A preocupação central deste trabalho é proporcionar uma análise que venha esclarecer as causas do relativo fracasso dos projetos de reforma agrária da atualidade, demonstrando que a “ausência” de tradição agrícola, por parte dos assentados não é causa, mas as relações que se manifestam no campo das micro e das macro-relações de poder que nascem num movimento ascendente e seguem para o seu núcleo, o Estado, ou existem e atuam num movimento descendente atingindo os assentamentos, respectivamente, em uma sincronizada interação que culmina numa intrincada rede de “relações de poder”. Não se pretende aqui, todavia, a defesa de teores ideológicos da elite proprietária, tampouco dos assentados, mas sim que sejam geradas instigações, a partir de algumas argumentações, para que a temática seja mais discutida e com a devida profundidade, rigor e radicalidade que o assunto requer.

Nunca esteve tão em evidência, na mídia e em toda a sociedade, polêmicas envolvendo o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) questionando sobre o sucesso ou o fracasso e, sobretudo, emitindo-se opiniões sobre a personalidade e o caráter das pessoas envolvidas nesse movimento. Obviamente que a principal polêmica consiste na afirmação de que o Povo Sem Terra é composto de pessoas desocupadas e irresponsáveis que se beneficiam da "reforma agrária" para especularem com a venda de suas parcelas de terras e que, em seguida, instalam-se em outro acampamento a fim de obterem novamente outro pedaço de chão para novamente ser comercializado. Mais; que os assentamentos rurais não promovem o progresso da população assentada por falta de iniciativa, vontade e pela ausência de tradição agrícola, como a mídia veicula, ou de tradição campesina, como é denominada pelos trabalhadores rurais.

O assunto requer, contudo, um deslocamento do olhar e uma análise mais rigorosa para que não se cometam infidelidades que possam privilegiar uma classe social em detrimento de outra, o que, aliás, é muito comum em notícias e reportagens veiculadas pela mídia televisada e escrita. Estas sempre enfocando o assunto de uma forma extremamente superficial não proporcionando aos telespectadores e leitores um conhecimento mais aprofundado a fim de que seja possível a formação de opiniões fundadas em fatos concretos. Mas, ao contrário, a mídia emite opiniões já formuladas não possibilitando reflexões às pessoas menos esclarecidas, as quais assimilam imediatamente a ideologia transmitida passando a disseminá-la e levando ao descrédito o processo da Reforma Agrária (RA) no país.

No dia 04 de abril, próximo passado, no jornal "Bom Dia Brasil", transmitido pela Rede Globo, foi veiculada uma notícia sobre o MST enfocando o fracasso do projeto da Reforma Agrária no País para a qual, a fim de finalizar a apresentação, o comentarista Alexandre Garcia emitiu sua opinião afirmando que a terra deveria ser "dada" às pessoas que realmente tivessem tradição agrícola e que somente assim o sucesso do Programa estaria garantido. Este é um grande mito que foi criado em torno do Projeto da Reforma Agrária; o MITO DA TRADIÇÃO CAMPESINA que é um dos argumentos mais fortes para a desmoralização dos assentados e do próprio projeto de reforma agrária no Brasil.

O referido comentarista faz referência a um fato com extrema subjetividade ao emitir opiniões fundadas sobre uma situação específica e demonstra muito pouco conhecimento sobre o MST ao generalizar o fato comentado com todo o processo de RA. Não foi possível se observar a mínima "radicalidade", tampouco "rigor" do Jornalista em relação ao fato. A radicalidade referida acima deve ser entendida como a abordagem de uma situação considerando-se as origens do problema, as raízes, sem as quais tudo o que se emite a respeito torna-se mera opinião falaciosa que defende os pontos-de-vista de uma classe social, mais especificamente a elite do "agronegócio" do Brasil.

São essas opiniões, emitidas sem o nenhum rigor, que põem em risco muitos projetos que visam a emancipação de grupos sociais excluídos, uma vez que fazem com que a maioria dos indivíduos, incluindo-se até mesmo os que vivem abaixo da linha da pobreza, acreditem nesses sofismas, pois não têm acesso a outras fontes de informações mais confiáveis e menos tendenciosas, assim como não tiveram a oportunidade de terem uma educação formal de qualidadeque lhes possibilitasse uma leitura mais crítica dos fatos apresentados pela mídia elitizada.

Quem no Brasil nunca teve um antepassado ligado a atividades campesinas? Quantas pessoas não têm a sua ascendência nos negros escravos cuja maioria esteve vinculada com atividades agrícolas em latifúndios brasileiros? Quantos dos antepassados brancos, negros, nativos e imigrantes, num tempo em que o Brasil era essencialmente rural, não exerceram alguma atividade agrícola como empregadores, assalariados, meeiros, arrendatários, ou posseiros?

A Tradição Campesina, tão propalada pela Rede Globo é concebida como sinônimo de tradição de propriedade. Na concepção do MST, no entanto, não existe a propriedade da terra pelo assentado, mas apenas o direito ao uso da mesma para fins de subsistência e, por conseguinte, para a melhoria da qualidade de vida das pessoas que residem nos Assentamentos Rurais. O assentado é tido – e assume a condição – como parceleiro e não como proprietário, uma vez que o conceito de propriedade é oriundo do modo de produção capitalista, mais precisamente e primordialmente pensado por John Lock e reformulado por Adam Smith no corpo teórico do liberalismo clássico, o que transgride a ideologia da Reforma Agrária, definitivamente.

Histórico da Exclusão

Pode-se crer que tudo poderia ser sintetizado em torno da exclusão histórica do direito ao uso da terra. Tome-se como um dos principais marcos da exclusão a própria cultura da distribuição de terras que teve seu início com as Capitanias Hereditárias as quais fracassaram devido, principalmente, à inoperância dos donatários que – dentre os quais, alguns – nem sequer vieram residir na Colônia. A colonização, após a decadência das capitanias hereditárias, teve prosseguimento com as sesmarias, as quais nada mais eram que a consequência do desmembramento das antigas capitanias em áreas de terras menores, mas ainda assim, muito extensas, o que caracterizou, portanto, o modelo fundiário colonial com base em grandes latifúndiose ênfase na monocultura.

Esse modelo fundiário permaneceu vigente até, aproximadamente, a "proclamação da independência", momento em que as antigas sesmarias sofriam um maior desmembramento em propriedades menores para as quais eram fornecidas apenas cartas de doações sem as devidas averbações ou registros – como acontece atualmente – não tendo, portanto, nenhuma garantia legal, a não ser a garantia gerada por privilégios concedidos por uma autoridade governamental ou pelo uso da força quando se fazia necessário. Todavia, a força não era comumente necessária uma vez que as terras ainda não tinham o caráter de "mercadoria", logo, não eram ambicionadas para a especulação.

Uma vez que as terras não eram mercadorias, muitas famílias passaram a ocupá-las, no primeiro Império, devido a gratidão de alguém ou por posse, pequenas áreas para fins de subsistência em um país onde a industrialização manufatureira fora suprimida pela política econômica portuguesa, provocando a prorrogação e a predominância da vida rural com o fim de manter o monopólio comercial da Metrópole e consumar ainda mais a exploração sobre a Colônia. A origem do posseiro remonta-se, no entanto, ao início do período colonial, porém sua maior representatividade será no século XVIII. Mas, foi durante o período que vai de "1822 até 1850, que a posse se tornou a única forma de aquisição de domínio sobre as terras, ainda que apenas de fato, e é por isso que na história da apropriação territorial esse período ficou conhecido como a fase áurea do posseiro.

No II Império, devido às influências européias e por um pálido surto de industrialização que provocou uma sensível acumulação de capital, as terras passam a ser alvo de investimentos e, por conseguinte, de especulações; tornam-se mercadorias com significativa liquidez o que faz emergir na elite "proprietária" a necessidade de regularização das áreas de terras. Não obstante, uma vez que o parque industrial mostrava-se operante, era preciso, de alguma forma, atrair ou expulsar a massa trabalhadora do campo para os centros urbanos para se tornarem mão de obra assalariada.

Atendendo aos anseios da elite que detinha a posse das de grandes extensões de terras e objetivando atrair investimentos estrangeiros no Brasil, foi sancionada, pelo Imperador D. Pedro II,a Lei de Terras (lei nº 601 de 18 de setembro de 1850)). Esta lei estabelecia a compra como a única forma de acesso à terra e superava, em definitivo, o regime de sesmarias.A Lei, embora bastante extensa, estabeleceu três pontos principais os quais eram: Toda área de terras deveria ser devidamente levantada topograficamente; deveria, ainda, ser cercada em todos os seus limites e, finalmente, tituladas nos estabelecimentos paroquiais.

Se por um lado a Lei tinha como objetivo a regularização da posse das terras, por outro criava um paradoxo na sociedade, visto que muitas famílias, menos privilegiadas economicamente, detinham a posse de pequenas áreas para fins exclusivos de subsistência. As exigências da Lei de Terras requeriam uma considerável soma em dinheiro – como ainda requerem atualmente – que poucos dos que extraiam o seu sustento da terra possuiam, pois não visavam a acumulação de capital. Em consequência disto, grande número de posseiros, uma vez que não puderam cumprir a Lei, passaram a ser considerados Foras-da-Lei.

Uma vez que estavam negligenciando a Lei, passaram a ser coagidos a venderem as suas posses a qualquer preço. Outros passaram mesmo a serem espulsos e tiveram suas terras incorporadas às grandes propriedades. Estava, assim, legitimada, praticamente de forma oficial, a grilagem de terras que passou a ser praticada ou respaldada por políticos inescrupulosos. Foi, portanto, a Lei nº 601 que alavancou o enfavelamento no país, pois o exodo para os centros urbanos, de uma população despreparada para o exercício profissional em outras atividades, não permitia as condições mínimas e dignas de moradia. Houve, no entanto, a necesidade de adaptação e aprendizado para que os antigos posseiros passassem a realizar as atividades para as quais haviam sido destinados. Nunca, sequer, argumentou-se sobre a falta de tradição operária dessa massa populacional outrora agricultora.

Um dos objetivos da Lei de Terras foi exatamente, e de forma escamoteada, impedir que os imigrantes e os trabalhadores brancos pobres, negros libertos e mestiços tivessem acesso à terra. Seu efeito prático foi dificultar a formação de pequenos proprietários e liberar a mão-de-obra para os grandes fazendeiros para as indústrias. Dessa maneira, foi barrado o acesso à terra para a grande maioria do povo brasileiro, que sem opções migrou para os centros urbanos ou tornou-se bóia-fria. Outros continuaram no campo como posseiros, numa situação de ilegalidade, sem direito ao título de propriedade, situação que se prolonga até a atualidade. A Lei de Terras de 1850 foi, portanto, apenas fachada legal que permitiu as maiores crueldades contra os posseiros; crueldades realizadas não só pelas companhias colonizadoras, mas também pelos governos provinciais e até pelo próprio Exército brasileiro.

Certamente, este espaço não permite maiores detalhes sobre os processos de exclusão das massas trabalhadoras do campo para os centros urbanos, mas de simplesmente demonstrar que a ausência de transição campesina, dos trabalhadores do MST, defendida pela elite nacional é um sofisma, uma vez que é possível que se afirme – pela história – que o povo brasileiro atual tem como ascendência antepassados que, de uma ou de outra forma, tiveram contato com as atividades rurais.

As Relações de "Poder" Nos Assentamentos Rurais do Ipê Roxo e Laranjeiras II

Observações nos Assentamentos Rurais do Ipê Roxo e Laranjeiras II, no município de Cáceres – usados como amostragem para esta análise –, demonstraram que o relativo fracasso da reforma agrária não está vinculado a falta de tradição agrícola, mas às micro e macro relações de poder existentes nos interiores dos assentamentos, as quais acontecem de forma extremamente sutis, pois passam despercebidas às observações menos atentas e, quando verificadas, não recebem a devida importância e são tidas como situações normais, pois incorporadas pela cultura da banalização política que contamina o país. As relações de poder que residem no interior dos assentamentos e ascendem para o exterior deles, tornam-se uma barreira – às vezes instransponível – para que os assentados realmente se organizem comunitariamente de forma livre e democrática o que propiciaria reais possibilidades de des-envolvimento dessas populações que, por conseguinte, levaria ao progresso individual e coletivo.

A luta pela terra, presente desde o Brasil colonial, assumiu características diferentes ao longo dos anos sendo evidenciada através de vários conflitos que demonstram a dinâmica das populações rurais. Atualmente a questão agrária se tornou polêmica em toda a sociedade devido à grande visibilidade dos conflitos no campo e, principalmente, do MST que é o principal agente a reivindicar a Reforma Agrária o que tem motivado formas diversas de intervenção do Estado configuradas em políticas sociais. Ora, onde existem conflitos ou lutas existem relações de força e, portanto, relações de poder que se manifestam das mais variadas formas, dentre as quais algumas, apenas, serão enfocadas.

As políticas voltadas aos assentamentos rurais geralmente são elaboradas por técnicos, muitas vezes distantes da realidade social dos assentados que passam a ser considerados de forma abstrata, ou estereotipada, ignorando-se a sua história, valores e interesses. Em decorrência, os resultados de suas atividades são considerados negativos, uma vez que não obtêm o sucesso econômico esperado, provocando tensões entre os membros dos assentamentos e as entidades governamentais que são responsáveis pela sua execução, entre outras conseqüências indesejáveis.

Nessa modalidade de "relação de poder" este se manifesta através do órgão que presta assistência técnica aos parceleiros, repassando aos mesmos o modelo produtivo de médios e grandes produtores rurais. Nos assentamentos observa-se a abundância de parcelas cuja atividade se restringia única e exclusivamente ao cultivo de pastagens para a criação de gado bovino, atividade esta pouco adequada aos pequenos produtores que têm dificuldades em competir com os grandes e médios criadores. No entanto, não se constatou a existência de terras preparadas para plantios de subsistência, ou lavouras brancas, em pleno mês de novembro, época em que os solos já deveriam estar prontos para receberem a semeadura.

Os próprios parceleiros, por estarem criando gado de corte – no modelo extensivo – atribuem melhorias da qualidade de vida. Pode-se crer que se há um jogo de poder por parte do órgão que presta assistência técnica aos assentados, estes, por seu turno, aderiram à idéia, pois vêem na criação de bovinos sinônimo de poder e de prestígio. Por conseguinte, poucos assentados obtêm sucesso em suas atividades e passam a ser vistos como pouco aptos ou desprovidos de vocação campesina, e os assentamentos, como lugares de pouco progresso e até decadentes, imagem esta que retorna à sociedade exterior consumando a relação de poder negativo e, consequentemente, o fracasso da RA.

Quanto ao fato do mito da ausência de tradição, agrícola foi possível que se verificasse o contrário do que é defendido pela mídia uma vez que 60% dos entrevistados exerciam, antes da chegada nos assentamentos, atividades ligadas ao campesinato. Infere-se, portanto, e confirma-se, que há um equívoco com relação ao que seja "vocação agrícola" e "tradição de propriedade rural" que faz com que a afirmação sobre a inexistência de vocação ao campesinato das populações dos assentamentos seja uma falácia por ambigüidade. O equívoco, todavia, poderia ser evitado se a sociedade fosse mais bem informada de que os parceleiros nunca, enquanto tais, terão tradição de propriedade, pois estes usufruem a terra para dela obterem os meios de subsistência sem que da mesma sejam proprietários, a não ser das benfeitorias realizadas.

Sendo assim, dentro das normas do MST, a terra não tem valor de mercadoria, ao contrario do que fora estabelecido pelas "leis positivas" – que concentram valor do que é justo apenas aos que detêm o capital ou meios de produção – que norteiam os sistemas político e jurídico com relação ao direito de propriedade de terras extra assentamentos. A falta de informações à população sobre a diferença entre o "ter a terra" e o "direito em usufruir a terra" é um recurso de poder utilizado para que seja garantido o formato original da superestrutura no Brasil.

Além das tensões constantes de trabalhadores rurais versus Estado/sociedade que se perpetuam na condição de acampamento e de assentamento, outras tensões ocorrem em paralelo dificultando em alguns casos o desenvolvimento dos mesmos. Ao se analisar os assentamentos rurais, percebe-se como estas relações de poder internas foram desenvolvidas nesses casos específicos.

Foi imposta, praticamente de forma inquestionável, a cooperação coletivista da produção, através de Associações de pequenos Produtores. Esta forma de produção imposta aos trabalhadores trazia dois agravantes: ia de encontro ao projeto da economia familiar desejado pelos trabalhadores e era condição indispensável para que se tivesse acesso aos subsídios oferecidos pelo Estado. Estabeleceram-se, então, novas relações de dominação, ou seja, de poder, já que os responsáveis pela associação resumia-se em um pequeno número de trabalhadores que a geriam.

Inicia-se aí um processo que dividiu o grupo. Das 155 famílias assentadas nos dois assentamentos, a metade, aproximadamente, decidiu não fazer parte da associação, pois não concordaram com a forma de organização dos assentamentos e, contrariando o que fora estabelecido pelos agentes estatais e pelos militantes, construíram as suas casas dentro das próprias parcelas, próximo ao roçado, em vez de construírem na área destinada à agrovila. A Associação – do Laranjeiras II, pois a do Ipê Roxo encerrara as suas atividades – era composta por uma diretoria eleita, tendo a frente um presidente e um vice-presidente. Em reação a esta atitude começa o processo que pode ser chamado de "invalidação circular", onde os dirigentes passam a denominá-los de "os dissidentes" "os individuais", aqueles que não querem trabalhar em conjunto, que só visam seus próprios interessem, etc.

Quando indagados sobre os porquês de não participarem da associação, argumentam sobre a falta de organização, de união e solidariedade, da exploração dos recursos dos assentados e da apropriação do potencial eleitoral para as eleições municipal, estadual e federal. Quanto a este fato o poder local, que é exercido pela diretoria, abre as portas para o movimento descendente do poder que vem do Estado para o interior dos assentamentos, o qual se manifesta em forma de poder de "mando" e consumando uma sensível divisão social entre os parceleiros.

No Assentamento do Ipê Roxo, que é confinante do Laranjeiras II, A Associação encerrou suas atividades e não mais foi ativada; fato que gerava uma rede de intrigas entre os agricultores das duas glebas. Uma da causas da intriga era a energia elétrica que beneficiava apenas os habitantes deste, os quais não admitiam que os moradores do primeiro fossem beneficiados com este recurso, mesmo que separados apenas por poucos metros. Embora os moradores da área limite mantivesem relações de amizade, a energia não era fornecida aos desprivilegiados por temor de represálias por parte dos militantes do MSTque faziam, paralelamente, parte da diretoria da associação. Isto evidenciava que neste jogo de intrigas residia uma forte relação de poder na qual pessoas com o mesmo nível sociocultural se afrontavam silenciosamente, uns objetivando anular outros para fim exclusivo de manutenção do poder.

O poder em forma de opressão também se manifestava naquelas localidades, principalmente quando o assunto se relacionasse sobre a eficácia e os benefícios que a associação proporcionava. Algumas pessoas afirmaram positivamente, mas de uma forma pálida e pouco convincente; outros preferiram não se manifestar sobre a associação, pois demonstraram visivelmente o receio de serem identificados pela diretoria da associação que, no local, assume o papel de aparelho repressivo de Estado, uma vez que os opositores temiam ser perseguidos e isolados dos projetos que poderiam beneficiá-los economicamente.

Os dirigentes seguiam a mesma trajetória social dos outros trabalhadores. Na qualidade de dirigentes, eles exerciam o papel dos patrões aos quais todos estiveram anteriormente subjugados. Legitimados neste papel pelos próprios técnicos estatais, padres, políticos e demais agentes externos que, solidários à causa militante, os promoveram a "lideres" e os tornaram "representantes" da maioria, reforçando-os, inconscientemente, no exercício arbitrário do poder. Do lado dos dirigidos, a aparente passividade, apreendida em suas trajetórias pessoais de dominados, ajuda a compor a aparência de democracia exigida pela causa militante.

Numa visão geral, os assentamentos citados, – acompanhando a idéia de Poder disciplinar e patronal – apresentavam-se como uma forma de reclusão dos parceleiros, como se estes fossem seres indesejáveis para conviverem com o restante da sociedade.Quem visita, em pesquisa, esses locais tem a clara impressão que mais se assemelham acolônias penais. No entanto, parecem colônias cujos órgãos tuteladores viabilizam inadequadamente os recursos destinados à agricultura e outras benfeitorias que ao invés de ser gerado progresso, é gerado retrocesso, estagnação e, quando muito, um falso desenvolvimento, porque tudo o que acontece nos assentamentos não é fruto do consenso coletivo que poderia gerar des-envolvimento, mas fruto da imposição das lideranças locais impregnadas do Poder que emana do exterior e ganha força no interior.

A Reforma Agrária e os assentamentos encontram-se num paradoxo, pois a fundamentação no Marxismo pura e simplesmente não tem provocado efeitos positivos uma vez que é premente que a forma Gramsciana de pensamento não seja privilegiada, ou conhecida, pela militância do MST e pelos próprios assentados. De posse do marxianismo seria mais fácil a anulação das correntes de poder negativas que geram o descrédito do movimento na sociedade. Todavia, para que seja iniciado o processo de transformação das idéias, as escolas dos assentamentos careceriam de mais autonomia e neutralidade para que pudessem proporcionar, realmente, uma educação que transcendesse aos moldes educacionais ideologicamente capitalistas. Uma vez protegidas das relações de poder os estabelecimentos de aprendizagem dos assentamentos, processualmente, levariam à neutralização das relações de poder negativas que tanto contribuem para denegrirem a imagem da Reforma Agrária no Brasil.

Bibliografia

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