Em se tratando de estudos bíblicos nem tudo são certezas e unanimidade. Existem contradições em relação às opiniões e conclusões. Uma delas é em relação a Lucas e à autoria do evangelho de Lucas e os Atos dos Apóstolos. A tradição cristã atribui tanto o texto do quarto Evangelho como o de Atos dos Apóstolos a Lucas, médico mencionado por Paulo em 2Tm 4,11; Cl 4,14 e Fm 24. O padre José Comblin, entretanto prefere dizer que ambos são personagens distintos (Atos dos Apóstolos, v. I:1-12, Petrópolis: Vozes, 1988).

Em suas cartas Paulo prefere apresentar-se em sua fraqueza (2Cor. 12,10) e insiste no direito de se autodenominar Apóstolo. Além dessas há outras divergências entre o texto lucano e as cartas paulinas. O padre Comblin é categórico. Do ponto de vista histórico dá razão a Paulo: "entre a versão de Paulo e a de Lucas, não podemos hesitar. O redator de Atos escreve mais tarde e foi mal informado" (p.60).

Sendo assim o que dizer das viagens paulinas?

Os escritos paulinos são categóricos em dizer que o Apóstolo foi apenas duas vezes a Jerusalém, no texto de Atos Paulo teria ido três vezes a essa cidade.

Essa discussão aparentemente sem sentido tem profundas implicações teológicas. A versão lucana vincula e subordina Paulo ao grupo dos 12. Mostra que ao se converter Paulo teria entre outras coisas, recebido informações e a missão dos apóstolos e o fato de ir a Jerusalém implicaria em uma espécie de solicitação de avaliação de seus trabalhos. Seria como dizer: "Estou fazendo assim. Vocês concordam?". E o Paulo lucano, realmente dá essa impressão, como se lê em Atos: 11, 27-30; 15, 2-4; 21, 15-26.

Entretanto comparado com os escritos paulinos (Gl, 1,15–2,9): Paulo só teria ido uma vez a Jerusalém; insiste em afirmar que sua perspectiva de anuncio do evangelho está correta; não depende dos apóstolos nem de Pedro lhe confirmarem a doutrina. Além disso a versão Paulina mostra uma clara divisão de tarefas: os de Jerusalém continuariam pregando aos "circuncisos' e Paulo e seu grupo aos "gentios". Segundo Paulo ele teria recebido apenas uma recomendação, a de se lembrar dos pobres a quem o apóstolo tem atendido "com solicitude"

Essa versão paulina tem uma finalidade: mostrar aos seus discípulos e às suas comunidades que "não foi a carne" mas o próprio Senhor quem o separou para o apostolado, diferentemente da versão lucana em que ele é convertido para o testemunho (At. 14,3).

Outra coisa são as viagens missionárias de Paulo. O livro dos Atos faz questão de mostrar uma ação itinerante de Paulo. Não é um animador de comunidade, residindo na comunidade, animando-a nos seus diferentes momentos e situações, mas é um fundador de comunidades pelo testemunho e pelo anuncio da palavra.

No texto de Atos, Paulo faz grandes viagens, dando testemunho. A primeira viagem é narrada em At. 13–14 na qual Paulo viaja pela Ásia Menor; a segunda é narrada em At 15,36–18, 23 na qual viaja pela Grécia e suas colônias. A terceira viagem, narrada em At.18,24–20,38. Dá para se ler, também uma quarta viagem, que o conduz a Roma. Essa viagem é mencionada principalmente nos capítulos 27 e 28.

O fato é que, a partir do que nos afirmam tanto as cartas paulinas como os Atos dos Apóstolos, não estamos diante de apenas mais um missionário. Podemos dizer que, do ponto de vista da difusão, da fundamentação e da defesa do direito de todos à fé cristã, Paulo é um dos principais fundadores do cristianismo. Esse apóstolo temporão, como ele mesmo se autodenomina, tem fundamentação teológica para argumentar diante dos apóstolos e dos "gentios", dizendo que Jesus não só ressuscitou, como propõe sua mensagem a todos os povos.

Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.

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