As relações familiares em Lavoura Arcaica 

Ana Maria da Silva Santos ¹

Na década de 50, o cenário nacional sofre profundas mudanças políticas, sociais e culturais, essas mudanças pós-industriais fazem com que a literatura também passe por profundas alterações e assim surja, como afirma João Ferreira dos Santos (1986), “ o fantasma do pós-modernismo”, “fantasma” que está em nosso dia-a-dia diante da explosão e saturação das informações. A tendência literária em questão acabou sendo considerada por uns como decadente, por ser, segundo críticos, sem força intelectual, porém de grande sucesso para outros, por ameniza o muro entre a arte culta e a de massa, por ser pluralista, contraditória, já que propõe a convivência de estilos diversos.

O pós-modernismo surge com idéias niilistas, desconstruindo valores, repleto de contradições melhor! De (des) construções:

Por ora, contentemo-nos com saber que o pós contém um des – um principio esvaziador, diluídor. O pós-modernismo desenche, desfaz princípios, regras, valores, prática, realidades. A des-referencialização do real e a des-substancialização do sujeito, motivadas pela saturação do cotidiano. (SANTOS, 1986, P.18)

Essa desconstrução que nos fala Jair ferreira dos Santos se evidência nas narrativas pós-modernas como em Lavoura Arcaica, romance de ficção que apresenta uma linguagem empolgante, com temática inovadora e um discurso desconstruído.

 

¹Graduanda em  Letras Vernáculas pela Universidade do estado da Bahia – UNEB, Campus XXI.

 

Raduan Nassar nasceu em Pindorama, cidade do interior do Estado de São Paulo em 1935, filho de imigrantes libaneses, tem em sua criação o misto dessas culturas, por evocar, liricamente, temas da cultura oriental em um ambiente brasileiro. Estudou direito e filosofia, o que acabou subsidiando para suas narrativas tão singulares, Como ficcionista, é autor de uma obra curta, combinando numa experiência única na literatura universal, elementos pós-modernos, agregando em si a efervescência do movimento literário supracitado,

 

O que almejamos com este ensaio sobre As relações familiares em Lavoura Arcaica é fazer uma análise de como a família esta sendo retratada por Raduan Nassar, observando assim, suas relações internas e desconstruções pós-modernas, onde, com base em estudos, levantar-se-á, a hipótese de que ao escrever sobre tal temática, Nassar pretendia revelar os conflitos internos da família tradicional, suas oscilações afetivas, fragmentando valores a ela atribuídos.

 

Publicada em 1956, Lavoura Arcaica, Lavoura arcaica é um romance intimista de primeira grandeza que ganhou espaço e sucesso entre a critica, sendo traduzido para diversas línguas, pouco tempo de sua criação. Raduan, em sua obra conta a estória de uma família arcaica, como sugere o titulo do romance, com relações de afeto, dependência, dominação e incesto.

 

A família é uma instituição dominada por normas, costumes, leis, que indicam os direitos e deveres de cada membro que a compõe essas leis mudam de acordo à estrutura da família que varia de uma sociedade para outra, suas formas e características em situações e tempos diferentes para atender necessidades sociais, essa tem ainda funções ideológicas, onde as crianças encontram seu primeiro papel social, o de filhos.

A família nuclear - fechada em si - mostrada no romance de Nassar é uma família aristocrata, camponesa, que tinham seus bens assegurados no controle da terra; sua continuidade se dava por meio das relações entre parentes, já que o casamento era uma mais uma questão política.

 

A família de Lavoura deixa claro o posicionamento de seus membros:

Eram esses os nossos lugares à mesa na hora das refeições, ou na hora dos sermões: o pai à cabeceira; à direita por ordem de idade, vinha o primeiro o Pedro, seguido de Rosa, Zuleika, e Huda; à sua esquerda, vinha mãe, em seguida eu, Ana, e Lula, o caçula. O galho da direita era um desenvolvimento espontâneo do tronco, desde as raízes; já o da esquerda trazia o estigma de uma cicatriz, como se a mãe, que era por onde começava o segundo galho, fosse uma anomalia, uma protuberância mórbida, um enxerto junto ao tronco talvez funesto, pela carga de afeto; podia-se quem sabe dizer que a destruição dos lugares na mesa (eram caprichos do tempo) definiam as duas linhas da família  (NASSAR, 2004,p.156 e 157)

 

 

Podemos notar o comando do aristocrata, o pai, a sua direita o filho primogênito, próximo ao pai e outros irmão, porem do lado esquerdo, já com a prejoratividade que a nomeclatura exerce, temos a mãe, com o “estigma de uma cicatriz”, André, protagonista do romance e causador da desestruturação familiar, Ana o objeto de desejo incestuoso e Lula.

 

O pai na obra é representado como uma figura dominadora, tudo em Lavoura Arcaica parte dele, no desejo de construir uma família nos molde da família judaica cristã, admirado e temido pelos filhos:

Cale-se! Não vem desta fonte a nossa água, não vem destas trevas a nossa luz, não é a tua palavra soberba que vai demolir agora o que levou milênios para se construir; ninguém em nossa casa há de falar com presumida profundidade, mudando o lugar das palavras, embargando as ideias. (NASSAR, 2006, p.167).

 

 

A ponta “ruim” do galho era a mãe, figura responsável pelo suporte afetivo da: “Caí pensando nos seus olhos, nos olhos de minha mãe, nas horas mais silenciosas da tarde, ali onde o carinho e as apreensões de uma família inteira se escondem por trás. (NASSAR, 2006, p.15-16).

 

A família forma seus filhos “a sua imagem e semelhança”, a prole tem como função a obediência e submissão aos pais, que com o tempo tornam-se continuação dos valores dos pais, que acabam contrariando os padrões pré-estabelecidos

 

Os filhos seguem bem essas funções, com exceção de Ana e Andre, que acabam fugindo do afeto normal, passando a se desejarem de forma incestuosa. A família como fonte de redenção e pecado, é vivenciada intensamente por Andre, que sente na pele a força de sua tradição.

 

Há em lavoura Arcaica uma profunda relação de dependência entre pais, filhos e irmãos que é abalada por André que passa a sentir uma profunda dependência, agora sexual por sua irmã mais nova.

 

Oriunda de uma família libanesa tradicional, a prole foi criada com sermões do pai, carinho da mãe e muito trabalho na fazenda, é nesse ciclo fechado que André nutre sua paixão e depois angustia por ter mantido uma relação de incesto; é messe emaranhado de relações que esta Ana, personagem instigante, profundamente arraigada em sua criação passeada nos preceitos religiosos

Toda ordem traz uma semente de desordem, a clareza, uma semente de obscuridade, não é por outro motivo que falo como falo. Eu poderia ser

claro e dizer, por exemplo, que nunca, até o instante em que decidi o contrário, eu tinha pensado em deixar a casa (...), nem antes e nem depois de ter partido, eu pensei que pudesse encontrar fora o que não me davam aqui dentro. (NASSAR, 2006, p.58)....

Continua...