João Cavalcante Filho*

Este texto tem a intenção de discutir acerca das propostas teóricas e metodológicas acerca da leitura na escola. Percebe-se ainda um grande desconhecimento por parte dos/das professores/as acerca da importância da leitura como ferramenta de aprendizagem. Ler compreende muito mais do que simples decodificação de caracteres impressos no papel ou outro material portador de leitura.
As práticas de leitura participam ativamente nas diversas dimensões sociais ? família, emprego, escola etc. A possibilidade de ler torna-nos mais próximos da realidade social. O educador Paulo Freire sempre defendeu a articulação da palavra ao cotidiano, às múltiplas linguagens e sentidos de uma leitura crítica da realidade social (Freire, 1984).
Em Silva (1983), encontramos a importância do ato de ler como uma das conquistas da espécie humana em seu processo de hominização, pois toda sociedade, nas suas diferentes etapas evolutivas, produz uma memória, isto é, das ideias, instrumentos e técnicas produzidos e conservados pelo homem. (...)
Paro o mesmo autor, por ser um instrumento de aquisição e transformação do conhecimento, a leitura, se levada a efeito de crítica e reflexivamente, levanta-se como um trabalho de combate à alienação (não racionalidade), capaz de facilitar ao gênero humano a realização de sua plenitude (liberdade).
Vivemos tempos de uso contínuo das tecnologias de informação e comunicação. A leitura da TV, do computador, da Internet etc. possibilita a abertura de um mundo ainda a ser maior explorado para as aprendizagens na escola e fora dela, de discussão e apreensão de valores sociais discutidos na atualidade. Leite (1998) nos lembra da importância de lermos e escrevermos na e pela televisão, na e pela fotografia, no e pelo livro, ler e escrever no computador, que não são a mesma coisa, mas tornaram-se aprendizados imprescindíveis de investimento pessoal e cultural.
A partir da década de 1970, a leitura se tornou um campo de investigação de linha teórica e metodológica, desligando-se das teorias da alfabetização e da aprendizagem da escrita. Esse fato se deu pelos recentes estudos linguísticos de outros países, como também pelo interesse de ciências afins preocupadas em aprofundar estudos sobre o fenômeno "crise da leitura", como a Psicologia, a Antropologia, a Sociologia e a História, que juntamente com o campo da Educação, concorreram para avaliar e propor mudanças na instituição que detinha o poder da leitura e escrita: a escola (Lopes, 1998).
Maria (2002) tem a mesma opinião ao salientar que a Revolução Tecnológica do século XX exige a formação de um novo homem ? não mais um semi-alfabetizado que entenda de operar mecanicamente alavancas. São requisitos imprescindíveis um trabalhador que saiba interagir com a máquina, inserir dados, reagindo a cada etapa do processo, realizando leituras corretas das situações com agilidade mental para agir no momento exato.
No Brasil, são inúmeras as dificuldades para a efetivação da cidadania firmada em um modelo democrático de acesso à educação de qualidade, ao lazer saudável e a cultura como manifestação popular. Sem dúvida, um dos direitos mais negados na aquisição da cidadania brasileira é o de aprender a ler e escrever. Um direito que leva aos demais, propondo um acesso aos bens culturais e à possibilidade de inclusão social das classes trabalhadoras.
Segundo estimativas, há cerca de 15 milhões de analfabetos no Brasil, fato que desafia o governo e sociedade civil a tomar posição de vencer o atraso cultural, as desigualdades econômicas regionais e, consequentemente, a exclusão social. A escola possui grande papel de instituição socializadora, que contempla as diferentes idiossincrasias presentes na sociedade brasileira. Leite (Op. Cit.) declara o insucesso da escola em não promover o acesso da grande maioria às facilidades da vida moderna e, apesar de não ser a única responsável por tudo isso, tem grande parcela de culpa na exclusão da maioria às comodidades modernas.
Para Santos (2001), a escola, através de suas rotinas, tradições, da forma como organiza o ensino e o avalia, reforçam as discriminações sociais e culturais, atribuindo o baixo desempenho escolar às crianças das camadas populares a questões de desempenho de socialização, como problemas relacionados ao desenvolvimento da linguagem, as experiências vivenciadas, a falta de acesso a bens culturais, dentre outros.
Ainda percebe-se o desprezo por materiais portadores de leitura na práxis escolar como jornais, revistas, livros literários, histórias em quadrinhos, textos de propaganda e outros. A prática na sala de aula baseia-se na utilização do livro didático ou de apostilas, retratando um ensino fragmentado na reflexão do trabalho docente.
A leitura possui múltiplos valores em nossa cultura. Entretanto, a posse e o uso da leitura e da escrita ainda são privilégios das classes sociais mais abastadas, que determinam a utilização da norma culta como passaporte indispensável ao acesso de bens culturais de ampliação da elitização do saber. Para as classes populares, a leitura funciona como instrumento de obter melhores condições de vida, ressaltando-se aí sua função utilitária (Lopes; Mendonça, 1998).
É importante ressaltar os trabalhos de diversos autores que defendem a leitura na escola como importante tarefa de acesso ao saber e à vida como Freire (1983), Kramer (1999), Ferreiro (2002), Silva (1983; 2003), Geraldi (2001), Lajolo e Zilberman (1991), Maria (2002), Cosson (2006), Rangel (2005), Amarilha (2006) e Moraes (2000) dentre outros. Estes estudos seguem perspectivas diversas na orientação de propostas de leitura ? linguística, psicológica, pedagógica ou social.
Nessa ordem, ler na perspectiva da escola tem a conotação de silêncio, de tarefas de leitura rotineiras e livrescas de caráter didático, que em nada contribui para um avanço sociocultural do processo de aprender e ensinar na escola.
Segundo Fagundes (1986), os que permanecem analfabetos, em nossa cultura, ficam incapacitados de interagir com o conhecimento acumulado ao longo dos tempos, impedidos de fazer bom uso desse conhecimento e ficam, dessa forma, impossibilitados de julgar os valores sociais hegemônicos e de tomar decisões importantes.
Nessa perspectiva, a leitura passa a ser tratada como meio "utilitarista", em um ciclo vicioso de reprodução de práticas que levam ao fracasso da escola, isto porque a leitura de fruição, de prazer não é considerada veículo de aprendizagem.
Para a mestranda em educação Tatiana Monteiro (2004), criou-se um impasse na relação com a leitura intra-escolar, pois aquilo que os alunos gostam de ler é ignorado ou repudiado como subliteratura, e aquilo que a escola defende como leitura adequada é imposta aos alunos de forma obrigatória, o que permite concluir que essa tomada de posição da instituição escolar tem se constituído como impeditivo de formação de novos leitores.
A cultura escolar ainda possui características autoritárias quando impõe um modelo de educação, homem e sociedade baseado na discriminação das camadas populares ao saber. A imposição da cultura dominante faz descontextualizar as culturas rurais e populares, presentes no espaço urbano e referência de muitas famílias na transmissão de valores sociais repassados de geração a geração. Portando, não aprender a ler na escola pode significar uma forma de resistência da criança das classes trabalhadoras ao tomar posição de defesa frente às práticas de hegemonia e autoritarismo (Mota, 2004).
Freire (In Zaccur, Apud Leite, 1999), nos fala da dicotomia entre a leitura da palavra e a leitura do mundo quando reconhece que a escola está aumentando a distância entre as palavras que lemos e o mundo em que vivemos, pois ler na escola é estar sempre ligado ao mundo social, dos fatos e eventos vivos, o mundo das lutas, das discriminações e da crise econômica, mas a escola não faz essa interação, pois ela somente pede aos alunos que leiam palavras sem conexão com o mundo da experiência e o mundo da experiência é silenciado sem seus textos críticos próprios.
Cosson (2006) nos faz pensar a respeito do papel dos textos literários. Pois o leitor não nasce feito ou que o simples fato de saber ler não transforma o indivíduo em leitor maduro, mas somente quando somos desafiados por leituras progressivamente complexas. E é papel do professor partir daquilo que o aluno já sabe para aquilo que ele desconhece, a fim de proporcionar seu crescimento por meio de seus horizontes de leitura.
Nesses termos, fica claro que a escola não tem uma ação neutra na sociedade liberal contemporânea. Nem a linguagem segue uma trilha de reflexão baseada na neutralidade social e científica. Para o estudioso russo Bakhtin (1895-1975), a linguagem é um espaço de confronto ideológico, pois os processos que a constituem têm caracteres histórico-sociais, e a palavra está repleta de conteúdo ideológico que vai constituindo as relações entre as pessoas, vai marcando as leis, as instituições, os discursos, as verdades, as mentiras, conceito de certo e errado, do que pode ser dito, dependendo do lugar social ocupado pelo enunciador (Padilha, 2004).
Para Vygotsky, a criação e uso dos signos ? a linguagem, a escrita, o sistema numérico ? é pensado como instrumento social ao longo de sua história. A internalização desses signos provoca mudanças no comportamento social e cultural do ser humano. Para Vygotsky, o desenvolvimento é pré-requisito para a aprendizagem do sujeito e a linguagem é uma força mediadora de troca de significados intra e interpessoais, a chamada tese da mediação semiótica.
Para finalizar acreditamos no poder da palavra, do diálogo com outros colegas de profissão, com alunos e comunidade em busca de soluções às problemáticas da falta de leitura na escola. O professor/a desempenha importante papel ao difundir a leitura como proposta pedagógica de elaboração e transformação de saberes. A leitura poderá contribuir com o ensino, a fim de formar leitores competentes e compromissados com a transformação social, a começar pelo entorno escolar. Essa é a nossa esperança.


*João Cavalcante Filho é licenciado em Pedagogia pela Ufam (1999), especialista em Educação (2003) e professor da rede estadual de ensino (Seduc-Am), lotado na Escola Estadual Ruy Araújo/Antenor Sarmento (Distrito Sul I).





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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