As Variações Sonoras de /r/ em Baianos e Paranaenses: Um Estudo Comparativo

Inês Lázaro de Barros( ); Jane Cleide Alves da Silva(2); Marquize Rodrigues Benck(3)


(1) Graduanda do Curso de Letras, Faculdade Arnaldo Horácio Ferreira- FAAHF, Luis Eduardo Magalhães, BA, CEP: 47850-000 [email protected]; (2) Graduanda do Curso de Letras, FAAHF, Luis Eduardo Magalhães, BA, CEP: 47850-000 [email protected]; (3) Graduanda do Curso de Letras, FAAHF, Luis Eduardo Magalhães, BA, CEP: 47850-000 [email protected] .

Resumo
A abordagem a ser realizada neste trabalho objetiva uma comparação entre a sonorização do fonema "r" na fala de baianos e paranaenses, relacionando quais são os fatores que determinam as características da linguagem em determinadas regiões de um país. A questão é estabelecer pontos de análise para que possamos compreender a linguagem dentro dos valores sonoros a partir dos estudos da Fonética. Para o desenvolvimento deste artigo, delimitaram-se procedimentos metodológicos específicos para atingir os objetivos. Foram entrevistadas três pessoas de cada região estudada, estimulando-as a pronúncia de /r/ a fim de possamos fazer um estudo

Palavras-chave: linguagem, fonema "r", variações lingüísticas.

1. Introdução

É através da linguagem, em suas diversas modalidades, que o indivíduo tem a possibilidade de transmissão, expressão e fixação de idéias que permitem a comunicação e a construção da história e dos valores culturais. Esses fatores são determinantes no processo de interação social do indivíduo, uma vez que a língua participa e está relacionada a todos os atos das relações humanas. Segundo Biderman (2001, p. 125):
A linguagem não é apenas um instrumento de comunicação, mas também o próprio pensamento do ato. O conhecimento não se separa da forma lingüística em que se expressa, e por isso a linguagem também constitui o limite, ainda que móvel, do pensamento [...] A linguagem não se organiza apenas segundo princípios racionais. As palavras irradiam a capacidade de comunicação para os domínios mais amplos da vida e das forças que a integram, modificam-na e a expressam.

Quando deparamos com uma língua qualquer, seja um dialeto da nossa mesma língua ou de uma língua diferente, o primeiro aspecto que nos chama a atenção são os sons da fala. Isso por que toda língua possui variações lingüísticas que podem ser entendidas por variações históricas, geográficas ou sociais. Tratando-se da variação fonética, tema a ser discutido nesse artigo, o que verificaremos são as variações sonoras de /r/.

O objetivo principal deste artigo é investigar as variações sonoras de /r/ em baianos e paranaenses residentes da cidade de Luis Eduardo Magalhães-Bahia, fazendo um estudo comparativo a fim de identificar quais são as variações do /r/ nas falas das regiões pesquisadas.

Luis Eduardo Magalhães, situada no Oeste baiano, fica cerca de1000 km de distância da capital Salvador e 500 km de Brasília. A região é responsável por 60 % (sessenta por cento) da produção de grãos do estado, por este motivo é considerada berço do agronegócio. Foi colonizada por pessoas oriundas de outros estados, principalmente da região sul do Brasil, mas precisamente paranaenses.

2. Revisão de Literatura

A Fonética é a parte da Linguística que estuda a natureza física da produção e da percepção dos sons da fala sem preocupação com seu significado. Em linhas gerais, ocupa-se do estudo de quaisquer sons de uma determinada língua. Segundo Borba (2003, p. 99) "A fonética ocupa-se da parte siginificante do signo e, portanto, estuda todos os sons possíveis de serem produzidos pelo aparelho fonador humano"

A produção de qualquer som pelo ser humano só é possível através de um conjunto de orgãos que se domina aparelho fonador. Este faz parte do sistema articulatório (faringe, língua, nariz, palato, dentes, lábios), do sistema fonatório (região da laringe onde está o glote) e do sistema respiratório (pulmões, músculos pulmonares, brônquios, traquéias) que são responsáveis pelo som da fala. (SILVA, 2003, p. 24) Como pode ser observado na figura abaixo:


Figura 1: O aparelho fonador
Os sons vocálicos acontecem quando o ar sai sem obstrução, já os consonontais, são aqueles que encontram obstrução na saída. (SILVA, 2003, p. 24). Na língua portuguesa, os sons podem ser vozeados ou desvozeados. Aqueles, que também são chamados de sonoros, ocorre quando as cordas vocais vibram durante a produção de um determinando som, enquanto estes caracterizam-se por não ocorrer vibração nas cordas vocais, por isso são também denominados de surdos.

Numa língua existem valores sonoros diferentes para cada símbolo alfabético, e a ortografia por si só não nos dá uma orientação clara sobre a pronúncia da língua e seus dialetos. Com o objetivo de tornar mais precisa essa pronúncia é que os linguistas elaboraram o Alfabeto Fonético Internacional.

No português brasileiro, a letra "r", dependendo do modo como se dá a obstrução a passagem do ar, apresenta sete variações de som, identificados como Fricativa velar desvozeada [X], pronuncia típica do dialeto carioca; fricativa velar vozeada [y] também típica do carioca; a Fricativa glotal desvozeada [h], típica do dialeto de Belo Horizonte, fricativa glotal vozeada, Tepe alveolar vozeado, vibrante alveolar vozeado e Retroflexa alveolar vozeada. (SILVA, 2003, p. 38)

As alveolares ocorrem quando os dois sons consonantais são produzidos com a ponta ou a lâmina da língua contra a arcada alveolar, exemplo da palavra "Lara". As retroflexas são os sons produzidos pela ponta da língua levantada e voltada para trás, de modo que parte de baixo da língua fique voltada em direção ao palato duro. É exemplo do som retroflexo do /r/ caipira em "par". O tepe, também conhecido como flepe ou vibrante simples, trata-se do som produzido pela batida rápida e única do articulador ativo no articulador passivo. Por exemplo, o segundo som consonantal em "fora" e "fraca". (SILVA, 2003, p. 38)

O som vibrante é produzido quando o articulador ativo bate várias vezes e rápidas vezes no articulador passivo, som muito encontrado no português europeu. E por fim, a fricativa, são os sons produzidos por uma aproximação dos articuladores, estreitando o trato vocal de modo que o ar sai produzindo fricção.

Segundo Masip (2000, p. 73) "em português o fonema /r/, vibrante, alveolar, sonoro, simples, som [r] acontece de modo pleno entre vogais." No estado do Paraná é muito comum ocorrer a variação de /r/ vibrante, alveolar, sonoro, e múltiplo. Neste caso, o ápice da língua repete três ou mais vezes sucessivas o seu movimento vibratório conforme a ênfase que é dada. Por exemplo, nas palavras rádio e carro.

Já com os baianos da região oeste, ocorre com freqüência a variação de /r/ fricativo desvozeada e em alguns casos ausência total do fonema no final das palavras como ocorre nas palavras mar [mah], flor [floh], amor [amoh] e dor [doh].

Materiais e Métodos

Para a realização deste artigo, foi necessária a utilização de materiais para embasamento teórico, como livros, artigos e sites relacionados à área de linguagem em específico da Fonética. Incluiu-se também uma breve pesquisa em jornais e revistas sobre a cidade de Luis Eduardo Magalhães, a fim de situar o local onde foi realizada a pesquisa.

Após o embasamento teórico, partiu-se para a pesquisa de campo. Foram entrevistadas três pessoas provindas do Paraná e três do Oeste da Bahia. Todas foram estimuladas a pronunciar o /r/ através de frases e trava-línguas (que constam no apêndice e anexos deste artigo), além da fala espontânea. É importante salientar que todos são residentes na cidade há pelo menos cinco anos e estão na faixa etária de 20 a 50 anos. O instrumento de coleta utilizado nesta pesquisa foi o gravador. Após as entrevistas, foram analisadas as falas dos entrevistados, verificando as variações de /r/ apresentadas. Em seguida, foi feito um estudo comparativo entre essas variações.

3. Resultados e Discussão

Na primeira análise feita a partir da entrevista com a informante nascida no estado do Paraná, residente na cidade de Luis Eduardo Magalhães há cinco anos, verificamos que a variação sonora de /r/ é retroflexa alveolar vozeada. Esses sons são produzidos pela ponta da língua levantada e voltada para trás, de modo que a parte de baixo da língua (sub-lâmina) fique voltada em direção ao palato duro. ( SANTOS e SOUZA, 2004, p.20)

Da mesma forma ocorre com os outros entrevistados oriundos do mesmo Estado, residente na cidade de Luis Eduardo Magalhães que também pudemos identificar a variação retroflexa do som do "r".

Já nas análises dos entrevistados baianos, o primeiro informante residente na cidade de Luis Eduardo Magalhães à 8 anos, foi possível verificar a variação fricativa glotal desvozeada. Isso por que os músculos ligamentais da glote, do aparelho fonador, comportam-se como articuladores. Por exemplo, nas palavras mar, computador, carne.

Nos outros informantes baianos, informante 02 e 03, sexo feminino, ambas com vinte três anos de idade, residentes na cidade de Luis Eduardo Magalhães há sete e dez anos respectivamente. Verificou-se também a variação fricativa glotal desvozeada.

Dentre as palavras pronunciadas pelos informantes, destacam-se "para", "era", "preparava", entre outras. Nelas pode-se perceber que a pronúncia do "r" não varia de baianos para paranaenses. Este é o caso do "r" vibrante, alveolar, sonoro simples.

Já nas palavras "carne", "porta", "cortei", também faladas nas entrevistas, nota-se uma variação bem audível. Os paranaenses para pronunciarem estas palavras, produzem um som já citado que é o retroflexo alveolar vozeado.

Foram pronunciadas também as palavras "computador", "mar", "amor". Foi notável também a variação entre paranaenses e baianos, pois no final das palavras, onde se localiza o fonema "r", os paranaenses pronunciaram o som retroflexo, já os baianos, em alguns casos, pronunciaram o "r" com um som bem fraco, sendo a fricativa glotal desvozeada, em outros casos, o "r" foi considerado como fonema zero, pois não foi pronunciado. Por exemplo, na palavra "computador" o /r/ no final é como se fosse pronunciado "/cõputadô/".

A partir das entrevistas, verificou-se que não há variação sonora do /r/ em algumas palavras em que o fonema /r/ encontra-se entre vogais, e neste caso não há variação. A este respeito SÁ NOGUEIRA (1938, p. 55) apud MASIP (2000, p. 73) esclarece:

Em português, o fonema /r/ vibrante, alveolar, sonoro, simples, som [r], acontece de modo pleno entre vogais. Porém, quando está situado depois de vogal, fechando silaba, evolui para velaridade [r]. Produz-se assim: O ápice da língua, num rápido movimento, toca uma vez, mais ou menos completamente, a região incisiva ou alveolar superiores, para produzir um estalido, que caracterizam o timbre deste fonema; os bordos da língua tocam ligeiramente a região alveolar dos molares superiores, não provavelmente como fim fonético, mas em conseqüência do esforço muscular que exige o movimento brusco do ápice, aliado a pequena abertura mandibular; o véu palatino adapta as paredes da faringe para impedir a saída do ar pelas fossas nasais, durante a expiração as cordas vibram.

Nesta citação, Nogueira esclarece tanto o som do "r" que é comum entre paranaenses e baianos, quando fica entre vogais, quanto à variação que ocorre na fala dos baianos quando a pronuncia do "r" quase não é percebida ou é até desvozeada, ou seja, quando a saída do ar é pouca ou nula.

4. Considerações Finais

Diante da presente pesquisa e da análise dos dados, pode-se perceber que na cidade de Luis Eduardo Magalhães existem diversas variações lingüísticas que, à vezes, pode até ser motivo de preconceito linguístico ou de exclusão social.

É notável que devido as diferentes origens dos indivíduos residentes em Luis Eduardo Magalhães, há também diferentes formas de pronunciar os mesmos fonemas. No caso do "r", analisado nos paranaenses e baianos, é nítida a variação.

A humanidade evolui e a língua tende a acompanhar essa evolução. Diante dessa evolução cabe lembrar que a língua varia historicamente, socialmente e geograficamente. No caso de nossa cidade, apesar da grande variação linguística, há o que podemos chamar de aceitação da forma como o outro fala, ou seja, no geral não foi observado se existe preconceito lingüístico em relação a variação fonética, neste caso, da variação do /r/ em falas de baianos e paranaenses residentes na região Oeste.

5. Referências Bibliográficas

BIDERMAN, Maria Tereza C. Teoria Linguística: Leitura e Crítica. 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

BORBA, Francisco da Silva. Introdução aos Estudos Linguisticos. 14ª. Campinas: Pontes, 2005.

MASIP, Vicente. Fonologia e ortografia portuguesas. São Paulo: EPU, 2000.

SANTOS, Raquel Santana; SOUZA, Paulo Chagas de. Introdução à Linguistica: II. Princípios de análise. 3ª Ed. São Paulo: contexto, 2004.

SILVA, Thais Cristófaro. Fonética e Fonologia do português. 8ª Ed. São Paulo: Contexto, 2005

6. Apêndice

Frases lidas pelos sujeitos:

Hoje quando saí para trabalhar, já era tarde e vi uma lagartixa correr por trás da porta.
Domingo fui ao mar para relaxar com meu amor, derrepente começou a chover forte.
Eu cortei o meu dedo quando preparava uma carne para o almoço e senti muita dor.
Comprei um ventilador e um computador.