Introdução

O Brasil ensaia aproximação com a União Européia faz tempo. É urgente analisar a questão com a atenção que merece, afinal de contas as possibilidades de negócios divulgadas freqüentemente pela mídia em geral parecem-me um pouco equivocadas. Oportunidades existem, entretanto, do cru realismo dos fatos, extrai-se que essas oportunidades estão favoráveis à Comunidade Européia, mas não ao Brasil.

Há uma relação de comércio internacional muito antiga, que nos remete aos tempos negros da colonização e da irracional exploração de terras outras, já ocupadas. Aliás, o capitalismo nessa época constrói as bases de seu sustento e desenvolvimento. Essas bases, sólidas, estão apoiadas em dois aspectos: o primeiro, pelo uso de recursos naturais e humanos a baixos preços; o segundo, pela formação de mercados de consumo sem o que não seria possível a expansão do processo. Esses dois aspectos, inequivocadamente estão mantidos até os tempos atuais.

Verifica-se que no decorrer dessa fase de construção do capitalismo, os países ricos, à medida que se fixavam nas colônias, iam também estabelecendo novos padrões de produção e consumo e, claro, novos padrões sócio-econômicos. Especialmente na fase de industrialização, Revolução Industrial, século XVIII, há um fenômeno comum e, ao mesmo tempo, cruel: o de pessoas para fora e de mercadorias para dentro. Toda economia passa por essa fase.

Quando a produção artesanal, aos poucos, é abandonada para dar lugar a processos de produção mecanizados, o desemprego é inevitável especialmente porque essa mecanização irá também ocorrer na produção agrícola. Então, o desemprego ocorre nos centros mais urbanizados e no campo. Quando o deslocamento de pessoas do campo se dá em direção aos centros urbanos à procura de emprego, a massa de desempregados torna-se colossal - Liverpool, na Inglaterra, foi um caos. É exatamente aí que os grandes contingentes populacionais deslocam-se para outras regiões, a fim de ocupar outras terras e começar nova vida. Assim foi nos Estados Unidos com os ingleses e no sul do Brasil, por exemplo, com os italianos e alemães. São estas, as conhecidas colônias de povoamento.

O mais importante aqui é lembrar que todo esse processo que atendeu ao interesse industrial inglês, obedeceu aos princípios da pilhagem inicial de recursos, necessária a essa fase: barateavam-se os custos de produção, especialmente a mão-de-obra com a escravatura e extraíam-se recursos das colônias de exploração a baixos preços, para alimentar o maquinário. O sul dos Estados Unidos fornecia algodão aos teares ingleses com mão-de-obra escrava.

Essas impressões iniciais são importantes a fim de justificar o proceder das nações ricas em relação às pobres. Não haverá "abertura de mercado" das economias ricas para facilitar a entrada de bens ou serviços oriundos do Terceiro Mundo, a não ser que haja extrema necessidade, como é o caso da produção do suco de laranja nos Estados Unidos. O que haverá, como sempre houve, é cada vez mais pressão das nações ricas para abrir os mercados dos países pobres.

A União Européia

A formação da União Européia se deu em 1951 com o Tratado de Paris, seguido pelo Tratado de Roma de 1957, que instituiu a Comunidade Econômica Européia. Outros tratados foram sendo firmados de forma a incluir também a participação de outros países até evoluir finalmente para União Européia, com hino e bandeira próprios.

É preciso considerar que a evolução econômica da Europa se dá em conjunto com o restante dos países ricos: Estados Unidos e Japão. É certo, também, que esse crescimento ocorre juntamente com a transferência das atividades produtivas para o Terceiro Mundo, a partir da década de cinqüenta. No Brasil, por exemplo, a partir de 1956 dentro do programa "Cinqüenta anos em cinco" tema de campanha de Juscelino Kubitschek, as empresas multinacionais - grande parte européias - passam a controlar setores estratégicos da economia nacional. Um impulso decisivo à entrega da economia nacional, foi dado com a abertura das importações no governo de Fernando Collor e devidamente sacramentado com as privatizações no governo Fernando Henrique. Tudo feito direitinho, como manda o manual - do FMI.

Quero ser enfático: não se pode deixar de levar em conta o histórico de formação das economias dos países ricos porque estão até hoje alicerçadas na mesma base de sua criação e desenvolvimento: o uso de matérias-primas a preços baixos e mercados de consumo assegurados no próprio Terceiro Mundo.

A União Européia forma-se porque é um conjunto de países ricos. Esse protecionismo aliás configura-se certo, porque a união desses países se deu em virtude da ameaça de invasão da economia norte-americana, além da ameaça comunista fortemente exercida pela União Soviética após o término da guerra. Foi estratégico e, ao mesmo tempo, natural; próprio de toda economia cuja formação girou em torno da proteção ao interesse local.

Com a criação da moeda própria - o Euro -, a União Européia cria uma economia fortíssima e competitiva. Isso, contudo, não deve ser confundido com abertura de mercado, porque é exatamente o contrário. Lembremos que ali estão presentes economias altamente criadoras de tecnologia, como a Alemanha, a França, a Itália, a Suíça e a Suécia. O PIB total gira em torno dos US$ 15 trilhões, a população está em torno dos 380 milhões de pessoas e os acordos, cada vez mais estreitos, facilitam dentro do possível o comércio local, ao mesmo tempo que reprimem conjuntamente a entrada de bens e serviços oriundos do estrangeiro.

O continente europeu, de toda forma, é uma agregação de países ricos que não são dependentes entre si do ponto de vista tecnológico e que possuem inúmeras restrições à entrada de bens ou serviços de seus vizinhos ou de qualquer outra parte do mundo. Países como Portugal ou Espanha, mais fracos em relação aos demais no quesito desenvolvimento tecnológico, acumulam riqueza o bastante para participar comercialmente com seus vizinhos e o resto do mundo. Aliás, os países europeus que nunca saíram a colonizar terras alheias são também ricos, porque ocorre aí uma espécie de "vasos comunicantes", isto é, à medida em que Portugal e Espanha saíram a campo colonizando, foram também trazendo riqueza para dentro de casa, mas também elevando o nível de renda de seus vizinhos por meio do comércio. Na sequência, dentro do mesmo processo, a Europa vai se enriquecendo porque a colonização ganha impulso, com investimentos estatais àqueles que queriam "arriscar": o italiano Cristóvão Colombo ganha investimento direto da coroa espanhola para se lançar além-mar. A França se lança no norte da África, de onde até hoje mantém seus poços de petróleo (Argélia, Elf) e a Alemanha, a Inglaterra, a Itália...

Assumindo uma posição mais próxima do que países ricos já fazem há tempos, a mão-de-obra expulsa do Terceiro Mundo pelo mesmo processo agora imigra com cada vez mais freqüência: a Comissão Européia estima que são cerca de 8 milhões de pessoas vivendo ilegalmente no bloco.

Por esse breve relato, levando-se em conta os aspectos gerais que mencionamos sobre a União Européia, resta difícil imaginar que o Brasil possa desenvolver um comércio mais estreito, mas que sobretudo se imponha a esse conjunto de países, praticando um pouco de austeridade nas negociações no que diz respeito a preços de matérias-primas, sejam as exportadas ou aquelas utilizadas pelas transnacionais e multinacionais internamente. O histórico de formação da economia brasileira, infelizmente, não lhe credencia a negociar em pé de igualdade; entretanto, isso pode ser conseguido quando haja unidade de propósitos da população, das empresas e do governo. Julgamos que isso seria possível somente com informação adequada.

Análise do cenário global: salários, China, UE, Brasil

A fórmula histórica que impôs sempre a exportação de matérias-primas e alimentos aos países ricos pelo Terceiro Mundo é simples: salários baixos, pesados subsídios estatais à produção, pesados investimentos aos transportes, geração de energia, tratamento de água e esgotos vão possibilitar a produção com custo baixo, mas lucros estupendos a essas empresas. Ao Estado, entretanto, as contas públicas vão resultar em gigantescos prejuízos, já que a tributação e a contratação de novos empréstimos não cobre jamais todo esse gasto, mesmo com os sucessivos recordes de arrecadação divulgados pela Receita Federal ano a ano. É oportuno aqui dizer que reforma tributária é algo utópico; bem ao contrário, o Estado precisa tributar sempre mais, a ter com que cobrir parte dos violentos gastos voltados ao esforço exportador.

O quadro se configura completo assim: as taxas de juros, sempre altas em relação ao estrangeiro, vão controlar a inflação uma vez que o consumo se retrai por conta dos financiamentos mais caros. Consumo retraído, inflação controlada. Além disso, as finanças internas gozam também de um pouco de solvência já que a taxa alta deverá atrair capital especulativo e então, abrem-se as portas mais folgadamente para exportar. Isso, aliás, chama-se Plano Real.

O tempo vai passando e o déficit público por essa prática irracional, aumentando. Para financiá-lo, o Estado emite títulos representativos da dívida que são comercializados pelos instituições financeiras, também atraídos pelas altas taxas, além de serem também negociados no estrangeiro. Tudo isso fica maravilhoso quando esses títulos vencem e o Estado se vê na obrigação de renegociá-los. De qualquer forma, essa renegociação deverá sempre resultar em uma tendência à manutenção do juro alto e mais tributação.

A China também possui muita mão-de-obra barata como o Brasil. Mas em termos de comércio internacional, são duas economias absolutamente distintas e - novamente - com históricos econômicos diametralmente opostos. É de se esperar que a China jamais deverá facilitar a entrada de produtos brasileiros ou de qualquer outro país. É uma economia protecionista, sem sombra de qualquer dúvida.

Além do mais, a China vive séculos de isolamento; quero dizer que não há estrutura administrativa favorável à intromissão de qualquer tipo naquele país. É bem o oposto. A China nunca foi colonizada; nunca foi invadida - embora tenha havido tentativa da parte do Japão - e, por essa razão, desenvolveu-se uma cultura própria que floresce a cada dia. Interromper esse processo é algo mais que impossível.

Historicamente, os mercados de consumo para os bens fabricados pelos países ricos estão no Terceiro Mundo e em nenhum lugar mais. A Princesa Isabel assina a Lei Áurea para formar mercado de consumo no Brasil, atendendo aos anseios e pressão da Inglaterra. Nunca se cogitou libertar os negros escravos por piedade. Pouco tempo depois, o Brasil gloriosamente importava até alfinetes, bem ao contrário de nosso vizinho guarani, o Paraguai, que fundou a primeira usina siderúrgica do hemisfério sul, em 1850 – a usina de Ibicuy. Nem mesmo enfrentando o Brasil, o Uruguai e a Argentina juntos na guerra da tríplice aliança, o Paraguai chegou a importar algo do estrangeiro, com fabricação própria de suas armas e navios. A importância da manutenção dos mercados de consumo dos países ricos no Terceiro Mundo via dependência tecnológica é tamanha, que o comissário de comércio da União Européia, Peter Mandelson queixou-se acerca das barreiras criadas pelo Brasil à entrada dos produtos europeus, prometendo ações duras no intuito de abrir os mercados da China, da Índia e da Rússia. Qualificou, ainda, os países emergentes de "teimosos" relativamente às barreiras, assegurando que a União Européia poderá tomar medidas mais duras se o diálogo não tiver resultado. O Sr. Peter Mandelson possui instrumentos para forçar a abertura de mercados do Brasil e da Índia, mas nunca da China ou da Rússia.

Levemos em consideração o seguinte: todo país colonizado mantém certa estrutura administrativa que permite a intervenção estrangeira, seja pela entrada de empresas, pelo financiamento de campanhas eleitorais, ou mesmo por meio da cultura e do pensamento acadêmico. Aos países que não passaram por processos colonizatórios essa estrutura não existe, sobretudo porque ao longo do tempo vão se arraigando valores locais intransponíveis. O rechaço ao estrangeiro, então, é popular.

Os salários baixos são o alicerce de todo o processo. Sem eles, todo o sistema quebraria. Somente com os salários baixos os altos padrões de produção e de consumo podem ser mantidos nas nações ricas. Deles fazem uso todo país rico, sem exceção. Mesmo os Estados Unidos que acusam formalmente a China de promover o trabalho infantil, a filial da Nike americana na Costa Rica também faz uso de trabalho infantil, em que emprega dezenas de milhares de trabalhadores ganhando alguns centavos de dólar por artigo fabricado. Esses mesmos artigos, vendidos principalmente nos países ricos e nos bolsões de riqueza dos países pobres serão vendidos a preços que dão, em média, mais de dois mil por cento de lucro por unidade fabricada.

A China pugna por sua entrada na Organização Mundial do Comércio e é exigência dos países desenvolvidos que esta pratique a liberalização do comércio; que abra sua economia ao estrangeiro. Sabemos todos que isso não vai acontecer, porque se a China abrir a economia e facilitar a entrada dos bens fabricados no ocidente, certamente aquela economia irá se transformar, aos poucos, em uma economia de Terceiro Mundo com todos os intermináveis problemas, como a crescente concentração de renda, a formação de monopólios, o aumento da pobreza e tudo o mais.

É preciso entender que o comércio internacional foi construído de forma a funcionar em favor dos países ricos. Antes do término da Segunda Guerra Mundial, em 1944 na Conferência de Bretton Woods, os Estados Unidos já delineavam, juntamente com a Inglaterra, as regras principais, especialmente de política monetária e de câmbio que seriam praticadas pelo resto do mundo. Os Estados Unidos, inclusive, saem fortalecidos da guerra já que foram os principais fornecedores de armas durante o conflito, além de posteriormente reconstruírem a Europa por meio doEurope Recovering Program, ou Plano Marshall, emprestando cerca de quarenta e um bilhões de dólares até 1953/54.

Bretton Woods é uma pequenina cidade localizada no estado de New Hampshire, Estados Unidos. Seguiu-se à conferência, com a participação inicial de 44 países, a criação do Fundo Monetário Internacional e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento ou ainda, Banco Mundial, nos quais o Brasil é membro-fundador. O acordo inicial previa que as moedas dos países participantes estariam atreladas ao dólar norte-americano podendo variar até um por cento para mais ou para menos e o dólar, por sua vez, estaria atrelado ao ouro, por trinta e cinco dólares a onça. Em nosso ponto de vista, referido acordo assegurou vantagem absoluta aos países ricos nos negócios que seriam realizados dali para frente no comércio internacional. Os países pobres estariam condenados não somente a dar continuidade à política exportadora, mas sobretudo pôr em marcha políticas amplamente desfavoráveis aos interesses dessas comunidades.

Uma vez que os países pobres teriam suas moedas atreladas a um padrão-ouro, seria preciso incorrer em políticas monetárias severas para não desgarrar desse padrão. Resta claro que, para manter esse nível monetário, muitos desses países teriam de emitir dinheiro, prática usual no Brasil, ou mesmo que desvalorizar o câmbio para manter a paridade. A emissão, entretanto, é inflacionária e sem que haja expansão do mercado, pode ser o disparar de um processo inflacionário colossal. A inflação, outrossim, durante os anos 70/90 desgraçou a economia do Terceiro Mundo. Analisando apenas superficialmente as economias pobres da África, Ásia e América Latina, observamos a inflação acompanhar a queda de governos e ao mesmo tempo a ascenção de ditaduras, muitas financiadas pelos EUA. Na América Latina, o Chile, o Peru, a Argentina e o Brasil são exemplos. Na África, um eterno derramamento de sangue foi e continua sendo protagonizado no Zimbábue, Somália, Senegal e tantos outros, que restam exemplos claros da imoralidade européia. Em Ruanda, o genocídio que ceifou a vida de quase 1 milhão de pessoas da etnia tutsi em 1994 pelos hutus, se deu por conta da desordem generalizada no país, instalada desde a retirada do colono belga, em 1962.

Atualmente, as principais economias da Europa vivem um martírio.

Com todo o regramento imposto por Bretton Woods para o efetivo controle das economias pobres, que além de tudo enfrentam um comportamento de preços de commodities sempre firme à baixa, não se vislumbrou a possibilidade de alguma economia furar esse cerco. A China é inquestionavelmente o maior problema para os países ricos – problema, aliás, sem solução aparente.

A graus muito variáveis e com muito baixa freqüência, os países ricos comercializam tecnologia entre si. O comércio entre os países europeus fica mais a cargo de bens não duráveis de consumo e ainda assim, as restrições são enormes. Os países ricos são protecionistas e é por isso que são ricos. Naturalmente que mantendo suas tecnologias funcionando no Terceiro Mundo, terão mercados de consumo assegurados assim como as exportações dos manufaturados destes que lhes darão mais lucro na operação final, já que no processo terminal de fabricação muito pouco será agregado localmente.

Ocorre, entretanto, que a China pouco a pouco está invadindo esses mercados de consumo no Terceiro Mundo. A evolução da economia chinesa pode bem ser apresentada com os seguintes dados: somente em 2003, a China foi responsável por 43% do crescimento das exportações do Japão, Coréia 45%, Alemanha, 28% e por aí vai. Há um equívoco da parte dos analistas com a idéia da "inundação" de produtos chineses na Europa. Isso, de fato, não está acontecendo, afinal de contas as exportações chineses para a Europa são muito pequenas. O que está acontecendo é uma inundação de produtos chineses no Terceiro Mundo, que são mercados assegurados pelos países ricos desde o término da Segunda Guerra.

Com o surgimento da China como grande partícipe do comércio mundial, a situação se agrava a todos: ricos e pobres. Aos pobres, por exemplo: até 2002, a China exportava aos Estados Unidos 94% das categorias de produtos que os países sul-americanos vendiam a este país. Sabe-se que mais da metade do comércio mundial ocorre entre países localizados dentro de um raio de 3.000 quilômetros, o que significa que a distância sempre foi determinante aos custos de transporte. Aos ricos, seus mercados de consumo no Terceiro Mundo - quase propriedade exclusiva -, são conduzidos pouco a pouco aos produtos chineses.

A tendência, então, deverá ser uma disputa gigantesca travada entre países ricos e China por matérias-primas e mercados de consumo. Quanto a matérias-primas, penso que não há problema. Há para todos, já que os governos dos países pobres se encarregam de destruir todo o meio ambiente que resta em nome da exportação e do desenvolvimento. Aos mercados de consumo, sem pedir licença, a China entra, fica e vai crescendo.

Conclusão

Em que pese o esforço do povo brasileiro em tentar conquistar padrão de vida melhor, parece que esse direito sempre foi - e continua sendo das comunidades dos países ricos.

É preciso compreender, vez por todas, que o valor-trabalho que se realiza em uma nação pobre é transferido por meio do comércio internacional a uma nação rica. Esse é o princípio da concentração internacional da renda que possibilita a um trabalhador médio de um país rico qualquer, realizar menos horas de trabalho para adquirir um determinado bem, em relação a um trabalhador médio do Terceiro Mundo. Em alguns casos, essa diferença chega a ser de 50 para 1, isto é, há casos em que os salários pagos em países ricos chegam a ser 50 vezes superiores a salários pagos nas nações pobres.

Nos países ricos há escolas e ensino de qualidade, há saúde pública também com qualidade, há investimentos em pesquisa e tecnologia e, ainda, acumulam riqueza para manter todos esses elevados padrões. Sempre foi o contrário no Terceiro Mundo. Não se trata de atraso tecnológico ou de populações menos capacitadas. Trata-se da história recente do Homem, resumida por um sistema escravocrata e espoliativo a que as nações ricas subjugaram o Terceiro Mundo.

Com severa dificuldade, os países pobres ainda conseguem desenvolver certa cultura local, mas que já se esfacelou há tempos, como também, um pequeno desenvolvimento tecnológico geralmente criado e desenvolvido em algumas universidades. No geral, o pensamento acadêmico é sempre recheado de um cinismo e de um bizantinismo esotérico que derivam sempre do pensamento acadêmico oriundo do estrangeiro, especialmente nas áreas de economia, psicologia, sociologia, direito e sobretudo nas áreas técnicas, como a engenharia e a medicina.

Tudo o mais vai se desenhando conforme os investimentos estrangeiros vão permitindo. No geral, o Terceiro Mundo está sempre se empenhando em exportar mais e mais, a ter recursos com que adquirir a tecnologia necessária a seu desenvolvimento. Sobre a padronização tecnológica, que resulta no maior dos equívocos, tenho a dizer que todos os países pobres são dependentes da tecnologia estrangeira e nenhum deles teve – ou tem – a oportunidade de desenvolvê-la internamente, conforme as necessidades locais, o que deveria impor desenvolvimento tecnológico variado sem a necessidade de padronizá-lo. As máquinas e equipamentos concebidos nos países ricos são, no geral, dimensionadas a atender grandes mercados de consumo e, por essa razão, grandes consumidoras de matérias-primas e pouco utilizadoras de mão-de-obra. Quando importados para o Terceiro Mundo, vão encontrar graves problemas de adequação que nunca se ajustam: primeiro porque vão atender mercados de consumo reduzidos, porque baixa a renda local associada com o esforço exportador; logo vão trabalhar sempre na ociosidade. Além disso, vão encontrar escassez de matéria-prima, já que esta é escoada para fora ou irá atender à demanda interna imposta pelas indústrias estrangeiras. Em terceiro, os financiamentos para a aquisição desses equipamentos tendem a aumentar porque em seguida são adquiridas as inovações que impõem novos financiamentos. Em quarto, a mão-de-obra especializada para dar manutenção a esses equipamentos tende a ser sempre oriunda dos países de origem; além do mais a pouca mão-de-obra técnica a duras penas formada aqui e muitas vezes com investimento público irá se deslocar para os países ricos, atraídos pelos altos salários, ou irá compor os quadros de funcionários das empresas estrangeiras. E ainda, a importação dessa tecnologia irá fatalmente desempregar mais. É a máquina da dependência e do desajuste econômico e social que jamais deu espaço ao progresso local.

As regras do comércio internacional precisam ser imediatamente revistas. Os preços das mercadorias exportadas pelo Terceiro Mundo são muito baixos e isso impõe um esforço sem limite, já que não há possibilidade de capitalização inicial. O progresso é direito de toda nação soberana.

Com o novo desenho da economia global, associado com a grave crise financeira que se apresenta à época em que escrevo este artigo, a humanidade caminha para um caos generalizado. O mais impressionante, contudo é que jamais se discutiu objetivamente a importância do preço das matérias-primas exportadas pelo Terceiro Mundo, embora economistas como o argentino Raúl Prebisch tenham realizado estudos que comprovam tecnicamente essa posição. Objetivamente, a alta progressiva e ordenada das matérias-primas poupariam-nas de um lado e forçariam a queda dos padrões de desperdício gerados nas nações ricas.

Tudo o mais, que se ajusta segundo esse sistema econômico intolerável nos centros urbanos de todo o mundo, absorvendo recursos de toda monta essenciais ao verdadeiro progresso, caminhamos para o franco esgotamento dos recursos naturais, da agressão sistemática ao meio ambiente e da possibilidade cada vez mais escassa de equacionar o problema.