

Continua o brilhante jurista José Afonso da Silva[6] a conceituar Direitos Fundamentais: “Constitui a expressão mais adequada ..., porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível de direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados”.

Esses direitos constitucionais nasceram do princípio da soberania popular, além de serem considerados normas supraconstitucionais, sendo a Constituição expressa quando estatui que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.[7]

Quando a CF/88, assegura que todos são iguais perante a Lei, ela não diz que pessoas jurídicas ou físicas são diferentes, pois, se do contrário fosse, de certo o Constituinte Originário colocaria tal previsão. O Princípio da isonomia veio a fim de igualar às pessoas, físicas ou jurídicas.

Neste sentido Manoel Gonçalves Ferreira Filho[8] admite que: “.... o destinatário dos direitos e garantias individuais, tanto pode ser a pessoa jurídica brasileira ou estrangeira que atue no Brasil”.

Dispõe o inciso XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;

O direito de petição confere aqueles que queiram ter resguardados seus direitos em face de ato de ilegalidade ou abuso de poder, para tanto, deverão reclamar junto á Autoridade competente, tanto poderá ser a pessoa física ou jurídica

Nas palavras do Eminente Professor Nelson Nery Junior[9]: “O direito de petição é conferido para que se possa reclamar, junto aos poderes públicos, em defesa de direitos contra ilegalidade ou abuso de poder.

O direito de petição é um direito político, que pode ser exercido por qualquer um, pessoa física ou jurídica.....”

 Através deste princípio percebe-se que qualquer um, seja pessoa física ou jurídica poderá reivindicar seus direitos junto ao Órgão e Autoridade competente, independentemente de pagamento.

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

Através deste inciso, o qual contempla o Princípio da Inafastabilidade das decisões judiciais, tem-se que, nada passará sem ser percebido pelo Poder Judiciário, ou seja, todos tem o direito de ter seu caso apreciado pela justiça, dessa forma, nada (ninguém nem o legislador) poderá impedir o acesso de um jurisdicionado de ingressar em juízo, ou percorrer as vias judiciárias, a fim de ter seus direitos resguardados.

As garantias fundamentais devem ser interpretadas de forma ampliada, não podendo a lei ser interpretada de forma que impeça ou dificulte o exercício da garantia constitucional do direito de ação[10].

Garante ainda a CF/88, os princípios do contraditório e da ampla defesa, no inciso LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

O princípio do contraditório assegura o direito da parte ter conhecimento do que está ocorrendo no processo, sendo assim, o juiz não poderá mitigar o direito de uma parte sobre o que se passa no processo, pois, este princípio contempla também o princípio do estado democrático de direito.

Através do princípio do contraditório que às partes tem o direito de fazer prova acerca de suas alegações, bem como, a parte contrária de fazer a contraprova das alegações. Esse direito deverá ser garantido aos litigantes.

Em decorrência deste princípio se extrai o princípio da paridade das partes, o contraditório significa dar as mesmas oportunidades para as partes e os mesmos instrumentos processuais, para que possam fazer valer os seus direitos e pretensões, ajuizando ação, requerendo e realizando provas, recorrendo das decisões judiciais etc[11].

A garantia constitucional da ampla defesa permite aos seus titulares; autor e réu a sustentarem suas alegações, a fim de demonstrar o direito acerca dos fatos, pois, a prova destina-se ao processo e não ao juiz.

Sobrevindo decisão adversa, a parte tem o direito de interpor recurso cabível.

Quando a lei restringe essa garantia constitucional, acaba por contemplar a quebra do estado democrático de direito, o que se torna muito temeroso para uma nação que durante anos busca uma igualdade em vários campos.

A conclusão que chega é que, o Poder Judiciário está sobrecarregado de processos, em que na maioria das vezes poderiam ser resolvidos por uma forma simples, por vezes às partes abusam do direito de ação, conseqüência, tudo acaba por acumular a justiça.

Na tentativa de frear a crescente demanda judiciária, o Legislador acaba por criar mecanismos, os quais se tornam abusivos para a sociedade em geral, pois, aniquilam regras e garantias constitucionais, a fim de, amenizar um colapso geral no judiciário brasileiro.

Nas palavras do Deputado Federal Clóvis Fecury – DEM/MA, no projeto de Lei 6.015/2009[12], o qual tentava extinguir o depósito recursal, contudo o projeto foi arquivado pela mesa da Câmara dos Deputados Federais:

“As violações mencionadas ocorrem porque privam o jurisdicionado da apreciação pelo Judiciário de seu inconformismo, bem como impede o exame da matéria em sede de grau recursal, limitando o direito à ampla defesa.

Assim, qualquer iniciativa de se impor a uma das partes um ônus, notadamente a antecipação da execução, provoca o desequilíbrio processual entre os litigantes, ocasionando a tão odiosa desigualdade, também repudiada pelo texto constitucional.

E a exigência do depósito recursal limita o acesso ao judiciário, no caso, ao duplo grau de jurisdição, pois não podemos nos esquecer do pequeno empresário, do empresário individual, do empregador doméstico, do pequeno agricultor. Nos dias atuais, a maioria esmagadora dos empregadores do Brasil são micros, pequenos e médios empresários que, frente a uma exigência inconstitucional, acabam ficando ou descapitalizados ou impedidos de ver apreciado o seu apelo, inibindo a revisão da lide em segundo grau”.

 

Mecanismos precisam ser criados ou aperfeiçoados para que o os litigantes, possam ter uma prestação jurisdicional adequada aos seis anseios.

Em contrapartida o Poder Judiciário precisa fazer com que suas decisões sejam cumpridas, não podendo ficar sobrecarregado com questões, as quais poderiam ser resolvidas de uma melhor forma.

O melhor que se pode fazer é tentar conscientizar a sociedade de que excesso de demanda jurídica acaba por colocar em descrédito a todos de um modo geral, na medida em que às partes são colocadas em dúvida acerca de seus direitos e o judiciário que não consegue entregar a prestação jurisdicional, a qual seria a ideal.

 

"O procedimento lógico de corrigir as desigualdades é o de criar outras desigualdades" (E. Couture).

 

 

 

REFERÊNCIAS:

 

FILHO. Manoel Antonio Teixeira. Sistemas dos Recursos Trabalhistas. 11. ed. São Paulo: LTr, 2011.

FILHO. Manoel Gonçalves Ferreira. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, São Paulo: Saraiva, 1990.

 

JUNIOR. Nelson Nery. Princípios do Processo na Constituição Federal. 10.  ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

LEITE. Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2011.

 

SCHIAVI. Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 4. ed. São Paulo: Ltr, 2011. p. 104-105.

SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2005



[1] Professor, Advogado Trabalhista. Mestrando em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP. Especialista pela Faculdade Metropolitana Unidas - FMU em Direito Público. Atualmente ministra aulas no Curso de Direito na Universidade Cruzeiro do Sul nas disciplinas Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.

[2] Artigo 40. O depósito recursal de que trata o art. 899 da Consolidação das Leis do Trabalho fica limitado a Cr$ 20.000.000,00 (vinte milhões de cruzeiros), nos casos de interposição de recurso ordinário, e de Cr$ 40.000.000,00 (quarenta milhões de cruzeiros), em se tratando de recurso de revista, embargos infringentes e recursos extraordinários, sendo devido a cada novo recurso interposto no decorrer do processo.

[3] LEITE. Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2011.

[4] SCHIAVI. Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 4. ed. São Paulo: Ltr, 2011. p. 104-105.

[5] SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 176.

[6] Op. Cit., p. 178.

[7] Op. Cit., p. 179-180.

[8] FILHO. Manoel Gonçalves Ferreira. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, São Paulo, Saraiva, 1990.

[9] JUNIOR. Nelson Nery. Princípios do Processo na Constituição Federal. 10.  ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 177.

[10] Op. Cit., p.176.

[11] Op. Cit., p.244.

[12] Revogam-se os §§ 1º, 2º, 4º, 5º e 6º do art. 899 da Consolidação das Leis do trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, o art. 7º da Lei nº 5.584, de 26 de junho de 1970, o art. 13 da Lei nº 7.701, de 21 de dezembro de 1988, e o art. 40 da Lei nº 8.177, de 1º de março de 1991, para extinguir a exigência de depósito recursal nas ações trabalhistas.