ANTONIO DOMINGOS ARAÚJO CUNHA

PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATOLICA DO PARANÁ

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO URBANA – PPGTU/2004

RESUMO: AS RAZÕES DA TOLERÂNCIA

                                          DISCIPLINA: PARTICIPAÇÃO CIDADÃ E CITADINA

 

 

RESUMO:

[01]     A palavra tolerância para o autor está vinculada com o contexto em que é empregada, e são as razões da mesma é que se propõe a analisar. Atribui ao sintagma um valor histórico antes de semântico. Neste sentido, aponta a convivência de crenças (primeiro religiosas e depois políticas) diversas, reforçando este aspecto pela generalização para o problema da convivência das minorias étnicas, lingüísticas, raciais, para os que são chamados geralmente de “diferentes” como por exemplo os “homossexuais” os loucos e ou deficientes. Para tanto, isto implica em análise de discurso em que a verdade transpareça, até mesmo pela contraposição da teoria e da prática. Inclui-se ainda a diversidade por motivos sociais ou físicos, primeiramente o preconceito e conseqüente discriminação. Preconceito era até  margem do aceitável, mas não a discriminação. Preconceito deriva da convicção de possuir a verdade e discriminação igualmente do preconceito entendido como uma opinião ou conjunto de opiniões que são acolhidas de modo acrílico passivo pela tradição, pelo costume ou por uma autoridade cujos ditames são aceitos sem discussão. É difícil convencer alguém a freqüentar a mesma igreja, a comungar com as idéias do mesmo partido, a conviver pacificamente com o negro, a não discriminar social e legalmente um homossexual, etc. Logo, o que deve ser combatido não é a intolerância, mas a discriminação, seja ela racial, sexual, étnica, etc. Historicamente a tolerância foi posta na Europa durante o período de guerras de religião, pelo movimento dos heréticos, pelos filósofos como Locke e Voltaire e especialmente por Joseph Lecler, numa obra de dois volumes, 1954)., no momento em que ocorre a ruptura do universo cristão (BOBBIO, p. 205).

[02]     Pois bem. Tolerante é aquele que admite a presença do intolerante sendo que o último se defende no sentido de que há sempre alguma verdade pela qual vale a pena lutar. Luigi Luzzati, autor de “La libertà di conscienza e di scienza”, 1909, como princípio inspirador  do Estado liberal, por um lado e por outro Benedetto Croce, que afirmou ser a tolerância “... a fórmula prática e contingente e não princípio universal, não podendo ser usada como critério para julgar a própria história, a qual no caso, tem critérios que lhe são intrínsecos, replicou que, entre os tolerantes, nem sempre estiveram os espíritos mais nobres e heróicos”. Em suma, não se pode ser intolerante sem ser fanático, pois que a antítese tolerante-intolerante não é compatível com a de indiferença-fanatismo (BOBBIO, P. 206). 

[03] Como se deve entender a tolerância? Como mal menor ou como mal necessário? Em verdade ela não implica em renúncia à própria convicção firme, mas sim na opinião, sendo que a verdade tem tudo a ganhar quando suporta o erro alheio. Cabe distinguir entre o cético aquele que para quem não importa que a fé triunfe, o tolerante como aquele que dá importância ao triunfo de uma verdade, sendo seu fim o de combater o erro, que seria melhor alcançado do que pela intolerância. Aceitar o erro alheio pode ser um ato de astúcia, porque a perseguição causa escândalo e este faz crescer a mancha, a qual ao contrário, deve ser mantida o mais possível oculta. Se persigo alguém, atribuo a eles o direito de ser perseguido. Hoje é você, amanhã sou eu (p. 207).

[04]. Há modernamente uma convicção na razoabilidade do outro, ou seja uma concepção do homem como capaz de seguir não só os próprios interesses mas olhar para o interesse do outro, e a recusa da violência como forma de solucionar os seus próprios problemas. Lembra-se o exemplo da ilha da Utopia, onde Utopo explica suas razões, pois que impossível seria [ . . . ] que aquilo que tu crês apareça como verdadeiro para todos. Lembra o autor, o dito de John Locke:  [. . . ]a verdade não precisa da violência para ser ouvida pelo espírito dos homens e não se pode ensiná-la pela boca da lei. Mas a verdade, se não é captada pelo intelecto com sua luz, não poderá triunfar com a força externa. Uma das principais formas de se obter resultados é trocar a força pela persuasão como meio de resolver conflitos. O discurso da “nouvelle rhethorique” é bem característico para ilustrar a sua inserção entre a argumentação retórica e o método democrático, na prática (p. 208).

[05]  O próximo passo é o conhecimento da razão moral da tolerância. Ela não implica em renúncia da própria verdade. Trata-se daquilo que devo crer e aquilo que devo fazer. O Estado Liberal reconhece os direitos naturais como fundamento, sendo o Estado democrático uma extensão do primeiro. Chegar a verdade deve ser por convicção íntima e não por imposição. A tolerância está acima de tudo sendo colocada como dever ético e não porque é socialmente útil ou politicamente eficaz. A exemplo do respeito que se deve ter pela liberdade do outro (p. 209).

[06]     Sob o ponto de vista teórico, a verdade só pode ser alcançada através do confronto das verdades parciais, pois que não é una. A verdade tem muitas faces. Neste sentido, colocam-se três posições filosóficas representativas desta exigência: o sincretismo de que foi expressão, na época das grandes controvérsias teológicas, o humanismo cristão, e modernamente a tentativa de conjugar catolicismo com marxismo, nas contradições do mundo liberal e social, ocidental e oriental, capitalismo e coletivismo, historicismo relativista, como queria Max Weber numa era de politeísmo de valores, onde o único templo aberto deveria ser o de Panteão, ou seja, onde cada qual pode adorar o seu próprio deus (p.210).

[07]  O termo intolerância é usado em vários sentidos, e que na verdade tem dois significados específicos, um positivo e outro negativo. Em sentido positivo, tolerância opõe-se a intolerância. E intolerância sinônimo de severidade, rigor, firmeza, qualidades que se incluem no âmbito das virtudes: tolerância em sentido negativo pode ser sinônimo de indulgência culposa, de condescendência com o mal, com o erro, por falta de princípio, por amor a vida tranqüila ou por cegueira diante dos valores. Para Locke o ateu não deveria ser tolerado porque não tinha nenhuma razão para temer a Deus. Tolerância em sentido positivo se opõe a intolerância (religiosa, política, racial) ou seja a exclusão do diferente. Ou a tolerância de forma negativa, quando resolve-se não agravar mais o estado crítico de determinado fato, ou aquele que escandaliza (ex. pedido de normatizar a pornografia). Interessante notar aqui o conceito de variável ou seja, admitir a existência de uma zona cinzenta, nem isto nem aquilo, cuja menor ou maior amplitude é variável: é sempre esta variável que se pode admitir qual sociedade é mais ou menos tolerante, ou mais ou menos intolerante (p.211).

[08]  Os limites deste contínuo não é fácil de ser estabelecido. Marcuse bem faz a distinção entre idéias progressistas e reacionárias, afirmando que boa tolerância é aquela que tolera apenas as boas. Bobbio afirma que a sociedade democrática destruiu as bases para uma tolerância universal. O que quer efetivamente colocar é que esta posição é inaceitável, visto que se as más idéias puderem ser toleradas, logo, isto seria passar de uma forma de intolerância para outra. Trata-se pois de tipos de tolerância, ora repressiva ora emancipadora, que é exaltada (p.212).

[09] Não quer dizer pois que a tolerância deva ou seja limitada, porque não abraça todas as formas, incluindo algo e excluindo outro. O que se destaca, é uma regra de jogo que permita que todas as opiniões se manifestem e não a tolerância transformar-se em perseguição. Se não admitir um modus vivendi diversificado, acaba perdendo a razão de ser (p.213).

[10] Acredita-se que a tolerância deva ter limites pelos critérios para fixá-los e não devem ser os de Marcuse. Locke defendia que os princípios de tolerância não deveriam ser estendidos ao católicos, e politicamente por exemplo, a negação do direito de cidadania aos comunistas e aos fascistas, e ainda das maiorias sobre as minorias opressoras ou oprimidas. E conclui dizendo que a única forma do intolerante tornar-se tolerante, não se daria pela perseguição mas pelo direito de defender-se. Para tanto, Bobbio aduz dois exemplos iluminadores. Para Gaetano Mosca, a violência nada poderia contra a verdade e a liberdade, admitindo que a história dera mais razões aos intolerantes que aos tolerantes. Outra é a de Luigi Einaudi: Para sobreviverem, os homens livres não podem renegarem-se a própria liberdade de que se professam seus defensores (p.215).

[11]  Conclui seu trabalho dizendo que a história nos últimos séculos parece ambígua e neste momento é que mostra a interdependência entre a teoria e a prática da tolerância, por um lado e o espírito laico por outro que confia a sorte do regnum hominis, mas a razões da razão que une todos os homens do que aos impulsos da fé. Este fundamento está fundamentado, no princípio de que a liberdade de um começa onde termina a do outro, ou como queria Kant, “a liberdade do arbítrio de um pode subsistir com a liberdade de todos os outros segundo uma lei universal (que é a lei da razão) ( p.216).

 

 

 

REFERÊNCIA ÚNICA

 

Bobbio, Norberto. A Era dos direitos, Editora Campus Rio de Janeiro-RJ, 1990.