Resumo:

O objetivo deste artigo,é abordar as transformações,as novas relações sociais pelo qual o Rio de Janeiro passa no século XIX, observando essas questões através da visão de João do Rio em a alma encantadora das ruas, e associando com Sandra Pesavento em o imaginário da cidade( o efeito do espelho da cidade maravilhosa ao país das maravilhas). Pretende-se então,assim, conhecer um pouco mais dessas relações,que fizeram toda a diferença para João do Rio.

Introdução:

O presente artigo é baseado em uma obra que vem  nos mostrar as relações sociais e suas mudanças ao longo do século XIX,obra essa que tem por  nome a alma encantadora das ruas de João do Rio,e usando como base também Sandra Pesavento  com a obra O imaginário da cidade.

João do Rio, João Paulo Emiliano Cristovão dos Santos Coelho Barreto ou simplesmente Pulo Barreto nasceu no Rio de Janeiro em 1881. Mas não foi como Paulo Barreto que  esse escritor ficou conhecido, e sim com um de seus pseudônimos:João do Rio.Ao lado de Machado de Assis e Lima Barreto.Paulo Barreto,mulato aliás,como os outros dois,completa a trinca da prosa urbana de melhor qualidade do início do século XIX. Esse romancista, que também foi contista, jornalista, dramaturgo, cronista, conferencista e ensaísta, levou a fusão entre reportagem e crônica literária às ultimas consequências, inovando a escrita existente até então. Pode-se dizer que o Rio de Janeiro da belle époque foi praticamente uma invenção desse que é o maior exemplo da literatura art nouveau brasileira. Sua vida e sua obre se confundem com a cidade, que ele soube retratar tão bem em seus múltiplos aspectos. Frequentando desde importantes recepções presidências a centros espíritas dos subúrbios e rodas de samba nas favelas cariocas, ele se misturou à multidão para descrever a rotina da marginalidade da época.

           

   A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS  :

Em  1908, iluminada pelas primeiras luzes da modernidade, o Rio de Janeiro já se revelava, aos olhos mais sensíveis, como uma cidade multifacetada, fascinante, efervescente na democracia das ruas. Nesse ano, um cronista lança o livro “A alma encantadora das ruas”, em que observa, deslumbrado, as novas relações sociais que se desenham no coração daquela que seria mais tarde chamada a Cidade Maravilhosa seu nome : João do Rio.

A essência da identidade carioca já está presente nas linhas críticas e bem-humoradas deste João: a capacidade de criar soluções de sobrevivência, a paixão pela música, a riqueza do imaginário social, a espontaneidade da mistura cultural que constitui hoje a maior riqueza não apenas do Rio, mas de todo o Brasil.

O livro aborda questões alijadas da sociedade, como os trabalhadores, as cadeias e ladrões, unindo os fragmentos do Rio de janeiro da época.

Dividido em cinco partes, A alma encantadora das ruas inclui, na abertura e encerramento, duas conferências proferidas pelo autor em 1905: A rua e A musa das ruas. Estão entre os textos mais burilados e profundos de João do Rio, e tornaram-se por assim dizer, exemplares sobre os assuntos que abordam. As outras partes são compostas basicamente de reportagens, magníficos exemplos desse gênero, que o autor praticamente introduziu no jornalismo nacional. O que se vê nas ruas aborda as pequenas profissões dos biscateiros que perambulavam pelas ruas da cidade na virada do século: tatuadores, vendedores de livros e orações, músicos ambulantes, cocheiros, pintores de tabuletas de lojas comerciais e paisagens de parede de botequim; e também as festas populares da Missa do Galo, dia de Reis e Carnaval .

Escrito durante o governo de Rodrigues Alves, A alma encantadora das ruas, talvez seja o livro mais conhecido de João do Rio. Em nenhum outro, a cidade aparece tão nitidamente, a ponto de dizermos que nele, a cidade é a protagonista da cena. E, mais importante, neste livro vemos o amadurecimento da linguagem de seu autor, a ponto de dizermos que um estilo literário se estabiliza. Neste caso, a forma como o escritor capta e procura  descrever a cidade, certamente representa aspecto fundamental para a compreensão deste amadurecimento estilístico. Em outras palavras, a cidade, em sua estrutura e em seus níveis de sociabilidade, influencia a criação de um novo estilo literário: o ritmo das crônicas ganha agilidade e variedade, a dicção se aproxima do  prosaico para conservar o lirismo. Neste livro, vemos o João do Rio como o escritor que, reunindo as qualidades do flâneur e do dandy, se sente seduzido pelo mundo que as ruas lhe oferecem, onde nasce um tipo de sentimento inteiramente novo e arrebatador, que carece de compreensão e vivência: o mundo encantador das ruas.

Assim como o homem, a rua tem alma. Alguns dão para malandras, outras para austeras; umas são pretensiosas, outras riem aos transeuntes, e o destino nos conduz como conduz o homem, misteriosamente, fazendo-as nascer aob uma estrela ou sob um signo mal [...] Oh ! Sim, as ruas têm alma ! Há ruas honestas, ruas ambíguas, ruas nobres, ruas delicadas, trágicas, depravadas, puras, infames, ruas sem histórias, ruastão velhas que bastam para contar a evolução de uma cidade inteira, ruas guerreiras, revoltosas,  medrosas, snobs, ruas aristocráticas, ruas amorosas, ruas covardes, que ficam sem um pingo de sangue( p.45).

O narrador nos dá a conhecer os segredos íntimos do espaço público, sua fauna exuberante, carente de identidade e sedenta por exposição. Ele nos descreve o lado elegante, cosmopolita, moderno da cidade, e ao mesmo tempo conhecemos seu submundo, suas misérias. A partir daí, conhecemos uma massa de dejetos que deva contornos nítidos à capital. João do Rio conheceu os dois lados,  frequentou-os, analisou-os e os descreveu com arte. Em sua obra estão as luxuosas ruas do comércio fino, do consumo fútil e das relações frívolas ao lado das vielas fétidas, dos corredores dos cortiços, do comércio baixo da prostituição. Assim, sua obra se tornou a melhor descrição de nossa modernização enviesada, justamente porque consegue aliar os dois momentos que o país vivia- a modernidade e o atraso- captando seu movimento e sublinhando suas démarches: na obra d João do Rio, a contradição social está em sua forma decantada.

A matéria de sua prosa marca o fascínio por temas e tipos cariocas, colhidos no momento de sua formação e que, nos dias de hoje, nos são tão familiares. À medida em que sua prosa os misturava, misturava-se a eles, ou seja o diletantismo incansável do flâneur, que se movia de um lado para o outro notando o burburinho das ruas, se torna um quesito formal; o narrador não fixa em nenhuma das partes que seccionam a cidade, mas no movimento entre elas. Há neste interesse do narrador pela intimidade das ruas, algo que nos revela sua intimidade: uma intimidade cambiante, uma intimidade fora de sua pessoa, mas não fora de sua identidade. Daí talvez, seu lirismo medido, enxuto, sua vira-volta sem fim- marcas de estilo. O narrador vai de um lado a outro da cidade, num movimento solto e desimpedido; seu verdadeiro amor é pela experiência vívida que só as ruas lhes podem oferecer.

Para compreender a psicologia das ruas não basta gozar as delícias como se goza o calor do sol e o lirismo do luar. É preciso ter espírito vagabundo,cheio de curiosidades malsãs, e os nervos com um perpétuo desejo incompreensível, é preciso aquele que chamamos flâneur e praticar o mais interessante dos esportes- a arte de flanar. [...] Aí está o verbo universal sem entrada nos dicionários, que não pertence a nenhuma lingua !

Os títulos mapeiam a cidade como um todo, a partir deles tomamos a cidade inteira nas mãos, neles estão a medição sensível e atenta a cidade: “ Pequenas profissões”, “ Os tatuadores”, “Os mercados de livros e a leitura das ruas”, “Tabuletas”, “Músicos ambulantes”, “Visões d’ópio”, “As  mariposas do luxo”, “ Os trabalhadores de estiva”,” Crimes de Amor”, “ A galeria superior”,etc. Para compreender melhor a variedade, a heterogenia, a multiplicidade de contextos que brotam da realidade da cidade, destacamos pequenos fragmentos:

“Os tatuadores”: “As meretrizes e os criminosos nesse meio de becos e de facadas têm indeléveis ideias de perversidade e de amor. Um corpo desses nu, é um estudo social”.

“Os trabalhadores da estiva”:  “ Eu via, porém, essas fisionomias resignadas à luz do sol e elas me impressionavam de maneira bem diversa. Homens de excessivo desenvolvimento muscular, eram todos pálidos- de um embaciado como se lhes tivessem pregado à epiderme um papel amarelo e, assim encolhidos, com as mão nos bolsos pareciam um baixo-relevo de desilusão uma frisa de angústia.”

“Urubus “ : “Os agenciadores de coroas levantam-se de madrugada e compram todos os jornais para ver quais os homens importantes  falecidos na véspera. Defunto pobre não precisa de luxo, e coroa é luxo”.

Conclusão :

Assim sendo esses fragmentos de crônicas, e outros, são na verdade convites para acompanhar o autor em suas preambulações pelas ruas do Rio de Janeiro, são convites  à “flanar” juntamente com ele, através de seu estilo, por sua visão de mundo. Um passeio também pela “decadência exuberante” da capital da República. Um passeio também pela variação estilística que o autor dispõe: ora a crônica pura, ora a dramatização de situações, ora o ensaio, ora o panfletarismo, ora a poesia, ora a crítica, ora a condescência, ora o enfastio, etc.

O que intriga ainda hoje ao ler estas páginas, não é perceber a acuidade de seu autor, o modo como capta certas particularidades do momento histórico que o inspirou, mas perceber que tais particularidades são transformadas em linguagem literária, em estilo de escrita traço que garante o prestígio de João do Rio.

Referências :

João do Rio, a alma encantadora das ruas.

Sandra Pesavento, o imaginário da cidade.