Alfred North Whitehead (1994) nos diz que a Natureza é aquilo que observamos pela percepção obtida através dos sentidos. Nessa percepção sensível, estamos cônscios de algo que não é pensamento e que é contido em si mesmo com relação ao pensamento. Essa propriedade de ser auto-contido com relação ao pensamento está na base da ciência natural. Significa que a Natureza pode ser concebida como um sistema fechado cujas relações mútuas prescindem da expressão do fato de que se pensa acerca das mesmas. Whitehead quer dizer que podemos pensar sobre a Natureza sem pensar sobre o pensamento. Ele classifica como pensamento homogêneo sobre a Natureza. Mas também podemos pensar na Natureza conjuntamente com o pensamento sobre o fato de a natureza ser alvo do pensamento. Nesse caso Whitehead classifica de pensamento heterogêneo sobre a Natureza. O interesse da ciência natural está exclusivamente para os pensamentos homogêneos sobre a Natureza. Esse interesse desclassifica a epistemologia da ciência natural.

A percepção sensível traz consigo um elemento diverso do pensamento. É uma apreensão de algo que difere do pensamento, ou seja, a Natureza não é pensamento. A doutrina de que a ciência natural ocupa-se exclusivamente de pensamentos homogêneos acerca da natureza não conduz imediatamente à conclusão de que a ciência natural não se ocupa da apreensão sensível.

Embora a ciência natural se ocupe da natureza, que é o termo da percepção sensível, não se ocupa da apreensão sensível em si.

Na percepção sensível, a Natureza é revelada como um complexo de entidades cujas relações mútuas são passíveis de expressão no pensamento sem referência à mente, ou seja, sem referência quer à apreensão sensível quer ao pensamento.

Nenhuma característica da Natureza imediatamente apresentada ao conhecimento pela apreensão sensível pode ser explicada. É impenetrável ao pensamento, no sentido de que seu peculiar caráter essencial que se introduz na experiência através da apreensão sensível é, para o pensamento, o simples guardião de sua individualidade enquanto simples entidade.

Continuando com Whitehead, ele classifica três componentes em nosso conhecimento da Natureza:

i)                    fato: é o termo indiferenciado da apreensão sensível;

ii)                  fatores: são termos da apreensão sensível, diferenciados enquanto elementos do fato;

iii)                entidades: são fatores em sua função enquanto termos do pensamento.

Citamos ainda o exemplo de Whitehead: para o pensamento "vermelho" é simplesmente uma entidade definida, embora, para a apreensão, o "vermelho" carregue o conteúdo de sua individualidade. A transição do "vermelho" da apreensão para o "vermelho" do pensamento é acompanhado por uma nítida perda de conteúdo, ou seja, pela transição do fator "vermelho" para a entidade "vermelho". Whitehead classifica essas entidades como naturais.

O pensamento é mais amplo que a natureza, de sorte que existem entidades do pensamento que não são entidades naturais.

Quando falamos da natureza como um complexo de entidades inter-relacionadas, o "complexo" é fato enquanto entidade do pensamento, a cuja individualidade pura e simples é atribuída a propriedade de abarcar, em sua complexidade, as entidades naturais. Whitehead nos diz que a estrutura do complexo natural jamais pode ser completada em pensamento, da mesma forma como os fatores de um fato jamais podem seu exauridos na apreensão sensível.

O fato imediato para a apreensão sensível é a ocorrência da natureza em sua totalidade. É a natureza enquanto evento presente à apreensão sensível e essencialmente passageira. É inexeqüível imobilizar a natureza e contemplá-la. Não podemos redobrar nossos esforços para aprimorar nosso conhecimento do termo da nossa apreensão sensível presente; é nossa oportunidade subseqüente na apreensão sensível subseqüente que aufere o benefício de nossa boa resolução. Assim, o fato fundamental para a apreensão sensível é um evento. A totalidade desse evento é por nós discriminada em eventos parciais. Estamos cônscios de um evento que é nossa vida corporal, de um evento que é o andamento da natureza no interior desta sala e de um conglomerado vagamente percebido de outros eventos parciais. Essa é a discriminação na apreensão sensível de um fato em partes.

A primeira atribuição de uma filosofia da ciência deve ser a de elaborar alguma classificação geral das entidades a nós reveladas na percepção sensível.

Reina hoje na filosofia e na ciência uma apática concordância com a conclusão de que é impossível produzir qualquer relato coerente da natureza tal como nos é revelada na apreensão sensível, sem trazer à baila, de maneira forçada, as relações da mesma com a mente. O relato contemporâneo da natureza não é como deveria ser, um mero relato daquilo que a mente conhece acerca da natureza, mas é também confundido com o relato acerca da ação da natureza sobre a mente.

Whitehead busca, na filosofia da ciência, as noções gerais que se aplicam à natureza, ou seja, àquilo de que estamos cônscios através da percepção. Trata-se da filosofia da coisa percebida, e não deve ser confundida com a metafísica da realidade, cujo o alcance inclui tanto o perceptor como a coisa percebida. Nenhuma perplexidade referente ao objeto do conhecimento pode ser solucionada pela afirmação de que existe uma mente a conhecê-lo.

Para a filosofia natural, tudo quanto é percebido encontra-se na natureza. Não podemos empreender uma seleção rigorosa. Para nós, o fulgor avermelhado do poente deve ser parte tão integrante da natureza quanto o são as moléculas e as ondas elétricas por intermédio das quais os homens da ciência explicariam o fenômeno. Cabe à filosofia natural analisar como esses diferentes elementos da natureza se interligam.

Whitehead adota uma atitude instintiva imediata para um conhecimento perceptual, que somente é abandonada sob influência da teoria. Somos, segundo Whitehead, instintivamente inclinados a acreditar que, mediante a devida atenção, a natureza pode se revelar a nós para além do observado à primeira vista. O que se pede da filosofia da ciência é algum relato acerca da coerência das coisas conhecidas através da percepção.

Chegamos o que é essencialmente o "protesto" de Whitehead, o que ele denomina como a bifurcação da natureza; ou seja, a natureza apreendida pela percepção e a natureza que é a causa da percepção. A natureza, enquanto fato apreendido pela percepção, traz dentro de si o verdor das árvores, o gorjeio dos pássaros, a calidez do Sol, a rigidez das cadeiras e a sensação do veludo ao tato. A natureza enquanto causa da apreensão é o sistema hipotético de moléculas e elétrons que afeta a mente de modo a produzir a apreensão da natureza aparente. O ponto de convergência dessas duas naturezas é a mente, sendo a natureza causal influente e a natureza aparente, efluente.

A teoria da bifurcação é uma tentativa de apresentar a ciência natural como uma investigação quanto à causa de fato do conhecimento, vale dizer, tenta apresentar a natureza aparente como uma efluência da mente devida a natureza causal. A mente só pode conhecer aquilo que ela mesma produziu e de alguma forma conserva dentro de si, embora exija uma razão extrínseca tanto para originar como para determinar o caráter de sua atividade. O conhecimento é uma instância última. Podemos analisar o conteúdo e suas relações internas, mas não podemos explicar por que existe o conhecimento. A natureza causal, portanto, é uma quimera metafísica, embora se faça necessária uma metafísica cujo o alcance transcenda a limitação da natureza. O objetivo de uma tal ciência metafísica não é explicar o conhecimento, mas expor, em sua mais absoluta completude, nosso conceito de realidade.

A ciência não está discutindo as causas do conhecimento, mas a coerência do conhecimento. O entendimento perseguido pela ciência é um entendimento das relações internas à natureza.