Palavras- chaves: representação feminina, conto de fadas, mulher moderna

1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa será realizada do ponto de visita crítico-construtivo para mostrar como a "princesa" frágil e delicada dos contos desponta-se na obra valente, destemida e desafiadora. Assim este trabalho levanta o problema: como a representação feminina no conto de fadas moderno fílmico está atrelada aos estereótipos da mulher do século XXI?  E supõe algumas hipóteses:  Percebe-se que no conto de fadas fílmico os personagens   femininos     demonstram

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1.Trabalho apresentado como requisito da disciplina Prática de Pesquisa de Língua Portuguesa e Literatura ministrada pela Profª Drª Vânia Torga. .

2. Discente do Curso de Letras da Universidade Estadual de Santa Cruz 2008/1

certa rebeldia, sendo corajosas e destemidas. Que as princesas tornam-se mais independentes, desprovidas de fragilidade e lutam com sagacidade em prol dos seus objetivos. Assim, as novas

princesas representadas na obra têm a identidade alterada para abarcar o novo papel da mulher, trabalhadora, competente, determinada, politicamente alfabetizada, em contraponto com a mulher de outras décadas, muito fragilizada, dedicada à prole tendo como objetivo a auto-sustentação do homem (príncipe). Dessa forma, a necessidade de especular o comportamento das princesas do século XXI, estabelecendo um paralelo com a mulher moderna, faz-se necessária pela dificuldade em problematizar a questão de gênero em estórias moralistas.

 No conto tradicional a mulher era vista como símbolo de fragilidade sendo totalmente dependente do homem para resgatá-la do perigo, desprovida de autonomia, tendo as características esperadas ou próprias de algumas mulheres que submissas ao discurso "machista" do sistema, reprimiram suas conquistas e a luta pelos seus próprios ideais. Contudo, entendemos que a representação feminina na obra indica a possível leitura do perfil das espectadoras que a partir da construção do imaginário percebe e identifica as semelhanças vivenciadas em seu cotidiano, com os valores e idéias construídos no enredo.

2 REVISÃO DE LITERATURA

A representação feminina nos contos de fadas modernos revela a mudança ocorrida em nossa sociedade referente aos valores da mulher que salta da redoma composta pela família e o "machismo' e se desponta como líder de suas atitudes". A mulher moderna assume novas responsabilidades igualitárias às masculinas, tanto no campo profissional como no pessoal e sexual, que outrora esse posicionamento fora reprimido pela ideologia grotesca de que a mulher deveria ser submissa totalmente a figura do homem.

           Nesse contexto, as mudanças ocorridas no universo feminino do século XXI contribuem para a afirmação do gênero, tendo identidade definida e posta como sujeito transformador e questionador da ideologia dominante, contrapondo dessa forma os indivíduos que se atrelam ao tradicional, como válvula de dominação. Segundo Neuls entendemos:

O gênero como constituinte das identidades do sujeito, da mesma forma que a etnia, a classe. A raça e outros marcadores sociais. Diferentes instituições e práticas sociais são constituídas por e constituintes dos gêneros. Do mesmo modo, entendemos que as identidades são instáveis, móveis plurais e até contraditórias. (Neuls, 2002,2) 

O gênero como constituinte de identidade do sujeito nos revela a mutação que pode ocorrer no perfil dos contos de fadas que permeiam o imaginário das leitoras, e espectadoras do nosso século. Tendo como ponto de partida a ruptura com os estereótipos rotulados á mulher. Estes nos mostram personagens femininas totalmente contrárias ao discurso ideológico de outrora. Temos nessas estórias o reflexo da emancipação feminina. Sendo assim, estes personagens caracterizam-se como: rebeldes, inteligentes, corajosas, guerreiras e destemidas que fazem das suas ações a ruptura direta com o tradicional. Segundo Barragan: " Concordando com Pierre Bourdieu é na literatura que se expressa concretamente a visão de mundo de uma geração ou de uma época".

A autonomia feminina não foi um processo rápido, foi ao longo das décadas sendo construído, devido a grande instabilidade econômica vivenciada em muitos paises, houve uma mudança na postura social das mulheres, movidas pelas necessidades de sobrevivência de seus lares e, em número cada vez maior, responsáveis pela chefia das famílias.

A independência financeira também resultou na libertação cultural, muitas mulheres que antes eram apenas donas de casa, passaram a serem operárias com grande potencial, disputando vagas de empregos com homens, os quais possuem a ideologia dominante do "machismo". A mulher para estes, passa a ser um mero objeto de uso, sem valor e direitos, e a convivência  com estas em um mesmo espaço de trabalho acarreta um fúria generalizada que desencadeia o desrespeito moral e  assedio sexual. Segundo Silvia Gattai  nos diz:

O velho estereótipo da mulher que consegue sobressair-se no mercado de trabalho porque é "bonita e gostosa" e faz questão de mostrar os seus dotes naturais fica cada vez mais restrito ao mundo do show bussines (vide Carla Perez). Aquela imagem da secretária que mostra os seios e coxas e depois chora porque foi assediada sexualmente tende, cada vez mais, a fazer parte do passado. ( Gattai,1999 ,1).

As mudanças  ocorridas em nossa sociedade nos últimos tempos modificaram também o modo de ser de agir e pensar dos indivíduos,principalmente no que tange o universo feminino, Assim , em revolução massiva sobre seus direitos, buscaram emanciparem dos lares em busca de empregos , sendo chefes de famílias indo em busca de seu espaço no mercado trabalho competitivo e desigual marcado por grandes restrições e profundas humilhações. Segundo a autora Solange Sanches nos diz:

"As mulheres lançaram-se à conquista do espaço público, antes exclusivo para os homens, e empreenderam uma longa jornada pela construção de sua própria independência: financeira, profissional e pessoal. Nessa trajetória, foram decisivas as ações individuais, de todas aquelas que se lançaram sobre os desafios de uma carreira profissional, da atuação política e à chefia de suas famílias. Mas ainda mais decisiva foi a crescente organização das mulheres nos movimentos sociais e políticos, particularmente no movimento sindical." ( SANCHES,2003,5),

Neste contexto narrativo entendemos o conto de fadas fílmico e moderno como uma releitura dos contos tradicionais. Desta forma verificamos em obras cinematográficas a intertextualidade que desponta como recurso literário para toda e qualquer produção humana. Sendo assim, um texto  a ser lido sempre representa o discurso de um outro texto que tenha se esvaído, e assim afirmamos que em sua essência configura, a sociedade e  a  cultura sempre intertextual.

3 SINOPSE DO FILME

O rei Harold , pai de Fiona, morre repentinamente. Com isto Shrek  precisa ser coroado rei, algo que ele jamais pensou em ser, juntamente com o Burro e o Gato de Botas, ele precisa encontrar alguém que possa substituí-lo no cargo de soberano do Reino de Tão, Tão Distante. O principal candidato é Artie , um cavaleiro fracassado e frouxo, que é primo de Fiona. Para voltar a viver em seu pântano com Fiona, Shrek precisa convencer Artie, o futuro Rei Arthur, a assumir o trono deixado por seu tio, o Rei Harold. Enquanto isso, Fiona  e as princesas dos contos de fadas estão sozinhas no reino de Tão, Tão Distante e o Príncipe Encantado tenta aplicar um golpe de estado com a ajuda de uma horda de vilões dos contos.

4 AS  PRINCESAS MODERNAS: O MATRIMÔNIO

Após a ida de Shrek a busca do novo rei, as princesas ficam sozinhas , Fiona grávida espera ansiosa pelo regresso do Shrek. Neste momento podemos perceber a intensidade do amor entre o casal. Para  a mulher moderna o matrimonio ainda continua sendo um momento decisivo em sua vida.

" Fiona: olhe só mais alguns dias estaremos em casa em nossa casa. Nossa cabana cheia de minhoca coberta de mofo, com aquele cheiro podre de lama e lixo quem sabe com uns barulhinhos pezinhos no chão" ( Shrek Terceiro,2007)

"O casamento após o surgimento do amor romântico ( a partir do século XVII ) tornou-se uma maneira de realizar a necessidade afetiva, e não mais um meio de enriquecer e ajuntar, que oferecidos em dotes políticos  e heranças". ( Damasceno, Louro,2008,2).

Contudo com autonomia feminina, sendo a mulher não mais submissa ao pai e marido, oprimida, reprodutora e rainha do lar, mas engajada política, econômica e socialmente, e acima de tudo romântica. Assim. Concebe a relação a dois de forma harmoniosa e racional. Em seu cotidiano, mostram a sensualidade, concebendo o matrimonio como complemento da vida não o centro, tendo ideais libertários da repressão feminina procuram viver segundo suas próprias escolhas, quebrando paradigmas e preceitos.

4.1 AS  PRINCESAS MODERNAS: A MATERNIDADE

A realização como mulher madura e fértil, tendo a maternidade como momento de reflexão e satisfação, diferente de outrora. Nossa era não aliena a mulher apenas ao papel de mulher e dona do lar, a vida conturbada, entre trabalho, família faz com que seja prática e ágil, tendo que cuidar de si mesma e da família.

Na analise feita no filme percebemos esta semelhança, em uma das cenas que apresentam as princesas. Fiona esposa do Shrek está em seu quarto, quando é acordada com o canto dos passarinhos trazendo uma coroa de flores,e todas as princesas estão ao seu arredor com lindos presentes para o bebe que ela esta esperando: Rapunzel, Branca de Neve, Cinderela, e a Rainha mãe: reunidas entregam os presentes e expõe o pensamento sobre o casamento e a maternidade:

 

"Bela"... Fiona de quem é este? Branca o meu é maior porque gosto mais de você... Fiona; O que? Acha a caixa enorme demais e tem dentro um anãozinho.

Branca é uma mini-baba.. Fiona: o que ele faz? Branca: brinca, alimenta, faz arrotar... Fiona: o que eu e o shrek vamos fazer? Rapunzel: cuidar do casamento... Rapunzel; fala sério Fiona..você sabe o que rola? Vai ficar cansada o tempo todo... Começa a se descuidar, marcas de estrias, diga adeus ao romance. (Shrek Terceiro, 2007).

4.2 AS PRINCESAS NO CAMPO POLÍTICO: O ROMPIMENTO COM O TRADICIONAL

Em outra cena, a relação ocorre no campo do "ser mulher" racional e politicamente instruída, revelam seus anseios femininos como: vaidade, inveja e o egocentrismo imprescindível para a sobrevivência nos grandes centros urbanos. As princesas em meio ao golpe de estado provocado pelo encantado, tentam escapar pelos bueiros do castelo e salva o reino.

"Branca: Este lugar não é para mim"! Rapunzel: tudo tem que girar em torno de você, essa atitude não ajuda. Branca: acho que tem inveja de eu ter sido votada a mais bela daqui... Naquela eleição manipulada. Branca: dá um tempo Rapunzel, há tempos não joga seu mega-hair. Branca: não sei se vou agüentar este lugar fedorento... (Shrek terceiro, 2007)

"Se ficássemos no castelo nada disso teria acontecido, estaríamos lá tomando chá em xícaras de coração e comendo tortinhas de amoras"... Cinderela: ninguém se importa em que vai governar o reino? Fiona: eu me importo, todas vocês deviam se importar... Branca: muito bem damas em suas posições... Fiona: O que esta fazendo Cinderela? Cinderela: O que podemos fazer somos só princesas super-gostosas... (Shrek Terceiro, 2007)

Assim sendo as mulheres por caminhos lentos e nem sempre indicados, percorridos com lagrimas, foram conquistando seu espaço no seio da família e da sociedade, tal competência e espírito de luta com que se houveram na reivindicação  de seus direitos de igualdade.

 

 

4.3 AS PRINCESAS NO CAMPO POLÍTICO: REVOLUÇÃO FEMININA

O movimento feminista que estava sendo organizado nos Estados Unidos e Europa, tiveram um denominador comum das lutas feministas sendo o questionamento da divisão tradicional dos papeis sociais, como recusa da visão da mulher como o "segundo sexo" ou o "sexo frágil cujo principal papel é o de "esposa- mãe",

 Neste período do feminismo, as  mulheres viveram com intensidade o dilema de mudar ou permanecer coexistindo um padrão tradicional de ser mulher ( virgem e esposa-mãe ) voltado para o mundo domestico, e um novo modelo de mulher que trabalha, que atua politicamente que busca o prazer sexual.( Goldenberg,2008,2).

Dessa forma na obra estes valores são expostos pelos personagens no momento em que decidem defender o seu reino do usurpador. As princesas iniciando com a Branca de Neve em sua revolta rasga a manga do vestido em símbolo á rebeldia; a Bela rasga a saia, e a rainha traça duas linhas no rosto com o batom parecendo um guerreiro frente ao campo de batalha, Cinderela amola os sapatinhos de cristal tornando-os uma arma mortal, e juntam em movimento simbólico á revolução feminina e queimam os sutiãs e entoam o grito de guerra.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a organização de todos os dados coletados durante a pesquisa (leitura de diversos textos, ter assistido o filme e selecionado trechos do filme), procuramos através do uso de procedimentos analíticos, verificar a pertinência das questões selecionadas frente as características específicas da situação estudada para que pudéssemos fazer uma análise minuciosa.

Durante todo o processo de análise recorremos a reflexões de diversos autores, por considerarmos suas colocações de relevante pertinência ao posicionamento que aqui assumimos.

Em nossa pesquisa quando falamos sobre As princesas do século XXI: A representação feminina no filme Shrek III de Walt Disney, pensamos em refletir sobre como esta estar atrelada aos estereótipos da mulher do século XXI.

A partir desta perspectiva que nos situamos percebemos que a mulher conquistou seu lugar de destaque na sociedade, papel este que cada segmento deve tornar concreto através da valorização e igualdade de direitos nos variados aspectos. Afinal, a figura feminina que antes era  tão fragilizada foi tomando consciência de sua força e capacidade, vencendo seus medos, suas inseguranças e ocupando um espaço que antes não lhe era permitido.

Assim sendo, podemos afirmar que a princesa deixou de ser uma figura decorativa e submissa. Agora, mostra-se segura de si, podendo escolher seu próprio destino e pretendentes, sendo corajosa e assumindo o seu lado individual, criativo, crítico e sensual. Mostrando-se questionadora de suas posições e atitudes,  comprometida e participante ativa das decisões referente a construção de uma nova sociedade mais igualitária quanto aos direitos de homens e mulheres.

É nesse contexto que a mulher deve conduzir seus novos caminhos na sociedade, adequando-se as novas situações a elas impostas tanto no campo social como afetivo e profissional. Esta é uma forma de aproximação ao universo daqueles a que se destina.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARRAGAN, Luciane Danelli; o papel da mulher na literatura infantil; ela menina, mãe e avó. 2001

  DAMASCENO, Elenise, LOURO, Maria Luisa: para além dos contos de fadas o ideal e o real pensamento das mulheres sobre o casamento. Web,2008

GATTAI, Silvia: a mulher no mercado de trabalho em mutação.in web, www.mulher.com.br ,1999

GOLDENBERG, Mirian: estudos e pesquisa em psicologia:in web: www.revispsi.uerj.br

NEULS, VIDAL, Janaína Souza e Fernanda Fornari: Contos de fadas modernos: ensinando modos de ser homem e de ser mulher. UFRGS, 2002

 SANCHES, Solange: O Trabalho da Mulher e as negociações internacionais. Vol 1 São Paulo,2003