É importante destacar que o contexto histórico do processo educativo em nosso país, é marcado por uma relação complexa entre brancos ricos, brancos pobres, negros escravizados, africanos e descendentes. Nesse sentido, como forma introdutória que auxilie o nosso olhar sobre as questões raciais na educação infantil, faz-se necessário recorrer a alguns aspectos históricos da criança negra no Brasil.
Priore (1991) afirma que retomar a história da criança em nosso país, é dar de cara com um passado marcado por tragédias: o abandono de bebês, a venda de crianças escravas que eram separadas de seus pais, a vida em instituições que no melhor dos casos significava mera sobrevivência, as violências cotidianas que não excluem os abusos sexuais, as doenças, queimaduras e fraturas que sofriam no trabalho escravo ou operário foram situações que emburrara por mais de três séculos a história da infância no Brasil (p.8).
A mesma autora observa sobre a parca escolarização no Brasil, salientando que da mesma forma que as escolas eram poucas, destinavam-se para poucos. "Se as crianças indígenas tinham acesso a elas, o mesmo não podemos dizer das crianças negras, embora saibamos que alguns escravos aprendiam a ler e escrever com os padres" (PRIORE 2001, p.53).
Cunha (1999) busca resgatar na história do país, a educação da criança negra, fazendo referência a Lei do Ventre Livre, a qual destinava a liberdade às crianças nascidas de escravas e instrução escolar das mesmas. O autor cita a carta de uma migrante russa escrita em 1882, que faz menção ao contexto da época em relação a vigência da referida lei. Vejamos:
[...] os brasileiros deveriam organizar entre seu próprio povo uma classe operária que ainda não possuem, como também criar a classe dos artesões: alcançariam esse fim com êxito, se encaminhassem as crianças pretas libertas para exercer um oficio regular. Mas acontece justamente ao contrário. A lei de emancipação de 28 de setembro de 1871 determina entre outras coisas aos senhores de escravos que mandem ensinar a ler e a escrever a todas as crianças. Em todo o Império, porém, não existem talvez nem dez casas onde essa imposição seja atendida. Nas fazendas sua execução é quase impossível. No interior, não há mestres-escolas rurais como na nossa terra, e assim sendo o fazendeiro ver-se-ia obrigado a mandar selar vinte a cinqüenta animais para levar os pretinhos à vila mais próxima geralmente muito distante; ou então teriam de manter um professor especial para essa meninada?...Essas questões apresentam diversas soluções, mas o fato é que ninguém aqui faz coisa alguma, de maneira que as crianças nascem livres, mas crescem sem instrução e no futuro estarão no mesmo nível dos selvagens, sem gozar nem mesmo das vantagens dos escravos, que aprendem este ou aquele trabalho material. Se já estão livres por que fazer despesas com eles, desperdiçar o dinheiro com quem não dará lucro? [...] (p. 74-75).

Ainda que pouco estudada, a história do negro na educação, mesmo que através de uma fresta do ontem, nos informam sobre as condições da criança negra na época. Para, além disso, elas evidenciam algo muito importante, o papel pensado para o negro neste país. Dentre outros fatores, parece que essas situações circunscreveram o início das desigualdades raciais na educação. Contudo, também é importante salientar, que de variadas formas os negros no período escravocrata principalmente, os africanos e descentes livres, forjaram alternativas para conseguirem a instrução.
Sobre a presença negra na escola no período escravista, Cunha (1999) o mesmo autor acima citado, salienta que ainda no Segundo Reinado, aos negros livres era possível acesso a instrução pública primária. Embora, isso não se dava de forma rigorosa e respeitada, muitos negros livres conseguiram garantir instrução escolar para si e sua prole. É nas últimas décadas anteriores a abolição e pós-emancipação que avança a presença de negros livres na escola, contudo, isso não significou facilidade de inclusão, bem como não significou que as relações entre negros e brancos não fossem hierarquizadas, em decorrência das teorias racistas.
Devemos considerar que a criança é reprodutora e produtora da cultura do meio social da qual ela faz parte. Esse espaço é compartilhado entre as crianças e adultos, de maneira relativizada elas (re) elaboram parte do sistema simbólico, expressando o que os adultos muitas vezes não verbalizam.
Na educação a leitura da criança sobre o mundo que acerca, perpassa muitas vezes pelas histórias infantis, pelo brinquedo e pelo brincar. Elementos como brinquedos, cantigas infantis aparentemente inocentes, podem ser repertórios de símbolos, modelos, estigmas que marcam a reprodução das desigualdades. .
Com isso queremos mostrar o quanto das reproduções do racismo, está permeado na relação adulto ? criança. No entanto, a educação pode auxiliar na quebra dessas reproduções.
Vamos então, discutir as questões pedagógicas no trato das diferenças raciais na educação infantil. Primeiro pergunta-se: Por que é importante tratar das relações raciais na educação infantil?
Começaremos partindo da finalidade da Educação Infantil. Nessa modalidade de educação é indissociável o cuidado e a educação no atendimento às crianças . A ação educativa nessa fase preocupa-se com "o desenvolvimento integral da 0 criança até 6 anos de idade em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade" .
Para Rocha (1999) as crianças de 0 a 06 anos são os sujeitos da educação infantil e o objeto de suas ações, são as relações educativas ocorridas num espaço de convívio coletivo.
Nesse sentido a interação social nesse processo educativo ganha uma dimensão ainda maior, considerando que as relações estabelecidas são numa fase de desenvolvimento humano extremamente importante na apropriação e construção de significados sobre o meio social que a criança está inserida.
Deparamos aqui, com a resposta sobre a importância das questões raciais na educação infantil, consiste exatamente na grande atividade dispensada a educação da infância no convívio com os outros. Então, um terreno muito fértil de aprendizados mais focalizado na (re) elaboração de sentimentos, idéias e percepções, positiva sobre si e sobre o outro. Souza [et. al...] salienta que a educação anti-racista deve ter início cedo, para a autora da mesma forma que as identidades de gênero começam na tenra infância, ocorrem com as questões raciais, que também são explorados, negociados enquanto percepção no mundo social infantil
A autora sugere que basta relembrar o nosso período de infância no ambiente educativo, que pode-se ver a negação do negro através do acervo de brinquedos e brincadeiras a disposição das crianças:
 a falta de bonecas negras, quando tem as bonecas são escurecidas dentro de um padrão branco de beleza (não cabelo liso,
 desproporção nos gibis de representatividade negra em relação as personagens brancas;
 personagens negros em papeis secundários e estereotipados na literatura infantil;
 cantigas que reproduzem estigmas em relação ao negro , como O Boi da Cara Preta, Pai Francisco .
A nossa perspectiva aqui, é que nesses primeiros anos de vida das crianças na Educação infantil, possa ser estimulada a convivência com a diversidade étnico-racial e garantir um espaço educativo que represente a diversidade, a imagem positiva dos negros, indígenas e descendentes. Nesse sentido, a ornamentação dos espaços das creches e escolas devem contemplar imagens de crianças e famílias negras, indígenas, asiáticas e outros grupos étnicos é essencial para auxiliar na construção da afirmação identitária das crianças.
Em se tratando das relações estabelecidas na Educação Infantil, as ações educativas devem privilegiar contatos, referências positivas através de elogios às diferenças, atentar para a igual distribuição de afeto, carinho e cuidado, usar muito da oralidade, do "contar história" que incluam personagens e elementos culturais afro-brasileiros e africanos.
Lima (2005) ao orientar sobre abordagem da história e cultura negra na Educação Infantil sugere que é importante disseminar atitudes positivas em relação ao segmento negro, utilizando-se "do lúdico e do afeto, estimular o contato, a admiração, o encanto pela estética e pelo imaginário africano e afro-descendente. Brincadeiras e brinquedos, cantigas e muita ?contação? de histórias que falem, lembrem e se refiram ao mundo negro servirão como meios para romper ou evitar que se construam barreiras e preconceitos".
Enfim, a Educação infantil tem como foco principal aprimorar a sociabilidade das crianças, os seus conteúdos podem e devem auxiliar no processo de educação das relações étnico-raciais. Devem-se introduzir na ação educativa que auxilie na aprendizagem sobre a diversidade tais como:
? Atividades de expressão oral: historinhas com personagens negros abordados de forma positiva; músicas, recitação de versos dramatizações e poemas que falem aborde de forma positiva a estética e cultura negra e ou personagens negros;
? Incluir positivamente personagens negros, os elementos culturais de matriz africana;
? Introduzir jogos e brincadeiras, colocando a disposição das crianças objetos, blocos lógicos com imagem, desenhos, figuras geométricas que envolvam o universo cultural (afro-brasileiro e indígena) e étnico-racial da sociedade;
? Desenvolver trabalhos de corporeidade, conduzindo conhecimento e reconhecimento positivo das diferenças étnico-racial;
? Cooperação, solidariedade, respeito ? estimular essas atitudes e práticas a todos, desenvolvendo atividades lúdicas que integram, provocando aprendizados
? Incluir bonecas negras para as crianças brincarem;
? Orrnamentar o espaço escolar deve contemplar a diversidade étnico-racial e cultural presente na sociedade brasileira;
? Contar histórias infantis que trazem personagens negros/as com papéis centrais na estória e que exaltem positivamente o fenótipo negro;
? Estimular afetividade desenvolvendo brincadeira que oportunizem toques, abraços;
? Produzir estórias infantis incluindo personagens que contemple realidade pluri-étnica do estado;
? Recorrer a mitologia africana e indígena na "contação" de história e até mesmo encenação, visando introduzir a cultura dos grupos étnicos importantes para a formação do povo brasileira, etc.

Bibliografia:
RIZZINI, Irma. (org.) Crianças desvalidas, indígenas e negras no Brasil : cenas da Colônia, do Império e da República. Rio de Janeiro: USU, Ed. Universitária. 2000.
DEL PRIORI, Mary. "O papel branco, a infância e os jesuítas na Colônia". In: História da Criança no Brasil. São Paulo: Contexto, 1991.
PRIORE, Mary Del. A criança negra no Brasil. In:. Marco A Pamplona (org). Escravidão, Exclusão e Cidadania. Rio de Janeiro: Acces, 2001.
CUNHA Jr. Henrique. Pesquisas educacionais em temas de interesse dos afrodescendentes. In: Lima, Ivan Costa et. al.(Orgs) Os negros e a escola brasileira. Florianópolis, Nº 6, Núcleo de Estudos Negros/ NEN, 1999.
CUNHA, P. M. C. da. Da senzala à sala de aula: como o negro chegou à escola. In: OLIVEIRA, I. (cord.) Relações raciais no Brasil: alguns determinantes. Niterói: intertexto, 1999.
SANTOS. Ângela Maria do. Falando sobre Cor/Raça em sala de aula. In: Trabalhando as Diferenças na Educação Básica: Lei 10.639/03 no município de Cuiabá. Cuiabá-MT: Documenta ?NEPRE/UFMT, 2006.
SOUZA Ana Lúcia Silva [et al...]. O que os brinquedos estão falando? Brasília: Fundação Cultural Palmares,2005.
LIMA, Mônica. Fazendo soar os tambores: o ensino de História da África e dos africanos no Brasil. Cadernos Penesb/UFF: 2005.
LIMA, Mônica. Como os tantãs na floresta: Reflexões sobre o ensino de História da África e dos africanos no Brasil. In: Saberes e fazeres, v.1 : modos de ver / coordenação do projeto Ana Paula Brandão. A cor da Cultuura - Rio de Janeiro : Fundação Roberto Marinho, 2006