1. Introdução

Uma mudança profunda no paradigma tradicional das relações entre a educação e a formação para o trabalho vem acontecendo. Trata-se da introdução do conceito de competências, visto que o mercado de trabalho exige pessoas que desempenhem cada vez mais competências em suas atividades e com mais conhecimentos. Às qualificações técnicas específicas, próprias de cada ocupação, deveriam se integrar aquelas de tipo geral (lógico-matemáticas, de linguagem, culturais, etc.), estratégicas, relacionais e instrumentais.

Inicialmente, buscamos definir competências. Trata-se de uma noção amplamente difundida, mas sem que haja consenso a seu respeito e que nem sempre se apresenta como um conceito suficientemente claro para orientar os educadores. Em contrapartida, essa noção vem se consolidando nos meios educacionais e, ao que parece, vem substituir o conceito de qualificação que diz respeito à relação exclusiva entre escolarização e ocupação nos postos de trabalho.

Algumas vezes, competência é definida como a capacidade de desenvolver atividades de maneira autônoma, planejando, implementando e avaliando. Defende-se também que a competência é a capacidade de utilizar, no exercício de uma situação profissional, conhecimentos e habilidades. Outras definições mostram a competência como capacidade de usar habilidades, conhecimentos e atitudes em tarefas específicas ou em combinações de tarefas profissionais mais amplas e polivalentes.

O impacto causado na sociedade brasileira pelos novos modos de produção e o processo de reorganização do trabalho, como conseqüência da revolução tecnológica e da socialização do conhecimento, demanda uma completa revisão dos currículos e das relações educativas, em todos os níveis de ensino e principalmente no ensino superior. Nesse nível de ensino, caracterizado tanto como formador, quanto produtor de conhecimentos, são exigidos de professores e alunos, em doses crescentes, maior capacidade de raciocínio, autonomia intelectual, pensamento crítico, iniciativa própria e espírito empreendedor, bem como a capacidade de identificação e resolução de problemas.

Além disso, as novas tecnologias favorecem a rápida disseminação de informações pelos sistemas da comunicação e propõem novas alternativas. Issorequer a formação de profissionais cada vez mais preparados para utilizarem as novas tecnologias Quem preparará esses profissionais serão justamente os professores, cuja formação deve acompanhar o ritmo de mudanças sobre as quais vimos falando.

As relações entre educação e trabalho passam a adquirir um novo foco, resultante dos processos globais e dos impactos sobre o sistema educacional. Nesse sentido, parece recair sobre o Ensino Superior a responsabilidade de grande parte das expectativas da sociedade: desde solucionar os graves problemas sociais por meio do incentivo à pesquisa cientifica, até a formação de profissionais altamente gabaritados, com habilidades e competências, que possam atender tais exigências. Aqui, destaca-se o próprio papel do professor como agente principal de mudança.

No Brasil, a institucionalização do sistema de competências profissionais começa a ser traçada pela legislação em vigor desde o final do século XX, que estabelece a Lei de Diretrizes e Bases (n. 9394/96), que incide tanto sobre a educação básica, quanto sobre a educação profissional, e sobre as reformas curriculares que reorientam a prática pedagógica. Assim, passa da organização em torno da transmissão de conteúdos disciplinares, para uma prática voltada à construção de competências.

A definição, sistematização e aplicabilidade desses saberes e competências são da alçada do sistema nacional de gestão da educação, que precisa concentrar-se especificamente no Ensino Superior, tendo em vista a expansão das Instituições de Ensino verificada na última década.

Sabemos que o alvo das empresas que estão em busca de mão-de-obra qualificada tem sido as Instituições de Ensino Superior, o que parece justificar a grande diversidade de novos cursos para atender às demandas. Paradoxalmente, esse mesmo mercado de trabalho nem sempre absorve a quantidade de profissionais que é disponibilizada.

O Censo de Educação Superior de 2002, divulgado em outubro de 2003 pelo MEC, comprovou a expansão do ensino superior, com um aumento significativo dos cursos de graduação no Brasil, que passou a contar com 13.399 cursos. Apesar da maior oferta e expansão de cursos, não houve, no entanto, aumento proporcional de candidatos.

Essa exuberância tende a alargar-se, trazendo novas preocupações. Por isso, somos levados a refletir sobre a adequação do sistema em face do crescimento da demanda e dos novos perfis profissionais exigidos pelo mercado quanto ao desenvolvimento de competências. Também é preciso considerar a rápida expansão do número de pessoas que concluem o ensino médio, o que gera demanda significativa e progressivamente mais heterogênea, aumentando também a exigência de diversificação da oferta, por parte das Instituições de Ensino Superior.

É importante ressaltar que, segundo os números do MEC, em sua totalidade, a participação do setor privado no ensino superior passou de 75% em 1991, para 85% em 2000 e para 88% em 2003. O maior número de cursos trouxe conseqüências imediatas, como a diminuição da relação candidatos-vaga (número de candidatos por vaga disponível) nos cursos privados e o crescimento no número de matrículas, que subiu 64% nos últimos cinco anos. Segundo esse mesmo censo, nesse ritmo, as projeções indicam um contingente de 6,4 milhões de alunos no curso superior em 2007.

As instituições de educação superior do País possuíam 3,9 milhões de estudantes em cursos de graduação, conforme os dados do Censo de 2003. O número registrado de cursos de graduação era naquele ano de 16.453, com um aumento de 14,3% em relação a 2002. Nas instituições privadas, o crescimento foi de 18%, e nas públicas, de 7,8%. Do total de cursos existentes no país, 10.791 (65,6%) estavam no setor privado e 5.662 (34,4%) em instituições públicas. Em relação ao número de instituições da educação superior, a concentração era ainda maior no setor privado: de 1.859 instituições registradas em 2003, 207 eram públicas, representando 11,1%, enquanto 1.652 eram privadas (88,9%).

Os dados do Censo do Ensino Superior apontam que uma das áreas em que a deficiência do ensino superior fica mais evidente é a de formação de professores para o ensino infantil fundamental e médio.

Para se ter uma idéia aproximada do que isso significa, em comparação com as necessidades do País, diante do número de docentes que existem para atender aos estudantes matriculados em cada Estado, precisamos no mínimo da reposição anual de 10%, em função da aposentadoria dos docentes. Essa saída da profissão, aliada à expansão, vem atingindo os ensinos, fundamental e médio. Tal proporção leva a supor que o País necessita formar 230 mil novos docentes anualmente, enquanto a formação atual é de 84 mil docentes.

Torna-se oportuno questionar se esses cursos estão proporcionando aos alunos, efetivamente, o desenvolvimento das competências necessárias ao exercício profissional. No que diz respeito especificamente aos cursos de Formação de Professores, cabe perguntar se os futuros professores vêm recebendo o instrumental necessário, em suas Instituições de Ensino Superior, para poderem contribuir com o exercício da cidadania e a solidificação dos ideais sociais democráticos da igualdade, eqüidade e justiça, ou se o atual discurso das competências é apenas mais um modismo pedagógico.

Para tanto, utilizamos nesse estudo alguns subsídios de investigação, segundo as perspectivasde autores comoJuan Carlos Tedesco, Phillippe Perrenoud, Marise Ramos e outros que aplicaram seus esforços na investigação dessa temática e que nos serviram de base para refletir sobre a formação docente. Também foram analisados alguns documentos oficiais que tratam da institucionalização das competências, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9394/96), ao prescrever sobre a Educação do Ensino Superior; o relatório para a UNESCO, da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI; os Referenciais para Formação de Professores. Por meio deles e de uma vasta bibliografia, pudemos constatar que o trabalho com as competências é imprescindível, sobretudo nos Cursos Superiores de Formação de Professores.

2.As mudanças contemporâneas nas áreas do trabalho e da educação

Como já mencionado, ocorreram importantes modificações no Brasil e no mundo nas últimas décadas, provocadas por inovações tecnológicas, que forçaram todos os setores a se manter em permanente modernização, na gestão de seus produtos e na procura por profissionais mais qualificados para o novo mercado de trabalho.

Entendemos que essas mudanças sociais, políticas e econômicas, diante dos processos da globalização, colocam sobre as instâncias formadoras a responsabilidade pela preparação dos futuros profissionais. Nesse contexto, ganha relevância nas reformas políticas educativas a formação dos professores.

Essas transformações, radicais e aceleradas, na visão do sociólogo argentino Juan Carlos Tedesco (2002), passam a exigir um profissional com um perfil por um lado polivalente e com capacidade para resolver problemas e, por outro, adaptado às tecnologias, criativo e capaz de dominar a comunicação. Acreditamos que isto não difere, evidentemente, das exigências feitas para o perfil dos professores no exercício da docência, nas reformas educativas. Segundo Tedesco, "o que há de novo no atual processo de transformação é o papel que desempenham o conhecimento e a informação, tanto na produção como no consumo" (2002, p. 17). Dessa forma, o modelo de produção com base na informação e na evolução tecnológica caracteriza-se pelo consumo mais exigente e acelerado, e este mesmo avanço davelocidade das mudanças torna-se fator competitivo na sociedade, que tem sido denominada nos últimos anos como pós-industrial, sociedade do conhecimento, novas ondas, nova era e outras expressões do gênero.

O crescimento do desemprego e o abalo de diversos segmentos do setor empresarial criam incertezas e desarmonizam a vida dos trabalhadores. "As novas condições de produção têm potencial de exclusão muito significativo, pois apenas uma minoria de trabalhadores é beneficiada ao ocupar cargos estáveis, provocando aumento do desemprego e o fenômeno de precarização das condições dos excluídos" (Idem, p.18)

O fenômeno da dificuldade de manutenção do emprego obriga os trabalhadores a adaptarem-se às exigências das empresas e a submeterem-se à subcontratação, ou a exercerem trabalhos temporários ou informais, provocando ambiente desestabilizador, que se completa com o desemprego.

A reconfiguração nas áreas de trabalho sugere o aparecimento de outra realidade. Se, por um lado, o trabalhador, busca alternativas, por outro, procura adequar-se às exigências das empresas, acumulando funções em ocupações menos nobres ou adaptando-se à crescente onda da informalidade.

Segundo Tedesco, as substanciais modificações afetam diretamente as atividades educativas, e o papel do professor é colocado em questão, pois "essas mudanças são percebidas mais como ameaças do que como novas oportunidades" (p.121), resultando em sentimentos de insegurança muito fortes, pois a segurança que a situação tradicional lhe dava foi suprimida. "Esse comportamento defensivo tem raízes muito profundas, tanto na história da profissão docente como na história dos próprios processos de mudança educacional" (p.121).

Sabemos que, nas últimas décadas, houve a incidência de fatores de desestabilização nas condições do trabalho do professor, bem como sua deterioração em decorrência das políticas de ajustes salariais, exigindo constantemente uma reflexão sobre o papel atual da educação na sociedade e, especialmente, da atuação docente.

De acordo com os estudos de Selma Garrido Pimenta eLea das Graças Anastasiou, nos anos 80, "no que se refere aos professores, os baixos salários foram corroídos por uma inflação galopante, levando-os ao multi-emprego ou ao abandono da profissão" (2002, p.128). A conseqüência, dizem elas, principalmente nas séries iniciais, foi "o aumento de professores não diplomados, leigos com precária estabilidade e em precárias condições de ensinar".

Outros fatores destacados pelas autoras são os programas econômicos adotados para conter a inflação e que ocasionaram mais problemas sociais e aumentaram a pobreza, causando, para os professores, novas demandas de atendimento.

Nesse sentido, é preciso compreender o exercício da docência em função das novas exigências impostas pelo modelo de competências para atender à nova realidade, o que implica em uma análise ou redefinição do papel dos educadores. Não obstante, o conceito de competências vem recebendo significados nem sempre claros para orientar os educadores.

3. O discurso sobre as competências

As novas demandas em educação, delineadas pelo cenário anteriormente descrito, geram investimentos nas políticas educacionais que incluem a questão da docência e colocam em pauta a profissão do professor.

Verificamos um incentivo à revisão do papel dos serviços educacionais, bem como o aumento das expectativas em relação aos processos formadores, no cerne dos quais emergem inúmeras competências.

Dessa forma, a análise doravante descrita diz respeito ao discurso acerca dessas competências, que vem sendo disseminado na sociedade brasileira, com mais intensidade a partir dos anos 90, sobretudo nos meios acadêmicos.

Competência, em seu sentido lato, pode significar capacidade, habilidade, aptidão, idoneidade. No entanto, no que se refere aos meios de produção, sugere, em linhas gerais, pelo lado do trabalhador do século XXI, uma mudança do seu potencial de empregabilidade, em que o êxito parece estar atrelado ao domínio de competências cada vez mais complexas, exigidas pelos setores empresariais.

Quanto à formação de professores, essas competências foram preestabelecidas em diversos documentos oficiais dos órgãos que normalizam as políticas educacionais, com o intuito de orientar as atividades docentes.

A partir da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1996, que inclui a discussão sobre as competências necessárias para odesenvolvimento profissional, outros decretos, pareceres e resoluções cumprem esse papel. As Diretrizes Curriculares para formação de professores em nível superior (cursos de graduação e licenciatura plena) para atuar na educação básica e os Referenciais de Formação de Professores buscam, com base nas Declarações Mundiais da Unesco, regularizar a proposta para uma reforma educacional, envolvendo a formação de professores em nível superior.

Esses documentos definem a responsabilidade das instituições formadoras, no sentido de construírem os projetos político-pedagógicos dos seus cursos incluindo as novas diretrizes, que envolvem o desenvolvimento das competências necessárias para a Formação dos Professores.

Desde a promulgação da LDB, as políticas educacionais vêm instaurando um novo paradigma educacional, no cenário da reforma do ensino no País, cuja intenção é incluir a formação por competências. Como conseqüência dessa Lei, bem como da disseminação da idéia da pedagogia por competências, intensificaram-se os debates acerca da reorganização dos currículos escolares, como também as propostas a serem apresentadas pelo MEC.

A formação por competências e as perspectivas teóricas sobre a sua definição remetem à analise do conceito de competências, nas visões postuladas pelos autores que contribuíram para esta pesquisa e que buscaremos descrever.

Dentre as definições de competências pesquisadas e analisadas, elegemos a de Philippe Perrenoud, por tratar-se do foco de nossa pesquisa e porque tem sido referência no âmbito educacional, por suas idéias sobre a profissionalização dos professores e a avaliação dos alunos. O autor define competência:

[...] como sendo uma capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles [...] Para enfrentar uma situação da melhor maneira possível, deve-se, via de regra, pôr em ação e em sinergia vários recursos cognitivos complementares, entre os quais estão os conhecimentos... (PERRENOUD, (p.7)

Assim, para o autor, as competências são designadas como "a capacidade de mobilizar diversos recursos cognitivos, e o domínio prático para enfrentar um tipo de situação" (2000, p. 15).Também possibilita mobilizar saberes e integrar tais recursos, transpô-los e combiná-los e inventar estratégias a partir dos recursos e do domínio da situação. Esse saber mobilizar é o que Perrenoud chama de competências.

O autor se propõe a discorrer especificamente sobre o desenvolvimento das competências relativas ao ofício do professor: "[...] falar de competências profissionais, privilegiando aquelas que emergem atualmente" e enfatiza as "que representam mais um horizonte do que um conhecimento consolidado" (Ibid., p. 12, grifos do autor).

Dessa forma, Perrenoud estabelece dez competências que considera prioritárias para a formação dos professores da educação básica: organizar e dirigir situações de aprendizagem; administrar a progressão das aprendizagens; conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação; envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho; trabalhar em equipe; participar da administração da escola; informar e envolver os pais; utilizar novas tecnologias; enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão e administrar sua própria formação contínua.

O autor estabelece competências que julga serem "coerentes com o novo papel dos professores, com a evolução da formação contínua, com as reformas de formação inicial, com as ambições das políticas educativas" (Ibid., p.14). Para tanto, propõe uma revisão histórica da educação e uma reflexão acerca das maneiras como vem sendo considerada e praticada a aprendizagem. Delineia uma proposta interacionista, utilizando-se de conceitos que demonstram apoiar-se no repertório teórico piagetiano e especificamente numa perspectiva construtivista do desenvolvimento cognitivo[1].

As competências são consideradas por Perrenoud como um exercício de transferência do conhecimento. Com a realização da transferência de conhecimentos, ampliam-se os próprios conhecimentos, as competências e os esquemas, por meio de mecanismos que Piaget chama de diferenciação, coordenação e generalização, de modo que se estabilizem os recursos cognitivos de mais alto nível.

Perrenoud faz recomendações didáticas sobre a prática pedagógica, como o estabelecimento de um contrato didático explícito, no qual as propostas sejam discutidas com os alunos, favorecendo a tomada de decisão e o conseqüente comprometimento, abrindo espaços para a história e para o projeto pessoal do aluno, tornando-se possível relacionar o mundo real, do trabalho e da sociedade

As competências elencadas por Perrenoud com o objetivo da profissionalização da atividade docente, têm como meta principal que os professores se tornem capazes de refletir sobre suas práticas e venham a reduzir as desigualdades sociais e culturais, que, segundo ele, são geradas pelo fracasso escolar. Nesse sentido, é necessário não aceitar passivamente que o fracasso escolar seja uma fatalidade, e sim buscar novas formas de atuação para resolver esse problema:

É cômodo acreditar que há crianças dotadas e outras não e que "não há nada a fazer". Para ser tentado por esse fatalismo, não é preciso ser conservador, inatista, elitista, racista. Mesmo os que lutam contra o fracasso escolar passam por momentos de dúvida: é muito difícil fazer aprender, suscitar vontade, criar condições de desenvolvimento, de auto-estima, de atividade (PERRENOUD, 2001, p.136).

Nesse sentido, Perrenoud dá uma sugestão para contemplar a erradicação das desigualdades e do fracasso de aprendizagem, partindo do princípio de que uma organização de escolaridade só terá valor se permitir a mais alunos aprenderemmelhor (1999, p.20). Para isso, propõe o desenvolvimento das competências e de práticas inovadoras de atuação dos professores, para que dominem as habilidades do ofício, de maneira a orientarem seus alunos em direção à pratica da cidadania consciente e da profissionalização adequada às necessidades do mercado de trabalho.

Perrenoud acredita que o desenvolvimento de competências propiciará a aprendizagem para todos, pois "podemos mudar a escola", imagina ele, e, para isso, é necessária a mobilização dos envolvidos (1999, p.41).

Em meio a essas discussões, surge uma outra questão: será que as competências, que se tornaram requisitos de excelência dos trabalhadores, bem como da sociedade em geral, são critérios de qualificação dos professores?

Com o intuito de respondermos a essa questão, também procuramos apoiar-nos nas idéias dos autores já mencionados para análise desses fatores.

4. Discussões conceituais acerca de qualificação e competências

Para Tedesco (2002), as mudanças na sociedade estão intimamente vinculadas às novas tecnologias da informação, que têm um impacto muito significativo não somente na produção de bens e serviços, mas também no conjunto das relações sociais. A acumulação de informação, a velocidade na transmissão, a superação das limitações espaciais, a utilização simultânea de multimeios (imagem, som e texto) são, entre outros, os elementos que determinam a modificação de conceitos básicos sobre o tempo e o espaço.

Por isso, as transformações no setor educacional parecem implicar também a necessidade de uma redefinição das relações de educação e mercado de trabalho. De acordo com Tedesco, "é consenso reconhecer que o 'conhecimento' constitui a variável mais importante para explicação das novas formas de organização social e econômica" (2002, p. 20).Para ele, diversos setores empresariais, por tradição, não se interessavam pelo desenvolvimento da educação, principalmente os tecnologicamente mais avançados e os profissionais da comunicação; não obstante, são eles a maior prova do papel que o conhecimento, a informação e a inteligência das pessoas exercem, como fontes de poder.

Já Marise Nogueira Ramos, de forma crítica acerca do que representam as competências no atual cenário social, destaca que no Brasil a noção de competênciasse mostra incipiente, contraditória e, por isso, ainda deve ser objeto de muitas investigações.

Em seus estudos (RAMOS, 2002), a autora debate os conceitos de qualificação e de competências, relacionando alguns itens convergentes e divergentes a respeito deles. Ela destaca que as competências tendem a se consolidar como ordenadoras das relações do trabalho e das relações educativas. Como podemos observar:

A idéia que se difunde quanto à pertinência do uso das noções de competências pela escola é que tal noção seria capaz de promover o encontro entre o trabalho e a formação. No plano do trabalho verifica-se o deslocamento conceitual da qualificação em direção à noção de competência. No plano pedagógico testemunha-se a passagem de um ensino centrado em saberes disciplinares a um ensino definido pela produção de competências verificáveis em situações e tarefas específicas. Essas competências são definidasem relação aos processos de trabalho que os sujeitos deverão ser capazes de compreender para dominar. (RAMOS, 2004)

De acordo com Ramos, o conceito de competências tem sua gênese histórica em cumprimento de um mandato da XI Reunião da Comissão Técnica, no CINTERFOR/OIT[2], que se voltava ao desenvolvimento de um projeto sobre medição e certificação das qualificações ocupacionais adquiridas pelos trabalhadores, em cursos de formação sistemática, mediante a experiência profissional.

Desde essa reunião, a CINTERFOR/OIT passa a concentrar a atenção no desenvolvimento de políticas de formação e de certificação organizadas por competências profissionais. A idéia teria surgido como resposta ao incremento demográfico e ao crescente desenvolvimento tecnológico que, nesse caso, enfrentariam a necessidade de ampliar e diversificar seus programas para atender à demanda de mercado de trabalho e melhorar a competência e qualificação ocupacional, avaliar os conhecimentos e habilidades e identificar tendências relativas à oferta de mão-de-obra qualificada.

Quanto à origem do sistema de competências no Brasil, compreende-se que a sua institucionalização, por um lado, visaria gerar novos instrumentos técnicos, com alta funcionalidade e voltados para resolver problemas de competitividade. Assim, seria criada uma nova linguagem para a flexibilização e acesso ao reconhecimento das competências profissionais em condições de justificar o seu aproveitamento. Nesse sentido, as competências seriam avaliadas por diversos agentes, prevendo-se a participação dos representantes de trabalhadores, dos empregadores e da comunidade educacional.

Ramos considera que a noção de competência não supera o conceito de qualificação, mas que ambos permanecem igualmente atuais nas relações sociais de produção, apesar de considerar a noção de competência como um novo signo, distinto da qualificação.

Diante das novas exigências do cenário atual, no plano pedagógico, Ramos (2002) assinala que a escola é forçada a abrir-se ao mundo econômico, como meio de se redefinirem os conteúdos de ensino e atribuir sentido prático aos saberes escolares. Uma Pedagogia das competências exige "tanto no ensino geral quanto no profissionalizante, que as noções associadas (saber, saber-fazer, objetivos) sejam acompanhadas de uma explicitação das atividades (ou tarefas) em que elas possam se materializar, isto é, [...] tornar-se reais e se fazerem compreender" (2002 p.222)

Acompanhando Ramos em sua explanação, observa-se que,"à medida que essa noção extrapola o campo teórico para adquirir presença pela organização dos currículos e programas escolares, configura-se o que se tem chamado de pedagogia das competências" (Ibid., p.222). Em outras palavras, nisso se configura o sentido prático da utilização das competências e a sua institucionalização. Na visão da autora, essa pedagogia das competências é, na contemporaneidade, a pedagogia da Sociedade do Conhecimento, da Sociedade Pós-Industrial ou Pós-Moderna.

Com base no que foi exposto até aqui, é possível observar que o discurso de competências assume um caráter central e institucionalizado na formação profissional. Dessa forma, caberá uma reflexão sobre os caminhos a serem seguidos pelas instâncias formadoras no que diz respeito à Pedagogia das Competências, no cenário brasileiro.

Especialmente no que se refere ao Ensino Superior e aos cursos de Formação de Professores, a concepção de competências é formalizada nos documentos oficiais e nas Declarações Mundiais.

Selecionamos para análise os seguintes documentos: Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre a Educação para o século XXI; os Referenciais para Formação de Professores da Educação Básica, além da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Tais documentos constituem-se como referências no âmbito das políticas públicas para a formação de professores e a sua atuação profissional além de serem os principais estimuladores dos debates que envolvem a formação dos professores.

  1. Relatório para a Unesco: "Educação Um Tesouro a descobrir"

O Relatório da Comissão Internacional sobre a educação do século XXI[3], criado oficialmente no início de 1993 e concluído em 1996, foi financiado pela UNESCO e ficou conhecido como o Relatório de Jacques Delors[4]. Foi elaborado por representantes de todos os continentes, com o objetivo de discutir questões ligadas aos desafios de todos os segmentos da sociedade e, em especial da Educação.

A apresentação da edição brasileira desse documento, feita pelo então Ministro da Educação Paulo Renato Souza, destaca que as teses nele defendidas, desde a educação básica até auniversidade, voltam-se essencialmente para o desenvolvimento humano, que é entendidocomo a evolução da "capacidade de raciocinar e imaginar, da capacidade de discernir, do sentido das responsabilidades" (DELORS, p.9).Além disso, o relatório dá especial ênfase ao papel dos professores, vistos como agentes de mudança e formadores do caráter e do espírito das novas gerações.

Constata-se que uma das principais missões atribuídas à educação pelo Relatório de Jacques Delors refere-se ao desafio de dotar a humanidade de capacidades de gerenciar e, sobretudo, dar os meios de modelar livremente a sua própria vida e ter participação na evolução da sociedade.

O relatório atribuiu à educação um papel de extrema importância no processo de desenvolvimento dos indivíduos e das sociedades, na medida em que aponta para os desafios do século XXI. Considera a busca do conhecimento "não apenas como um meio para alcançar um fim, mas um fim em si mesmo" (DELORS, p.152).

Assim, a educação é destacada como um agente que terá o desafio da transmissão de saberes de forma maciça e eficaz, num "saber-fazer evolutivo, adaptado à 'civilização cognitiva', considerando que são essas as bases das competências dofuturo" (Ibid.p.89).

Nessa perspectiva, o relatório salienta que muito se espera dos professores e que deles dependerá a concretização dessas aspirações, na preparação dos jovens, no domínio do atual fenômeno da globalização. Assim, deverão formar os alunos para encarar o futuro com confiança, de maneira determinada e responsável desde o ensino primário, ensinando-os a vencer desafios. Além disso, atribui-se aos professores a tarefa de "formarem o caráter e o espírito das novas gerações" (Ibid, p.155).

O relatório demonstra que é preciso melhorar a qualidade da educação. Para isso, prescreve que devem ser aperfeiçoados o recrutamento, a formação, o estatuto social e as condições de trabalho dos professores, "pois estes, só poderão responder ao que deles se espera se possuírem os conhecimento e competências, as qualidades pessoais, as possibilidades profissionais e a motivação requerida" (Ibid.p.153) Além disso, ele anuncia que ainda se espera dos professores: "a competência, profissionalismo e devotamento, fazendo recair sobre elesuma pesada responsabilidade" (p.155).

Entendemos que as competências, tais como são apresentadas no relatório, consistem em conteúdosfundamentais de aprendizagens que devem ser organizados a fim de dar respostas ao conjunto das missões da educação, tendo como linha mestra os Quatro Pilares do Conhecimento, definidos pela Comissão.

Esses pilares do conhecimento tornam-se referenciais para a formação e o papel dos professores enquanto principais agentes de mudança da sociedade, favorecendo a compreensão mútua e a tolerância, sendo estes os fatores decisivos do século XXI.

Dentre as medidas propostas estão a formação inicial e a capacitação integral, para que todos os professores, a longo prazo, possam concluir os estudos superiores e tenham sua formação assegurada, em cooperação com as universidades. Evidentemente essa formação tem por objetivo qualificar o futuro professor para tornar-se auxiliar no desenvolvimento da personalidade dos alunos, o que se relaciona, necessariamente, à teoria prescrita pelos Quatro Pilares.

Os Quatro Pilares do Conhecimento, chamados também de Alicerces da Educação, são: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver juntos e, aprender a ser. Neles vemos representada uma nova concepção da educação, significativamente ampliada, definindo novos objetivos a serem conquistados, pois defendem que se deve mudar a idéia que se tem de sua utilidade, isto é, a utilidade da própria educação (Ibid.,p.155).

O princípio do aprender a conhecer ressalta a importância de uma educação geral e ampla que priorize o domínio do conhecimento, acentuando-se a idéia do aprender a aprender, a fim de que o aprendiz se beneficie das oportunidades oferecidas pela educação ao longo de toda a vida. O aprender a fazer consiste na competência produtiva, aquela que gerencia o estímulo ao desenvolvimento de novas aptidões, a fim de que a pessoa adquira não somente uma qualificação profissional, mas com maior amplitude, capacidades que ultrapassem as habilidades básicas e específicas de realizar alguma tarefa.

O aprender a viver juntos, conviver, exige acompetência da disponibilidade às relações em grupo, que significa empenho parao desenvolvimento de relações interpessoais e sociais, para a compreensão do outro, para a percepção das interdependências, para a realização de projetos comuns, trabalho em equipe, para a gestão de possíveis conflitos, para o respeito pelos valores do pluralismo e para a Paz.

Analisando-se o conceito do aprender a viver juntos, observamos a seguinte crítica: a educação, até agora, não pôde fazer muita coisa para modificar a situação real do mundo imersa em violência, conflitos e com poder de autodestruição. Segundo o documento, a aprendizagem que tem a finalidade de reverter essa situação deve ser feita com a utilização de duas vias complementares. Em primeiro nível, a descoberta progressiva do outro. Em segundo nível, a participação em projetos comuns que, nesse caso, ajudariam a evitar os conflitos, porque encaminhariam para o trabalho interativo e em equipe.

Assim, a missão da educação implica em um compromisso com a transmissão de conhecimentos relativos à diversidade da espécie humana: valores, culturas e comportamentos. Além disso, ela deve conscientizar as pessoas acerca das semelhanças e interdependência entre todos os seres humanos, pois é na descoberta do outro que necessariamente se pode fazer a descoberta de si mesmo, para, só então, se colocar no lugar do outro e compreender as suas reações.

O aprender a ser significa que a educação deve estar comprometida comodesenvolvimento total da pessoa, preparando-a para o pensamento autônomo e crítico, a fim de formular seus próprios juízos de valor, para decidir por si e para ser dono do seu próprio destino (p. 95).

Dos Quatro Pilares descritos pela Comissão, o aprender a ser reafirma como principio fundamental da educação sua contribuição para o desenvolvimento total da pessoa (espírito e corpo, inteligência e sensibilidade, sentido estético, responsabilidade). A Educação surge como um trunfo indispensável à humanidade, no afã dos ideais da paz, da liberdade e da justiça social.

A educação, sob esse aspecto, deve ser vista como a chave que revele o tesouro escondido em cada um de nós: um conjunto de competências fundamentais que ao emergirem podem transformar por completo a confiança do homem em suas próprias potencialidades.

À medida que os recursos cognitivos, como fatores de desenvolvimento, tornam-se mais importantes que os recursos materiais, há um aumento da responsabilidade do ensino superior e, portanto, das instituições que o mantêm, forçando-as a abrirem suas portas para um número cada vez mais elevado de candidatos.

Esse fenômeno traz consigo a preocupação com temíveis problemas que podem ser gerados pela massificação do ensino, tais como a redução da qualidade da formação docente e a conseqüente insuficiência da formação dos jovens universitários. A esse problema cabe acrescentar um outro: o avanço da preocupação com o valor dos títulos, em detrimento do compromisso com o conhecimento.

Constatamos que o relatório de Jacques Delors, ao definir o que se espera das instituições de ensino superior, solicita-lhes o compromisso de que "satisfaçam as necessidades educativas de um público cada vez mais numeroso e variado"(p.14).

Para alcançarem esse propósito, a Formação dos Professores passa a adquirir maior importância, pois estes profissionais passam a ser os verdadeiros motivadores e encorajadores para que os alunos recebam os estímulos necessários para as descobertas independentes,a aprendizagem comsignificado, a importância dos saberese ao afloramento de suas competências.

  1. Referenciais para a Formação de Professores da Educação Básica.

Considerando-se que a questão da profissionalização docente passa pelas políticas e reformas educativas na busca da qualidade de ensino e da construção de novas práticas pedagógicas, a partir da concepção de competências, faz-se necessário refletir sobre a sua aplicação nos cursos de formação de professores para a educação básica, delimitada nessa investigação para a licenciatura dos anos iniciais do ensino fundamental.
Na perspectiva de empreendermos tal reflexão, optamos por examinar outro documento que são os Referenciais para a Formação de Professores da Educação Básica, propostos pelo MEC e pela Secretaria da Educação Fundamental. Eles definem o perfil profissional dos docentes de Educação Infantil e do Ensino Fundamental a ser atingido por meio do desenvolvimento das competências.

O documento foi publicado em 1998 e apresentado aos educadores brasileiros pelo Ministério da Educação, por meio da Coordenação Geral de Estudos e Pesquisas do Departamento de Políticas da Educação Fundamental.

Fruto de amplo debate e encontros regionais, além de discussões em Fórum Nacional, esse documento foi construído em conjunto com a Secretaria de Educação Fundamental e diversos setores envolvidos, com o objetivo de contribuir para a qualidade da formação de professores e desenvolvimento profissional dos mesmos.

A análise desse documento pretende reconhecer o discurso atual de competências, bem como sua aplicabilidade na dimensão profissional do trabalho do professor, por meio de novas práticas pedagógicas. Os temas ali contidos foram elaborados com o intuito de serem utilizados pelos profissionais das instituições de ensino superior, tanto da área pedagógica quanto do campo administrativo, como instrumento de trabalho, servindo de parâmetros para as estratégias de formação.

Os Referenciais para Formação de Professores são constituídos de cinco partes. Especificamente na parte III, o documento explicita as competências profissionais sugeridas como objetivos gerais para a formação de professores e seus desdobramentos. Segundo o documento, o debate acerca da profissionalização emerge com caráter de centralidade, mediante a degradante crise da identidade do professor. Essa crise aponta para a necessidade de aquisição de competências que permitam a identificação dos problemas relativos ao próprio trabalho e para a busca de soluções, como exercício de autonomia para tomada de decisões e plena capacidade para assumir as responsabilidades pelas suas escolhas. Convém mencionarmos o fato de os Referenciais também destacarem que, durante muitos anos, "o professor e sua função docente receberam qualificações relacionadas diretamente a um vasto conjunto de virtudes: abnegação, sacrifício, bondade, paciência, sabedoria. Atualmente, o discurso educacional se utiliza, de outros substantivos: profissionalização, autonomia, revalorização..." (BRASIL, 1998, p. 61). Nos Referenciais, competência se define como um saber agir que necessita ser reconhecido pelos pares e pelos outros, isto é, trata-se de uma ação que parte do sujeito, envolvendo a coletividade. Assim, vislumbra-se uma mudança no foco dos objetivos, uma vez que se espera que as competências sejam desenvolvidas coletivamente e que os professores as valorizem como necessárias para o bom desempenho da equipe como um todo, investindo no estudo, no aprendizado e na pesquisa.

Dessa forma, o conjunto de competências visa contribuir com a atuação do professor no exercício da docência, ao permitir autonomia para apropriar-se dos saberes já produzidos por outros educadores, utilizando-se dos métodos, técnicas e recursos didáticos próprios e a criação de saberes originais e inovadores.

Nas competências que o professor deve saber mobilizar, transformando-as em realização prática, acreditamos estar implícita toda asua personalidade, seus valores e suas crenças e portanto, entendemos que não se podem reduzir os seus saberes somente a uma dimensão técnico-científica, uma vez que a formação é, ao mesmo tempo, profissional e pessoal.

Assim, é preciso que o professor reconheça que terá de ser o autor do seu próprio processo de formação e desenvolvimento profissional contínuo.

Das competências elencadas nos Referenciais pode-se observar que as ações de formação propostas envolvem aspectos do desenvolvimento profissional, social e psicológico, além de exigências de embasamento teórico cientifico, da capacidade de manejar diferentes estratégias, de criatividade, de aperfeiçoamentos constantes e necessários à formação profissional (BRASIL, 1998, p.82).

De acordo com as propostas dos Referenciais para Formação de Professores e também do relatório da UNESCO analisado nos quatro pilares da Educação : Aprender a conhecer; Aprender a fazer; Aprender a viver juntos,Aprender a Ser- somos remetidos à consolidação dos objetivos de formação dos professores, que envolvem aprender e desenvolver as competências, tanto em projetos individuais como coletivos.

  1. Propondo o Desenvolvimento das Competências

Até este ponto, falamos esparsamente sobre as competências que analisamos nos documentos pesquisados.

Neste momento, porém, vamos propor, segundo nosso entendimento, uma classificação que julgamos contribuir para a reflexão sobre as práticas pedagógicas no desenvolvimento das competências dos futuros professores.

Nossa proposta é definir os grupos de competências relacionando-os com as que estão propostas no documento do MEC, os Referenciais para Formação de Professores da Educação Básica.

Para tanto procuramos subdividi-las em cinco grupos: competências pessoais, sociais,.epistemológicas, administrativas epedagógicas.

Inicialmente, queremos esclarecer que admitimos esta classificação apenas sob o ponto de vista analítico, pois não há prioridade das competências umas sobre as outras.

Um primeiro grupo reuniria as Competências pessoais, que dizem respeito ao senso de responsabilidade do aprendiz por si mesmo e por sua formação. A esse grupo corresponde a seguinte competência dos Referenciais:

Desenvolver-se profissionalmente e ampliar seu horizonte cultural, adotando uma atitude de disponibilidade para a atualização, flexibilidade para mudanças, gosto pela leitura e empenho na escrita profissional (BRASIL, p. 82).

O segundo grupo, das Competências Sociais, compreende as qualificações para a compreensão da importância do papel de agente de transformação da comunidade. São as competências da interatividade, responsáveis pela consciência de cidadania, que deve guiar a prática profissional:

Pautar-se por princípios da ética democrática: dignidade humana, justiça, respeito mútuo, participação, responsabilidade, diálogo e solidariedade, atuando como profissionais e como cidadãos (BRASIL, p.82).

As competências do terceiro grupo, Epistemológicas, dizem respeito aos conhecimentos específicos e gerais, dos quais o Professor deve ser portador, a fim de poder constituir seu universo mental. Trata-se, a nosso ver, da consciência de pertencer a um contexto abrangente de relações, propiciando maior amplitude crítica sobre sua própria prática:

Utilizar conhecimentos sobre a realidade econômica, cultural, política, e social.

No quarto grupo reunimos as Competências Administrativas. Todo o esforço docente é comprometido quando a capacidade para gerenciar o grupo e o processo é deficiente. Por isso, as atitudes organizacionais adequadas são imprescindíveis a uma postura que garanta a operacionalidade do processo:

Gerir a classe, a organização do trabalho, estabelecendo uma relação de autoridade e confiança nos alunos.

Analisar situações e relações interpessoais nas quais estejam envolvidos, com o distanciamento profissional necessário à sua compreensão.

Intervir nas situações educativas com sensibilidade, acolhimento e afirmação responsável de sua autoridade.

Finalmente, fazem parte do quinto grupo as Competências Pedagógicas, que consistem nos requisitos de ação direta e prática educativa, levando em consideração as escolhas metodológicas convenientes a cada etapa do processo de ensino. Fazem parte dessas competências os objetivos que elas pretendem atingir, não somente cognitivos, mas também os relativos à socialização dos alunos, o que os fará perceberem-se como cidadãos.

Investigar o contexto educativo na sua complexidade e analisar a prática profissional, tornando-a objeto de reflexão para compreender e gerenciar o efeito das ações propostas, avaliar seus resultados e sistematizar conclusões de forma a aprimorá-los;

Criar, planejar, realizar, gerir e avaliar situações didáticas eficazes para a aprendizagem e para o desenvolvimento dos alunos, utilizando os conhecimentos das áreas a serem ensinadas, das temáticas sociais transversais do currículo da escola, bem como as respectivas didáticas;

Utilizar diferentes e flexíveis modos de organização do tempo, do espaço e de agrupamentos dos alunos para favorecer e enriquecer seu processo de desenvolvimento e aprendizagens.

Promover uma prática educativa que leve em conta as características dos alunos e da comunidade, os temas e necessidades do mundo social e os princípios, prioridades e objetivos do projeto educativo e curricular.

Sabemos que o conhecimento profissional do professor deve ir além dos conhecimentos de escolaridade básica, e constituir-se "como um conjunto de saberes teóricos e experiências que não podem ser confundidos com uma somatória de conceitos e técnicas, [...] mas aquele que favorece o exercício autônomo e responsável das funções profissionais". Esses saberes são representados, nos Referenciais, pelos procedimentos pedagógicos que envolvem os desafios da atuação do professor no contexto que emergir, tais como: "a resolução de problemas, a invenção, a criatividade, o uso de conhecimentos prévios, a busca de novas informações, e outros". (BRASIL, 1998, p.110).

É preciso para isso, direcionar as práticas de formação dos professores, com base no que foi exposto, para que seja dada maior importância à aquisição dos requisitos fundamentais para o desenvolvimento das competências e que ocorra de fato a percepção para a necessidade de desenvolvê-las.

conclusão

Conforme expusemos ao longo do trabalho, o desenvolvimento de competências profissionais, suscitada pelas novas demandas sociais decorrentes do atual momento histórico, remete-nos à necessidade de incorporar a tarefa de mudança, de reformar um quadro que, pela racionalidade das premissas econômicas, parece fundamentar-se na lei da sobrevivência.

A educação, diante desse quadro, é chamada à responsabilidade de promover o desenvolvimento do País, ao formar o indivíduo fornecendo-lhenão somente um núcleo básico de conhecimentos cognitivos, mas auxiliando-o na constituição integral do seu serhumano.

Por esse motivo, a abordagem da formação por competências, a partir da última década, vem assumindo uma importância crescente nos meios educacionais, adotando princípios humanistas completamente diversos daqueles antes praticados pela escola, em que os alunos recebiam apenas os conteúdos necessários às práticas econômicas para as quais eram direcionados.

Os domínios do aprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser, propostos pela UNESCO, demonstram levar em conta as experiências e interesses do educando, que deve sempre entender a razão do que aprendem e qual o significado dessa aprendizagem.

O que torna possível a transferência e aplicação dos conhecimentos aprendidos para situações novas, para a resolução de problemas e para a elaboração de projetos com autonomia, é uma prática contínua, que exige uma formação sólida e integral.

A abordagem por competências não se restringe à mudança de paradigma e às mudanças introduzidas na escola, ou às possibilidades de novas práticas pedagógicas aplicadas pelos educadores. Essa abordagem implica também a decisão de revermos todos os papéis (dos educadores, dos educandos e das instituições de ensino) e definirmos que competência se espera que os alunos desenvolvam, para enfrentarem as incertezas e a rapidez das transformações na sociedade globalizada, competitiva e excludente.

Atualmente, de acordo com Tedesco (2002), o papel da Educação vem assumir características de uma instituição a ser denominada Escola Total, em que se desenvolvem aprendizagens para além dos conhecimentos, envolvendo a própria personalidade do indivíduo.

Nesse sentido, se levarmos em contao que postula a abordagem por competência, consideramos que, para atingir essa proposta, o educador deve se empenhar em estimular nos alunos odesenvolvimento de seus aspectos pessoais e profissionais, por meioda discussãocontínua e da reflexão sobre sua prática, visando àaquisiçãodas competências.

Observa-se que a ampliação das exigências acrescentadas ao trabalho do professor nos últimos tempos (como cumprir funções tradicionalmente atribuídas à família e a outras instâncias sociais, responder ao afeto dos alunos, resolver os problemas de violência, saber preparar melhor seu aluno, trabalhar com as diferenças culturais além de outras tarefas), parece indicar a necessidade de se réssignificar a identidade do professor, o que requer, cada vez mais, o domínio de conhecimentos e o desenvolvimento de competências específicas para o enfrentamento das novas demandas.

Oconceito de competências, que por diversas vezes apareceu neste estudo definido como capacidade de mobilizar um determinado tipo de conhecimento, numa situação contextualizada, é também destacado nos estudos de Ramos (2002), como "o mecanismo de adaptação dos indivíduos à instabilidade de vida, por construir os instrumentos simbólicos que permitem interpretar a realidade, a seu modo, e construir modelos significativos e viáveis para seus projetos pessoais" (p.294).

Acreditamos estar em um novo momento histórico e que, sem dúvida, esse novo cenário provocará a substituição dos velhosvalores por novos, e por novosconhecimentos aprendidos. Não se trata de descartar o que já se sabia, mas sim conjugarmos opercurso histórico que fomos tecendocom as novas vivências e teorias de aprendizagem, a fim de compormosa história das ciências humanas.

Vários são os agentes mediadores entre o professor e o aluno, para que sejaproduzido o conhecimento esejam desenvolvidas as competências necessárias na escola. Isso poderá se constituir em um importante potencializador do desenvolvimento das competências, desde que sejam organizadas experiências e tarefas diversificadas, que incidam e atuem sobre a capacidade dos alunos, no despertar das habilidades manuais, cognitivas e na promoção de um campo propício (seja na própria escola ou em outros espaços) de treinamento das aprendizagens que envolvem tanto o conhecer, como o fazer, conviver e ser.

Essas experiênciasincluem a sensibilidade, o desenvolvimento da criatividade, capacidade deapreciação do que é belo, a afetividade, a dinâmica do fazer, assim como a práticada solidariedade e o exercício da cidadania, destacando, inclusive, a autonomia na construção do próprio projeto de vida; tudo com o objetivo de tornaros alunossenhores de seu tempo.

É importante salientar que o professor precisa ampliar continuamente seus conhecimentos e fazer emergir suas própriascompetências, para atuar com base sólida e coerente, utilizando novas e eficientesestratégias de trabalho.

Consideramos que vários fatores interferem na qualidade da prática pedagógica, em razão de novas ambições do sistema educacional, que exige níveis de especialização cada vez mais elevados, nem sempre ao alcance dosprofessores.O reconhecimento de tais fatores, não obstante, é fundamental para que o professor possua clareza sobre o caráter político dessa prática.

Em seus estudos, Perrenoud (1999; 2000a; 2000b; 2001) discorre acerca das formulações clássicas da prática pedagógica, tais como: preparar e dar aulas e exercícios, seguir o programa, exigir silêncio, ordem e disciplina, dar notas etc. Ele admite quetodos esses procedimentos continuam sendonecessários. Entretanto, destaca que quanto mais se caminha rumo a uma prática reflexiva, mais se colaborapara que a atuação do professor seja autônoma e responsável, fazendo as práticas tradicionais mudarem de sentido e de lugar. Perrenoud, ao comparar as competências emergentes com as clássicas, reforça que estas estão contidas nas primeiras (2000a, p. 175).

Reconhecendo-seque é pela prática constante e suareinvenção que o desenvolvimento de competências e a verdadeira aprendizagem devem ocorrer, a discussão por nósapresentada neste trabalho não pretende exaurir esta temática, mas busca ser reveladora do desconhecimento e da indefinição do que sejam as competências quanto ao seu verdadeiropapel.

Isso torna indispensável sua ampla divulgação e ressignificação para os ideais do ensino superior, tendo em vista a oferta de uma aprendizagem que se incline para a formação completa, a igualdade de direitos e oportunidades, para a qualidade e sentido da vida.

REFERÊNCIAS

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[1] Jean Piaget (Genebra,1896-1980). Médico, Biólogo, Psicólogo, Professor da Universidade de Genebra, criador do Centro de Epistemologia Genética.

Epistemologia genética: estudo de como se passa de um conhecimento para outro conhecimento superior.

Interacionismo: teoria psicológica que sustenta que o desenvolvimento do comportamento humano é uma construção resultante da relação do organismo com o meio em que está inserido. Esta teoria valoriza igualmente o organismo e o meio. (cf. LIMA, L. Oliveira. Conceitos Fundamentais de Piaget.)

[2] CINTERFOR Centro Interamericano de Investigação e Documentação sobre a Formação Profissional. Debate sobre competências na América Latina – 1975

[3]Educação: Um Tesouro a Descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI.

[4] Jacques Lucien Jean Delors foi Presidente da Comissão Européia, de 1985 a 1995, assegurando três mandatos. Durante esse período conseguiu a aprovação do Acto Único Europeu, em 1986, o qual levou à criação do Mercado Único Europeu, em 1993. Delors também foi protagonista na transformação da Comunidade Européia em União Européia, encaminhando as nações da Comunidade para a moeda única e para uma maior cooperação ao nível da defesa.