Próteses totais podem induzir alterações patológicas nas mucosas que as suportam, as quais são denominadas, entre vários outros termos, de estomatite por dentadura (BERGENDAL, ISACSSON, 1983). Estas alterações são caracterizadas por inflamação moderada ou intensa e são encontradas sob próteses totais, podendo ocorrer na maxila e mandíbula, porém, mais freqüentemente, na maxila (RITCHIE et al., 1969; BUDTZ-JORGENSEN, 1974; RENNER et al., 1979; ARENDORF, WALKER, 1987; FELTRIN et al., 1993; AGUIRRE et al., 1996) acometendo mais de 2/3 dos usuários de próteses totais (BUDTZ-JORGENSEN, LÖE, 1972; IACOPINO, WATHEN, 1992; WEBB et al., 1998-a).

Embora o tecido apresente-se hiperêmico e inflamado, a estomatite por dentadura é freqüentemente assintomática, entretanto, a mucosa pode mostrar-se hemorrágica e o paciente pode sentir prurido, queimação, sintomatologia dolorosa, sabor desagradável, bem como apresentar halitose e xerostomia (RITCHIE et al., 1969; ARENDORF, WALKER, 1987; DOROCKA-BOBKOWSKA, BUDTZ-JORGENSEN, WLOCH, 1996).

A etiologia da estomatite por dentadura mostra-se extremamente variável, sendo considerada multifatorial. Placa microbiana, infeccção por Candida, trauma, uso contínuo da dentadura e xerostomia constituem fatores predominantes na patologia desta alteração (AGUIRRE et al., 1996; BUDTZ-JORGENSEN, 1974; CARTER, SHEPHERD, 1986; DOROCKA-BOBKOWSKA, BUDTZ-JORGENSEN, WLOCH, 1996; FELTRIN et al., 1993; RENNER et al., 1979; WEBB et al., 1998-a; WEBB et al., 1998-b). A freqüente associação entre Candida, especialmente a C. albicans com estomatite por dentadura, vem sendo relatada há bastante tempo na literatura e confirmada por pesquisas atuais (BIRMAN, 1998; ELLEPOLA, SAMARANAYAKE, 1998; MESQUITA et al., 1998; WILSON, 1998).

A estomatite por dentadura, geralmente, é classificada de acordo com a aparência clínica da mucosa inflamada, sendo utilizada a classificação de NEWTON (1962), a qual compreende três tipos clínicos:

Ú Hiperemia puntiforme - (classe I):
É limitada aos ductos das glândulas salivares palatinas menores.

Ú Hiperemia difusa - (classe II):
A inflamação é generalizada, a mucosa apresenta-se lisa e atrófica, abrangendo toda a região recoberta pela prótese.

Ú Hiperemia granular - (classe III):
É caracterizada por uma mucosa hiperêmica, com aparência nodular, a qual pode estar presente em toda a região recoberta pela prótese, porém, mais comumente restrita à região central do palato, sendo, particularmente, encontrada em áreas sob câmara de sucção das próteses totais.

O diagnóstico definitivo de estomatite por dentadura associada à infecção fúngica bucal é dado pela somatória de sinais e sintomas clínicos e exames micológicos, seja cultura, citológico, exame histopatológico, ou sorologia (OLSEN, STENDERUP, 1990; ALLEN, 1992; LIMA, SILVEIRA, BIRMAN, 1994; MESQUITA et al., 1998). Em infecções fúngicas invasivas, o exame histopatológico é a forma mais segura para o estabelecimento do diagnóstico definitivo (OLSEN, STENDERUP, 1990; MESQUITA et al., 1998).

Frente aos dados supra citados, o presente trabalho tem a finalidade de estudar as alterações clínicas, microbiológicas e histopatológicas de estomatite por dentadura, associadas ou não à presença de espécies de Candida, visando principalmente o diagnóstico.
Os termos candidose e/ou candidíase, são utilizados na literatura para denominar infecção bucal por fungos, especialmente, pela Candida albicans. Alguns pesquisadores preferem o termo candidose em razão de o sufixo ose ser geralmente utilizado na denominação de outras infecções fúngicas, como blastomicose e coccidioidomicose. O sufixo íase é menos apropriado porque geralmente reflete uma infecção por protozoários, como em giardíase. No entanto, o uso do sufixo íase acha-se amplamente sedimentado e candidíase é o termo mais comumente empregado (COLEMAN, 1996).
Há consenso entre várias pesquisadores que a cultura quantitativa da saliva e a microscopia de esfregaços são suficientes para o estabelecimento do diagnóstico da estomatite por dentadura associada à Candida (BUDTZ-JORGENSEN, 1974; OLSEN, STENDERUP, 1990; IACOPINO, WATHEN,.1992; FELTRIN,.1993; KULAK, ARIKAN, DELIBALTA, 1994; KULAK, ARIKAN, KAZAZOGLU, 1997; ROSSIE, GUGGENHEIMER, 1997). Para alguns autores, dentre os quais podem ser citados IACOPINO, WATHEN, (1992) e JORGENSEN (1990), a biópsia e o exame histológico dos tecidos são desnecessários. Em nossa opinião, o diagnóstico deve estar embasado nos achados micológicos associados aos sinais e sintomas clínicos, devendo ser ressaltado que o exame clínico e o laboratorial não podem ser considerados isoladamente, mas ao contrário, devem estar intimamente correlacionados.
Para SHEPHERD (1986), o relacionamento entre a formação de hifas e a infecção é baseado na premissa de que as hifas penetram mais facilmente os tecidos que as leveduras e são de mais difícil fagocitose. As enzimas hidrolíticas produzidas pela Candida albicans facilitam sua invasão ao epitélio bucal (CARTER; KERR; SHEPHERD, 1986; SHEPHERD, 1986; WEBB et al., 1998-b).
Embora as hifas de Candida não penetrem o tecido epitelial (CARTER, KERR, SHEPHERD, 1986; WILLIAMS et al., 1998), suas enzimas hidrolíticas degradam o tecido do hospedeiro (CARTER, KERR, SHEPHERD, 1986; ALLEN, 1994), promovendo uma resposta imune mediada por células (CARTER, KERR, SHEPHERD, 1986). Estes achados podem explicar a razão de estruturas fúngicas não terem sido detectadas nos exames citológicos da grande maioria dos esfregaços obtidos da mucosa do palato, e sim, constituírem achados freqüentes nos espécimes obtidos da superfície interna das próteses totais.

SHEPHERD (1986), concluiu que o mecanismo de defesa do hospedeiro é representado pelos polimorfonucleares e, especialmente, por linfócitos T e macrófagos, capazes de ingerir e fagocitar os organismos de Candida. Esta afirmativa pode ser confirmada nos achados histológicos  onde predomina o infiltrado linfocitário, indicando reatividade imunológica contínua do hospedeiro.
Outros fatores, como as toxinas bacterianas estão envolvidas no processo de estomatite por dentadura (VAN REENEN, 1973; BERGENDAL, ISACSON, 1983), tornando-se praticamente inviável a distinção entre o papel de fungos e bactérias, na biofilme microbiano da dentadura (ARENDORF, WALKER, 1987). Nos achados de THEILADE e BUDTZ-JORGENSEN (1988), a microbiota das dentaduras nos pacientes portadores de estomatite foi predominantemente bacteriana.

Conforme CARTER, KERR e SHEPHERD (1986), a presença da prótese total altera o epitélio, o qual pode encontrar-se já alterado por deficiências nutricionais. Além disso, a dentadura sozinha é capaz de propiciar um meio ambiente que favorece a Candida albicans, um comensal saprófita, a proliferar para proporções patogênicas, mesmo na ausência de fatores gerais predisponentes, promovendo uma intensa reação imunológica, desenvolvendo a estomatite.
A estomatite por dentadura, usualmente, não é uma condição que traz danos sérios ao paciente, entretanto é importante prevenir esta alteração, uma vez que uma mucosa inflamada é um suporte deficiente para a prótese e porque a inflamação possivelmente, contribui para a reabsorção óssea subjacente (BUDTZ-JORGENSEN, 1990-a). Além disso, próteses totais são usadas principalmente por idosos, os quais são mais susceptíveis à infecções, devido a alterações imunológicas e distúrbios locais de defesa decorrentes da própria idade, doenças sistêmicas subclínicas, uso de agentes farmacológicos, deficiências nutricionais e exposição a doenças infecciosas (ÖHMAN et al., 1995).

Referências Bibliográficas

1. AGUIRRE, J.M. et al. Cytological changes in oral mucosa in denture stomatitis. Gerondontology, v.13, n.1, p.63-67, 1996.
2. ALLEN, C.M. Animal models of oral candidiasis: a review. Oral Surg Oral Med Oral Pathol, v.78, p.216-221, 1994.
3.ALLEN, C.M. Diagnosis and managing oral candidiasis. JADA, v.123, p.77-82, Jan.1992.
4.ARENDORF, T.M.; WALKER, D.M. Denture stomatitis: a review. J Oral Rehabilit, v.14, n.3, p.217-227, May1987.
5.BERGENDAL, T.; ISACSSON, G.A combined clinical, mycological and histological study of denture stomatitis. Acta Odontol Scand, v.41, n.1, p.33-44, 1983.
6.BIRMAN, E.G. Um breve retrospecto sobre Cândida e candidoses em relação à boca. Rev Racine, v.3, n.42, p.56-60, jan/fev.1998.
7.BUDTZ-JORGENSEN, E. Etiology, pathogenesis, therapy and prophylaxis of oral yeast infections. Acta Odontol Scand, v.48, p.61-69, 1990.
8.BUDTZ-JORGENSEN, E. Histopathology, immunology and serology of oral yeast infections: diagnosis of oral candidosis. Acta Odontol Scand, v.48, p.37-43, 1990.
9.BUDTZ-JORGENSEN, E. The significance of Candida albicans in denture stomatitis. Aarhus Denmark, 1974. (Tese. Royal Dental College). Scand J Dent Res, v.82, p.151-190, 1974.
10.BUDTZ-JORGENSEN, E.; LÖE, H. Chlorhexidine as a denture desinfectant in the treatment of denture stomatitis. Scand J Dent Res, v.80, p.457-464, Jun.1972.
11.BUDTZ-JORGENSEN, E.; THEILADE, E.; THEILADE, J. Quantitative relationship between yeasts and bacteria in denture-induced stomatitis. J Scand Dent Res, v.91, p.134-142, 1983..
12.CABRAL, L.A.G. Emprego da imunofluorescência direta no estudo das alterações de mucosa de palato, compatíveis com candidíase atrófica crônica, em indivíduos portadores de próteses dentárias totais muco-suportadas. Rev Odontol UNESP, v.19, p.125-139, 1990.
13.CARTER, G.M.; KERR, M.A.; SHEPHERD, M.G. The rational management of oral candidosis associated with dentures. New Zealand Dent J, v.82, n.369, p.81-89, Jul.1986.
14.COLEMAN, G. C. Diagnóstico diferencial das lesões brancas da mucosa. In: ___. Princípios de diagnóstico bucal. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996. Cap. 15, p.195-197.
15.DAVENPORT, J.C. The oral distribution of Candida in denture stomatitis. Br Dent J, v.129, n.4, p.151-156, Aug.1970.
16. DOREY, J.L. et al. Oral mucosal disorders in denture wearers. J Prosthetic Dent, v.53, n.2, p.210-213, Feb. 1985.
17. DOROCKA-BOBKOWSKA, B.; BUDTZ-JORGENSEN, E.; WLOCH, S. Non-insulin dependent diabetes mellitus as a risk factor for denture stomatitis. J Pathol Med, v.25, n.8, p.411-415, 1996.
18. ELLEPOLA, A.N.B.; SAMARANAYAKE, L.P. The effect of limited exposure to antimycotics on the relaative cell-surface hydrophobicity and the adhesion of oral Candida albicans to buccal epithelial cells. Arch Oral Biol, v.43, n.11, p.879-887, Nov.1998.
19. FELTRIN, P.P. et al. Estomatite protética: estudo da superfície interna da prótese total em microscopia eletrônica de varredura e da mucosa de suporte através de exame citológico, histopatológico e imunohistoquímico. Rev da Assoc Bras Odontol, v.1, n.1, p.31-38, jul/set.1993.
20.IACOPINO, M.; WATHEN, W.F. Oral candidal infection and denture stomatitis : A compreensive review. Rev JADA, v. 123, n.1, p.46-51, Jan.1992.
21. JORGE, A.O.C. et al. Estomatite por prótese total - presença de bactérias e fungos. Arq Cent Estud Curso Odontol UFMG, v.27, n.1/2, p.9-15, dez/jan. 1990.
22. KULAK, Y.; ARIKAN, A.; DELIBALTA, N. Comparison of three different treatment methods for generalized denture stomatitis. J Prosthetic Dent, v.72, n.3, Sep.1994.
23. KULAK, Y.; ARIKAN, A.; KAZAZOGLU, E. Existence of Candida albicans and microorganisms in denture stomatitis patients. J Oral Rehabilit, v.24, p.788-790, 1997.
24. LIMA, O.C.C.; SILVEIRA, F.R.X.; BIRMAN, E.G. Manifestações bucais de origem infecciosa em pacientes HIV-positivos ou com Aids/I: doenças fúngicas. Rev Assoc Bras Odontol Nac, v.2, n.1, fev/mar.1994.
25. LYNCH, D.P. Oral candidiasis: history, classification and clinical presentation. Oral Surg Oral Med Oral Pathol, v.78, p.189-193, 1994.
26. McCULLOUGH, M.J.; ROSS, B.C.; READE, P.C. Candida albicans: a review of its history, taxonomy, epidemiology, virulence atributes and methods of strain differentiation. Int J Oral Maxillofac Surg, v.25, p.136-144, 1996.
27. MESQUITA, R.A. et al. Candidíase oral e a infecção HIV. Rev Cons Reg Odontol Minas Gerais, v.4, n.1, p.27-31, jan/jun. 1998.
28. MORIMOTO, K.; KIHARA, A.; SUETSUGU, T. Clinico-pathological study on denture stomatitis. J Oral Rehabilit, v.14, p.513-522, 1987.
29. NEWTON, A.V. Denture sore mouth: a possible aetiology. Br Dent J, v.1, p.357-360, May1962.
30. ÖHMAN, S.C. et al. The prevalence of Staphylococcus aureus, Enterobactericeae species and Candida species and their relation to oral mucosa lesions in a group of 79-year-olds in Göteborg. Acta Odontol Scand, v.53, n.1, p.49-54, Feb.1995.
31. OLSEN, I.; STENDERUP, A. Clinical-mycologic diagnosis of oral yeast infections. Acta Odontol Scand, v.48, p.11-18, 1990.
32.RENNER, R. P. et al. The role of Candida albicans in denture stomatitis. Oral Surg Oral Med Oral Pathol, v.47, n.4, p.323-328, Apr.1979.
33.RITCHIE, G.M. et al. The etiology, exfoliative cytology and treatment of denture stomatitis. Journal Prosthetic Dent, v.22, n.2, p.185-200, Aug.1969.
34. ROSSIE, K.; GUGGENHEIMER, J. Oral candidiasis: clinical manifestations, diagnosis and treatment. Pract Period Aesthet Dent, v.9, n.6, p.635-641, 1997.
35. SANTARPIA, R.P. et al. An in vivo replica method for the site-specific detection of Candida albicans on the denture surface in denture stomatitis patients: correlation with clinical disease. J Prosthetic Dent, v.63, n.4, p.437-443, Apr.1990.
36. SHEPHERD, M.G. The pathogenesis and host defence mechanisms of oral candidosis. New Zealand Dent J, v.82, n.369, p.78-81, Jul.1986.
37. THEILADE, E.; BUDTZ-JORGENSEN, E. Predominant cultivable microflora of plaque on removable dentures in patients with denture-induced stomatitis. Oral Microbiol Immunol, v.3, p.8-13, 1988.
38. VAN REENEN, J.F. Microbiologic studies on denture stomatitis. J Prosthetic Dent, v.30, n.4, part.2, p.493-505, Oct.1973.
39. WEBB, B.C. et al. Candida-associated denture stomatitis. Aetiology and management: a review. Part.1. Factors influencing distribuition of Cândida species in the oral cavity. Aust Dent J, v.43, n.1, p.45-50, Feb.1998.
40. WEBB, B.C. et al. Candida-associated denture stomatitis. Aetiology and management : a review. Part.2. Oral diseases caused by Candida species.. Aust Dent J, v.43, n.3, p.160-166, Apr.1998.
41. WEBB, B. C. et al. Candida-associated denture stomatitis. Aetiology and management :a review. Part.3. Treatment of oral candidosis. Aust Dent J, v.43, n.4, p.244-249, Aug.1998.
42.WEBB, B.C. et al. Effectiveness of two methods of denture sterilization. J Oral Rehabil, v.25, n.6, p.416-423, June 1998.
43.WILLIAMS, D.W. et al. Characterisation of the inflammatory cell infiltrate in chronic hyperplastic candidosis of the oral mucosa. J Oral Pathol Med, v.26, n.2, p.83-89, 1997.
44.WILSON, J. The aetiology, diagnosis and management of denture stomatitis. Br Dent J, v.185, n.8, p.380-384, Oct.1998