AS PERSONAGENS FEMININAS NO ROMACE MEMORIAL DO CONVENTO DE JOSÉ SARAMAGO

Cícera Eliseuda de Maria


RESUMO: Este trabalho tem como objetivo investigar de que forma acontece a transgressão das principais personagens femininas de José Saramago, em especial tratado na obra Memorial do Convento (1982). O romance representa uma investida no campo da narrativa histórica. A obra percorre um período de aproximadamente 30 anos na história de Portugal à época da Inquisição. O autor critica Portugal que submetia o povo à exploração e à miséria, apesar da riqueza do país. Suas personagens estão divididas entre a sofisticação da Corte e a simplicidade da vida popular. Nesses dois grupos distintos, José Saramago trata as personagens femininas de forma especial, mostrando seus diferentes comportamentos.

Palavras ? chave: Submissão feminina. Miséria. Religiosidade.



1 INTRODUÇÃO


Este trabalho visa identificar como a presença das personagens femininas em Memorial do Convento, de José Saramago, é de fato essencial para o enredo da narrativa, como também observar a sua e evolução e fazer uma leitura das possibilidades de transgressão dessas personagens, detendo-se, principalmente, na trajetória de D. Maria Ana Josefa e Blimunda, seu o processo de amadurecimento e transformação, retirando o que se concretiza no seu dia-a-dia e elevando-as a uma categoria de universalidade. Nessa universalidade proposta, buscaremos decifrar o que pode expressar essas duas mulheres, as quais uma é do povo e a outra da corte real.
Iremos também confrontar as informações levantadas com as principais características das personagens. O objetivo deste trabalho é também apresentar e discutir alguns dos questionamentos levantados por José Saramago, tendo como foco principal o referido romance.

2 ESTILO E ESTRUTURA DA OBRA MEMORIAL DO CONVENTO
José Saramago é conhecido por utilizar frases e períodos compridos, usando a pontuação de uma maneira não convencional. Os diálogos das personagens são inseridos nos próprios parágrafos que os antecedem, de forma que não existem travessões nos seus livros: este tipo de marcação das falas propicia uma forte sensação de fluxo de consciência, o que faz com que o leitor confunda-se se um certo diálogo foi real ou apenas um pensamento.
Estas características tornam o estilo de Saramago único na literatura contemporânea: é considerado por muitos críticos um mestre no tratamento da língua portuguesa.
Memorial do Convento surge (1982), nele Saramago mistura fatos reais com personagens inventados: o rei D. João V e Bartolomeu de Gusmão, com a misteriosa D. Blimunda e o operário Baltazar, e a submissa D. Maria Ana Josefa, por exemplo.
A obra está dividida em 24 capítulos, apesar de não aparecerem numerados ou titulados.
O narrador é em terceira pessoa e não participa da ação, porém assume por vezes o ponto de vista de alguns personagens, quando ocorre ele passa a narra em primeira pessoa do singular ou até mesmo do plural.

3 ENREDO DA OBRA

O Romance Memorial do Convento narra o período de construção de um Convento, em Mafra, em cumprimento de promessa feita pelo rei D. João V. que fizera para garantia de sua sucessão. Concomitantemente, é narrada à construção de uma passarola (uma espécie de navegação à vela), sonho do padre Bartolomeu com os auspícios do rei, mas perigosamente à margem do Santo Ofício. O padre é ajudado pelo casal Baltasar e Blimunda. Baltasar, um pobre soldado maneta (nome pejorativo dado ele por não possuir a mão esquerda, perdida por ocasião da guerra que participara), de passagem por Lisboa em dia de auto-de-fé, conhece Blimunda (dotada de poderes sobrenaturais, capaz de vê o que há no interior das pessoas, quando está em jejum), sua mãe (também dotada de estranhos poderes) concede-lhe a Baltazar, quando está a caminho do degredo. Blimunda passa, então, a manter um relacionamento definitivo com Baltasar, com as bênçãos do padre, numa comunhão raramente encontrada entre casais.
4 CARACTERIZAÇÃO DAS PERSONGENS
O personagem de ficção é sempre complexo e múltiplo porque, na sua construção, foi possível combinar inúmeros elementos de caracterização, os quais podemos dizer incontáveis quando comparados aos traços humanos detectados no modo de ser cotidiano das pessoas. A composição desses elementos, organizados dentro de uma determinada lógica, cria a ilusão do ilimitado, fazendo de uma figura humana simples e comum como Blimunda uma potencialidade de sentimentos, um espaço sem fronteiras.
Será através da personagem Blimunda, com sua capacidade extraordinária de ver o que realmente há no mundo, é que o narrador poderá olhar dentro da história do século XVIII e enxergar verdadeiramente os deslizes religiosos e morais, mostrando a corrupção da Igreja, os excessos da nobreza,com o fanatismo religioso de D.João V , que condena sua nação a servir sua religiosidade por vaidade, bem como o investimento caríssimo na construção do Convento de Mafra, e a ação da Inquisição, instalada em Portugal para atender os interesses da Coroa visando o enriquecimento, através dos bens tomados dos judeus, e a imagem verdadeira de uma sociedade que escondia suas fragilidades: sujeira, doenças e diferenças sociais.

A figura das personagens femininas

A figura da Rainha D.Maria Ana Josefa é apresentada como uma rainha triste, passiva e insatisfeita, vivendo um casamento de aparência, com falso código ético moral e religioso, onde as regras e formalidades se estendem até o leito conjugal, isto é fazendo do ato de amor com o rei um encontro frio programado e indiferente, uma sexualidade reprimida, que tem como maior objetivo o milagre da fecundação. Foi o que levou o rei a fazer uma promessa de levantar um convento em Mafra, caso a concepção ocorresse. Ela representa a mulher que só através do sonho se libertará de sua condição de aristocrática para assumir sua feminilidade.
A transgressão onírica é a única expressão que sucumbe a rainha, que tem um sentimento de culpa, por sentir uma atração pecaminosa pelo cunhado D. Francisco, isso a conduz a fazer uma busca constante de redenção através da oração e da confissão sacerdotal.
Ela vive num ambiente repressivo com proibições que regem sua existência e para a qual não há saída, a não ser através dos seus sonhos, onde poderá de fato explorar sua sexualidade. E com a responsabilidade de dá um sucessor ao rei,embora consciente da virilidade e infidelidade do marido, que tem vários filhos bastardos. Ela assume uma atitude de passividade e de infelicidade perante a vida.
E, assim, D. Maria Ana vive pressionada pela responsabilidade de dar herdeiros ao marido, já que a culpa de tal ainda não ter acontecido é dela, pois esterilidade como bem lembra o narrador, ironicamente, não é problema dos homens, o que prova a virilidade do rei. Nesse ambiente onde as proibições e repressões ditadas pela Igreja e pelo Estado interferem diretamente no comportamento, a ela é proibida qualquer atitude que fuja aos padrões do modelo de família exigidos pela sociedade. Em meio ao luxo e a riqueza, D. Maria Ana vai acumulando dentro de si uma sensualidade que não pode explorar, já que seus encontros sexuais com o rei representam unicamente o cumprimento do dever conjugal.

A figura da personagem Blimunda ,mulher sensual e livre

Ao contrário da rainha, Blimunda, é uma mulher com características fortes, com sensualidade e inteligência. Ela será referencia para o autor tratar das dúvidas e inquietações do ser humano em relação à morte, ao amor, ao pecado e à existência de Deus. Ela representa a vida do povo. É verdadeira, sem subterfúgios, mulher de poderes incomuns, e cuja mãe, Sebastiana Maria de Jesus, por ter poderes semelhantes, é vista como feiticeira e por isso é banida para Angola, País do continente Africano. Vive de forma livre em um mundo onde não há regras e formalidades para escravizá-la. Mundo bem diferente daquele vivido por D. Maria Ana, que recebe de seu confessor ensinamentos para resignar-se com as traições do marido, inclusive aquelas cometidas com as freiras nos mosteiros, a quem ele emprenha uma após outra. Apesar de ter uma vida simples e pobre, a ela é dado o direito ao amor, à liberdade, à plenitude.
O encontro de Blimunda com Baltasar Sete-Sóis, um soldado que perdeu a mão esquerda na guerra de sucessão pelo trono espanhol, acontece em um espetáculo da Inquisição, onde a mãe de Blimunda está sendo condenada a oito anos de degredo no reino de Angola. A sensibilidade à flor da pele leva essas duas mulheres a se comunicarem mentalmente, já que não podem se aproximar uma da outra. As visões de Sebastiana indicam que aquele homem maneta que vê, seria companheiro de sua filha, por isso inspira Blimunda a perguntar ao desconhecido "Que nome é o seu". Blimunda obedece à ordem mental de sua mãe que contribui, dessa forma, para que uma relação de união e paixão comece naquele momento.
(...)Por que foi que perguntaste o meu nome, e Blimunda respondeu, Porque inha mãe o quis saber e queria que eu o soubesse, Como sabes, se com ela não pudeste falar, Sei que sei, não sei como sei, não faças perguntas a que não posso responder, faze como fizeste,Vieste e não perguntaste porquê. MC, p 49.
Nasce a partir desse diálogo uma história de amor sem culpa ou cobranças, Blimunda se permite estar com Baltasar sem perguntas, sem porquês. Sua pureza é entregue a ele, por amor, da forma mais simples e apaixonada, sem compromisso, sem culpa. Sua capacidade de ver por dentro, deixa-a certa de que, com aquele homem, dividirá uma vida.
No relacionamento narrado pelo autor entre Blimunda e Baltasar, é possível vê a cumplicidade e fidelidade entre eles,o que faz com que ela o confesse: " Eu posso olhar por dentro das pessoas ". MC, 69. Ela que só tem tais poderes se estiver em jejum, por isso come antes de abrir os olhos.
Blimunda, numa atitude amorosa e protetora poupa Baltasar e a ela mesma quando promete que nunca o verá por dentro. É inteligente e conhece as diferenças entre ela e a mãe no tocante às visões que ambas possuem.
A ela não importavam os conceitos preestabelecidos, os dogmas, os ensinamentos recebidos. Questionava os santos, não conseguia conceber santidade em pessoas comuns. Ficava surpresa quando, em jejum, não conseguia ver Deus na hóstia.
CONCLUSÃO

As personagens trabalhadas pelo autor representam as mulheres pertencentes a uma sociedade repressiva e hipócrita, cada uma vivida no seu mundo, embora ambas tenha algo em comum, a sensualidade e o desejo pela realização de viver livremente.
O romance Memorial do Convento nos faz analisar o quanto à capacidade de ver verdadeiramente as coisas que estão distantes de nós, porque na verdade, só vemos o que desejamos. A personagem Blimunda era especial, pois podia ver o que as pessoas comuns não poderiam: a essência, a verdade das coisas. E isso consiste em ver também o que é desagradável, o que é sujo, triste, o que todos nós preferimos não ver. D.Maria Ana, representava o modelo de mulher submissa, sem crença nos seus valores, vivia num mundo superficial, representando apenas o que as pessoas queriam ver, a hipocrisia.
As personagens são construídas simultaneamente com o enredo. Os detalhes são importantes nessa composição, os gestos, a interação estabelecida com os personagens, às associações simbólicas empregadas pelo narrador. São elas que assumem atitudes que desafiam as normas do comportamento adequado, ameaçam as regras sociais e reformulam os

REFERÊNCIAS

SARAMAGO, José. Memorial do Convento. São Paulo: Editorial Caminho, AS. Lisboa, 1982 .
Disponível< scholar.google.com.br/.> Acesso em 06 de junho de 2011.
Disponível< http://scholar.google.com.br/> Acesso em 13 de junho de 2011.